O Estado de S. Paulo
Ao dar alcance geral a um julgamento que
deveria se restringir a uma causa isolada e atípica, o STF abriu uma porteira
perigosa
Todo governo, por melhor que seja, precisa
ter no seu encalço uma imprensa livre, ainda que falível. Mesmo que o
governante cultive as melhores intenções do mundo durante as 24 horas do dia,
mesmo que ele nunca esbarre num conflito de interesses, mesmo que não tenha
parentes incômodos, mesmo que esteja a um passo da santidade, a atuação de
redações independentes e críticas, mesmo que elas tropecem e errem, vai lhe
fazer bem – porque vai fazer bem à sociedade.
É o óbvio, não é? Para que uma democracia
trafegue em trilhos seguros, o poder do Estado há de ser fiscalizado pela
sociedade e, sem repórteres profissionais, nenhuma sociedade fiscaliza poder
nenhum. Estamos falando, aqui, de um princípio elementar, básico, de evidência
clamorosa, um princípio sobre o qual não deveria haver dúvidas. Não obstante,
esse ponto singelo – e mortal – não foi ainda bem compreendido por uma
considerável multidão de autoridades brasileiras.
Agora mesmo, no início do mês, o Estado foi
vítima de uma medida do Poder Judiciário que restringiu indevidamente sua
liberdade. O caso foi sintetizado num editorial publicado anteontem (Censura
sempre à espreita, página A3). Vai aqui o resumo do resumo. No dia 6 de
dezembro, o juiz José Eulálio Figueiredo de Almeida, da 8.ª Vara Cível de São
Luís (MA), mandou suprimir duas reportagens deste diário que relataram de modo
preciso e objetivo a concessão, pelo Ministério das Comunicações, de
retransmissoras de TV a uma emissora ligada ao grupo político do titular da
pasta, Juscelino Filho. Na mesma sentença, o magistrado determinou que os
repórteres se retratassem por ter publicado “informações falsas” e, em tom
aconselhador, ainda asseverou: “Ainda quando seja verdadeira a notícia, esta
deve ser divulgada sem exageros, sem embustes, sem tendenciosidade e sem
afronta”.