domingo, 22 de abril de 2018

Opinião do dia: Alberto Aggio*

Haveria que superar conceitos e preconceitos nesta hora e pensar no reformismo como uma estratégia ampla e plural que abrigaria ações incrementais de mudança, sempre no interior dos marcos da democracia. O reformismo trava uma árdua batalha para renovar a si mesmo em meio a ataques do maximalismo de direita, que empastela tudo como sendo “comunista”, e daqueles que, afirmando o caráter histórico da grande transformação como uma época de transição, advogam por uma ruptura com a chamada “lei dos consensos”, que supostamente bloqueia a democracia. Recentemente, foi esse o fulcro do embate eleitoral nos Estados Unidos, na Alemanha e na Itália, que resultou em maiores ou menores derrotas do reformismo.

Revolta e rechaço unem de maneira funcional, mas pouco lógica, duas pontas distantes num combate sem tréguas ao reformismo. E este, por sua vez, deverá jogar sua sorte na sua capacidade de projetar transversalidades programáticas voltadas para as respostas exigidas por uma sociedade globalizada e em transformação permanente. É ainda uma luz para uma história que não está finalizada.
----------------------
* Alberto Aggio é historiador, professor titular da Unesp. “Descaminhos e batalhas do reformismo”, O Estado de S. Paulo, 21/4/2018

FHC e os males do Brasil

Em novo livro, o ex-presidente fala do descompasso entre o avanço da sociedade e o atraso dos sistemas políticos

Por Roberto Pompeu de Toledo | Revista Veja

Há um grito parado no ar. Assim reza a primeira linha do primeiro capítulo de Crise e Reinvenção da Política no Brasil, o novo livro de Fernando Henrique Cardoso, que chega neste fim de semana às livrarias. O grito é de uma sociedade perplexa e indignada com a corrupção e o desgoverno, mas também de uma “classe política” acuada e desnorteada e, não menos sonoro, de analistas que tateiam no escuro em busca do sentido destes dias. “Vivemos uma aceleração da história”, afirma o autor, mais adiante. “Crises e mutações se sucedem e causam uma sensação de vertigem.” Retomando Marx, acrescenta: “Tudo o que é sólido desmancha no ar”. E, insistindo em Marx, agora na afirmação famosa de que os filósofos apenas interpretaram o mundo, quando o importante é transformá-lo, conclui: “Mais do que nunca, é imperativo interpretar o mundo para poder transformá-lo”.

O livro, adverte Fernando Henrique no prefácio, teve a participação do cientista político Sergio Fausto e do diplomata Miguel Darcy de Oliveira, ambos colaboradores do instituto que leva o nome do ex-presidente, com os quais houve “uma intensa troca de opiniões, correções e agregações de textos”. O processo de elaboração teve por base quinze longas entrevistas comandadas pelos dois parceiros. Nem por isso a obra é menos FHC, que a conduz em primeira pessoa, salpica-a de experiências vividas em seus mandatos e deixa sua marca a cada parágrafo. Os temas tratados são múltiplos, da derrocada do PT à reforma da Previdência, Trump, Macron e Brexit, mas grosso modo o livro se organiza em torno de três eixos: (1) as diferenças entre a sociedade atual, que ele chama de “contemporânea”, nascida nos anos 1990, e a sociedade “moderna” que a antecedeu; (2) a discrepância entre os avanços da sociedade e o atraso dos sistemas políticos; e (3) que fazer?. As habilidades do sociólogo e do político, ambos em boa forma aos 86 anos, combinam-se num trabalho que é também uma peça de combate, com um olho na eleição deste ano e além.

1. O contemporâneo e o moderno
A sociedade moderna era mais fixa e previsível. A grande clivagem eram as classes sociais, e as demandas se organizavam por meio de coletivos como os partidos e os sindicatos. “A despeito das tensões da guerra fria (…), os fluxos de capitais eram comparativamente pequenos e menos voláteis; o comércio internacional crescia, mas as empresas, mesmo as multinacionais, operavam dentro das fronteiras dos Estados nacionais; as tecnologias de produto e de processo, que se haviam transformado com a guerra, se estabilizaram no momento posterior.” Nos anos 1990 entram em fase acelerada de evolução avanços tecnológicos na nanotecnologia, na internet, na robotização. As grandes empresas pulverizam suas fábricas entre diferentes países ao mesmo tempo em que os mercados se interconectam, tudo com o objetivo de “concentrar os centros de criatividade, dispersar a produção em massa para locais de mão de obra abundante e barata e unificar os mercados, sobretudo financeiros”. Acrescente-se a incomparável revolução nas comunicações e está dada a partida para a transformação da sociedade moderna em contemporânea. A televisão é moderna; a internet é contemporânea.

• “A fantasia romântica de que a representação política deve espelhar diretamente a vontade da sociedade só é realizável como farsa totalitária”

“Sociedades novas não quer dizer ‘boas sociedades’”, adverte Fernando Henrique. A globalização produzirá ganhadores e perdedores. Na nova sociedade as classes sociais não têm a preeminência de antes, no papel de grande divisor das lutas políticas; ganharam a concorrência de fatores de identidade como o gênero, a raça, a religião, a orientação sexual. Os sindicatos e os partidos perderam terreno para os movimentos e, sobretudo, para o indivíduo informado e conectado. “Tomando emprestado conceitos usados por intelectuais como Manuel Castells, Anthony Giddens e Ulrich Beck, as pessoas tendem a ser mais inteligentes, rebeldes e criativas do que no passado, na medida em que são chamadas a fazer julgamentos de valor e escolhas na vida onde, antes, havia conformidade com um destino preestabelecido.” Fernando Henrique afirma ter sido educado na ideia de que o indivíduo era contra o coletivo, e que “o bom é coletivo; o indivíduo significa egoísmo”. O indivíduo de hoje, no entanto, não é egoísta, mas participante. “Cidadãos informados e alertas não aceitam o papel de plateia passiva. Não querem ser espectadores, mas atores.”

2. Sociedade e política
O avanço da sociedade não foi acompanhado pelos sistemas políticos. Há um descompasso e um estranhamento entre um mundo e o outro. “O desafio está justamente em encontrar — ou inventar — as formas mais propícias à reconexão entre ‘o mundo da vida e da sociedade’ e ‘o mundo das instituições e do Estado’.” Tão apartado está o Estado das aspirações da sociedade que virou um estorvo. “A visão dominante em minha geração era a de que o Estado deveria defender a nação das arremetidas do imperialismo e proteger os pobres da superexploração da empresa privada.” Hoje o Estado “não só é grande como gorduroso” e apresenta um custo elevado a seu patrocinador, a sociedade. O Estado é identificado com “as corporações, os privilégios, a distribuição regressiva da carga tributária, o crédito subsidiado às empresas amigas do rei”. Sua grande e insubstituível função de provedor de “políticas públicas universalizadoras” fica obscurecida pelo acúmulo do acervo negativo.

Igual desprestígio atinge os partidos. Segundo o cientista político Jairo Nicolau, o Congresso atual, com seus 25 partidos, apresenta a maior fragmentação partidária entre todas as democracias do mundo nos últimos setenta anos. Salvo PSDB, PT e uns poucos mais, os partidos “se opõem uns aos outros sem que se saiba por quê”. O cidadão não se sente — nem é — representado. Representados são grupos de interesse — “da educação, dos donos de hospital, dos planos de saúde, dos bancos, dos ruralistas, da ‘bala’, e por aí afora” — pelos quais se mobilizam frentes suprapartidárias. Os partidos se organizam em diretórios nos quais se travam as disputas internas de poder. Ora, o cidadão está pouco se importando com isso. Importa-lhe “batalhar por uma causa: direitos humanos, meio ambiente, mulheres, gays, antirracismo”, questões às quais os partidos se mantêm alheios. “A desconexão entre a sociedade e a política é abissal.”

• “Getúlio se dirigia a “trabalhadores”. “No mundo de hoje, os políticos falam com as pessoas”

Bolívar Lamounier*: O outubro de nossas preocupações

- O Estado de S. Paulo

Dependendo das eleições, a situação do País pode melhorar um pouco ou piorar muito

O script é difícil e o elenco deixa a desejar. Essa a proposição dominante a respeito da eleição presidencial e de seus efeitos na recuperação econômica do País. Dela podemos derivar uma conclusão provisória: em 2019 o quadro pode melhorar um pouco ou piorar muito.

Sobre o script não precisamos alongar-nos muito. O governo Temer conseguiu evitar o desastre iminente que se delineou durante o segundo mandato de Dilma Rousseff e chegou a aprovar alguns projetos importantes no Congresso Nacional. Mas ao entrarmos no ano eleitoral as coisas tornaram-se mais difíceis, o tsunami da corrupção pôs toda a classe política em xeque e as relações do Executivo com o Legislativo tornaram-se escorregadias, para dizer o mínimo. Não passamos nem a reforma da Previdência, com o que a questão fiscal continuará a pairar sobre o País como uma espada de Dâmocles, premonição de um possível retrocesso.

Mas a variável-chave, como comecei a dizer, é o elenco. Temos aí uma dúzia e meia de candidatos ou quase candidatos, todos por enquanto muito débeis, nenhum que arrebate os corações e as mentes. O aspecto mais curioso – para não dizer patético – é a óptica pela qual os analistas e observadores tentam decifrar esse caleidoscópio. A maioria se contorce para tentar encaixá-los na dicotomia esquerda x direita. Poucos se dão conta de que esse esquema já deu o que tinha para dar. Os augures (adivinhos) da Antiguidade provavelmente chegariam mais perto da realidade, pois se contentavam em examinar o voo de certas aves ou as entranhas de certos animais, e aí diziam qualquer coisa, o que lhes viesse à mente. Os príncipes ficavam contentes e iam ou não à guerra conforme a “previsão” que lhes era passada.

Os termos esquerda e direita, como se recorda, provêm da Revolução Francesa; surgiram como indicativos das posições ocupadas na Assembleia Nacional pelos jacobinos e girondinos. Assumiram, desde então, pelo mundo inteiro, inúmeros significados, adaptando-se aos interesses políticos das forças em confronto em cada país. 

Eliane Cantanhêde: Joaquim


- O Estado de S.Paulo

Ex-STF tem de conquistar eleitores antes de anular condições negativas

Joaquim Barbosa tem todas as condições subjetivas para se tornar a maior novidade da eleição, mas ainda lhe faltam as condições objetivas para virar o primeiro negro presidente da República, assim como foi o primeiro a ocupar uma cadeira no Supremo e a presidi-lo. A diferença é que, agora, seria pelo voto popular.

Síntese dos principais candidatos, Joaquim tem os seus predicados sem ter seus “defeitos”, mas não tem um partido organizado como o PT, ou simpático à elite como o PSDB ou com ramificação e tempo de TV como o MDB.

A exemplo do ex-presidente Lula e de Marina Silva, se identifica com a maioria do povo brasileiro e é uma referência, pois saiu de família humilde e “subiu na vida”. E, como Marina, tem uma sinceridade rara na política. Se ela diz que será “um milagre do povo e de Deus” se vencer com segundos de TV, Joaquim admite que ainda “não se convenceu” de ser candidato.

Mas, diferentemente de Lula, ele não está preso, não sofre oito inquéritos, não é acusado de promiscuidade com empreiteiras nem de ter fatiado a Petrobrás entre os partidos, e os fundos de pensão entre sindicalistas. Ao contrário, carrega a marca do julgamento do mensalão, tal como Sérgio Moro, a do petrolão.

E, ao contrário de Marina, ele nunca foi testado numa campanha política, nunca se expôs às provocações de adversários, a investigações e a perguntas espinhosas da mídia. Pelo menos, não na mesma intensidade de Marina. Sabe-se muito de suas qualidades e pouco dos seus defeitos.

Joaquim disputa com Bolsonaro a imagem de “não-político”, verdadeira no caso do ex-ministro e falsa no do ex-militar, que não só faz política há um quarto de século como pôs a ex-mulher e os três filhos na política. E dá para comparar o seu temperamento com o de Ciro Gomes: explosivos, não levam desaforo para casa. Mas a coleção de atritos e desaforos de Ciro (ainda) é muito maior.

Vera Magalhães: Eleitor solteiro procura

- O Estado de S.Paulo

Joaquim Barbosa deu pinta de ser um pretendente para o eleitor solteiro casar

Para além de cruzamentos, cenários e estratificações, o quadro geral pintado pela pesquisa Datafolha – a primeira após a retirada de Lula do páreo – mostra um eleitorado ainda à procura de um candidato para chamar de seu.

A superpopulação de postulantes nanicos lembra aqueles reality shows de namoro em que mocinhas casadoiras recebem ofertas de dúzias de pretendentes para os quais dão de ombros, entediadas.

Os poucos que conseguem angariar um punhado de votos ainda não dão pinta de que vão ser “o” ou “a” escolhido(a). O que parece faltar na plêiade de candidatos são os atributos buscados por esse eleitor-noiva que já passou por tantos relacionamentos frustrantes e que acabaram mal que está mais cético desta vez.

Fernando Henrique Cardoso diz que Geraldo Alckmin é maratonista, por isso crescerá mais adiante. Ele e a maioria dos partidos parecem raciocinar segundo os cânones que ditaram as campanhas até aqui: estrutura partidária e alianças amplas garantiriam muito tempo de TV e, automaticamente, passagem ao segundo turno.

O PT, por sua vez, retarda a estratégia eleitoral baseado na crença de que Lula será capaz de realizar, mesmo preso, o milagre da transferência de votos que operou com Dilma Rousseff.

Será que esses mandamentos das campanhas continuam válidos em 2018, pós-Lava Jato? Me parece que candidatos e partidos subestimam o efeito que a operação terá sobre a decisão de voto. Comparar a situação de hoje com a de 2006, quando Lula se reelegeu a despeito do mensalão, é outro erro. Ali a economia ia de vento em popa, o então presidente escapou de ser tragado pelo furacão e o que se tinha era um esquema bem menos abrangente que o revelado agora. Mais: não havia ninguém condenado ou preso nem figuras com o peso simbólico de um Sérgio Moro do outro lado.

Míriam Leitão: As incertezas de 2018

- O Globo

Voto anticorrupção atingirá os partidos protagonistas.

Nos últimos 20 anos, ou cinco eleições, o principal embate foi entre PT e PSDB. Neste ano, os dois partidos mais competitivos do país nas eleições presidenciais, nessas duas décadas, estão feridos pelas investigações de corrupção. A incerteza será a marca desse processo e ela pode persistir até a boca da urna, os cenários eleitorais estão em aberto.

O cientista político Jairo Nicolau tem sustentado que é errado comparar a atual eleição com a de 1989 como costumeiramente tem sido feito. Argumenta, com gráficos que tem postado em suas contas nas mídias sociais, que o ex-presidente Fernando Collor liderou as intenções de votos durante a campanha. Ele começa seu gráfico faltando 165 dias para a eleições. Hoje faltam 168 e não há um favorito claro. O ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas, será, provavelmente, declarado inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Em 1989, a disputa que houve foi em torno do segundo lugar. Collor estava com 43% das intenções de voto em junho. Caiu, após o início do horário eleitoral, mas foi para o segundo turno com 28,5% dos votos. Lula estava com 8% e Brizola com 15%. Lula cresceu, com o programa eleitoral e, no final, com 16,08%, ultrapassou Brizola. A grande incerteza, portanto, era quem disputaria com Collor. “O quadro de 2018 é de uma imprevisibilidade nunca vista em nenhuma eleição brasileira", disse Jairo Nicolau no Twitter.

De fato, visto por esse ângulo, 1989 não parece tão incerto. Mas houve mudanças e momentos dramáticos. Em março, Collor estava com 9%, Lula com 16% e Brizola, com 19%, segundo o livro “A Era Collor”, de Rodrigo de Carvalho. No segundo turno, houve um momento de empate nas intenções de voto. Faltavam três dias para as eleições, quando o Datafolha registrou 46% para Collor e 45% para Lula. A votação foi no dia 17 de dezembro. Ou seja, a eleição de 1989 foi suficientemente incerta. O que Nicolau está dizendo é que esta será ainda mais. De igual entre 1989 e 2018 o que há é a alta rejeição do presidente em exercício. Na véspera das eleições, 65% consideravam o governo Sarney ruim ou péssimo, segundo o Datafolha. Hoje, 70% têm essa avaliação de Temer.

Merval Pereira: O papel dos advogados

- O Globo

Num momento em que os advogados estão na berlinda, tão criticados quanto necessários nesses tempos de Lava-Jato, o advogado José Roberto de Castro Neves não faz por menos. Em livro recém lançado, ele simplesmente defende a tese de que os advogados salvaram o mundo, como está explicitamente no título da obra.

Na opinião arrebatada de outro advogado, Técio Lins e Silva, o livro é uma legítima defesa dos advogados, que os magistrados e membros do Ministério Público deveriam ler. Embora não fale da Lava-Jato, José Roberto a considera obra de advogados idealistas, jovens que decidiram enfrentar o sistema, como tantos outros advogados idealistas no passado, que buscavam um mundo mais justo e correto.

No fundo, avalia José Roberto, os valores que animam os procuradores, membros do Ministério Público, delegados da Polícia Federal e juízes, a fim de desbaratar a corrupção no país, são os mesmos que motivaram Calvino, Cromwell, Jefferson, Danton, Gandhi ou Mandela, todos advogados, contra injustiças que encontraram. “A mensagem é de esperança”, acredita o autor.

José Roberto tem uma visão humanista de sua profissão, vê como indispensável ao bom advogado a literatura, a História, as artes, sobretudo define o advogado como aquele que, além de falar pelo outro, deve colocar-se no lugar do outro que representa.

Especialista em Shakespeare, tem um estudo sobre a comédia “Medida por Medida” em que analisa o Direito à luz dos desdobramentos da peça. E participou de uma antologia de textos de advogados sobre Shakespeare, escrevendo sobre os canalhas que aparecem em suas peças e como eles são nossos conhecidos até os dias de hoje.

Bruno Boghossian: Nem por decreto

Adicionar legenda
- Folha de S. Paulo

De fato, é mais fácil bater no Michel Temer

“É fácil bater no Michel Temer.” A frase que o presidente decidiu levar à TV na sexta (20) soa como o slogan de sua resignação diante dos pífios índices de aprovação que ostenta. Essas palavras traduzem também –e com simplicidade– as principais causas da paralisia que se observa no Congresso e da lentidão da retomada da economia.

A impopularidade de Temer se sedimentou na entrada do ano eleitoral, dispersou ainda mais a base parlamentar do governo e praticamente eliminou as chances de avanço de pautas como a privatização da Eletrobras e a reforma tributária.

Na largada de uma campanha que será marcada pela rejeição à política tradicional, deputados e senadores preferem limitar seus pontos de contato com um presidente cuja imagem pode ser tóxica.

O principal símbolo dessa debandada foi o placar obtido pelo MDB na recente temporada de trocas partidárias. A sigla do presidente caiu de 65 deputados para 51 –maior redução entre as legendas da Câmara.

Sem apoio, o Planalto foi obrigado a absorver derrotas nas últimas semanas. Viu sua coalizão derrubar o veto ao refinanciamento de dívidas de microempresas, foi vencido por uma obstrução da base aliada na votação do cadastro positivo e ficou obrigado a colocar em marcha lenta a capitalização da Eletrobras.

Vinicius Torres Freire: Vacas mortas na sala da economia


- Folha de S. Paulo

Análises da recuperação lerda preferem ignorar o colapso do investimento público

Um elefante na sala é um assunto constrangedor e evidente, que se ignora por alguma conveniência. Na economia brasileira destes tempos bicudos, há umas vacas mortas no sofá. Comenta-se a lerdeza da recuperação, mas pouco se fala dos bichos mortos faz anos, à vista de todo o mundo, empesteando o PIB.

O investimento federal, despesa em obras, em capital, caiu em 2017 a 48% do que era em 2014. No conjunto dos governos estaduais, a baixa foi similar, de acordo com dados compilados pela Instituição Fiscal Independente (deflacionados aproximadamente por esta coluna, pois os números são apenas anuais).

O investimento na construção civil chegou ao fundo do poço, apenas parou de cair, no fim do ano passado, sugerem números do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Entre os setores maiores da economia, é o mais retardado, afora o crédito bancário.

Samuel Pessôa: Qual é mesmo a divergência?

Adicionar legenda
- Folha de S. Paulo

Moto-perpétuo é a crença de que o gasto público se autofinancia

Eu e Marcos Lisboa temos travado interessante debate com Nelson Barbosa sobre a economia do moto-perpétuo.

Moto-perpétuo é a crença de alguns economistas heterodoxos brasileiros de que o gasto público se autofinancia: o crescimento promovido pelo impulso fiscal mais do que compensa o efeito do gasto sobre o endividamento. No frigir dos ovos, a dívida como proporção da economia se reduz.

Exemplo de crença no moto-perpétuo encontra-se no texto "O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009", de Thiago Rabelo Pereira e Adriano Nascimento Simões, publicado na revista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em junho de 2010.

Os autores sustentam que o impacto dos empréstimos do BNDES sobre o crescimento e a receita de impostos mais do que compensa o custo fiscal das ações do banco. Temos a versão BNDES do moto-perpétuo.

Em sua última resposta na Folha, de 17 de abril, terça-feira passada, Nelson Barbosa alega que nós o acusamos injustamente de defender a economia do moto-perpétuo. Não fomos nós que o acusamos.

Mary Zaidan: Nomes demais, ideias de menos

- Blog do Noblat | Veja

Têm-se hoje mais de duas dezenas de pré-candidatos. Muita gente para pouquíssimo conteúdo.

Instituições em frangalhos – e não adianta achar que garante o contrário o fato de elas estarem funcionando como se normalidade existisse -, economia ainda engasgada e atividade política em descrédito absoluto. Saídas para esse tripé agonizante deveriam concentrar o debate nacional, quanto mais a cinco meses das eleições. Mas estão longe de frequentá-lo.

As urnas estão na cabeça dos políticos e analistas, mas são quase inexistentes no calendário de quem mais importa: o eleitor.

Na última pesquisa Datafolha, ainda que os dados da apuração estimulada revelem preferências por A ou B, a coleta espontânea aponta que 46% não têm candidatos à Presidência da República e outros 21% preferem deixar em branco ou anular seus votos. Cabe lembrar que desde o advento da urna eletrônica o voto é espontâneo. O eleitor tem de saber o número do escolhido, digitá-lo e confirmar a opção.

A esse eleitor ainda desconectado com o pleito de outubro são oferecidos nomes em vez de ideias. Alguns revestidos de simbologia como a novidade Joaquim Barbosa, recém filiado ao PSB. Em um movimento inverso ao que deveria ser, trata-se de um nome e tanto, com enorme apelo, mas sabe-se lá atrás de que ideário.

Ruy Fabiano: O ativismo político do STF


- Blog do Noblat | Veja

Supremo não cumpre o papel de guardião da Constituição e da lei

O Supremo Tribunal Federal tornou-se fator de instabilidade político-institucional. Deveria ser o contrário, caso cumprisse o papel que lhe cabe, de guardião da Constituição e da lei. Mas não cumpre: tem sido, sobretudo, uma Corte política e legislativa.

As questões que lhe são encaminhadas podem ter seu desfecho antevisto dependendo do perfil político do ministro ou da turma que as examinará. Se, por exemplo, tratar-se de habeas corpus a um político e couber à segunda turma, integrada por Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes, é improvável que seja rejeitado.

Se couber à primeira turma, é quase certo que ocorrerá o contrário. Cada ministro é, bem mais que um juiz, um militante.

Mas não é só isso. Ignora-se, por exemplo, o prazo de validade de uma jurisprudência, que, em tese, deve orientar o público e viger com força de lei. Não pode, pois, mudar ao sabor dos ventos.

Mas é o que tem ocorrido. Agora mesmo, por exemplo, anuncia-se que o ministro Marco Aurélio voltará a colocar em exame a prisão em segundo grau, recém-definida quando da rejeição ao habeas corpus do ex-presidente Lula.

Luiz Carlos Azedo: Os riscos da fragmentação

- Correio Braziliense

Se o Brasil comemora hoje 518 anos do Descobrimento, o brasileiro tem menos de dois séculos. É uma invenção inspirada na Inconfidência Mineira pelo iluminismo do santista José Bonifácio de Andrade

O culto a João Fernandes Vieira (reinol), André Vidal de Negreiros (nobre da terra), Felipe Camarão (Tupi) e Henrique Dias (negro), que se juntaram para expulsar os holandeses sem qualquer ajuda da metrópole, surgiu na narrativa dos anais da Câmara de Olinda (PE), segundo Evaldo Cabral de Melo. Como destaca o jornalista, historiador e cientista político Jorge Caldeira, autor do monumental História da riqueza no Brasil, essa é a gênese da ideia de uma pátria formada pela aliança de grupos étnicos na luta contra a dominação estrangeira. Não por acaso, a Batalha de Guararapes (18 e 19 de abril de 1648) é o marco fundador do Exército como guardião das fronteiras e da União.

Não existia o brasileiro nessa época, havia pernambucanos, baianos, gaúchos, paulistas etc. Uma das mais antigas referências ao gentílico “brasileiro”, segundo Caldeira, aparece graças a um quadro do pintor holandês Albert Eckhout encomendado por Maurício de Nassau por volta de 1647. Numa tela quadripartida, são vistos quatro casais: o homem e a mulher tapuia; a mulher e o homem africano; o mulato e a mameluca; e o homem e a mulher brasileira, o primeiro com roupas brancas cobrindo a cintura e um engenho ao fundo; a mulher brasileira é uma índia tupinambá aculturada, com uma cabaça de água e um cesto. Esse é o arquétipo do amalgamento étnico que viria a caracterizar a nação brasileira.

Se o Brasil comemora hoje 518 anos do Descobrimento, o brasileiro tem menos de dois séculos. É uma invenção inspirada na Inconfidência Mineira pelo iluminismo do santista José Bonifácio de Andrade. Até então, por causa das minas e da necessidade de manter sob controle a colônia, havia o Brasil dos portugueses, que controlavam o litoral (frei Vicente Salvador comparou-os aos caranguejos: “Contentam-se em andar arranhando o mar”), e o Brasil do sertão, que Caldeira redescobre em seu livro como um território com enorme potencial econômico e vida política própria, mas fragmentado pela estratégia de domínio da Corte.

Nossa integridade territorial deve-se em grande parte à estratégia adotada por Alexandre de Gusmão ao negociar com a Espanha o Tratado de Madri (1750), no reinado de D. João V. Uniu no mapa todos os pontos citados em documentos que assinalavam a presença de aldeias tupis e vilas e traçou uma linha imaginária do sudoeste da Amazônia ao norte de Mato Grosso. A fragmentação político-administrativa foi obra do Marquês de Pombal. No reinado de D. José, no qual pontificou, criou-se o vice-reino do Maranhão e Grão-Pará; dividiu-se a capitania de São Paulo, criando as de Santa Catarina e São Pedro do Rio Grande; apartou-se o Ceará e a Paraíba de Pernambuco. São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás já eram governados por representantes da Corte, desde que D. José havia recomprado São Vicente, neutralizando pouco a pouco o domínio dos bandeirantes paulistas.

Steven Pinker escreve sobre vantagens do sistema político ocidental

Em artigo com Robert Muggah, linguista afirma que a capacidade de resistência da democracia é motivo de otimismo

Steven Pinker / Rubert Muggah | Folha de S. Paulo

A persistente resiliência da democracia liberal

[RESUMO] Autores reconhecem a existência de certo pessimismo quanto ao futuro dos governos ocidentais, mas afirmam que a capacidade de resistência do sistema político causa otimismo.

Não é nada óbvio que a democracia esteja em recuo em todo o mundo. Não há provas claras de um declínio drástico no apoio a esse sistema na maioria dos países

Por mais difícil que seja acreditar nisso, o mundo vem constantemente se tornando mais seguro e mais próspero. Mas é evidente que algumas partes do planeta estão se saindo bem melhor do que outras.

Os países governados por democracias se destacam: eles tendem a registrar índices mais elevados de crescimento econômico, menos guerras e genocídios, praticamente nenhuma onda de fome e cidadãos mais felizes, mais saudáveis e com educação melhor.

Para os cerca de dois terços da população mundial que vivem em uma democracia, essa é uma boa notícia. No entanto, existe uma inconfundível sensação de pessimismo quanto ao seu futuro. Por quê?

A confiança no avanço da democracia está minguando. Estudiosos falam de forma sombria sobre como esse sistema político está enfrentando maré baixa, retração, recessão e até mesmo depressão.

Outros se preocupam com a possibilidade de que as democracias estejam se esvaziando, tornando-se parciais, de baixa intensidade, ocas e não liberais: ainda que ocorram eleições, liberdades civis e freios e contrapesos ao poder são rotineiramente desrespeitados.

Os fracassos das revoluções coloridas [manifestações contrárias a governos pró-Russia em países da União Soviética] e da Primavera Árabe foram um grande revés. As tendências autoritárias que estão se aprofundando em velhas e novas democracias dispararam alarmes. Organizações ativistas como a Freedom House estão convencidas de que o planeta está se tornando progressivamente menos livre.

Uma sensação cada vez mais intensa de pessimismo vem se estabelecendo. Steven Levitsky e Daniel Ziblatt [autores de "How Democracies Die", como as democracias morrem] acreditam que as democracias tipicamente acabam com um suspiro, não com uma explosão.

A imprensa livre e as restrições ao exercício do poder vêm sendo gradualmente envenenadas por demagogos, como se pôde ver recentemente nos Estados Unidos.

Enquanto isso, Yascha Mounk [autor de "The People vs. Democracy", o povo contra a democracia] e outros alertam quanto à difusão do liberalismo não democrático, que protege os direitos básicos, mas delega o poder real a tecnocratas não eleitos, como no caso da Comissão Europeia. Existe uma preocupação real de que os jovens, especialmente, estejam se afastando da democracia, inclusive no Ocidente.

Bolsonaro é uma ameaça à democracia, diz Francis Fukuyama

Em entrevista à Folha, cientista político fala sobre riscos da ascensão de líderes populistas nacionalistas

Uirá Machado | Folha de S. Paulo

[RESUMO] Em entrevista à Folha, célebre pensador fala sobre riscos que a democracia enfrenta com a ascensão de líderes populistas nacionalistas, tema presente em seus últimos escritos.

Os dias de certeza de Francis Fukuyama há muito ficaram para trás. No final da década de 1980 e nos anos 90, o autor do célebre ensaio "O fim da história?" (1989) parecia convencido de que a democracia liberal representava o ápice da evolução ideológica da humanidade e se universalizaria como forma de governo.

Passadas quase três décadas do artigo de 18 páginas na revista "The National Interest" (o interesse nacional), Fukuyama está preocupado. Ainda acredita na sobrevivência da democracia, mas considera que a ascensão de líderes populistas nacionalistas —Jair Bolsonaro (PSL) entre eles— constitui sério risco para o sistema político e econômicoque se difundiu no Ocidente.

Não lhe faltam motivos para isso, como fica claro em texto escrito para o Instituto de Pesquisa Credit Suisse e distribuído no Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano.

O professor de ciência política da prestigiosa Universidade Stanford registra que o número de países democráticos saltou de 35, em 1970, para quase 120 nos anos 2000. A partir de então, a onda começou a refluir.

Do ponto de vista qualitativo, a situação piora. Fukuyama afirma que não se trata só de observar que o apoio à globalização tem sido substituído em muitos lugares por uma ênfase na soberania nacional. O problema é maior porque essa nova tendência ganha força dentro do próprio mundo democrático.

Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Holanda, Hungria e Polônia, cada um a seu modo, são exemplos de países ocidentais nos quais a agenda do nacionalismo populista ganha espaço crescente.

Com a engenhosidade típica de seus livros —sempre best-sellers mundiais—, Fukuyama lembra que a democracia liberal está construída sobre três pilares: um Estado que concentra poder e o utiliza pelo bem dos cidadãos; a igualdade de todos perante a lei; e mecanismos de controle do poder, como eleições livres.

Em seguida, chama a atenção para um aspecto grave: líderes populistas nacionalistas usam esse terceiro pilar para chegar ao poder e, a partir de dentro, corroer os outros dois. Ou seja, a legitimidade do processo democrático transforma-se em arma contra a própria democracia.

"A única maneira de derrotá-los [os populistas nacionalistas] é criando uma mobilização para vencê-los nas urnas", afirma Fukuyama em entrevista à Folha, por email.

É fácil falar, difícil fazer. O professor de Stanford sabe que políticos populistas se saem bem na comunicação com os eleitores. Nas redes sociais, tiram proveito da difusão de notícias falsas e da manipulação digital. Há esperança de que a informação verdadeira venha a prevalecer?

"A defesa tradicional da liberdade de expressão depende da percepção de que, num livre mercado de ideias, as melhores vão vencer. Com os algoritmos das redes sociais, isso não é verdade", diz. "Precisamos de mais curadoria na internet. Precisamos do retorno de editores e outros guardiães da informação, e as plataformas digitais precisam assumir sua responsabilidade."

Liberdade e democracia: Editorial | O Estado de S. Paulo

O País chegou a tal ponto de degradação política e moral que já será um grande avanço – quase uma revolução – se os eleitos no pleito deste ano forem pelo menos honestos. No entanto, as urnas não deveriam servir somente para purgar a política nacional dos malfeitores que ora a infestam, como se apenas a partir disso todo o resto se resolvesse. Pois nem a corrupção é o único mal do País nem sua eventual superação será o lenitivo mágico que lançará o Brasil no rol dos países desenvolvidos.

Para que a Nação consiga transformar finalmente seu enorme potencial em riqueza sólida, mudando o patamar de nosso até agora medíocre desenvolvimento, é preciso ter claro como se chegou ao lastimável estado de coisas atual. E não é necessário muito esforço para constatar que grande parte dos problemas que nos atormentam deriva do fato incontestável de que jamais se experimentou no País o ideário liberal em sua plenitude.

Esse ideário é tratado, historicamente, como anátema pela maior parte da classe política, receosa de se vincular a uma concepção que tanto valoriza a iniciativa privada e a responsabilidade do indivíduo, em evidente contraste com o conforto inconsequente pelo estatismo. Entre as duas concepções, é evidente que a segunda tem muito mais apelo eleitoral imediato, pois oferece ao eleitor a ilusão de que o Estado tudo proverá, criando com o cidadão uma relação de dependência – e não somente no aspecto econômico, mas também no político e no social, pois dessa relação muitos brasileiros esperam obter direitos e benefícios os mais diversos.

Não parece ser por outro motivo que, no atual estágio da campanha eleitoral para a Presidência da República, os candidatos mais bem colocados sejam campeões do antiliberalismo. Mesmo entre aqueles que se apresentam como candidatos de “centro” – portanto, com potencial para incorporar em suas propostas as ideias liberais –, houve quem dissesse que o “liberalismo completo” é “a incivilização”.

Reforma trabalhista passa pelos primeiros testes: Editorial | O Globo

Apesar de toda a resistência de corporações, primeiros meses de aplicação das medidas aumentam a formalização de empregos e reduzem volume de processos

Convicções político-ideológicas costumam ter fundo religioso. Portanto, difíceis de serem abaladas. São profissões de fé. Mas há provas de equívocos do sectarismo difíceis de contestar, a não ser pelo escapismo pretensamente bem fundamentado. Como na tese sem sustentação aritmética de que a Previdência é superavitária, e não estruturalmente deficitária. Acredite quem quiser.

O mesmo começa a acontecer em torno de outro tema polêmico, a reforma trabalhista, combatida pelos grandes beneficiários da estrutura de representação sindical de inspiração fascista edificada por Getúlio Vargas, na ditadura do Estado Novo: as cúpulas sindicais. Como fortes corporações, as dos sindicalistas têm suas representações no Legislativo, duras opositoras de qualquer flexibilização da rígida e anacrônica Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Mérito do governo Temer é de ter conseguido executar uma reforma que quebra o engessamento da aplicação das leis do trabalho, e por meio de medidas que tendem a reduzir a grande informalidade do emprego. Causada pela própria rigidez da CLT. A tendência também é o desafogo da Justiça trabalhista, usada por algumas categorias de trabalhadores como fonte de complementação de renda, dada a certeza de que receberiam indenizações em certos tipos de reclamações. E se não fossem vitoriosos nas demandas, não arcariam com qualquer custo. Virou um cassino com grande chance de acertos nas apostas feitas sob orientação de sindicatos. Isso também acabou.

Recentes reportagens do GLOBO e da “Folha de S. Paulo”, sobre reflexos da reforma que passou a vigorar em novembro, comprovam o êxito das mudanças, medido por alguns indicadores. No âmbito do mercado de trabalho propriamente dito, a criação, de novembro a fevereiro, de 13.858 vagas formais de emprego em trabalhos intermitentes (garçons, balconistas etc.) comprova o acerto de se estabelecerem regras específicas para determinadas atividades, em vez de se tentar fazer com que a velha CLT abrangesse todas as relações patrão/empregado. Apenas produziu estrondosa informalidade e entulhou a Justiça trabalhista de reclamações.

Elefantes na sala: Editorial | Folha de S. Paulo

Taxas no crédito sem paralelo no mundo chamam a atenção para a concentração no setor bancário

Os juros exorbitantes do crédito e a concentração do mercado bancário brasileiro voltaram ao centro do debate econômico.

As queixas se acirram num quadro em que o país se recupera com vagar da recessão econômica e o total de empréstimos ainda está em queda. Desde setembro de 2016, a taxa Selic, do Banco Central, já caiu de 14,25% para os atuais 6,5%, mas mal se nota alteração nos percentuais muito mais altos cobrados de empresas e consumidores.

A partir de 2016, o BC e o Ministério da Fazenda tornaram a defender providências para reduzir custos e aumentar a competição no setor financeiro —reformas que haviam sido quase deixadas de lado nos dez anos anteriores.

Economistas de renome e experiência nos setores público e privado, tais como os ex-presidentes do BC Armínio Fraga e Pérsio Arida, fizeram observações recentes sobre o problema da oligopolização.

Há dados eloquentes para descrevê-lo. Os quatro maiores bancos do país —Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, estatais, e os privados Itaú e Bradesco— respondem por nada menos que 78,5% do crédito concedido no país. Há apenas dez anos, essa proporção rondava já elevados 55%.

Tudo isso vem ocorrendo nos últimos anos sob certa tolerância das autoridades, para as quais o cenário contribui para afastar o riscos de instabilidade no sistema.

Parece intuitiva a relação entre a escassez de concorrência, os lucros sempre elevados —mesmo durante recessões— e a anomalia dos juros bancários nacionais, sem paralelo no mundo civilizado. Entretanto não é simples demonstrar causa e efeito nesse caso.

Recorde-se, por exemplo, a tentativa do governo Dilma Rousseff (PT) de levar BB e CEF a baixarem suas taxas para forçar o setor privado a fazer o mesmo. A despeito de toda a pressão do Planalto, as instituições não conseguiram persistir nessa política.

Além do mais, não existe um mercado de crédito uno, mas condições variáveis em diferentes segmentos.

Os juros médios para o financiamento de veículos estão em 22,5% anuais; no cartão de crédito, são 74,7%; no cheque especial, inacreditáveis 324,1%.

Tamanha discrepância pode ser explicada, ao menos em parte. Quanto maiores o risco e a inadimplência, e quanto menores as garantias de recuperação do empréstimo, maiores os juros.

Ao mesmo tempo, quanto mais segura uma linha de financiamento, maior a disputa pelos clientes.
A partir desse diagnóstico, há propostas capazes de minorar as distorções. De mais imediato, tramita no Congresso, em fase final, projeto que aperfeiçoa o cadastro positivo de devedores.

O texto permite que se dê conhecimento ao histórico de bons clientes, os quais os bancos têm todo interesse em disputar —com a oferta de juros e tarifas menores. Infelizmente, preocupações exageradas de entidades de defesa do consumidor com a publicidade de tais informações têm dificultado a aprovação do diploma.

Ainda mais atrasada está a reforma da Lei de Falências, que o governo nem mesmo enviou ao Legislativo. Aqui, o propósito é facilitar a recuperação de dívidas de empresas em dificuldades.

Desgastados, 9 em cada 10 deputados tentarão se reeleger

Parlamentares buscam manter foro privilegiado e os partidos, preservar suas bancadas

Mesmo em um momento de grande desgaste do Congresso, como mostram as pesquisas, os partidos projetam um recorde de candidatos à reeleição na Câmara, na contramão dos que pedem uma renovação. Pelo menos 447 deputados – 87% dos atuais 513 parlamentares – estão dispostos a tentar mais um mandato. Com a Lava Jato e a disponibilidade de verbas públicas para custeio das campanhas, somados os que ainda estão em dúvida, o índice pode passar de 90%, o que será o maior desde a redemocratização do País. Para os parlamentares, a vantagem é manter o foro privilegiado. Pelas regras atuais, tanto o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão como o fundo partidário de R$ 888 milhões são divididos de acordo com o número de parlamentares eleitos por legenda.

Nove em cada 10 deputados devem disputar a reeleição

Adriana Ferraz, Caio Sartori, Marianna Holanda | O Estado de S. Paulo.

A classe política vive um momento de forte desgaste, mas a busca por um novo mandato mobiliza quase 90% da Câmara dos Deputados. Contrariando uma expectativa por renovação, os partidos representados na Casa projetam um índice recorde de candidatos à reeleição neste ano. Levantamento feito pelo Estado revela que ao menos 447 deputados – nove entre dez – estão dispostos a estender a permanência no Congresso por mais quatro anos. Outros 18 ainda não se decidiram e 48 afirmam que deixarão a Casa.

Se confirmadas as projeções dos partidos, a eleição de outubro terá o maior número de mandatários nas urnas desde a redemocratização, superando as disputas de 1998 e 2006, quando 443 e 442 deputados, respectivamente, tentaram a reeleição (mais informações nesta página).

A diferença é que, desta vez, as campanhas serão custeadas basicamente com recursos públicos.

Um dos decanos da Casa, o deputado Simão Sessim (PP-RJ) planeja seu 11.º mandato consecutivo. Alvo de um inquérito da Operação Lava Jato, arquivado em 2016, o parlamentar diz não se preocupar com a manutenção do foro privilegiado, mas com a continuidade do trabalho para a comunidade de Nilópolis, seu reduto eleitoral. “Sou ficha limpa”, disse Sessim, de 82 anos. “Já passei por muitas tempestades em Brasília, dos anões do orçamento ao mensalão e agora a Lava Jato. Resisto, passo de geração em geração.”

Se agora não poderá contar com doações empresariais, o carioca terá prioridade na divisão dos recursos, assim como os demais deputados que vão para a reeleição, seja qual for o partido. Pelas regras atuais, tanto o fundo eleitoral de R$ 1,7 bilhão, criado ano passado, como o Fundo Partidário de R$ 888 milhões são divididos de acordo com o número de parlamentares eleitos por legenda.

A necessidade de se manter as bancadas e, de preferência, aumentá-las, explica a opção dos partidos em investir mais em quem já é conhecido ou possui mandato. Mas a necessidade de continuar com o foro privilegiado, segundo o professor de ciência política da USP, Glauco Peres, é o que define se o parlamentar vai ou não arriscar outro cargo – em quatro anos de Lava Jato nenhum deputado foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Isso virou bem importante. Vários deputados vão tentar se reeleger como forma de garantir que seus processos não avancem”, afirma Peres. Ele ressalta que, apesar de o Supremo indicar que vai restringir o alcance do foro a crimes cometidos no exercício do mandato (já há maioria na Corte), a “ameaça” não é suficiente para desencorajar os parlamentares da estratégia.

Na Câmara, restam 2 na bancada do PMDB-RJ

Antes da Lava-Jato, eram nove; únicos que ficaram no partido, filhos de Cabral e Picciani buscam reeleição

Bruno Góes | O Globo

BRASÍLIA - Ao caminhar pelo plenário da Câmara dos Deputados, Leonardo Picciani (PMDBRJ) é abordado por colegas: “Ministro, ministro!”. Trata-se de um ritual de boas-vindas para quem acaba de deixar o cargo no governo e retorna ao Parlamento para disputar a reeleição. Apesar dos abraços, Picciani, que saiu da pasta do Esporte há uma semana, volta ao Congresso com um constrangimento: a bancada do PMDB do Rio de Janeiro foi reduzida a escombros pela Lava-Jato.

Com a janela partidária, dos nove deputados fluminenses do PMDB, só dois permaneceram na legenda: o próprio Picciani e Marco Antônio Cabral, cujos pais são, respectivamente, Jorge Picciani e Sérgio Cabral — ambos presos por participarem do esquema criminoso que se instalou no estado do Rio. A única lealdade possível é a de filho para pai.

Altineu Côrtes, um dos dissidentes da bancada, jura que só mudou de partido porque recebeu uma proposta para presidir o PR no Rio.

— A Lava-Jato contribuiu (para a saída de deputados), sem sombra de dúvidas. É uma coisa que todo mundo vê.

Mesmo órfãos na bancada e com o peso do sobrenome, Marco Antônio e Leonardo Picciani vão buscar um novo mandato. Eles apostam em uma bandeira comum, pois estiveram à frente do Ministério do Esporte e da Secretaria de Esporte e Lazer do Estado do Rio.

Nas últimas semanas, Marco Antônio visitou municípios do Rio e acompanhou programas sociais que conjugam esporte e saúde. Também inaugurou uma quadra poliesportiva em Resende, no Sul Fluminense. Segundo um deputado, que também saiu do partido e só falou na condição do anonimato, o sobrenome “Cabral”, apesar de todas condenações que o ex-governador leva nas costas, pode ajudar Marco Antônio.

— Com 30 mil votos, o Marco Antônio se elege. Se você pegar uma pesquisa espontânea para governador, ainda há uma parte residual das pessoas que dizem: “Cabral”. Se o eleitor identifica o sobrenome, o Marco Antônio ainda pode ganhar votos. Mas essa é uma eleição muito difícil.

Ao GLOBO, Leonardo Picciani e Marco Antônio ainda tentaram argumentar que a LavaJato não contribuiu para o esvaziamento da bancada. Marco Antônio diz que as saídas foram “naturais e eram esperadas” e que o PMDB “continua sendo o maior partido do Rio”. Picciani alega que “questões locais” influenciaram a decisão dos parlamentares.

HEGEMONIA NO ESTADO
Desde 2006, com a eleição de Sérgio Cabral ao governo, o PMDB estabeleceu uma hegemonia na política fluminense. Agora, a bancada do PSOL do Rio de Janeiro ultrapassa a bancada peemedebista: são três deputados contra dois.

3 perguntas para...

Murillo de Aragão, cientista político

- O Estado de S. Paulo.

1. A o que o sr. atribui esse possível recorde?
Não há uma única razão evidente para isso. Até porque, nos últimos anos, as circunstâncias políticas transformaram para pior, o mundo político está muito pressionado. Pode ser uma questão estrutural, que o movimento hoje favorece ainda mais os políticos tradicionais, os partidos maiores têm mais recursos. Por outro lado, existe uma vontade de renovação muito grande por parte da sociedade, a grande dúvida então é se essa taxa de recondução ao Congresso será alta.

2. O fato de os parlamentares estarem mais pressionados não pode ser incentivo para reeleição? Manter o foro privilegiado?
Na época do mensalão, eu via muito deputado com medo do Supremo, do Joaquim Barbosa (ministro relator do processo)e querendo ir para a primeira instância porque demoraria mais. Agora, tem isso do foro. Mas todo mundo que entra na política tem também ambição pelo poder, é natural.

3.O que explica os índices de 1998 e 2006 terem sido altos?
A reeleição do Fernando Henrique Cardoso pode ter estimulado uma recandidatura, porque ele tinha muito prestígio. Existia uma ampla base política: PFL (atual DEM), PSDB, PMDB. Eram os grandes protagonistas do momento. Em 2006, o prestígio de Lula também pode ter ajudado, mas a campanha foi um pouco melancólica, se comparada com a anterior. Tem que ver os cenários estaduais também. Se o governador é aliado, se vai concorrer com apoio dele, tem mais chances de se reeleger. O cálculo da recandidatura não é apenas submetido ao poder federal, mensalões, petrolões.

Wanderley Guilherme dos Santos: ‘Lula manteve a esquerda sitiada’

O cientista político lança nesta semana o livro ‘A difusão parlamentar do sistema partidário’, que desmistifica o papel dos partidos nanicos

Jeferson Ribeiro | O Globo

Mesmo com um cenário bastante incerto para a disputa presidencial, o que é possível prever para os próximos meses?

Primeiro vamos de Lula. Ele é uma figura carismática indestrutível, mas isso não significa que permanecerá com essa capacidade eleitoral. Nem todos que dizem votar no seu indicado, votarão. Mas o Lula tem que tomar decisões importantes nos próximos meses. Primeiro, terá de decidir se não será mais candidato. Uma segunda decisão relevante é se realmente vai apoiar alguém. Terceiro, quem será o escolhido. Essas três questões vão chacoalhar o quadro de hoje. Não sei se a polarização está morta, talvez a que exista entre PT e PSDB, sim. Mas pode acontecer com outros nomes.

Qual deveria ser a estratégia da esquerda?
Eu acho que a esquerda devia estar discutindo um outro candidato. Mas isso depende do Lula. Não há outro caminho e isso pode gerar o acirramento desse radicalismo, esse sebastianismo evangélico do PT, contra uma alternativa bastante interessante que é Ciro Gomes. Esse silêncio pode criar a inviabilidade de um acordo entre as forças lulistas e o Ciro e tem a capacidade de dividir a esquerda. E ele é o cara ideal para entrar em disputa com os conservadores, ele é um cara que tem tutano para fazer isso. O Jaques Wagner e o (Fernando) Haddad são ótimos quadros, mas não para o contexto desse debate duro. O Lula, para meu desgosto, manteve toda a esquerda sitiada. Está presa junto com ele. Então, a chance de vitória da direita, em tese, é maior. O problema da direita é que não tem candidato. Por isso, se o Joaquim Barbosa for candidato, eu acho que herdará os votos da direita. Ele é um homem para o momento, assim como o Ciro. A eleição será dura. Antes da prisão do Lula e do aparecimento do Joaquim, eu achava que a esquerda poderia levar fácil. Agora, a coisa muda de figura.

Qual o tamanho do impacto da prisão de Lula para esse campo?
Estão desorientados. Sem rumo. A posição majoritária do campo da esquerda é com Lula até o fim. Mas isso não pode ser até o dia 7 de outubro. Acho que está tudo desorganizado desde o impedimento da Dilma (Rousseff). Há uma desorientação grande e um erro estratégico tanto de esquerda quanto da direita. Pior, está se criando um contexto cívico de difícil recuperação. Hoje, não existe uma polarização eleitoral ou sequer partidária, o que há é uma divisão de culturas, de valores, de comportamento, enfraquecendo a direita e a esquerda. Basta ver as manifestações nas redes sociais. A esquerda está fazendo censura tanto quanto a direita. Assassinatos de caráter, falsificações de números e de fatos, um é o espelho do outro. Nunca aconteceu antes. Isso está tornando muito difícil a administração por parte das lideranças políticas, aquelas que ainda estão com um pouco de sanidade, desse período até outubro. Porque tem que chegar até outubro para eleger alguém com legitimidade.

Como o senhor vê o desempenho de Bolsonaro?
O Bolsonaro ainda não entrou na minha equação política. Ainda não estou convencido de que ele significa algo, exceto para tomar voto da extrema direita. Não acho que a situação dele ficará assim até outubro. Quem precisa se preocupar com esse cenário de crescimento é o (Geraldo) Alckmin e o Joaquim Barbosa, porque estão no campo de direita. Portanto, ainda não levo a sério o Bolsonaro. O que não quer dizer que isso não possa mudar.

Nelson Pereira dos Santos. O cineasta que refletiu o Brasil

Precursor do Cinema Novo com ‘Rio 40 graus’ e diretor de ‘Vidas secas’ morre aos 89 anos

- O Globo

Precursor do Cinema Novo e primeiro cineasta a integrar a Academia Brasileira de Letras, o diretor morreu ontem no Rio. “O morro não tem vez”, denunciava a canção de Zé Ketti levada às telas em “Rio 40 graus”, em 1955. E, até então, o morro realmente não tinha vez no cinema brasileiro — ao menos não com aquela crueza poética (ou poesia crua), num olhar influenciado pelo neorrealismo italiano. Por trás da obra que fundou muitas das bases do que viria nos anos (e décadas) seguintes, sobretudo o Cinema Novo, estava o diretor estreante Nelson Pereira dos Santos, aos 27 anos — antes, ele havia feito apenas o curta-metragem “Juventude” e a assistência de direção em “O saci”. Era só o começo da trajetória daquele que se tornaria um dos maiores cineastas do país, um diretor que buscou ler e desenhar o Brasil em cada um de seus trabalhos — até o último, o documentário “A luz de Tom” (2012), sobre o maestro Tom Jobim.

— O Nelson era tudo. Inventou um cinema que só poderia ser feito no Brasil — definiu Cacá Diegues. — É uma perda irreparável. Ele morreu, mas a obra está aí, e deve ser vista.

Em entrevista ao GLOBO em 1998, Nelson falou de seu desejo, herdado dos modernistas, de tentar lançar luz sobre o Brasil — e de como bebeu em outros criadores e intérpretes do país para fazer isso. Ele se referia a nomes como Graciliano Ramos (ele levou às telas “Vidas secas” e “Memórias do cárcere”), Machado de Assis (“Azylo muito louco”), Jorge Amado (“Tenda dos milagres” e “Jubiabá”), Guimarães Rosa (“A terceira margem do rio”), Nelson Rodrigues (“Boca de ouro”), Gilberto Freyre (a série “Casa grande & senzala”) e Castro Alves (“Guerra e liberdade”).

— Sou de uma geração formada por esses escritores e outros artistas do modernismo. Uma geração que cresceu com Oswald, Graciliano, Di Cavalcanti, Villa-Lobos. Para construir um país só faltava o cinema — disse Nelson.

PRIMEIRO CINEASTA A ENTRAR NA ABL
A relação com cinema vem da infância. A mãe o levava às matinês do Cine Teatro Colombo, em São Paulo (onde nasceu, em 22 de outubro de 1928). Ali, ele passava a tarde vendo longas-metragens, seriados e desenhos animados.

Nos anos 1940, na escola, aproximou-se do comunismo, marcante na visão de mundo que imprimiria em seus filmes. Na mesma época, tomou contato com o neorrealismo italiano, que chegava ao Brasil em filmes de cineastas como Roberto Rossellini e Luchino Visconti.

Nelson chegou a se formar em Direito na USP, em 1953 — mas já saiu da universidade sabendo que seria cineasta. Foi nessa época que decidiu mudar-se para o Rio. Ainda em São Paulo, atuou também como jornalista, profissão que manteve no Rio em veículos como “Jornal do Brasil”.

A estreia com “Rio 40 graus” — filme feito com câmera emprestada pelo pioneiro do cinema brasileiro Humberto Mauro — foi celebrada, mas também gerou reações do governo, e a obra chegou a ser proibida. Ele seguiria, porém, a trilha que abrira. Dois anos depois, em 1957, fez “Rio, Zona Norte”.

Filmando documentários sobre a seca do Nordeste, Nelson pensou em fazer um filme sobre aquela realidade. Percebeu que a história que queria estava pronta, no livro “Vidas secas”, que lançaria em 1963. Antes de conseguir realizar o filme, já dentro das propostas do Cinema Novo, mergulhou no universo rodriguiano de “Boca de ouro” (1962).

Nos anos seguintes, Nelson embarcaria nas viagens alegóricas da contracultura (“Fome de amor”, “Quem é Beta?”), na comédia carioca (“El justicero”), nos cinemas históricos (“Como era gostoso meu francês”) e urbano (“Amuleto de Ogum”). Com “A terceira margem do Rio”, de 1994, ele se fez presente na chamada “retomada”. O universo de escândalos políticos do período pós-redemocratização não escapou de seu olhar — ele os retratou, em 2006, em “Brasília 18%”, que faz no título uma referência à baixa umidade da cidade.

— Não que seja uma relação determinista, de que Brasília é daquele jeito por causa das condições geográficas. Mas o clima seco e a poeira combinam bem com o que acontece por lá — disse Nelson ao GLOBO na época do lançamento.

O cineasta foi professor fundador do curso de cinema da Universidade de Brasília (o primeiro do Brasil) e também lecionou na UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e na Universidade de Columbia, em Nova York. Desde 2006, era membro da Academia Brasileira de Letras — o primeiro cineasta a ocupar a posição.

Nelson estava internado desde quarta-feira, dia 12, no Hospital Samaritano, no Rio, com uma pneumonia. Durante os exames, foi constatado um tumor no fígado, já em estágio avançado, que causou a morte do diretor.

O corpo será velado hoje na ABL. Ele deixa a mulher Ivelise Ferreira, quatro filhos e cinco netos.

Paulinho da Viola & Marisa Monte - Para ver as meninas

Graziela Melo: Coração imperfeito

Meu coração
imperfeito,
cheio de dores
e mágoas,

bate
triste
no meu
peito

indiferente
ao mundo
torpe

navegando
noutras
águas...

Procura
a luz
das estrelas,
o afeto,
os sentimentos

e arquiva
no fundo
da alma,
da vida,
os melhores
momentos!!!