“O politólogo americano Edward Burmila, escreveu recentemente na revista The Nation, artigo no qual fala dos perigos que as instituições democráticas correm no seu país, com a guinada dos Republicanos para a direita não-democrática. Aquela que não respeita as minorias, nem busca a melhor agregação possível dos interesses da maioria social. Ele argumenta que o risco institucional, hoje, só não é maior, porque Trump é um autocrata ineficaz. O dia em que um autoritário carismático emergir na direita, alertou, já há evidência suficiente de que as instituições e normas mais estimadas não salvarão os Estados Unidos. Com Trump, diz Burmila, o Congresso e o Judiciário já demonstraram que podem se dobrar à vontade até de um presidente impopular e inepto como ele. Imaginem com um autocrata polido e sedutor, conclui.
A democracia pode mesmo entrar em recesso, diante de lideranças populistas autoritárias e capazes de dobrar o sistema. Um recesso que causará dores severas e perdas talvez irreparáveis à sociedade. A fragilidade das instituições, quando autocratas ludibriam os freios e contrapesos que as protegem, neutralizando os princípios da liberdade e da incerteza, é, também, sua força. Exatamente porque a democracia não é sólida, ela não se desmancha facilmente no ar rarefeito.
A democracia é difícil de quebrar porque ela se amolda. Uma vez eliminada a força que a deformava, ela recupera sua forma, seu estado saudável. Com mudanças, novos freios e contrapesos para evitar a recorrência de um recesso pelo mesmo caminho, mas essencialmente a mesma, a democracia ressurge. No recesso, o ideal democrático alimenta a resistência, as insurreições e a rebeldia. É da sua natureza. Pressionada no topo, ela flui, escorre para a sociedade e dá força à voz potente das ruas.”
* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. “Democracia líquida”, Blog Matheus Leitão, 20/5/2019