• O tesoureiro do PT, João Vaccari está na mira da Operação Lava Jato. Seu envolvimento no petrolão assusta o PT e o governo
Alberto Bombig e Pedro Marcondes de Moura - Época
Desde 2005, quando eclodiu o escândalo do mensalão, uma palavra é capaz de tirar o sono de militantes do PT: tesoureiro. Foi a ligação entre o responsável pelas finanças do partido, Delúbio Soares, e o empresário Marcos Valério que levou à ruína de líderes históricos do PT, como José Genoino. "Presidente , o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira", afirmou o ex-deputado Roberto Jefferson, em junho de 2005, ao relatar uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva meses antes. O desfecho do mensalão é conhecido. Dirceu, Genoino, João Paulo Cunha e o próprio Delúbio acabaram condenados e presos. Lula enfrentou sua maior crise política, e sei mandato ficou sob risco. Transcorridos nove anos, o rastilho de pólvora do petrolão, o escândalo de corrupção na Petrobras, ameaça chegar até o Palácio do Planalto. A dinamite agora atende pelo nome de João Vaccari Neto, sucessor de Delúbio na Tesouraria do PT.
Nos últimos dias, o nome de Vaccari ressurgiu com força nas investigações sobre o petrolão. Mesmo diante da cautela com que o juiz Sergio Moro vem conduzindo as apurações da Operação Lava Jato, a quantidade de citações a Vaccari e as evidências que o ligam ao esquema sugerem que ele, mesmo sem ter sido indiciado pela Polícia Federal, será um dos próximos alvos da operação.
Sem compromisso com a cautela que rege o bom processo judicial, a CPI mista da Petrobras, no Congresso Nacional, quebrou os sigilos bancário, fiscal e telefônico de Vaccari, numa vitória da oposição. "Como o tempo da Justiça é outro, a CPI tem a função de investigá-lo, porque Vaccari é o elo direto do esquema com o PT", afirma o senador José Agripino (DEM-RN), um dos líderes da oposição no Congresso. Assim como Delúbio cuidou das contas da campanha de Lula em 2002, Vaccari atuou nas finanças das campanhas de Dilma, em 2010 e neste ano. A quebra de seu sigilo preocupou o Palácio do Planalto.
Um advogado que atua na defesa dos presos na Lava Jato e é ligado ao PT disse a ÉPOCA que o futuro de Vaccari está atrelado aos depoimentos de Renato Duque, o ex-diretor de Engenharia e Serviços da Petrobras, cuja prisão preventiva foi decretada na semana passada pelo juiz Sergio Moro. Em seu despacho, Moro disse que ele tem uma "fortuna" em contas secretas no exterior. Com base na delação premiada do executivo Julio Camargo, da empresa Toyo Setal, os investigadores identificaram uma empresa offshore, a Drenos, controlada por Duque e com contas na Suíça. Camargo afirmou ter pagado propina a Duque. Em seu depoimento, Duque negou."Se Duque contar tudo o que sabe, não há como Vaccari resistir", diz o advogado.
O próprio Vaccari avisou a familiares e integrantes da cúpula do PT sobre a possibilidade de ser preso a qualquer momento pela PF. O partido e o governo estão de sobreaviso. No último dia 15, um dia depois da fase atual da Lava Jato, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, se encontrou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, enquanto Lula fazia um check-up médico. Lula e Cardozo conversaram sobre a necessidade de o governo federal agir para tentar criar um ambiente positivo, que tire Dilma e o PT das cordas. Para complicar, a morte do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, aos 79 anos, na semana passada, também se transformou em outro motivo de preocupação para o PT (leia mais na seção Em Memória, na página 39). Sem o cérebro das estratégias de defesa do PT, os petistas terão mais dificuldades para explicar os negócios de Vaccari e do partido com os implicados na Lava Jato.
O primeiro a ligar Vaccari às fraudes foi o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Ao detalhar, em cifras e valores, como os postos-chave da maior empresa do país foram repartidos entre PT, PMDB e PP para montar um esquema de corrupção, Paulo Roberto disse que Vaccari era um dos responsáveis por levar os recursos desviados aos cofres petistas. O doleiro Alberto Youssef foi além. Afirmou que se reuniu mais de uma vez com Vaccari para discutir negociatas. Num depoimento na terça-feira, dia 18, Pedro Barusco, braço direito de Duque na Petrobras e ex-gerente de Serviços da estatal, alçado ao posto pelo PT, também envolveu Vaccari no esquema. Barusco se comprometeu a devolver à Justiça cerca de R$ 250 milhões em propinas, em troca da atenuação de sua pena. Suas revelações foram enviadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), procedimento adotado quando há citação a autoridades com direito a foro privilegiado. Preso na carceragem da Polícia Federal de Curitiba desde a sexta-feira, dia 14, Duque ainda relutava, na semana passada, a admitir transações ilícitas em sua relação com o tesoureiro do PT. Afilhado de José Dirceu, a quem deve a indicação para a diretoria da Petrobras, Duque admitiu proximidade com Vaccari. Mas atribuiu-a a "empatia" e "amizade", a ele "ser pessoa agradável para o convívio, principalmente em jantares em São Paulo e Rio de Janeiro", segundo seu depoimento aos investigadores da Lava Jato. Se depender do juiz Moro, Duque não deverá ganhar a liberdade tão cedo. Depois de ter transformado a prisão de Duque de temporária em preventiva, Moro deverá transferi-lo para o presídio estadual de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba. O local é conhecido por abrigar presos de facções criminosas.
Apesar de Duque tê-lo descrito como "pessoa agradável de convívio", Vaccari não goza dessa reputação, mesmo no PT. É conhecido como um homem duro, "um trator". Delúbio apreciava charutos cubanos, fazia questão de mostrar proximidade com o poder e chegou a dar entrevista no saguão do Palácio do Planalto. Vaccari é discreto e avesso à ostentação, qualidade que agrada à presidente Dilma. Pouco afeito a discursos, ele controla minuciosamente os cofres do partido. A gestão dele na Secretaria de Finanças foi responsável pela recuperação das contas do PT, combalidas após o mensalão. Uma das poucas semelhanças entre Vaccari e Delúbio é a origem no sindicalismo e a proximidade com Lula. Tal relação confere a Vaccari um status no PT parecido ao do atual presidente, Rui Falcão.
Quando Delúbio caiu em desgraça, Vaccari foi apresentado aos operadores do petrolão. Era chamado para reuniões que ocorriam em São Paulo, num hotel da rede Meliá, onde se hospedava o deputado José Janene (PP-PR). Janene, morto em 2010, foi uma espécie de padrinho de Paulo Roberto e o mentor do petrolão. Lá, ele recebia líderes petistas para conversas. A convite de Janene, o doleiro Youssef também participava das reuniões.
A entrada de Vaccari na vida sindical e política se deu praticamente no momento em que ingressou como escriturário numa agência do Banco do Estado de São Paulo (Banespa), na Praça do Patriarca, centro da capital paulista, em maio de 1978. Era, segundo quem trabalhou com ele, um rígido seguidor da jornada de trabalho de seis horas por dia. Não fazia nem um minuto de hora extra, mesmo em eventualidades. Lá, passou a conviver com militantes de grupos de esquerda que, mais tarde, participaram, como ele, da fundação da Central Única dos Trabalhadores e do PT. Entre eles, Luiz Gushiken - seu colega de Banespa e ministro da Secretaria de Comunicação do governo Lula, morto em 2013 - e Ricardo Berzoini, atual ministro de Relações Institucionais. Em 1979, Vaccari ajudou o grupo de oposição a tomar o poder no Sindicato dos Bancários de São Paulo, numa eleição realizada na Casa de Portugal (espaço de eventos paulistano famoso por celebrar reuniões do PT antes da chegada do partido ao Planalto).
Em 1983, após uma greve, o sindicato sofreu uma intervenção decretada pelo regime militar. Foi então que Vaccari obteve as chaves do cofre de um grupo político pela primeira vez. Tornou-se o tesoureiro do movimento alijado do sindicato. O grupo voltou ao poder, para não mais sair, em 1985, depois do fim da intervenção. Pelos serviços prestados, foi empossado como tesoureiro do sindicato e estreitou sua relação com Berzoini. Nessa ocasião, ganhou a fama de "homem do cheque". Vaccari operava, com eficiência, nos bastidores, as eleições sindicais que garantiram a permanência do grupo no comando do sindicato. Em 1998, depois que Berzoini foi eleito deputado federal, coube a Vaccari substituí-lo na presidência do sindicato.
A destreza com que ele operava a máquina sindical o levou a duas missões que serviram para ampliar a base do PT entre os bancários. Depois de participar da fundação da CUT, Vaccari percorreu o país aglutinando sindicatos dos bancários, no fim da década de 1980. No mesmo período, também foi indicado para a presidência do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). A gestão de Vaccari à frente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, entre 1998 e 2004, acumulou polêmicas. No período, a Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), uma empreitada imobiliária liderada pelo sindicato, atingiu seu auge.
Segundo um relatório do Ministério Público de São Paulo de 2013, cerca de 3 mil famílias que investiram na casa própria foram vítimas de fraude em 14 empreendimentos inacabados da Bancoop. Diretores das associações de vítimas dizem que a gestão de Vaccari foi desastrosa, criou cobranças irregulares para os compradores que não receberam seus apartamentos e também para aqueles que já tinham escritura. Investidores ligados a Vaccari tiveram sorte diferente. Marice Correa de Lima, cunhada dele, relacionada ao mensalão e detida na Operação Lava Jato, por ter recebido dinheiro da OAS, é dona de uma unidade da Bancoop. A CUT é proprietária de outros dois apartamentos entregues pela Bancoop no bairro paulistano do Tatuapé.
Os desvios nos caixas da Bancoop, cujo diretor financeiro era Vaccari, foram investigados por uma CPI na Assembleia Legislativa de São Paulo e são alvo de uma ação na Justiça. Entre os documentos anexados aos autos, há cheques assinados por Vaccari sacados na boca do caixa e pagamentos a construtoras de outros diretores da cooperativa. Isso gerou acusações de desvios de recursos para campanhas do PT, ampliadas por causa dos investimentos dos fundos de pensão na Bancoop. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ) aportou cerca de R$ 5 milhões na empreitada da Bancoop. Também colocaram dinheiro a Petros, dos funcionários da Petrobras, e o Funcef, da Caixa Econômica Federal. Nos governos do PT, o relacionamento de Vaccari com os fundos de pensão estatais gerou, mais de uma vez, denúncias. O doleiro Lúcio Funaro, operador do mensalão, em depoimentos às CPIs dos Correios e das ONGs no Congresso, afirmou que Vaccari fazia tráfico de influência nos fundos de pensão para facilitar investimentos em projetos.
Vaccari assumiu o cargo de tesoureiro do PT no início de 2010, quando terminou a gestão de Berzoini no comando nacional do partido. Uma das exigências de Berzoini para apoiar José Eduardo Dutra, o preferido de Dilma para a presidência do PT, era que Vaccari Ficasse responsável pelo caixa do partido. Consultado, o ex-ministro Dirceu deu aval, e Vaccari foi confirmado no cargo. Naquele mesmo ano,Vaccari passou a arrecadar para a campanha eleitoral que levou Dilma ao Planalto, em parceria com o ex-prefeito de Diadema José de Filippi Júnior. Impulsionado pelo bom momento da economia no final da gestão Lula e pela força da candidatura Dilma, Vaccari pôde demonstrar sua habilidade como arrecadador. A campanha de Dilma amealhou R$ 135 milhões, quase R$ 30 milhões a mais que o tucano José Serra.
No ano seguinte, o desempenho de Vaccari também foi notável. Mesmo que 2011 não fosse um ano eleitoral, o PT arrecadou R$ 50,7 milhões de empresas, 20 vezes o que PMDB e PSDB conseguiram. Metade das doações foi feita por construtoras e empreiteiras com contratos com o poder público. O resultado permitiu ao PT saldar dívidas da campanha de Dilma e equilibrar as contas do partido. Em entrevista ao jornal O Globo, Vaccari explicou seu método de trabalho: "Procuro a empresa e peço o dinheiro para o partido. Mantenho relacionamento com empresas de todos os setores da economia. Apenas eu estou autorizado a fazer isso dentro do PT", disse.
Nas eleições deste ano, Vaccari teve uma vida mais difícil. O deputado estadual Edinho Silva (PT-SP) foi escalado para arrecadar recursos para a campanha de Dilma, enquanto Vaccari ficou encarregado de buscar dinheiro para o PT. Era inevitável que os dois disputassem recursos nas mesmas fontes. A primeira arrecadação parcial, em agosto, mostrou que a campanha de Dilma obtivera R$ 10,1 milhões, contra RS 11 milhões do tucano Aécio Neves.
Vaccari tentou atribuir o desempenho ruim a Edinho. Depois que depoimentos da Lava Jato sobre suas relações com Youssef se tornaram públicos, empresários que costumavam doar ao PT pararam de atender aos telefonemas de Vaccari, até mesmo para evitar ser associados ao petrolão. Passaram a procurar preferencialmente Edinho. Dilma tinha a preocupação de afastar do Planalto a arrecadação comandada por Vaccari, que sempre teve como motor a relação das empreiteiras com o governo e a Petrobras. Como se vê, ela tinha razões para agir dessa maneira.