Por Caio Junqueira
RECIFE - Pré-candidato a presidente da República em 2014, o governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, vê como atentado à democracia o processo em curso, que atribui ao PT e a setores do governo federal, de tentar enfraquecê-lo politicamente dentro de seu partido. Disse a auxiliares haver nesse movimento um risco de sufocamento da liberdade no país e que resistirá, pois "nasceu escondido em família de foragido político e zela pela democracia".
Os relatos que lhe chegam por governadores, parlamentares e prefeitos do PSB é que há um intenso processo de constrangimento, inclusive com origem nos gabinetes, em Brasília, que funcionam como uma espécie de parada de road-show. Seus correligionários são chamados em "ministérios-fim", aqueles com responsabilidade de executar os programas de suas áreas, para serem questionados sobre as demandas de seus Estados e municípios. E, após as promessas de benefícios, terminam nos ministérios políticos ou nas salas dos ministros políticos, onde a conversa costuma se repetir: "Gostamos muito do Eduardo, mas o PSB precisa apoiar a presidenta Dilma em 2014."
Esse roteiro também ocorre por ligações telefônicas e, na avaliação da cúpula do PSB, é o que explica a recente onda de declarações de governadores da legenda, mais diretamente o do Ceará, que vem repetindo um discurso contrário à candidatura presidencial de Eduardo Campos.
O governador do Amapá, Camilo Capiberibe, e do Espírito Santo, Renato Casagrande, por exemplo, relataram a Campos terem conseguido facilidades na liberação de recursos e desenvolvimento de projetos, ao mesmo tempo em que, sob reserva, garantiram-lhe estar no projeto do partido, que só será definido mais tarde. Por outro lado, Campos, o alvo dessa estratégia, tenta desde o ano passado conseguir a liberação de um milionário financiamento em Brasília, já aprovado pelo Senado, ainda não liberado pelos cofres federais.
Em outra frente, o governador pernambucano acompanha a articulação de uma outra estratégia de asfixia da sua candidatura, só que desta vez em seu território geográfico. Encabeçado por setores do PT no Estado alinhados à corrente majoritária petista Construindo Um Novo Brasil (CNB), ela consiste em esvaziar a base aliada de Campos em seu Estado, composta basicamente pelos mesmos partidos que sustentam a presidente Dilma Rousseff em Brasília.
Há, inclusive, a "chapa dos sonhos" que viria a ser o palanque pernambucano de Dilma. Ela tem o senador Armando Monteiro (PTB) como candidato a governador. Na vice, o ex-prefeito de Recife e deputado federal João Paulo Lima (PT). Para o Senado, o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho (PSB), por algum partido aliado do Palácio do Planalto. Pode ser PMDB, PSD ou mesmo PT. No Estado, a chegada de Bezerra a qualquer desses partidos já foi articulada e será bem acolhida. Mas antes ele tem que escolher se quer deixar o projeto Eduardo Campos.
Seu papel é fundamental nesse processo, pois sua saída do PSB, segundo petistas, pressionaria Campos a se posicionar neste ano se é ou não candidato, algo que ele pretende fazer só no ano que vem. Na ponta do lápis, Campos perderia o apoio em seu Estado de PT, PP, PTB, PSD, PMDB e PRB, para ficar nos mais representativos. Seu candidato partiria com PSB, PCdoB e PR.
Os petistas ainda planejam enfraquecer Campos em outros aspectos. Caso da elaboração de levantamentos das áreas sensíveis dos seus dois mandatos. Nada muito difícil de conseguir, tendo em vista que o PT sempre integrou o governo pernambucano.
As estratégias decorrem da percepção petista de que Campos corre riscos em seu colégio eleitoral se for candidato a presidente contra Dilma, a despeito de sua alta popularidade no Estado. E que enfraquecê-lo na sua origem pode levá-lo a desistir do projeto nacional, o que facilitaria a vitória da presidente no primeiro turno. Afinal, ele teria muito a perder ao se lançar ao Planalto.
Essa ideia está embasada na avaliação de que a população não entenderia sua oposição ao campo político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tal fato seria muito trabalhado no imaginário do eleitor pernambucano. Em consequência, a maioria dos prefeitos tenderia a se alinhar muito mais a Brasília do que ao Recife. Trata-se de uma situação diversa da vivida por Aécio Neves (PSDB) em Minas Gerais, onde o mineiro consolidou seu nome em campo adverso ao petista. Campos sempre esteve alinhado ao petismo.
No entanto, em todos esses processos conduzidos pelo PT, a reação de Campos revela um efeito reverso. Está candidatíssimo, mas lamenta o viés antidemocrático com que PT trata sua pré-candidatura. Reclamou a um interlocutor: "Não bastasse não querer que o PSB tenha um candidato ainda querem que o PSB decida quando isso deve ser anunciado?".
Campos poupa Dilma e, principalmente, Lula, desses movimentos. Acha que Lula sequer concorda com o método e que Dilma tem todo um país a cuidar. Tanto que em fevereiro, quando estiveram juntos no Palácio do Planalto, a presidente apenas lhe disse que ele tinha talento, que um dia seria presidente e que esperava que a amizade entre ambos não fosse arranhada.
Os dois estiveram juntos na segunda-feira passada, no Recife, mas as conversas passaram longe de 2014. Com Lula, garante que a relação está preservada e que o ex-presidente nunca o pediu para interromper a pré-campanha. Mais: pelo seu perfil do ex-presidente, Campos acha que ele nunca pedirá isso. Muito embora as duas únicas coisas que Lula tenha pedido ao governador de Pernambuco ele tenha acatado: o apoio do PSB à candidatura de Fernando Haddad em São Paulo, em 2012, e a Dilma em 2010, ambas operações que em maior ou menor grau o desgastaram internamente. O PSB-SP queria apoiar José Serra (PSDB) no ano passado, enquanto Ciro Gomes pretendia se lançar ao Planalto há três anos.
Agora, o que mais se ouve na cúpula do governo pernambucano é que a conversa é outra. Avaliações são feitas nesses termos: a dinâmica do governo federal mudou; é um governo parado; que não entrega nada; com pouca disposição para a política; com gente despreparada nas áreas políticas; que se julga dono da verdade; que se considera o único responsável pelo sucesso eleitoral do projeto nacional; que quer interditar o debate político; e que trata quem aparentemente não está no projeto petista como inimigo. No caso, Eduardo Campos.
Pelas informações que lhe chegam, a estratégia do asfixiamento não passa pelo gabinete presidencial, apesar de Dilma ter como encerrá-la. Para ele, o movimento é coordenado pela ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti; pelo ministro da Educação e homem forte de Dilma, Aloizio Mercadante, e, sobretudo, pelo presidente nacional do PT, Rui Falcão.
Campos, contudo, está decidido a não entrar neste jogo. Sobre as manobras para desidratá-lo em Pernambuco, acha inviável que uma candidatura de outro campo que não o seu prevaleça, pois nem Armando Monteiro nem Fernando Bezerra são nomes populares do campo da esquerda. Além disso, só chegaram onde estão por estarem ao seu lado. Campos, também, nas avaliações para a cúpula do seu governo, liga o cenário regional ao nacional. Está certo de que seu candidato vai ao segundo turno em Pernambuco.
Aí se abrem dois caminhos, ambos favoráveis a ele. Se Campos for ao segundo turno da campanha presidencial, alinha as duas campanhas. Se não for ao segundo turno presidencial, terá tempo de sobra para entrar na campanha estadual contra uma articulação que, aponta, já não estava com ele em 2006, quando foi eleito pela primeira vez.
A proximidade do mês de setembro, último prazo legal para as trocas partidárias com vistas às eleições de 2014, também não o preocupa. Campos avalia que ela será necessária para, segundo disse a interlocutores, "dar um solavanco" no PSB e verificar quem está e quem não está no projeto majoritário da legenda. Pois de nada adianta virar o ano com gente contra. É um raciocínio que cabe como uma luva nos irmãos Gomes, do Ceará.
Sua aposta continua sendo uma aliança à esquerda, tendo PDT e Mobilização Democrática (MD) coligados ao PSB. As conversas com os presidentes nacionais dos dois partidos, Carlos Lupi e Roberto Freire, respectivamente, são constantes e se dão ao vivo. Lupi vai toda semana ao Recife encontrá-lo. Tal união concederia a ele menos do que os cinco minutos que planeja ter desde que iniciou as articulações presidenciais, algo que ele relativiza tendo em mãos outros fatores que, em sua avaliação, o tornariam competitivo: os palanques regionais e a natural presença na mídia decorrente de uma campanha política.
O discurso também está na ponta da língua (ver reportagem abaixo) e as viagens a outros Estados devem continuar. A ideia é ao menos uma por semana ou a cada quinze dias. O governador e sua equipe acreditam muito em uma onda que tomaria corpo a partir de sua capacidade de fazer política e de um discurso que julga certeiro: o da nova agenda para o país após as eras Lula e Fernando Henrique Cardoso.
Não por outra razão a campanha em que se elegeu governador em 2006 é mencionada por toda a cúpula do governo de Pernambuco. Campos começou a campanha com menos de 5% das intenções de voto e com apoio de 10 prefeitos de 185. Chegou ao segundo turno com 30 prefeitos e acabou vencendo o candidato do então governador Jarbas Vasconcellos (PMDB).
Tudo isso significa que a candidatura presidencial de Eduardo Campos é irreversível? Não, é reversível, embora seja improvável, pelas condições do momento, que recue. Mas a sua decisão só será tomada mesmo em 2014, apesar das pressões atuais do PT, a partir de uma série de variáveis: falta de alianças e consequentemente de um bom tempo de propaganda gratuita na TV, economia deslanchando e Dilma com popularidade muito alta, ficando claro que a hipótese de segundo turno não existe. Por essa razão, é mais apropriado dizer que Campos está candidato, mas ainda não é candidato, o que, no seu calendário traçado desde o início, é agenda para o ano que vem, queira ou não o PT.
Fonte: Valor Econômico