Se assimilada de modo ligeiro, a
argumentação da jornalista pode ser considerada como expressão de uma dada posição
política. Dessa posição – não de “fatos” – resultariam possibilidades que ela
continua vendo para a abertura de uma terceira via eleitoral. Esse repto
caberia também à visão que venho expondo neste espaço há um ano. Por isso ao
interceder em favor de que se preste atenção à dimensão analítica do artigo de
Kramer estou simultaneamente defendendo um ponto de vista desta coluna.
Penso que é um erro supor que haja correspondência direta entre análise de conjuntura e análise de cenários possíveis. Embora conectados, os dois procedimentos analíticos são bem distintos e uma das principais distinções está no modo como cada um deles considera o papel da ação política. Na análise de conjuntura os atores têm peso morto, por assim dizer. O que fizeram ou deixaram de fazer é fato consumado, ou já em curso, que cabe simplesmente registrar, sem se esperar que possam ser alterados. Contra isso nada podem o desejo, as crenças, os valores, ou os raciocínios lógicos do analista. Na análise de cenários, muito pelo contrário, o que distingue a análise política de outras é a consideração primordial que ela precisa dispensar à incerteza própria da presença de diversos atores, com diferentes visões, propósitos e modos de agir, compondo cenas sequenciadas de um enredo de desfecho ignorado. A democracia só faz acentuar esse requerimento que se impõe a quem analisa cenários futuros de política. Num regime democrático – mesmo quando ele vigora numa sociedade com fraca cultura democrática – a imprudência analítica não está na admissão de múltiplas possibilidades alternativas e sim na escassez delas. Vaticínios antecipados são a morada mais comum de vieses desejosos.