domingo, 4 de setembro de 2022

Merval Pereira - Retomar a Amazônia

O Globo

As crises permanentes de desmatamento e a perda da soberania nacional para quadrilheiros está a exigir do futuro governo uma ação coordenada que não se vê em discussão na campanha eleitoral

Chama a atenção como os temas relacionados à Amazônia aparecem relativamente pouco nos debates dos candidatos à Presidência da República, pelo menos não com o protagonismo que merecem diante da crise permanente de desmatamento, das queimadas que se repetem em crescimento, da perda de controle da soberania nacional de partes da região para as mais diversas formas de crime organizado: do comércio ilegal de madeira ao garimpo em terras indígenas; da disputa do território entre quadrilhas internacionais na fronteira até todo tipo de contrabando.

O controle do desmatamento e das queimadas é o que de mais perto interessa à opinião pública global, e o que mais afasta o Brasil dos financiamentos internacionais para uma economia verde sustentável. Mas a perda da soberania nacional para quadrilheiros é o ponto mais vulnerável de nossa segurança interna. É pelas fronteiras que entram drogas e armamentos pesados que financiam o crime organizado que, em diversas facções, atuam em todo o país.

Essa visão holística da questão amazônica está a exigir do futuro governo uma ação coordenada que não se vê em discussão na campanha eleitoral. O recente lançamento do Centro Soberania e Clima, que reuniu nomes como Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa), o general Sérgio Etchegoyen (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional) e Marcelo Furtado (ex-diretor do Greenpeace Brasil), é um exemplo do que pode vir a ser feito. O objetivo do novo think tank é exatamente promover diálogo, conexões e convergências entre atores da Defesa e do Meio Ambiente no Brasil e no mundo.

Uma grande campanha, intitulada “Amazônia Mãe do Brasil”, está sendo lançada, com o objetivo de dar centralidade ao tema na campanha eleitoral e transformar o Dia da Amazônia, que se comemora amanhã, numa data nacional relevante. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2022 aponta violência letal muito maior na Amazônia do que na média do Brasil, que já tem uma média em si mesma altíssima. A soberania do Estado brasileiro na Amazônia nunca esteve tão ameaçada como hoje.

Míriam Leitão - Visão dois pesos e duas medidas

O Globo

Não faz sentido apontar os erros passados do PT na área fiscal e não fazer a mesma cobrança sobre a lambança do governo Bolsonaro nas contas públicas

Economista com preocupação fiscal que não vê o descalabro que é o governo Bolsonaro nesta área têm visão seletiva. O governo furou o teto várias vezes, pedalou precatórios, fez escolhas erradas, usou as crises como uma licença para gastar sem critério e armou bombas fiscais. Os erros cometidos pelo PT são explorados à exaustão por esses analistas, que, no entanto, não parecem se incomodar com os mesmos erros feitos agora. Neste espaço, sempre critiquei os rombos e distorções em governos petistas. Com a mesma régua, alerto para a herança que ficará da atual administração que vai pesar nos próximos anos.

As declarações do ministro Paulo Guedes, na quinta-feira, são emblemáticas da maneira como se administra as contas públicas. No mesmo dia em que exibiu seu ufanismo irrealista, ao dizer que o Brasil cresce mais do que a China, ele falou em decretar calamidade. O uso desse instrumento previsto nas leis fiscais brasileiras foi banalizado e virou licença para fugir de todo o ordenamento das contas públicas. Em julho, decretou-se emergência para fazer um aumento oportunista e eleitoreiro em benefícios sociais. Agora, o ministro acena com a calamidade para tentar sustentar o estelionato eleitoral que Bolsonaro já comete ao prometer manter o benefício nesse valor, mas não incluir no Orçamento.

Elio Gaspari - O Datafolha e Marco Maciel

O Globo

Datafolha levou água para a possibilidade de um segundo turno

Bolsonaro parece preso na piada de Marco Maciel, o grande vice-presidente de Fernando Henrique Cardoso. Faltando alguns dias para a eleição, o marqueteiro disse ao candidato:

— O nosso adversário está na frente, mas vem caindo, enquanto estamos subindo.

Ao que o candidato perguntou:

— E o senhor acha que a intersecção das duas linhas ocorrerá antes ou depois do dia da eleição?

Pelo Datafolha, em três meses Lula perdeu três pontos e está com 45% e Bolsonaro ganhou cinco ficando com 32%. Admitindo-se que ele recupere a aceleração, pois na última semana ficou parado, a intersecção das duas linhas ocorreria em 2023.

O Datafolha levou água para a possibilidade de um segundo turno. Ciro Gomes e Simone Tebet tiveram bons desempenhos no debate de domingo, mas continuam comendo poeira.

O sinal de perigo para Bolsonaro continua vindo de Minas Gerais. O governador Romeu Zema, que se elegeu na maré de 2018 e descolou-se de Bolsonaro, está com 52% das preferências (cresceu 5 pontos). Na região Sudeste, é em Minas que Lula mantém a maior vantagem sobre o capitão: 49% x 29%.

Bernardo Mello Franco - A campanha vai esquentar

O Globo

Ânimos se acirram a quatro semanas do primeiro turno; ex-ministro petista prevê "setembro sangrento"

A proximidade das urnas vai elevar a tensão na corrida presidencial. As campanhas de Lula e Jair Bolsonaro projetam um acirramento de ânimos nas quatro semanas que faltam até o primeiro turno. Será um “setembro sangrento”, prevê um ex-ministro petista.

A nova fase da disputa começou no último domingo, quando os candidatos se enfrentaram no ringue da Band. No primeiro round, Bolsonaro foi ao ataque com o tema da corrupção. Lula ficou nas cordas. Apenas se esquivou dos golpes, frustrando aliados que esperavam um revide.

Se não tivesse perdido as estribeiras ao ser questionado por mulheres, o capitão teria saído como vitorioso. Curiosamente, Lula não foi o único a poupá-lo no debate. Os outros quatro presidenciáveis também ignoraram as rachadinhas, a compra de imóveis em dinheiro vivo, o escândalo dos pastores no MEC.

Luiz Carlos Azedo - Não existe zona de conforto para ninguém

Correio Braziliense

Lula apostou na recessão, no desemprego e na inflação como contingências que derrotariam Bolsonaro, mas, o poder de intervenção do governo na economia é grande e a situação está mudando

Todas as pesquisas mostram uma boa vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a disputa presidencial; dependendo do instituto, a diferença é vai de cinco a 12 pontos, em relação ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso é como vencer o jogo por dois a zero no primeiro tempo; no segundo, porém, se o time adversário fizer um gol, empurrado pela torcida, tudo pode complicar. Uma virada no placar passa a ser uma ameaça real.

As pesquisas estão mostrando que Lula não vencerá no primeiro turno, com a recuperação de Ciro Gomes (PDT), o crescimento de Simone Tebet (MDB) e a casquinha que Felipe D´Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil) estão tirando com a campanha de rádio e tevê, as entrevistas e os debates. Não existe zona de conforto para ninguém. Lula está perdendo a eleição entre os homens por pequena margem e vencendo por larga diferença entre as mulheres, um campo minado para Bolsonaro.

Lula vence entre os mais pobres, porém, perde entre os que ganham de dois a cinco salários e empata nos que percebem acima disso. Lidera com folga entre os que somente têm o ensino fundamental e, por pouco, entre os que completaram o ensino médio, e perde entre aqueles com curso superior. Está em amplíssima vantagem no Nordeste; vence de pouco no Norte/Centro-Oeste e no Sudeste; e perde no Sul.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro pode alcançar Lula?

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra limite do voto no presidente, que precisa esticar eleição e depredar petista

Dos eleitores de Lula da Silva (PT), 17% dizem que ainda podem escolher outro nome, segundo o Datafolha. Entre os que votam em Jair Bolsonaro (PL), 16%. Suponha-se que Lula perca todos esses votos e não receba nenhum mais; que Bolsonaro não perca eleitor algum e ganhe o voto de todos aqueles que afirmam considerá-lo como alternativa. Na ponta do lápis, daria empate em cerca de 37% (Lula ora tem 45%, Bolsonaro 32%).

Eleição não é caso de conta na ponta do lápis. Mas, por um lado, é fácil perceber por essa continha que a situação de Bolsonaro não é lá muito fácil. Por outro, as pessoas podem simplesmente mudar de ideia.

rejeição a Bolsonaro continua majoritária. Desde maio, flutua entre 51% e 55%. Note-se de passagem que o Datafolha pergunta em quem o eleitor "não votaria de jeito nenhum no primeiro turno". Feita a ressalva, Bolsonaro estaria assim derrotado em um segundo turno a não ser que a rejeição a seu adversário fosse maior ou igual. A rejeição a Lula está em 39% (era 33% em maio).

Janio de Freitas - Cofre público não tem dinheiro vivo

Folha de S. Paulo

Nossos impostos custeiam o que a maioria não quer

A fragilidade das instituições básicas está reconhecida na longa preocupação com um golpe e, mais recentes, nos atos que se levantam em defesa do Estado democrático.

Tal fragilidade não se efetiva só na intolerância da classe armada à prática da democracia: as próprias instituições constitucionais não funcionam. Ou, se o fazem, funcionam mal quase sempre, até quando pretendem proteger o regime.

É o que se deve observar na atual disputa pela Presidência — uma aberração monstruosa.

Bolsonaro não poderia estar em disputa eleitoral. Sua candidatura é ilegítima. Os delitos quase diários que enfileira não deixaram de ser delitos por se tornarem aceitos, à força da repetição mas, sobretudo, à falta de que as instituições determinadas pela Constituição — Congresso, Judiciário e Procuradoria-Geral da República à frente — cumpram o seu dever.

Ainda assim, quando conclui todo um mandato de liberdade criminal, Bolsonaro está diante de um obstáculo que seu privilégio ridiculariza: a Lei da Ficha Limpa. Vale para numerosos aspirantes à eleição, desde vereador. Para Bolsonaro, a fileira de delitos não faz intervalo nem na reta final da campanha pela reeleição. Quando a ideia de reeleição é em si mesma, no seu caso, delito moral contra o país.

Muniz Sodré* - A nova ordem do dia

Folha de S. Paulo

A política de segurança na Colômbia e a democracia

São auspiciosos os ventos que sopram da Colômbia, onde o presidente recém-empossado acaba de trocar a velha cúpula militar por outra, qualificada como "violação zero dos direitos humanos e corrupção zero". O objetivo imediato é a "reconciliação das forças de segurança com a sociedade". A perspectiva global é a da circulação de gerações de oficiais num projeto de nova política de segurança.

Entre nós é difícil vislumbrar algo assim, quando ainda se mostra ambíguo o poder armado frente ao espírito anticonstitucional de núcleos extremistas emergentes. Na ausência de declarações factualmente confiáveis, vale a pena recorrer a uma alusão literária, especificamente ao romance "Farda, Fardão, Camisola de Dormir", de Jorge Amado.

Com o pretexto temático de uma eleição acadêmica, o escritor narra a disputa entre o "coronel Agnaldo Sampaio Pereira", representante do nazifascismo estado-novista, e o "general Waldomiro Moreira", de tendências liberais. Nada estranho à vida real que figuras similares aspirem ao fardão das letras. Há casos notórios.

Bruno Boghossian - Depois do Sete de Setembro

Folha de S. Paulo

Ministros trabalham para reduzir ameaça às eleições e consideram que presidente é 'imprevisível'

Apesar de articulações em curso por um armistício em relação às urnas eletrônicas, autoridades envolvidas no planejamento das eleições continuarão encarando Jair Bolsonaro como uma peça "imprevisível" nessa arena. Ministros que atuam em tribunais superiores consideram que, a partir de agora, é preciso neutralizar ameaças à votação mesmo que o presidente mantenha seus ataques.

O comportamento de Bolsonaro no próximo Sete de Setembro é o que menos importa, de acordo com esse raciocínio. Ainda que o presidente segure a língua no feriado e repita gestos recentes em que repreendeu apoiadores golpistas, é quase impossível que ele desista de contestar a eleição em caso de derrota.

Hélio Schwartsman - Atraso secular

Folha de S. Paulo

Livro disseca atraso e exclusão na educação brasileira

A lista de problemas que explicam o fracasso do Brasil é enorme, mas a âncora mais pesada me parece ser a da educação. Sem avanços substanciais aí, tende a zero a chance de o país entrar no clube das nações desenvolvidas.

"O Ponto a que Chegamos", do meu amigo Antônio Gois, mostra por que o Brasil vem dando errado. O livro radiografa a evolução da educação no Brasil. Eu sempre soube que nosso atraso na matéria tinha raízes históricas, mas me impressionou a escala em que isso ocorre.

A Prússia determinou a obrigatoriedade do ensino primário no século 18. França, Inglaterra e EUA não demoraram a imitar os alemães. Por aqui, no papel, até que as coisas não pareciam tão ruins. A primeira Constituição brasileira, de 1824, já definia que a instrução primária seria gratuita e aberta a todos. Se isso fosse verdade, seriam só cem anos de atraso. Mas, no mundo real, a disposição constitucional jamais "pegou". Uma série de mecanismos, que vão da escravidão à repetência, passando pelo subfinanciamento, assegurou que a regra fosse não a educação, mas a exclusão.

Cacá Diegues - O futuro do país

O Globo

Tínhamos certeza de que essa classificação de ‘país do futuro’ era uma espécie de previsão sagrada

A gente sente sempre um certo orgulho pessoal quando alguém de valor reconhecido, alguém que pertence a um mundo ao qual você de algum modo deseja estar identificado, quando esse alguém diz alguma coisa que você aprova e com a qual se entusiasma. Desde que, em abril de 2019, fui aceito e recebido como membro da ABL (Academia Brasileira de Letras), me sinto impregnado dessa síndrome, um jeito diferente de levar em frente certas emoções, através da cadeira número 7, cujo patrono é o grande Castro Alves.

Essa semana experimentei esse orgulho com a entrevista de José Murilo de Carvalho no Segundo Caderno do GLOBO, em que nosso grande historiador, membro da ABL, declara que o Brasil está longe de ser “o país do futuro”, como sempre anunciamos.

Desde menino aprendi que essa pomposa previsão, feita por intelectuais brasileiros de todas as cores, era inevitável, sendo a única classificação do país que servia a todos. Uma verdade indiscutível a alimentar todas as teorias sobre o futuro do país, o Brasil seria o amanhã de todas as boas e novas ideias relativas ao futuro da humanidade. Um país em que todos valiam a mesma coisa no mercado mundial do consumo e do caráter. Um país que teria alcançado seu estado de plena civilização, livre para sempre da barbárie que costumava nos assolar.

Tínhamos certeza de que essa classificação de “país do futuro” era uma espécie de previsão sagrada, alguma coisa que não podia mais não acontecer. Estávamos somente curiosos para saber onde buscaríamos o passaporte que nos daria esse poder de mudar o mundo. Uma coisa era certa em nosso tão glorioso empreendimento — precisávamos saber onde buscar, de que hábito cultural arrancar os valores que éramos capazes de defender e plantar em nosso solo sagrado da criação. Como nos realizarmos enquanto produtores dessa cultura.

Entrevista | "Bicentenário da Independência chega sem projeto de nação", diz historiador

José Murilo de Carvalho fala sobre como os brasileiros destruíram seu paraíso terrestre e a urgência de mudanças

Wilson Tosta, O Estado de S. Paulo / Aliás

O Brasil celebra 200 anos de vida independente em 2022 sem projeto de nação e longe da grandeza anunciada em 1500 pela natureza exuberante e sonhada no século 19 pelos que lutaram por sua Independência. A constatação é do historiador e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) José Murilo de Carvalho, que avalia com desânimo o panorama nacional hoje. Para ele, os brasileiros destruíram o seu paraíso terrestre. Poluíram ares, águas e praias e levam às terras, inclusive a Amazônia, à desertificação, sob o impulso do desmatamento e da mineração predatória.

“O sonho de grandeza desvaneceu, não se transformou em política de Estado a ser implementada independentemente da mudança de governo, afirma, em entrevista ao Estadão. “Vamos levando sem termos um projeto (de nação), um fim a atingir, algo como o Manifest Destiny (Manifesto do Destino) dos norte-americanos.”

O historiador diz que o Brasil é um “país sem revolução”, no qual ocorreram movimentos apenas de “ajuste” entre as elites. Foi assim, considera, na Proclamação da República, para permitir a entrada dos cafeicultores na política; na Revolução de 1930, para quebrar o monopólio das oligarquias rurais; no golpe de 1964, para conter o trabalhismo criado por Getúlio Vargas. As elites brasileiras, afirma, desde o Império, tiveram enorme capacidade de se reproduzir e, em conluio, barram as medidas que envolvam redistribuição de renda no Brasil.

“O Leopardo de Lampedusa concordaria: é preciso mudar para que nada mude”, diz. Ele se refere ao romance Il Gattopardo, do italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1857), sobre a decadência da nobreza siciliana durante o Risorgimento, movimento que buscou a reunificação italiana no século 19. A frase (“É preciso mudar para que tudo permaneça como está”) é de um personagem do livro, o príncipe de Falconeri.

O acadêmico avalia que o conservadorismo brasileiro é basicamente cultural, moral e de família, gênero e religião, não político, como “provavelmente as urnas” mostrarão, diz. O campo político, diz, é da elite econômica e financeira. O pesquisador afirma que os brasileiros deveriam seguir os chineses, que pensam seu país “para trás e para frente”.

 “O que será do País quando completarmos 250 anos de independência?”, pergunta. Para ele, “com a história que temos, com a magra herança desses 200 anos, não é fácil prever o que podemos esperar.”

A seguir, a entrevista do historiador ao Estadão:

José Roberto Mendonça de Barros - Choques de todos os lados

O Estado de S. Paulo

A desaceleração e a recessão vão marcar a economia global no próximo ano

A economia global vem recebendo choques de todos os lados. O primeiro deles foi a ruptura das cadeias de suprimento que se seguiu à covid-19 e ao fechamento da maior parte das unidades produtivas, ao mesmo tempo que milhões de pessoas passaram a trabalhar de casa. A lenta retomada das atividades, depois de certo tempo, desorganizou a produção e a distribuição, atrasando as entregas de todos os tipos de bens. O resultado disso foi a falta de inúmeros produtos (os mais famosos são os semicondutores, até hoje com problemas) e uma elevação generalizada de custos.

Em seguida, governos e bancos centrais preocupados com os impactos sociais do lockdown criaram programas de transferência de renda e de crédito para famílias e empresas, o que manteve a demanda. Ela rapidamente se expressou na forma de aumento sem precedentes do comércio eletrônico.

Esse movimento pressionou os preços, gerando uma elevação do processo inflacionário para níveis que não ocorriam desde os anos 70. Os últimos dados mostram nos Estados Unidos uma inflação de 8,5%, em 12 meses, e de 9,1% na Europa, e um processo bem disseminado.

O risco de um enraizamento da inflação acabou levando os bancos centrais de muitos países a elevar significativamente a taxa de juros básica, o que sinaliza de forma inequívoca racionamento do crédito, pressão em cima das empresas mais frágeis e/ou alavancadas e o consequente enfraquecimento do mercado de trabalho, sugerindo que em poucos meses regiões relevantes no mundo estarão em recessão. Acredito que será o caso das economias americana e europeia, entre outras.

Celso Ming - A economia e as eleições

O Estado de S. Paulo

As últimas pesquisas de intenção de voto indicam que aumentou não só a probabilidade de realização de um segundo turno para eleição do presidente da República como, também, a redução da diferença entre os dois candidatos com melhores condições de chegar lá.

Os profissionais da política advertem que um segundo turno pode ser considerado “outra eleição”, como se a disposição do eleitor pudesse apresentar mudanças relevantes.

Em boa parte, essa novidade se deve à relativa melhora da economia. O recuo da inflação, o aumento significativo da produção, a baixa consistente dos preços dos combustíveis e a queda do desemprego tendem a produzir reflexos favoráveis à campanha eleitoral do candidato Jair Bolsonaro (PL) – embora até agora esse movimento ainda não tenha ficado evidente nas pesquisas.

Reforça essa percepção o fato de que devem aumentar em setembro os efeitos da política distributivista eleitoreira do atual governo, da ordem de R$ 42 bilhões, que despejou o Auxílio Brasil de R$ 600 por mês para 20 milhões de brasileiros, mais o vale-gás e as mesadas para caminhoneiros e taxistas. E, se houver segundo turno, esses efeitos poderão ter novo impulso em outubro, quando os eleitores mais pobres deverão sentir melhor os efeitos dessas benesses nos seus orçamentos domésticos.

Eliane Cantanhêde - Lábia só não basta

O Estado de S. Paulo

Alckmin não é suficiente para o Sudeste nem Michelle para evangélicos, mulheres e pobres

O maior desafio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é manter o Sudeste, particularmente São Paulo. O do presidente Jair Bolsonaro (PL) é mais amplo: furar o teto no eleitorado evangélico e a muralha do principal adversário no Nordeste e entre os mais pobres, as mulheres e até os que ganham o Bolsa Família, ops!, o Auxílio Brasil.

Lula e Bolsonaro recorrem ao discurso do “mal maior” ao mirar nos eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB), que crescem, fazem toda a diferença para uma vitória ou não em primeiro turno e terão peso no segundo. Resiliente, Ciro beira os 10%. E Tebet é a novidade, atrai atenção e simpatia de diferentes faixas.

Lula precisa mais do que boa lábia para massificar a tese do voto útil desde já, calibrando como esvaziar Ciro e estancar Tebet sem efeito bumerangue. Já Bolsonaro tem de maneirar modos e falas para manter Ciro e Tebet vivos e evitar o primeiro turno hoje e atrair seus eleitores amanhã.

Cristovam Buarque* - Os tetos de Lula

Blog do Noblat / Metrópoles, 3.9.22

Lula precisa pensar em aumentar o teto de votos no segundo turno e pensar no terceiro turno, depois da posse.

O ex-Presidente Lula percebeu a necessidade de sair da bolha moral de seus seguidores e falar também com respeito às crenças dos evangélicos. Como aliás sempre foi sua prática pessoal. Mas não entendeu ainda que precisa sair também da bolha de ideias de muitos economistas ao seu redor, que não conseguem se livrar de crenças em regras econômicas que ficaram ultrapassadas, não se aplicam mais à realidade do século XXI. Ao ficar prisioneiro destas crenças, Lula está perdendo votos e se encaminhando para a ingovernabilidade, se vencer no segundo turno.

Um exemplo é a obsessão destes economistas contra a ideia do Teto de Gastos. Lula tem razão quando diz que um governo responsável não precisa desta regra na Constituição, e que seu governo foi exemplo de responsabilidade. Mas esquece dos riscos da velha aliança conservadora dos políticos-populistas com economistas-irresponsáveis, empresários-gananciosos e líderes- sindicais-imediatistas que levou ao roubo que chamam de inflação. Por 70 anos esta aliança conservadora e antipopular corroeu a economia e a sociedade brasileira, fazendo a economia crescer sem distribuir, ao lado da pobreza e da insustentabilidade. Além disto, com a globalização, a Confiança é um fator de produção. O Teto está na Constituição para dar Confiança, porque investidores, vendedores, compradores e produtores não confiam nas palavras dos dirigentes: políticos ou economistas. Mesmo assim, o governo Bolsonaro não respeita o Teto, tanto quanto os governos conservadores, desde os anos 1950, não respeitaram.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Urge repudiar e combater a violência política

O Globo

Atentado contra Cristina Kirchner traz preocupação a todo país em que cresce a polarização — como o Brasil

Pelas investigações que vieram a público até o momento, tudo leva a crer que a tentativa de assassinato da vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, tenha sido ato isolado de um brasileiro radicado em Buenos Aires, que nutria simpatias por ideologias de extrema direita. Felizmente, ela sobreviveu ilesa. Mas isso não significa que o atentado não tenha surtido efeito. Numa sociedade polarizada como a argentina, atos dessa magnitude contribuem para acirrar os ânimos.

Foi o que se viu nas manifestações que tomaram as ruas de Buenos Aires e na reação da classe política — sobretudo dos peronistas, preocupados em tirar proveito do ataque atribuindo a responsabilidade aos adversários ideológicos, à imprensa e a outros bodes expiatórios, e não ao autor do crime. É uma atitude que só agrava o clima de ódio e aumenta o risco de novos atos violentos.

A preocupação com a violência política não se restringe à Argentina. Como argumenta o colunista do GLOBO Pablo Ortellado, ela precisa se estender a toda sociedade com polarização crescente. É o caso do Brasil, que também foi palco recente de atentados de motivação política. Felizmente também foram atos isolados, segundo as autoridades, o ataque ao presidente Jair Bolsonaro em Juiz de Fora na campanha de 2018 e o assassinato de um tesoureiro petista em Foz do Iguaçu neste ano. Mas é preciso fazer o possível para que tais episódios não evoluam para a violência organizada.

Poesia | Pablo Neruda - O teu riso(recitado por Luma Carvalho

 

Mùsica | Novos Baianos - Preta, pretinha