domingo, 9 de janeiro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: Conjunturas e cenários: é bom não confundir

A jornalista Dora Kramer publicou, em sua coluna na Veja, um artigo (“A brisa e nós” – Veja, 08.01.2022) em que se opõe à mentalidade fatalista que tem prevalecido quando se faz análises realistas de conjuntura. É que dessas tem resultado, muitas vezes, a prospecção de um cenário para as eleições presidenciais confirmatório do quadro da competição sugerido, hoje, por diversas pesquisas de intenção de voto. Lula chegando lá, em razão de bloqueios irreversíveis à reeleição de Bolsonaro e de virtual inviabilidade eleitoral de outras opções é uma interpretação de momento capaz de formar um consenso razoável, desde que os tempos verbais não passem do gerúndio ao futuro. O artigo de Kramer articula, para contrastar convicções fatalistas, inúmeros fatos do passado a argumentos sobre a situação presente. A junção bem fundamentada de fatos e argumentos não basta, porém, para evitar que ela esbarre em muitos olhos e ouvidos pouco dispostos a sair da zona de conforto oferecida – como ela própria alerta - pela fabricação de uma profecia e, talvez, de uma realidade construída a partir dela.

Se assimilada de modo ligeiro, a argumentação da jornalista pode ser considerada como expressão de uma dada posição política. Dessa posição – não de “fatos” – resultariam possibilidades que ela continua vendo para a abertura de uma terceira via eleitoral. Esse repto caberia também à visão que venho expondo neste espaço há um ano. Por isso ao interceder em favor de que se preste atenção à dimensão analítica do artigo de Kramer estou simultaneamente defendendo um ponto de vista desta coluna.

Penso que é um erro supor que haja correspondência direta entre análise de conjuntura e análise de cenários possíveis. Embora conectados, os dois procedimentos analíticos são bem distintos e uma das principais distinções está no modo como cada um deles considera o papel da ação política. Na análise de conjuntura os atores têm peso morto, por assim dizer. O que fizeram ou deixaram de fazer é fato consumado, ou já em curso, que cabe simplesmente registrar, sem se esperar que possam ser alterados. Contra isso nada podem o desejo, as crenças, os valores, ou os raciocínios lógicos do analista. Na análise de cenários, muito pelo contrário, o que distingue a análise política de outras é a consideração primordial que ela precisa dispensar à incerteza própria da presença de diversos atores, com diferentes visões, propósitos e modos de agir, compondo cenas sequenciadas de um enredo de desfecho ignorado. A democracia só faz acentuar esse requerimento que se impõe a quem analisa cenários futuros de política. Num regime democrático – mesmo quando ele vigora numa sociedade com fraca cultura democrática – a imprudência analítica não está na admissão de múltiplas possibilidades alternativas e sim na escassez delas.  Vaticínios antecipados são a morada mais comum de vieses desejosos.

Míriam Leitão: A economia entra no debate

O Globo

Os candidatos a presidente terão que esclarecer suas propostas econômicas. Não será possível se esconder, até outubro, atrás de clichês, ambiguidades ou um economista-símbolo. Contudo, essa não é uma eleição sobre economia. O governo Bolsonaro é o horror. O horror. Ele ameaça a democracia, e todos os avanços conquistados através dela. Portanto, é disso que se trata: vamos ou não aceitar a continuidade da barbárie e da demolição do país. Na economia, Bolsonaro também erra. Os projetos de reformas são ruins, o modelo de privatização da Eletrobras cria distorções, e a tendência tem sido a da distribuição de privilégios aos grupos de interesse ligados ao presidente.

A “Folha de S.Paulo” deu a largada no debate econômico publicando artigos de economistas de candidatos. Apesar de o centro da eleição não ser a economia — mas sim a democracia e valores civilizatórios — é sempre através de uma economia estável e sólida que se sustenta qualquer bom projeto.

Elio Gaspari: O lavajatismo contamina a eleição

Folha de S. Paulo / O Globo

Márcio França, que governou São Paulo em 2018 e é candidato ao cargo, foi a última vítima do lavajatismo, a variante espetaculosa e instrumental das iniciativas que combatem a corrupção na administração pública.

A Polícia Civil de São Paulo, autorizada pela Justiça, cumpriu mandados de busca e apreensão em 34 endereços de pelo menos seis cidades do estado. Alguns deles estavam “ligados” a França. O que significa “ligado”, não se sabe. A investigação, que corre em segredo de Justiça, seguiu a regra básica do lavajatismo, com vazamentos dosados e temperados com uma cifra: os acusados estavam metidos em operações que lesaram a Viúva em cerca de R$ 500 milhões, numa estimativa de dezembro, feita pela Corregedoria-Geral da Administração. (Isso tudo nos dias em que lembrou-se o primeiro aniversário da invasão do Capitólio, em Washington. De lá para cá, o Federal Bureau of Investigation prendeu centenas de pessoas sem espetáculo algum.)

A blitz foi um prolongamento da Operação Raio-X, iniciada em 2020. Ela investiga roubalheiras de Organizações Sociais metidas na rede de saúde, com suas conexões políticas. Serviço bem feito, ela operou sem espetáculos, cumpriu 327 mandados de busca, prendeu 64 pessoas, levou o Ministério Público a denunciar mais de 70 e permitiu a condenação de pelo menos 15 pessoas, uma delas a 104 anos de prisão. Tudo isso sem espetáculo, monitorando os investigados que destruíam documentos.

Até os esparadrapos dos hospitais sabem como funcionam, em vários estados, algumas dessas organizações sociais, às vezes com nomes de santos. No Rio, o ex-governador Wilson Witzel levantou o tema, mas teve pouca atenção. O lavajatismo poluiu a Operação Raio-X valendo-se de uma velha receita. Pega-se uma roubalheira documentada, cria-se o enredo da busca e apreensão, divulga-se uma cifra, e nesse guisado entra o nome de um político. No caso, entrou na roda Márcio França. Como governador, dias antes de deixar o cargo, ele aliviou o acusado que mais tarde veio a receber a condenação centenária. Para a polícia, surgiram “indícios veementes de um forte vínculo entre os dois”. Em dezembro, a polícia apresentou à Justiça um documento reservado de 212 páginas pedindo os mandados de busca. França é o principal personagem em mais de 50 dessas páginas. Cabe à Justiça decidir o valor dessas acusações. Fora daí, é lavajatismo.

Luiz Carlos Azedo: É um erro imaginar que Bolsonaro não tenha um Plano B

Correio Braziliense / Estado de Minas

Desacreditar urnas e tumultuar processo eleitoral serão indicadores que o presidente da República não aceitará uma eventual derrota eleitoral, como Donald Trump nos EUA

Não estou entre os que acreditam que a alternativa golpista, para o presidente Jair Bolsonaro, se esgotou em 7 de setembro do ano passado, quando mobilizou todas as suas forças contra a urna eletrônica e confrontou o Supremo Tribunal Federal (STF), que viria a ser cercado por caminhoneiros. No dia seguinte, com as estradas bloqueadas e os caminhões na Esplanada, o presidente da República deu um cavalo de pau e mandou uma carta ao ministro do STF Alexandre de Moraes com juras à democracia, numa espécie de pedido de desculpas pelos ataques que havia feito ao ministro e outros integrantes da Corte, principalmente durante manifestação de seus partidários na Avenida Paulista, à qual compareceu. Naquela ocasião, a narrativa golpista havia atingido o seu clímax.

Há muitas versões sobre o que aconteceu naqueles dois dias, principalmente sobre as conversas entre Bolsonaro e o ex-presidente Michel Temer, que redigiu a carta, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que segura a espada de Dâmocles sobre a cabeça dos bolsonaristas radicais envolvidos em ações contra a Corte.

Uma das versões é a de que o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, havia ameaçado solicitar ao Exército uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em defesa do STF, o que teria consequências posteriores, pois isso, obviamente, caracterizaria ato de sedição liderado pelo próprio presidente Bolsonaro.

Bernardo Mello Franco: Palpite infeliz

O Globo

Toda virada de ano é assim. Na falta de notícias, políticos, economistas e consultores despejam profecias para os próximos 12 meses. Os chutes costumam conter pouca análise e muita propaganda. Para sorte dos oráculos, quase tudo é esquecido até o carnaval.

Em dezembro de 2020, o ministro Paulo Guedes vendia otimismo sobre a recuperação da economia. “Essa volta do crescimento em V é prova de que o Brasil estava decolando quando a pandemia chegou”, fantasiou, em entrevista à revista Veja. “O Brasil será a maior fronteira de investimentos do mundo em 2021”, empolgou-se.

No mundo real, o país terminaria o ano em recessão técnica, depois de o Produto Interno Bruto cair por dois trimestres consecutivos. O que decolou foi a taxa básica de juros, que chegou a 9,25%. E ainda deve subir mais, enterrando as chances de uma retomada em 2022.

Guedes não foi o único economista a errar feio nas previsões para o ano passado. No último boletim Focus de 2020, o mercado financeiro projetou uma inflação de 3,32%. Ao fim de 2021, o índice já ultrapassava os 10%. O IBGE deve divulgar o número oficial na terça-feira.

Dorrit Harazim: Limbo democrático

O Globo

Raras vezes, nos Estados Unidos, a democracia foi tão evocada e invocada como no primeiro aniversário do assalto ao Capitólio — a bicentenária sede do Poder Legislativo em Washington que fora dessacralizada em 6 de janeiro de 2021. A homenagem às vítimas da fúria dos insurretos, que pretendiam reverter pela força a derrota de Donald Trump nas urnas, durou quase o dia todo. Idealizada para servir de ponto de confluência nacional em torno da defesa da democracia, a cerimônia emocionou muitos e consolou outros tantos. Mas o dano histórico continua do mesmo tamanho. A saber, abissal.

Tome-se o discurso do presidente Joe Biden, que, pela primeira vez em sua longeva carreira pública pautada pela moderação, conseguiu se fazer ouvir. Falou duro e claro, em tom de rara visceralidade. Aos 79 anos, o “conciliador em chefe” finalmente pareceu ter acordado para a realidade: a radiação antidemocrática com que Donald Trump continua a contaminar o país e as instituições a partir de sua base em Mar-a-Lago precisa ser enfrentada. “Pela primeira vez em nossa história, um presidente não apenas perdeu uma eleição, mas tentou impedir a transferência pacífica do poder”, discursou Biden. Denunciou “aqueles que invadiram o Capitólio e os que incitaram a invasão”. Prometeu defender a nação “dos que apontam um punhal para a garganta da democracia americana”. De caso pensado, não citou Trump nominalmente, trincando o egocentrismo doentio do antecessor. “Ele não é apenas um ex-presidente. É um ex-presidente derrotado”, disse Biden, com arroubo extra na palavra “derrotado”.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro e suas entranhas políticas

Folha de S. Paulo

Brutalidade, exibição de vergonhas e artes do espectro fascista são projeto eleitoral

O espetáculo, a massificação da mentira e a propaganda da morte são atitudes típicas de políticos do espectro fascista. Jair Bolsonaro não é lá diferente. Foi assim a virada de ano da extrema direita brasileirinha, ainda mais repugnante na sua decomposição avançada, mas até por isso mesmo capaz de causar mais pestes.

O país se degrada, mais gente padece de fome, doença ou desgraças como as enchentes da Bahia. A administração pública se desorganiza mais, ora em revolta contra caprichos sectários desse tipo que ocupa a cadeira de presidente, que quer agradar polícias a fim de manter consigo falanges armadas.

Há operações-padrão de auditores da Receita, o que ameaça por exemplo a importação de combustíveis; há ameaça de greve geral de servidores. A produção da indústria encolheu pelo sexto mês seguido, o que não se via desde a recessão de 2015. Azares do tempo podem fazer com que a safra de grãos seja menor que a do ano passado —se esperava recorde, um anteparo mínimo para a recessão que começa a aparecer no horizonte. Mas não há governo, tentativa de reação ou remédio. Ao contrário.

O capitão da morte vadiava, indiferente a sofrimentos e desordens, rindo com sua catadura selvagem e sua boca espumante. Fazia o show do tiozão grosseiro desfilando com brinquedos caros e barulhentos. Era parte da palhaçada da autenticidade, show que em breve voltaria quase à indecência teratológica dos tempos das cirurgias, durante a internação indigesta do tapado. Uma parte do espetáculo de Bolsonaro é a exposição de suas entranhas morais e quase literalmente físicas: intimidades com a mulher com quem se casou, o corpo nu cheio de tubos, as cicatrizes e, agora, sua indigestão monstruosa.

Janio de Freitas: As obstruções não param

Folha de S. Paulo

Desviar resultado da CPI é permitir crimes contra a população

A obstrução mental de Jair Bolsonaro não o impede, como a outra, de expelir suas produções repulsivas. Foi assim que, abalado ainda por uma das obstruções —a que o pôs em pânico e em prantos pelo medo de estar morrendo— retomou as falas incisivas contra a vacinação preventiva da Covid em crianças e suas consequências, já avançada mundo afora. A razão que outra vez liberou sua voracidade homicida só pode estar no apagamento aplicado às conclusões da CPI da Covid.

A proteção assegurada desse modo a Bolsonaro por Augusto Aras, procurador-geral da República, contém, no entanto, duas contradições. Uma, óbvia, está na finalidade de (também) obstrução da Justiça por parte de quem deve combater esse recurso criminoso.

A segunda vem de Bolsonaro contra Bolsonaro: suas falas antivacinação infantil confirmam de viva voz as conclusões sobre sua perversidade intencional, as determinações aos vassalos Pazuello e Queiroga, a indução de tratamento impróprio. E, sinal definitivo logo ao início, a dispensa e depois, como agora, a protelação da compra de vacinas.

Bruno Boghossian: Um doutor contra a vacina

Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Queiroga trabalham com política oficial de comunicação contra o imunizante

A contragosto, Marcelo Queiroga anunciou a vacinação de crianças contra a Covid. O ministro, no entanto, disse que ainda não há previsão de doses para todo o público de 5 a 11 anos de idade. Segundo ele, a compra desses imunizantes vai depender da demanda. "Nós não sabemos ainda qual será a taxa de adesão dos pais a essa vacinação", declarou.

Numa campanha peculiar, o governo Bolsonaro trabalha para achatar esse índice e vacinar o menor número possível de crianças. Depois de propor obstáculos como a exigência de receita médica, o presidente e o ministro da Saúde lançaram uma política oficial de comunicação para desestimular a aplicação de doses.

Hélio Schwartsman: Metáforas para a vida

Folha de S. Paulo

Marqueteiros habilidosos não têm dificuldades para contrabandear coisas para nossos cérebros

Como o cérebro pensa? Para o linguista George Lakoff, ele o faz através de metáforas ou "frames" (enquadramentos). Podemos chamar um grupo armado que lute por uma causa de "terroristas" ou de "guerreiros da liberdade" —e isso faz toda a diferença. É que neurônios que disparam juntos acabam se ligando em rede e, quando isso ocorre, sempre que um dos elementos é evocado, ele aciona o outro.

Se chamo os combatentes de terroristas, eu os ligo indelevelmente aos sentimentos de medo e angústia deflagrados pelo neurônio do terror. Inversamente, se os descrevo como campeões da liberdade, pinto-os com as cores positivas associadas a essa ideia.

Eliane Cantanhêde: Taras e tarados

O Estado de S. Paulo.

O que é mais grave e realmente perigoso: ser tarado por vacina ou tarado contra vacina?

Pense rápido: o que é pior, ser “tarado por vacina” ou tarado contra vacina? O presidente da República, Jair Bolsonaro, tenta insistentemente dividir o País entre os dois grupos, mas não dá certo, porque ele fala, fala, fala contra a imunização de adultos e agora de crianças, mas ninguém lhe dá ouvidos. Os brasileiros sabem que a questão não é ideológica, mas de vida ou morte.

“Ninguém” talvez seja exagero, porque há tarados que dão de ombros para a ciência e seguem tudo o que seu mestre, ou seu mito, mandar. É triste, talvez doentio. Bolsonaro já proibiu a compra da Coronavac, a “vachina do Doria”, e disse que quem se vacina vira jacaré, as duas doses causam aids na Inglaterra e que tão poucas crianças morrem de covid... Pra que vacinar?

Rolf Kuntz: Mais um ano para Bolsonaro piorar

O Estado de S. Paulo.

Ele conseguiu nomear um ministro da Saúde pior que Pazuello, atrasou a vacinação de crianças e poderá superar-se em 2022

Superação é a marca mais notável do assim chamado governo de Jair Bolsonaro. O médico Marcelo Queiroga é pior que o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, é tão incompetente quanto seu antecessor, mas avançou um passo, ao proibir a exigência, nas universidades federais, do comprovante de vacina. Teve de recuar, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), mas poderá atacar de novo, a qualquer momento, se for açulado por seu chefe. O próprio Bolsonaro lidera a conquista de novos patamares de irresponsabilidade e barbárie. Em 2020, atrasou e dificultou a vacinação de adultos contra a covid-19, negando proteção a milhares de vidas. Sua nova façanha, mais sinistra, foi retardar a imunização de crianças de 5 a 11 anos – desprezando parecer da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – e, ainda, incitar seus seguidores contra funcionários da agência. Mais lances macabros poderão surgir nos próximos meses, no sombrio cenário econômico e político previsível para um ano de intensa disputa eleitoral.

Pedro S. Malan* - A história não se repete, mas ensina

O Estado de S. Paulo.

Estamos aprendendo que, na política, é preciso ir além do enunciado de objetivos meritórios, que não suscitam divergência maior

 “Mais do mesmo?”. Foi este, com a interrogação para expressar certo espanto, o título de artigo que publiquei neste espaço em junho de 2014, quatro meses antes das eleições presidenciais nas quais Dilma concorria a um segundo mandato.

Havia sido eleita em 2010, escolhida por Lula, que assim a apresentou em longa e imperdível entrevista ao jornal Valor Econômico (17/9/2009): “Hoje, com sete anos de convivência, não conheço ninguém que tenha a capacidade gerencial da Dilma”. Aquele artigo de 2014 dizia: “É bem possível que a máquina de propaganda do governo (...) convença mais da metade dos eleitores de que eles devem votar de olhos postos nas ‘conquistas’, que seriam – todas – ‘dos últimos 12 anos’ e que ‘eles’ (quaisquer oposições) iriam destruí-las se eleitos fossem. É lamentável, pela mentira, desfaçatez e hipocrisia, mas alguns dirão: ‘Isso é do jogo simbólico da política’. (...) O que realmente importa é que problemas de curto, médio e longo prazos estão levando a esta preocupante combinação (...) de muito baixo crescimento e relativamente alta inflação. (...) E mais: esses problemas terão de ser enfrentados depois de outubro, qualquer que seja o resultado das urnas. Ao que tudo indica, o discurso do ‘mais do mesmo’ tem prazo de validade estampado no rótulo”.

Cristovam Buarque*: Partido de todos

Blog do Noblat / Metrópoles

Os democratas que não querem o PT precisam perder seus preconceitos contra Lula, os petistas e Lula precisam perder a arrogância

A falta de renovação fez com que, em 2022, haja um candidato que, em 1989, disputou a primeira eleição direta depois do golpe de 1964; e faz com que nem ele nem os outros candidatos estejam representando propostas novas para o Brasil do futuro, levando em conta as especificidades de nossos problemas na realidade do mundo contemporâneo; alguns são tão internacionalistas que não levam em conta nossas especificidades, outros tão nacionalistas que não consideram a realidade do mundo. Seria melhor que novas lideranças, partidos e discursos tivessem surgido e se afirmado no eleitorado, mas não surgiram ainda e felizmente Lula e o PT sobreviveram com força no eleitorado, para participarem da luta democrática contra a tragédia da reeleição de Bolsonaro.

Para isto, Lula precisa perceber que os propósitos da eleição de 2022 são diferentes de 1989, que não é hora de fortalecer o PT, é hora de salvar a democracia. Mais do que buscar sua eleição e fortalecer seu partido, colocar-se como parte do esforço político para barrar a continuidade da tragédia histórica que nos empobrece internamente e isola internacionalmente.

Cacá Diegues: O canto livre de Nara Leão

O Globo

Isabel Diegues, filha mais velha da cantora, escreve sobre a série do Globoplay que conta a trajetória de Nara em cinco episódios

Renato Terra acaba de lançar, pelo Globoplay, “O canto livre de Nara Leão”, uma série em cinco episódios. É um rico material audiovisual sobre a grande cantora, sem tentar reproduzir seu jeito nos outros personagens. Isabel Diegues, sua filha mais velha, escreveu o texto abaixo sobre o que viu. Acho que a opinião de Isabel é mais importante do que tudo que se puder dizer sobre o canto livre de Nara.

 “Ao assistir ‘O canto livre de Nara Leão’, série dirigida por Renato Terra, que é conduzida pela fala doce e arretada de Nara, contundente e cheia de humor, senti a maior alegria. Vê-la, ouvi-la, estar perto dela e de seu jeitinho, assistir seus amigos contando histórias com afeto, me deu uma saudade danada. E como era linda a minha mãe, com seus olhos acesos e o sorriso imenso.

Nara era uma mulher inquieta, curiosa. Como ela mesma diz logo em um dos episódios da série, ‘eu acho graça é de descobrir coisas novas, na vida’, fazer sempre o mesmo lhe parecia chato. E assim gravou os discos que escolheu gravar, sempre na contramão das expectativas, a seu modo, com as canções e os compositores de que gostava.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Ômicron abre caminho para ‘novo normal’

O Globo

A variante Ômicron do Sars-CoV-2 marca um ponto de inflexão na pandemia. Assustadoramente mais contagiosa, ela tem ao mesmo tempo causado infecções menos severas, menos mortes e, nos países onde tem avançado, imposto desafios de natureza diferente aos sistemas de saúde.

A Ômicron traz à humanidade um vislumbre do que será o convívio com o vírus passada a pandemia. A Covid-19 se tornará uma doença endêmica como tantas outras, e as lições dos últimos dois anos precisam ser aproveitadas para construir aquilo que se convencionou chamar de “novo normal”: uma vida diferente da que levávamos antes, mas não uma emergência eterna.

Numa série de artigos publicada na última edição da revista da Associação Médica Americana (JAMA), cientistas conclamam o governo do presidente Joe Biden a rever sua estratégia de combate ao vírus. Recomendam uma mudança significativa na visão da pandemia, estabelecem critérios e políticas a seguir para preservar a saúde pública no novo cenário. Tais recomendações deveriam ser ouvidas por governos de todos os países, entre eles o Brasil.

“O ‘novo normal’ ocorrerá quando todas as infecções, hospitalizações e mortes por vírus respiratórios, inclusive as por Covid-19, não forem maiores do que aquelas que ocorriam tipicamente nos anos das mais severas epidemias de gripe antes da atual pandemia”, escrevem os cientistas num dos artigos, coassinado pela brasileira Luciana Borio, médica do Council on Foreign Relations, em Nova York. O objetivo é que o risco de todas as doenças respiratórias não exceda aquele a que estávamos acostumados antes do Sars-CoV-2. Para atingi-lo, os cientistas sugerem nos artigos medidas em três áreas: prevenção, diagnóstico e tratamento.

No campo da prevenção, o desafio para evitar a circulação de variantes do vírus com poder de contágio comparável ao da Ômicron é atingir um patamar de imunidade coletiva estimado em 90% da população, “seja por vacinação, seja por infecção prévia” — menos do que isso tem se revelado insuficiente para deter a transmissão. Só assim é possível reduzir a letalidade da doença ao nível desejável, inferior a uma morte por 100 mil habitantes. “A não ser que o Sars-CoV-2 evolua para ficar ainda mais atenuado que a forma atual, deve-se antecipar a necessidade de vacinas regulares, possivelmente anuais”, dizem os cientistas. Exatamente como hoje ocorre com o vírus da gripe.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: O funcionário

No papel de serviço

escrevo o teu nome

(estranho à sala

como qualquer flor)

mas a borracha

vem e apaga.

 

Apaga as letras.

O carvão do lápis,

não o nome,

vivo animal,

planta viva

a arfar no cimento.

 

O macio monstro

impõe enfim o vazio

à página branca;

calma à mesa

sono ao lápis,

aos arquivos, poeira;

 

fome à boca negra

das gavetas, sede

ao mata-borrão;

a mim, a prosa

procurada, o conforto

da poesia ida.

Música | Chico Buarque: Estação Derradeira/Minha Embaixada Chegou