quarta-feira, 10 de abril de 2019

Vera Magalhães: Males do aparelhamento

- O Estado de S.Paulo

Se novo ministro conseguir livrar MEC do aparelhamento sempre tão condenado pela direita, mas praticado sem moderação quando ela assumiu o poder, estará no caminho virtuoso

O fiasco da curta passagem de Ricardo Vélez Rodríguez pelo Ministério da Educação poderia ter ensinado uma importante lição ao governo de Jair Bolsonaro, que hoje completa 100 dias: o aparelhamento ideológico, sempre tão combatido e associado à esquerda pelo hoje presidente ao longo de sua carreira na oposição, é, de fato, deletério para a administração pública.

Balcanizado entre “olavetes”, militares e evangélicos, com um núcleo técnico espremido nessa maçaroca ideológica, o MEC produziu uma sucessão de episódios grotescos numa pasta que, no curto mandato de Michel Temer, tinha colhido avanços concretos na área mais crucial para que o País almeje algum futuro mais promissor.

O substituto de Vélez na pasta, Abraham Weintraub, é identificado com a mesma matriz ideológica que endossou a nomeação do seu antecessor. Tem um histórico de declarações voltadas a defender o combate ao tal “marxismo cultural” como missão da Educação.
Encontrará agora, no entanto, um transatlântico para pilotar e um iceberg no caminho, que o desastre Vélez tratou de aproximar.

As tarefas da Educação são tão concretas e urgentes que, se Weintraub quiser entregar números melhores que os antecessores – os tais “esquerdistas” – terá de se dedicar a elas, e não à guerra cultural, sob pena de ir à deriva.

O ministro parece ter se dado conta da realidade que enfrentará. Tanto que seu discurso de posse foi focado na defesa de uma gestão técnica na pasta. Repetiu o mesmo à Coluna. Questionado sobre se readmitirá os “olavetes” demitidos por Vélez e promoverá um expurgo dos militares, negou que pretenda fazê-lo. Também refuta a análise de que sua assunção representará uma derrota para os militares. “O momento é de serenidade, pacificação e GESTÃO”, me disse ele, assim mesmo em maiúsculas, numa troca de mensagens ontem.

Paulo Delgado*: Fãs e amigos da onça

- O Estado de S.Paulo

Prestígio mundial da autonegação da política pode levar a experimento desaconselhável

Ainda não estamos na fase da traição e do abuso da confiança que marca nosso presidencialismo. Mas já vemos atrasos e danos. Para analisar de forma desengajada é preciso se convencer de que adesão ou oposição automática são burrices da vida política. É a comodidade da ideologia que leva o governo à impertinência de preferir a dificuldade de governar para uns à felicidade que é poder governar para todos.

“Jogue fora a luz, a definição. Diga lá o que você vê na escuridão.” A surpreendente falta de energia da economia, mesmo com inflação controlada, com crônico baixo crescimento, pouca capacidade de atrair investimento e de diminuir a desconfiança de quem dá emprego, não permite à família planejar o seu futuro e pode identificar uma estagnação estrutural ou ausência de foco na compreensão da nação que realmente somos. Mãos à obra, é impossível dirigir o Estado na forma como ele foi desenhado.

Embora o processo político nunca cumpra uma trajetória linear, a análise dos cem dias de governo não deve ser uma anamnese, essa mania de ouvir eleitor sobre dores que não sente, como quem faz exame médico só porque tem plano de saúde. A endoscopia invasiva da pesquisa produz um resultado muito parecido com as próprias perguntas. O momento não é de guerra fria, é de guerra quente e visível. Especialmente em razão do baixo equilíbrio institucional alcançado até aqui e da permanência dos traços de personalidade eleitoral do presidente.

Parece claro o seu desinteresse em convergir para uma posição de centro, relacionar-se melhor com a cúpula dos Poderes, diminuir o noticiário negativo e, assim, melhor acomodar as forças parlamentares e partidárias, que continuam desorganizadamente em ação. Como não conseguiu ver andar nenhum dos seus projetos e medidas provisórias enviados ao Congresso, é compreensível que use microblogs como tábua de salvação, desvinculados de qualquer estratégia coletiva de governo. O consolo é que a fase atual é de desapontamento, não de frustração.

Rosângela Bittar: Simplicidade é posto

- Valor Econômico

O problema não é o ministro, o problema é o presidente

Jair Bolsonaro, o presidente, está cada vez mais previsível. Escolheu um novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, igual ao que demitiu, Ricardo Vélez, que não conseguia trabalhar. Vélez é mais velho e, dizem, mais polido, mas ambos têm a mesma origem, os mesmos padrinhos, a mesma ideologia. A ideologia de sua bandeira, de direita, é reducionista, tal como a de esquerda que combatem, mas acham que estão salvando a humanidade a partir das ordens da rede Olavo-Eduardo-Carlos- Ernesto-Jair. Bolsonaros em estado puro, afinados e missionários.

Weintraub foi substituído na Secretaria Executiva da Casa Civil por outro também originado na irmandade, o atual subchefe de Articulação e Monitoramento, José Vicente Santini. Esse deve ser substituído, no Monitoramento, por outro parecido, numa sucessão de iguais: discípulos do autointitulado filósofo, tuiteiros como os quatro Bolsonaro que nos governam, e dados aos palavrões como fazem o atual ministro da Educação, o antigo e seu amado mestre.

O que circulou ontem, para ilustrar o fato de que Weintraub é crítico de algo que chama de marxismo cultural, é uma exibição grosseira, nada acadêmica, de alguém que, numa palestra, conclama seu auditório a insultar os comunistas e os socialistas. Por quê? Não diz.

Mas o problema de Weintraub não é a linguagem, não é ser seguidor da nova seita, não é ser economista, não é não saber nada de Educação e nem conhecer as pessoas que poderia consultar para lhe dar uma luz sobre alguns assuntos. O problema dele é o presidente pensar e agir igual a ele e convidá-lo para resolver um problema que seu igual não resolveu. O governo girando em círculo na contramão dos problemas.

A questão, para o novo ministro, são os Bolsonaro, cujo pensamento admira e segue, e escolhem alguém como ele para salvar toda uma área conflagrada. O presidente quis resolver um problema grave, o da gestão da Educação, ministério onde os olavistas fizeram uma batalha que provocou a demissão de 14 dirigentes em três meses, por outro olavista da mesma série.

As soluções de Bolsonaro para os problemas são óbvias, elas vêm da mesma fonte que os originou: ou Olavo, ou Eduardo, ou Flávio, ou Carlos, para falar das gêneses mais problemáticas e constantes.

Elio Gaspari: ‘Quartel não tem algemas’

- O Globo / Folha de S. Paulo

O general Leônidas Pires Gonçalves comandou o Exército de 1985 a 1990. Foi um daqueles chefes militares que viram de tudo. Em 1945, estava na cena da deposição de Getúlio Vargas. Em 1961, na escuta dos telefonemas de João Goulart durante a crise da renúncia de Jânio Quadros. Em 1964, viu quando o general Costa e Silva começou a emparedar o marechal Castelo Branco. Em 1984, foi um dos generais que garantiram a eleição de Tancredo Neves. Como ministro do Exército de José Sarney, manteve a disciplina na tropa, inclusive quando enquadrou o jovem capitão Jair Bolsonaro, que emergia como uma espécie de liderança sindical militar.

Leônidas ensinava: “Quartel não tem algemas”.

Ele era o ministro do Exército em 1988, quando mandou uma tropa para desocupar a usina de Volta Redonda, ocupada por grevistas, e morreram três operários. Passaram-se 31 anos, e uma patrulha do Exército disparou 80 tiros contra o carro que conduzia uma família e matou o motorista.

“Quartel não tem algemas”, os soldados não são profissionais treinados para operações policiais, e quando acontece uma dessas tragédias, quem vai para a frigideira são recrutas, um sargento ou, no máximo, um jovem oficial. Em menos de 24 horas, o comando do Exército prendeu dez militares envolvidos na fuzilaria do Rio. A informação inicial, falsa, de que a patrulha respondeu a “injusta agressão”, foi substituída pelo “compromisso com a transparência”.

Há épocas em que as eternas vivandeiras pedem aos militares que façam isso ou aquilo. A ideia de botar a tropa nas ruas do Rio podia parecer “golpe de mestre”, mas é apenas a criação de novos problemas. Passa o tempo, as vivandeiras vestem as camisetas da ocasião e mandam a conta para os quartéis.

Jair Bolsonaro entrou no Palácio do Planalto com um discurso popular de defesa da lei e da ordem, confundindo-se com as Forças Armadas. Há dias o presidente disse que “nasci para ser militar”. Só ele pode falar da própria vocação mas, de cadete a capitão, foi militar durante 14 de seus 64 anos de vida e deixou a carreira marcado por 15 dias de prisão por indisciplina. Daí em diante, Bolsonaro foi parlamentar por 29 anos. Parece mais precisa a avaliação de seu vice, Hamilton Mourão, para quem ele é “mais político do que militar”.

*Marco Antonio Villa: A democracia está em perigo

- ISTOÉ, 10/4/2019, nº 2571

As liberdades, a imprensa, o Congresso e o Judiciário são os novos judeus. Devem ser exterminados, pregam os extremistas instalados no governo

Os primeiros cem dias da administração Jair Bolsonaro foram marcados pelos confrontos sucessivos com o Legislativo, a imprensa e os valores democráticos consubstanciados na Constituição de 1988. Não há na história brasileira, desde a redemocratização, nenhum governo com esta característica — triste característica. A busca do conflito substituiu o diálogo como ação. O governo dá a impressão que não necessita de nenhum apoio para aprovar as reformas — especialmente a da Previdência — e nem para governar.

Afinal, acredita-se que há um plano de governo — até hoje desconhecido de todos — e que o compromisso com todos os setores da sociedade vai possibilitar a sua implantação. Contudo, assistimos a uma virulência verbal que desgasta as instituições e impede a construção de pontes de entendimento entre as diferentes correntes políticas. É evidente que há um desejo consciente de buscar construir um ambiente de tensão, próximo ao caos, para daí obter algum dividendo político. Não é o pensamento dominante no governo — basta observar as ações responsáveis nos ministérios da Economia e da Justiça, além da atuação apaziguadora e competente dos militares.

Mas um núcleo nefasto entranhado no Palácio do Planalto e com ramificações nos ministérios da Educação e das Relações Exteriores, especialmente, aposta na crise. Quer a crise. Acha que desta forma abre caminho para seu projeto de poder. Projeto criminoso nos moldes do petismo.

Desqualificando nossas tradições, colocando em risco a segurança nacional e adotando como prática a utilização de uma ideologia exótica a serviço de interesses alienígenas. São os fanáticos do outro extremo político. Buscam a todo custo inimigos reais e imaginários. Agem como os nazistas. As liberdades democráticas, a imprensa, o Congresso e o Judiciário se transformam nos novos judeus. E devem ser exterminados para o que planejam: a edificação do admirável mundo novo.

A democracia está em perigo! Não é nenhum exagero. Os extremistas devem ser contidos. O embate ideológico tem de ser travado com urgência. É necessário demonstrar àqueles que foram iludidos na boa-fé que não se constrói nenhum país tendo como alicerce a intolerância. Menos ainda tendo como guru (ridícula esta expressão em uso nos tristes tempos que vivemos) o Jim Jones da Virgínia. Ainda é tempo de enfrentarmos e vencermos o fanatismo. Até o governo poderá encontrar um rumo distante desses extremistas.

*Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista da Jovem Pan e TV Cultura. Professor da Universidade Federal de São Carlos (1993-2013) e da Universidade Federal de Ouro Preto (1985-1993). É Bacharel (USP) e Licenciado em História (USP), Mestre em Sociologia (USP) e Doutor em História (USP)

*Chico Alencar: Espírito de milícia

- O Globo

A mão que exalta é a mesma que exonera. O governador Witzel anunciou o afastamento do delegado Giniton Lages, tão logo este anunciou a prisão dos prováveis executores de Marielle e Anderson. As razões da mudança permanecem obscuras. Alimentam especulações sobre a vizinhança do clã Bolsonaro com o bárbaro crime. A busca dos mandantes será objeto da fase 2 da investigação. Em tese.

Além da materialidade da trama letal — das intenções e planejamento à execução (a única com avanços concretos, ainda que tardios) —, é importante examinar o caldo de cultura em que esses crimes ocorreram.

Há um “espírito miliciano” crescente no país. Milícia é contrafação do tráfico armado de drogas ilícitas: controle territorial manu militari, negócios ilícitos de todo tipo, e não apenas de entorpecentes, banimento ou eliminação dos que não se submetem. Com o substantivo nutriente da forte inserção no aparato de Estado, em especial o policial e o político, Legislativo e Executivo.

Destaque-se, por sinal, que quase um ano de intervenção das Forças Armadas na segurança fluminense não logrou avanços no combate a essas organizações criminosas paramilitares, que se ampliam.

Bernardo Mello Franco: Oitenta tiros e nenhum tuíte

- O Globo

Desde domingo à tarde, Bolsonaro deu uma entrevista, fez dois discursos e disparou 17 tuítes. Só não comentou a morte do inocente fuzilado pelo Exército com 80 tiros

Desde a tarde de domingo, Jair Bolsonaro deu uma entrevista, fez dois discursos e publicou 17 tuítes. O presidente fez autopropaganda, atacou a imprensa, criticou um instituto de pesquisas e debochou dos antecessores. Só não comentou a morte de Evaldo Rosa, metralhado pelo Exército quando levava a família para um chá de bebê.

O carro dirigido pelo músico tinha a bordo duas crianças, uma mulher e um idoso. Os soldados abriram fogo sem aviso. Acertaram ao menos 80 tiros de fuzil.

Depois de morto, Evaldo foi vítima de outro assassinato. Desta vez, de reputação. Em nota, o Comando Militar do Leste chamou ele e o sogro de “criminosos”. Os dois foram acusados de atirar contra os militares, que teriam respondido à “injusta agressão”. “Como resultado, um dos assaltantes foi a óbito no local”, concluiu o CML.

Apesar dos desmentidos de testemunhas e da Polícia Civil, o Exército sustentou a falsa versão até a manhã de segunda. Finalmente, admitiu “inconsistências” e informou que dez homens foram presos em flagrante. Eles serão julgados na Justiça Militar.

O falante Bolsonaro não se manifestou nem para consolar a viúva. O ministro Sergio Moro evitou dizer se o caso envolveria “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”. O governador Wilson Witzel lavou as mãos. “Não me cabe fazer juízo de valor”, declarou.

Zuenir Ventura: O rapto de inocentes

- O Globo

‘Sequestros tinham como objetivo’, explica o autor, ‘difundir o terror entre a população’

A crença era de que só as outras ditaduras, a da Argentina e a do Chile, principalmente, haviam sequestrado e levado para adoção clandestina filhos pequenos de militantes políticos presos ou mortos. A nossa, apesar da crueldade, não chegara a esse ponto.

Intrigado com essa contradição, o jornalista Eduardo Reina saiu a campo, e o resultado de anos de meticulosa apuração é um impressionante livro de reportagem investigativa, “Cativeiros sem fim”, em que constata a ocorrência de pelo menos 19 desses crimes, 11 dos quais contra filhos de guerrilheiros do Araguaia ou de camponeses que apoiavam o movimento, além de cinco índios Marãiwatsédé.

“Os sequestros tinham como objetivo”, explica o autor, “difundir o terror entre a população, vingar-se das famílias, interrogar as crianças e educá-las com uma ideologia contrária à dos pais”.

No lançamento do livro em SP estava presente uma das personagens, Iracema, de estimados 65 anos, que na noite de 19 de maio de 1964, então pré-adolescente, foi sequestrada, presa e seviciada no DOI-Codi pernambucano junto com a mãe, Lucia, ainda desaparecida. “Tenho de agradecer por estar viva, por ter uma idade, um nome, por eu ser alguém”.

Hélio Schwartsman: Universidades são antros de comunistas?

- Folha de S. Paulo

Motivo para desequilíbrio não é um complô, mas uma razão bem mais trivial

É verdade que o pensamento de esquerda predomina nas universidades. Isso não é exclusividade do Brasil, mas uma tendência geral no Ocidente.

Nos EUA, onde existe medida para quase tudo, a proporção dos professores universitários (todas as áreas) que se declaram liberais ou de extrema esquerda em relação aos que se dizem conservadores ou de extrema direita atingiu o pico de cinco para um em 2011. Durante a maior parte do século 20, a taxa oscilou entre dois e três para um.

O motivo para o desequilíbrio não é um complô do globalismo gramsciano, mas uma razão bem mais trivial: um dos traços de personalidade mais fortemente correlacionados à esquerda, a abertura ao novo, é também uma característica que leva pessoas a aprofundar-se nos estudos e a procurar a carreira acadêmica.

Bruno Boghossian: Tiros com silenciador

- Folha de S. Paulo

Valentes para atacar bandidos, políticos não têm coragem de reconhecer tragédia

Primeiro, o Exército fuzilou o carro de uma família no Rio. Foram mais de 80 tiros no Ford Ka em que estavam Evaldo Rosa dos Santos, a mulher, o filho, o sogro e uma amiga. Depois de matarem o músico, os militares mentiram. Alegaram que só revidaram um ataque de criminosos, matando “um dos assaltantes”. Por fim, consumada a tragédia, os governantes decidiram ficar calados.

Um Estado que encoraja o bangue-bangue e atira oito dezenas de vezes contra um inocente abriu mão de seu papel na segurança pública. Amorte de Evaldo é mais um sintoma das décadas de fracasso no combate ao crime e à violência, turbinadas pelo estímulo à barbaridade das execuções extrajudiciais.

Os políticos que incluíram o incentivo à matança em seus programas de governo agora preferem o silêncio. Aqueles que soam valentes para dizer que a polícia “cancela CPFs” ou manda bandidos “para o cemitério” em suas operações não tiveram coragem de reconhecer o desastre.

Wilson Witzel, o governador que manda “mirar na cabecinha”, disse que não cabia “fazer juízo de valor ou tecer crítica”, porque sua Polícia Militar não estava envolvida no caso.

Jair Bolsonaro também fingiu que não era com ele. Jornalistas perguntaram três vezes ao porta-voz do Planalto o que o presidente achava do episódio. Nas três vezes, ele só respondeu que o governo esperava a conclusão do inquérito para que “tenhamos o caso totalmente elucidado”. Sobre o fuzilamento em si, nada.

Ricardo Noblat: Cem dias jogados no lixo

- Blog do Noblat / Veja

Bolsonaro x Bolsonaro
E no centésimo dia do seu governo, por mais que possa dizer o contrário, o presidente Jair Bolsonaro pouco tem a comemorar.

Se até aqui há algo de original neste governo é o fato de que dispensa oposição. Ele detém o monopólio da oposição.

A oposição conhecida como tal ainda padece da surra que levou nas eleições do ano passado e se ocupa em lamber suas feridas.

O espaço reservado a ela por enquanto foi totalmente ocupado pelo governo. Ele é seu principal adversário. E à sua cabeça, Bolsonaro.

O ex-presidente Fernando Henrique notabilizou-se por desinflar as crises que batiam à porta do seu gabinete. Lula, também.

A exemplo de Dilma Rousseff, mas talvez muito mais do que ela, Bolsonaro faz justamente o contrário. Infla as crises. Ele é a crise.

Dois ministros foram decapitados, quatro secretários-gerais de ministérios e dois presidentes da Agência de Promoção das Exportações.

O novo ministro da Educação tomou posse dizendo que governará para todos. Em seguida, disse que demitirá quem pisar fora da linha.

Saiu da Educação um discípulo do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru do clã Bolsonaro. Entrou outro.

Segue o governo dividido em três grupos: o dos militares, o ideológico de extrema direita, e o dos técnicos.

Os militares tentam apagar os incêndios provocados pelo capitão e sua turma ideologizada que nega ser ideológica.

Os técnicos tentam trabalhar – e à falta de um projeto verdadeiramente de governo, orientam-se pelo próprio faro.

A política externa foi entregue aos cuidados de um ministro que não se envergonha de dizer que é trumpista. É também incompetente.

O presidente da República mais viaja do que governa e dá a impressão de que trabalha pouco, e sem gosto.

O Congresso aprovará a reforma da Previdência. Mas não a reforma dos sonhos do ministro Paulo Guedes. Longe disso.

A maioria dos políticos pensa assim: se Bolsonaro os trata mal quando mais precisa deles, imagine depois se deixar de precisar?

Portanto, nada de lhe dar o que pede. Bolsonaro deve ser alimentado com pouca coisa e mantido sob rédea curta.

Se a receita serve para a reforma, servirá também para o pacote de medidas contra o crime do ministro Sérgio Moro, da Justiça.
A má vontade com o que Moro pede será maior porque Moro é Moro. Ninguém mais do que ele demonizou a política.

A não ser que mude de ideia, Bolsonaro celebrará seus 100 dias de governo com o anúncio do 13º salário para o Bolsa Família.

Para quem diz que programas sociais não tiram ninguém da miséria, o anúncio só prova que Bolsonaro não sabe o que fala.

Um presidente agastado

O desabafo do capitão
E no 99º dia desde que subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, o capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro recebeu em seu gabinete a visita dos deputados Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, e Augusto Coutinho, líder do partido na Câmara. Em pauta, a reforma da Previdência Social.

“Bom dia, presidente, onde devo me sentar?” – perguntou Paulinho à chegada. “Desde que não seja em meu colo, pode sentar onde quiser”, respondeu Bolsonaro com o sorriso largo de sempre. Foi o que bastou para ditar o ritmo descontraído da conversa, testemunhada pelo ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil.

Luiz Carlos Azedo: Duas éticas no governo

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Desde o Império, não existe uma família tão poderosa e influente no Estado brasileiro, nem mesmo no segundo governo de Getúlio Vargas”

A demissão do presidente da Agência Brasileira de Exportações e Investimentos (Apex), embaixador Mario Vilalva, pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é mais um episódio no governo Bolsonaro que revela um choque recorrente entre os ministros mais ideológicos do governo e a alta burocracia estatal, mesmo aquela que torceu pela eleição do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo presidente da Apex demitido no governo, que completa 100 dias nesta semana, a demissão foi anunciada em nota distribuída pelo Itamaraty, depois de Vivalva dar declarações de que não pediria demissão: “Como parte do processo de dinamização e modernização do sistema de promoção comercial brasileiro, o ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo, anuncia a exoneração do embaixador Mario Vilalva da presidência da Apex. O ministro das Relações Exteriores agradece a colaboração que o embaixador Mario Vilalva prestou à frente daquela agência nos meses iniciais da atual gestão”. Alex Carreiro, que o antecedeu, chefiou a agência por apenas 10 dias.

O governo ainda não anunciou o nome do substituto, mas quem quer que seja assumirá o cargo sabendo que terá dois subordinados imexíveis, se o novo presidente não for um deles: Letícia Catelani (Negócios) e Márcio Coimbra (Gestão Corporativa). Os dois entraram em conflito com Vilalva por insubordinação. Eles se recusaram a assinar atos da agência e nomearam funcionários, supostamente sem currículo para alguns postos, como um ex-candidato a deputado pelo PSL. A Apex é vinculada à estrutura do Ministério das Relações Exteriores, com a missão de promover os produtos e serviços brasileiros no exterior e atrair investimentos estrangeiros para setores estratégicos da economia brasileira.

Vilalva entrou em rota de colisão com Ernesto Araújo após o ministro ter promovido uma alteração no estatuto da agência sem informá-lo. “Nunca pensei que um ministro de Estado faria isso. Legislando sem transparência, modificando em cartório o estatuto da Apex e tentando me induzir ao erro. Tentam me colocar em situação constrangedora”, estrilou. A alteração no estatuto, no mês passado, visou adequar a agência à legislação que a criou, mas foi feita sem que Vilalva fosse consultado e de modo a esvaziar suas atribuições de presidente, fortalecendo os dois diretores, que são ligados ao clã Bolsonaro.

“As pessoas estão trabalhando em agendas pessoais, e com isso não estão preocupadas em fazer com que o trabalho da agência corra normalmente, como sempre aconteceu”, criticou Vilalva. Um dos episódios que desgastaram a relação entre o chanceler e o presidente da Apex foi a recusa de Catelani a revogar um contrato por recomendação da diretoria e do secretário de Governo, general Santos Cruz. Após o episódio, o escritor Olavo de Carvalho passou a atacar o ministro, acusando-o de tráfico de influência. Vilalva mantém boas relações com os generais do governo, entre os quais, o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno.

Míriam Leitão: Como perder os 100 primeiros dias

- O Globo

Governo se desgastou porque quis e perdeu o melhor período com brigas inúteis, crise com possíveis aliados e cruzadas ideológicas

Nestes 100 dias, o pior inimigo do governo Bolsonaro foi o governo Bolsonaro. O melhor da lua de mel de qualquer administração foi queimado num processo que deixou como saldo queda de popularidade e um grande estoque de brigas inúteis e energia desperdiçada. Na área econômica, trabalha-se com foco em objetivos concretos, que vão além da reforma da Previdência. Mesmo assim, perdeu-se tempo. De todos os erros, o pior foi na Educação que, não por acaso, no 99º dia teve troca de comando. Infelizmente não houve mudança de ideias.

Desde os primeiros dias ficou claro que o ministro Vélez Rodriguez era a escolha errada. O presidente deixou o ministério sangrando por um trimestre, com paralisia e brigas de facções entre os assessores de Vélez. O novo ministro Abraham Weintraub tem, como os que chegam, o benefício da dúvida. Se comandar o MEC com as ideias que defendeu em palestras e vídeos nas redes sociais, é certo que o diversionismo continuará na área mais importante do país. Se ele continuar a cruzada ideológica, perderemos o ano letivo.

Os erros na educação foram tão ruidosos que outros pontos de desacertos tiveram menos atenção que o necessário. No Itamaraty, o ministro Ernesto Araújo tem os sintomas do mesmo tipo de delírio que o ex-ministro Vélez Rodriguez. Enquanto nos expõe ao ridículo diante do mundo, vai desmontando a Casa de Rio Branco.

Pedro Cafardo: Muito além dos buracos de São Paulo

- Valor Econômico

Sem reforma será o caos, mas sem investimento, também

Quem não é de São Paulo, fique sabendo que a maior cidade do país está forrada de buracos em suas vias públicas. Para quem mora na capital paulista, recomenda-se muito cuidado nas ruas, especialmente se o cidadão pretende se arriscar andando de bicicleta ou nos "modernos" patinetes.

Olhando para esses buracos, o paulistano certamente imagina que eles não são tapados por uma dessas três razões: incompetência da administração pública, falta de dinheiro ou as duas anteriores juntas.

Diante de tantas crateras abertas, porém, um viciado em economia talvez se lembre da célebre sugestão do economista John Maynard Keynes: em tempos de crise, o governo deveria contratar trabalhadores, mesmo que fosse para alguns cavarem buracos e outros os taparem.

O conselho histórico e simbólico de Keynes, a propósito da grande depressão de 1929, abre espaço para um pouco de humor - para quem ainda o tem neste momento opaco da economia do país. Se quisesse seguir a sugestão do grande economista, São Paulo nem precisaria contratar ninguém para abrir os buracos.

Falando sério, essa história de abrir e tapar buracos é importante porque nos faz lembrar que a maior batalha da economia brasileira no momento é contra o desemprego. O número é conhecido, 13 milhões, sem contar os desalentados, aqueles que desistiram de procurar trabalho. Tudo isso porque o país viveu uma recessão brutal. O economista José Luis Oreiro, em artigo no Valor, estimou que a retração de 8%, desde 2014, em termos reais, representa uma perda de riqueza de R$ 600 bilhões.

O atual momento se torna ainda mais grave porque os pensadores da economia tendem a discutir apenas um tema: a reforma da Previdência Social. Talvez o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenha razão ao dizer que as pessoas que são contra essa reforma merecem ser internadas. A frase foi deselegante. Mais do que isso, entretanto, ela parece relegar a um segundo plano as raras opiniões de brasileiros bem informados que, acreditando na importância da reforma da Previdência, alertam para o fato de que ela não resolve todos os problemas do país. Nem se deve condicionar tudo ao destino da reforma, como disse o senador José Serra.

André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, não está sozinho. Desde que publicou no Valor o resumo de seu ensaio "Uma Armadilha Conceitual", em 8 de março, vem incendiando o debate entre os economistas sobre o momento brasileiro.

Os que receitam a reforma da Previdência como remédio milagroso o fazem por considerar o problema fiscal como um câncer a ser extirpado a golpes de machado. Lara Resende parece não pensar assim. Ele reconhece a importância do déficit da Previdência Social e da crise fiscal, mas observa que responsabilidade fiscal não pode ser confundida com dogmatismo. Considera que o importante não é equilibrar o Orçamento a curto prazo e a qualquer custo, mas tributar e investir bem. Quer uma tributação simples e investimentos públicos eficientes. Em entrevista a "O Estado de S. Paulo", fez uma afirmação corajosa: "É mais importante tributar e investir bem, com objetivo de aumentar a produtividade e a equidade, ainda que sem equilibrar o Orçamento, do que eliminar o déficit, mas continuar tributando e gastando mal. Isso é verdade sobretudo quando há desemprego e capacidade ociosa".

Merval Pereira: Para além do emprego

- O Globo

Para José Roberto Afonso, a reforma da Previdência é insuficiente para futuro em que trabalho não passará por emprego e salário

No momento em que se discutem reformas estruturais na economia, um artigo do economista José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em finanças públicas do país, publicado na Revista do BNDES que circula a partir de hoje trata de uma questão colateral à reforma da Previdência que se tornará crucial para nosso desenvolvimento.

Afonso considera a reforma da Previdência necessária, mas insuficiente para lidar com um futuro em que cada vez mais o trabalho não passará por emprego e salário. Ele ressalta que financiar e manter a seguridade social que tinha essas premissas – emprego e salário - é um debate crescente no mundo, que o Brasil ignora e do qual não participa.

Até Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial já alertaram que será preciso um novo pacto social, lembra José Roberto Afonso. No artigo, ele volta ao economista John Maynard Keynes, que foi a base de seu doutorado na Unicamp, mas analisando aspecto que poucos conhecem: ele ajudou a estruturar o chamado estado do Bem-Estar Social, na década de 30 e 40 na Inglaterra, depois copiado pelo resto do mundo, inclusive o Brasil.

José Roberto Afonso lembra que a rede de proteção social adotada em meados do século passado girava em torno do emprego, formalizado no Brasil pela contratação com carteira de trabalho assinada. Empregadores e empregados contribuem sobre o valor de seus salários, que também passa a balizar os benefícios pagos no futuro (aposentadoria), ou antes, em caso de alguma intempérie (uma delas é o seguro-desemprego).

Monica De Bolle*: Chicago, Chicago

- O Estado de S.Paulo

A economia política da adoção de medidas e reformas para os problemas brasileiros não é para amadores

Prefiro a interpretação de Frank Sinatra à de Tony Bennett, embora esse artigo não seja nem sobre a música Chicago, nem sobre os crooners inimitáveis que a cantaram. Trata-se, ao contrário, de uma breve análise sobre o Brasil, o Chile, os Chicago boys, aquele grupo de missionários chilenos que tentaram transformar o Chile na imagem de Milton Friedman, vencedor do Nobel de Economia em 1976. Os Chicago boys andam na moda no Brasil por causa de Paulo Guedes, que estudou na mesma universidade dos missionários, apesar de não exatamente na mesma época. Andam na moda porque, no início dos anos 80 esteve Guedes no Chile por um tempo para ver de perto o milagre do tratamento de choque friedmaniano. Tão em moda andam que a Globonews apresentou ótimo programa recente intitulado Os Herdeiros da Escola de Chicago.

Nem todo o programa foi sobre o Chile e os Chicago boys, tampouco sobre Milton Friedman. Mas, uma parte foi dedicada ao país e a esses homens devido ao outro homem que hoje ocupa o ministério da economia. Milton Friedman, não há dúvida, foi espécie de gigante intelectual na economia. Em 1963 publicou com a economista Anna J. Schwartz um de seus principais legados, obra que analisava as crises bancárias norte-americanas, em especial a que ocorreu durante os anos 30. A grande contribuição dos dois foi apontar a insuficiência da resposta do banco central dos EUA, o Fed, que pouco fez para restaurar os canais de crédito e normalizar as condições financeiras, estendendo a crise muito além do necessário, com graves consequências sobre o crescimento e a taxa de desemprego. Essas e outras lições foram aprendidas por Ben Bernanke, dirigente do Fed durante a crise de 2008 e ele próprio um estudioso da Grande Depressão. Com Friedman e suas próprias pesquisas havia entendido que o banco central deve utilizar todo o arsenal à sua disposição quando há uma crise bancária sistêmica. Graças a ele – e a Milton Friedman antes dele – o impacto da grande crise de 2008 não foi ainda mais severo para os EUA e para o mundo.

Friedman, entretanto, ficou mais conhecido por suas teses a respeito daquilo que Ronald Reagan chamaria anos depois de “a magia dos mercados”: o conjunto de modelos que Friedman e coautores desenvolveram nos anos 60 revelava o poderoso papel que os mercados livres de interferências estatais poderiam desempenhar. Embora muitos até hoje tenham se agarrado a essas teses como exemplo de como a ciência econômica era algo que se desenvolvia sem qualquer contaminação política, o contágio era mais do que óbvio. Entre as décadas de 60 e 80 o mundo atravessava o auge da Guerra Fria e a necessidade de encontrar modelos que se contrapusessem ao estatismo soviético era mais do que urgente. Portanto, Friedman e seus seguidores foram influenciados pela busca por algo que pudesse representar o oposto econômico do ideário soviético. Encontraram no Chile dos anos 70 o laboratório ideal para pôr suas ideias em prática.

Vinicius Torres Freire: Pontos na carteira, Bolsa Família e PIB

- Folha de S. Paulo

Prestígio presidencial cai, ansiedade popular sobe, aparecem mais populismos

Pagar um “13º” para quem recebe o Bolsa Família talvez conquiste a boa vontade de brasileiros pobres que não simpatizam com JairBolsonaro. O presidente deve anunciar oficialmente a medida nesta quinta-feira (11).

Na prática, neste primeiro ano vai se tratar de um reajuste real (acima da inflação) de 3,4% (o aumento de 8,3% no benefício anual, descontada a inflação acumulada desde o reajuste mais recente, de julho do ano passado).

Quanto ao populismo raiz, o presidente continua sua batalha contra as multas, as que toma ou as de trânsito.

Aumentar de 20 para 40 o número de pontos de multa que suspendem o direito de dirigir pode conquistar motoristas para quem a fiscalização do trânsito é uma intervenção estatista no direito de barbarizar nas ruas e rodovias. Extinguir milhares de radares de velocidade nas estradas federais vai na mesma linha.

Continuar a guerra ideológica na educação, a cruzada moral nos costumes e ouriçar o bolsonarismo nas redes insociáveis parece, além de um programa de governo, outra tentativa de impedir ao menos que a aprovação do presidente vá abaixo dos atuais 30%, por aí.

A nomeação do novo comandante do Ministério da Educação é um sinal de força da “ala antiestablishment do governo”, como se autodenomina o núcleo puro, “ideológico”, do bolsonarismo.

FMI vê menor expansão global, sem recessão à vista: Editorial / Valor Econômico

O crescimento econômico mundial diminuiu de ritmo; há vários riscos no horizonte, mas não há perspectiva de recessão no horizonte, prevê o Fundo Monetário Internacional. A perspectiva desestabilizadora de um aperto rápido da política monetária nos EUA, e, subsidiariamente, na Europa, deixou de ser uma ameaça iminente. Os desafios parecem ser de outra ordem e mais de longo prazo: a expansão nos países avançados seguirá um ritmo pouco inspirador (1,6% em 2022, por exemplo), com o freio de produtividade baixa e diminuição da força de trabalho com o envelhecimento da população. No curto prazo, após dois semestres de arrefecimento, a economia global se recuperará aos poucos a partir da segunda metade de 2019.

A previsão de expansão do PIB global foi reduzida a 3,3% este ano e 3,6% em 2020. Dois terços da desaceleração, de acordo com o "Perspectivas da Economia Mundial", podem ser atribuídos à performance dos países desenvolvidos, em especial à zona do euro, que deverá crescer 1,3% em 2019. Na ponta contrária, 76% do crescimento esperado será sustentado pelas economias emergentes, que avançarão 4,4% em 2019 e 4,8% no ano que vem, elevação atribuída pelo Fundo basicamente à melhoria da situação difícil em que hoje se encontram países como Argentina e Turquia.

O problema é de gestão: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro decidiu afinal demitir o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. Foi o segundo ministro a cair em três meses – o primeiro foi Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência. Segundo Bolsonaro, a decisão foi tomada por uma “questão de gestão”, já que Vélez “lamentavelmente não tinha essa expertise com ele”. Traduzindo: para o presidente, seu escolhido para o Ministério da Educação, uma das pastas mais importantes do governo, não tinha a experiência necessária para desempenhar tão relevante função, e disso resultou uma gestão insatisfatória.

Ora, a inexperiência de Ricardo Vélez era de conhecimento geral no instante em que seu nome foi anunciado para ocupar o cargo de ministro da Educação. É pouco provável que o presidente da República não soubesse que Ricardo Vélez não tinha em seu currículo nenhum sinal de tarimba como administrador público, especialmente em área tão complexa como a educação.

Contudo, Ricardo Vélez não foi escolhido para ser propriamente um gestor da educação. Seu papel, como estava claro desde o início, era implementar a agenda ideológica apresentada por Bolsonaro na campanha eleitoral. De acordo com essa agenda, é preciso acabar com o “marxismo cultural” que, segundo os bolsonaristas, está entranhado nas universidades e escolas públicas. “Jair Bolsonaro prestou atenção à voz entrecortada de pais e mães reprimidos pela retórica marxista que tomou conta do espaço educacional”, discursou Ricardo Vélez ao tomar posse, em janeiro.

Para assessorá-lo, o ministro trouxe ex-alunos seus, igualmente despreparados. À medida que a inaptidão de Ricardo Vélez e de sua equipe cobrava seu preço na forma de desorganização, demissões em série e paralisia decisória, outras forças trataram de disputar o poder no Ministério da Educação, tornando insustentável a permanência de um ministro que, de tão desprestigiado, só soube pela imprensa que seria demitido, já que o presidente Bolsonaro preferiu contar a jornalistas, e não a ele, sobre sua decisão, na semana passada.

MEC na encruzilhada: Editorial / Folha de S. Paulo

Após indesculpável demora, Bolsonaro interfere em pasta decisiva para futuro do país

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez na segunda-feira (8) o que se sabia há semanas que faria: demitir o desastrado Ricardo VélezRodríguez da pasta da Educação. Se surpresa houve, foi na escolha do substituto, o economista Abraham Weintraub, que chega com a ingrata tarefa de pacificar o MEC.

Economista e mestre em administração, Weintraub fez boa carreira no setor financeiro, aderiu cedo à campanha de Bolsonaro e atuava como secretário-executivo da Casa Civil. Seu currículo e a familiaridade com o novo governo podem ajudar a pôr termo no tumulto administrativo legado por Vélez.

No tocante a sua capacidade de interromper as lutas intestinas na pasta, dilacerada entre as correntes descritas como olavista, militar e técnica (educadores), há dúvidas consideráveis. Ideologicamente, Weintraub se alinha com teses do escritor radicado na Virgínia (EUA), mas se apressou a dizer que não as segue de maneira literal.

Em público, já deblaterou contra o que essa facção chama de marxismo cultural. A nomeação do economista, de resto, fez surgir a interpretação de que a ala mais fundamentalista venceu a disputa por hegemonia no MEC, em detrimento dos dois outros grupos, tidos como mais pragmáticos.

O ministro que chega se encontra diante de um dilema que lhe exigirá grande habilidade. Se perseguir a agenda doutrinária ensaiada pelo antecessor, corre o risco de alienar os profissionais com conhecimento e experiência para produzir resultados educacionais. Se não a privilegiar, será decerto bombardeado pelas hostes militantes.

Com prefeitura inerte, Rio fica refém da chuva: Editorial / O Globo

Em meio ao descaso com obras de prevenção, temporal mata ao menos dez pessoas na cidade

Mais uma vez, o Rio mergulhou no caos após uma tempestade. E não foi um caos qualquer. Foi um daqueles para ficar registrado na memória de uma cidade que, infelizmente, guarda muitas — e profundas — cicatrizes deixadas pelas chuvas. O temporal da noite de segunda, que se prolongou pela madrugada e manhã de terça, matou dez pessoas (até o início da noite de ontem) e expôs um município totalmente despreparado. Como sempre. Nas zonas Sul, Norte e Oeste, os principais corredores de tráfego se tornaram intransitáveis. Pior que isso: adultos, crianças e idosos ficaram ilhados em ônibus, carros, estações de metrô e BRT, sem ter o que fazer. A não ser esperar, ou enfrentar a enxurrada, com suas perigosas correntezas, alguns caminhando quilômetros, com água pela cintura, para tentar chegar em casa ou a algum lugar seguro.

Mais uma vez, o temporal era previsto. Desde a semana passada, sabia-se que, após dias de intenso calor, com sensação térmica de até 40 graus, chegaria uma frente fria no início desta semana que poderia provocar tempestades. A própria Defesa Civil emitiu boletins, alertando para ocorrência de chuva moderada a forte. Um deles por volta das 14h30, e outro em torno das 19h45, quando a enxurrada já castigava bairros do Rio. E o que a prefeitura fez para pelo menos reduzir os impactos de um fenômeno previsível? Praticamente nada.

Mais uma vez, o que se viu foi um show de incompetência, salvo honrosas exceções, como os bombeiros. Cariocas que trabalham e pagam seus impostos foram largados à própria sorte. Todo mundo sabe que a Rua Jardim Botânico vira um rio quando chove um pouco mais forte. Alguém apareceu lá para interromper o tráfego e evitar que as pessoas ficassem ilhadas? Não. Alguém viu agentes da prefeitura, operadores de trânsito, guardas municipais para ao menos atenuar o caos? Não. O Rebouças ficou engarrafado. Vários ventiladores não estavam funcionando, deixando o ar irrespirável. Pessoas chegaram a passar mal. Havia um plano de contingência? Pelo visto, não. Igrejas e lojas que ofereceram abrigo aos “ilhados” fizeram mais que o poder público. A Avenida Niemeyer, onde um deslizamento soterrou um ônibus matando duas pessoas em fevereiro, só foi fechada quando já chovia torrencialmente. Chuva, aliás, que levou mais um trecho da Ciclovia Tim Maia, que, há menos de um mês, a Geo Rio recomendara reabrir.

Vinicius de Moraes: O operário em construção

Rio de Janeiro, 1959

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:

- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.

Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

MPB4 - Amigo é pra essas coisas