• Presidente da Casa, Henrique Alves cancela votações neste mês
• Decisão foi tomada após oposição anunciar obstrução dos trabalhos até que projeto que suspende medida da presidente seja votado
Polêmica paralisante
Isabel Braga e Cristiane Jungblut – O Globo
BRASÍLIA — A insatisfação de parlamentares com o decreto presidencial que cria uma superestrutura de conselhos populares no âmbito do governo federal foi responsável pelo fim dos trabalhos na Câmara este mês. A decisão do presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), foi tomada nesta terça-feira após os partidos de oposição — DEM, PPS e PSDB — anunciarem que ficariam em obstrução até ser votado o projeto de decreto legislativo (PDL) que revoga a medida da presidente. No início da noite, eles haviam conseguido derrubar a sessão de votações. Alves decidiu então cancelar as votações marcadas para esta quarta e para os dias 24 e 25. Na próxima semana, a Câmara não funcionaria em função dos jogos da Copa e do feriado de Corpus Christi.
Numa ação articulada, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e Alves também foram a campo para tentar derrubar o decreto presidencial. Os dois pediram à presidente Dilma Rousseff que desista do decreto. Eles querem que Dilma discuta a questão por meio de projeto de lei. Na prática, Câmara e Senado avisaram ao Palácio do Planalto que, se não houver recuo, os parlamentares aprovarão o PDL. Nas duas casas, DEM, PPS e PSDB já apresentaram projetos pedindo a suspensão do decreto presidencial de Dilma.
O anúncio da obstrução da oposição provocou intenso debate no plenário da Câmara, e a sessão acabou sem votações. Alves reagiu. Ele explicou que está articulando, com o governo, a a revogação do decreto e fez um apelo, sem sucesso: que a oposição saísse da obstrução. Na véspera, Alves havia conversado com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
— Se até amanhã (hoje) não tiver retirado, eu vou, sim, colocar em pauta. Vamos votar, com o apoio do PMDB, para derrubar o decreto. Estou fazendo uma negociação republicana, tentando que o decreto seja revogado — disse Alves, antes de suspender os trabalhos até o fim deste mês.
Na segunda à noite, Alves havia revelado ao GLOBO a negociação com o Planalto:
— Fiz um apelo ao ministro (Mercadante) para que a presidente retirasse o decreto.
Já Renan discutiu a questão diretamente com Dilma. Em discurso no plenário do Senado, ele disse que a edição de um decreto “não é o melhor caminho”. Para ele, a questão da participação popular deve ser debatida por projeto de lei ou medida provisória. Renan disse ainda que, como presidente do Senado, não permitirá propostas de controle da mídia ou de redução da liberdade de expressão:
— Sempre defendi a ampliação popular, mas não é, todos sabem, aconselhável que se recorra a um decreto para tal. Quem representa o povo é o Congresso, e, por esse motivo, o ideal, e falei isso para a presidente da República, ontem (segunda-feira): que a proposta seja enviada através de um projeto de lei ou mesmo através de uma medida provisória, para que seja aqui aprimorada — disse Renan.
Para Renan, cabe ao Legislativo debater o tema:
— Permitir que as pessoas sejam capazes de interferir nos processos de decisão e fortalecer a representação popular não significa enfraquecer as instituições — disse Renan.
O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, disse estar preocupado com a obstrução na Câmara:
— O decreto não cria nenhuma instituição nova. Os conselhos se espalham por cinco mil municípios e prestam um serviço extraordinário ao país. A proposta do SUS surgiu nos conselhos. O decreto não fere nenhum das prerrogativas do Congresso, ele está sendo mal compreendido — disse Carvalho.
Líder do DEM anuncia obstrução
Na Câmara, coube ao líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), anunciar a obstrução.
— A partir de agora, estamos em obstrução total em defesa da autonomia do Poder Legislativo e para fazer com que o Palácio do Planalto nos escute. Não aceitamos esse decreto arbitrário, ditatorial, que passa por cima do Parlamento brasileiro e que é uma atitude bolivariana. Desde a semana passada, estamos pedindo a votação da urgência e do decreto. O governo imaginou que o assunto sairia da pauta. Ou o presidente da Câmara ou a Casa se pronunciam e aceitam votar esse decreto, ou não teremos outras votações — disse Mendonça Filho.
O líder do governo na Câmara, deputado Henrique Fontana (PT-RS), reagiu:
— Não se trata de ditadura, de nazismo, de desrespeito à democracia. Estamos falando de um governo que chegou ao poder pelo voto popular. Respeitamos as bancadas que têm dúvidas, mas o discurso que a oposição faz é luta política pura. Não devemos colocar em conflito a democracia representativa e a democracia participativa. Colocar-se contra os conselhos populares enfraquece a democracia. O decreto só regulamenta os conselhos existentes e estimula a criação de novos. A presidente Dilma respeita o Congresso, mas tem o direito de editar o decreto.
No Senado, vários senadores apoiaram a posição de Renan. O vice-líder do PSDB na Casa, Álvaro Dias (PR), defendeu a aprovação imediata do projeto de decreto legislativo que apresentou, derrubando o ato de Dilma.
— Essa cópia de modelo cubano ou de modelo venezuelano não aprimora o regime democrático que tanto desejamos aprimorar. Ao contrário, se constitui em flagrante retrocesso, que tem que ser combatido, repelido. E a ação imediata é a aprovação do projeto de decreto legislativo para sustar os efeitos do decreto presidencial — disse o tucano.
O senador Pedro Taques (PDT-MT) disse que o decreto de Dilma é ilegal:
— Meu parecer é de total ilegalidade do decreto e da necessidade de aprovação do decreto legislativo proposto pelo senador Álvaro Dias — disse Taques.
Renan diz não aceitar regulação da mídia
O decreto 8.243/2014, da presidente, cria a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e obriga órgãos da administração direta e indireta a criarem estruturas de participação social.
No Senado, Renan ainda defendeu a liberdade de expressão. Ele disse que há o “compromisso do Senado Federal, do Congresso contra qualquer tentativa de controle da liberdade de expressão”. Essa é uma das teses defendidas pelo PT e pelo governo Dilma.
— Reitero que não apoio, não comungo, sequer admito discutir iniciativa, a qualquer pretexto, que pretenda regular a mídia. Quem regula, gosta, rejeita ou critica é o consumidor da informação. O único controle tolerável é o controle remoto. E o controle remoto não deve ficar na mão do Estado, mas nas mãos dos cidadãos. A imprensa é insubstituível e tem papel inquestionável nas democracias modernas — afirmou Renan.