terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Merval Pereira - A luta continua

O Globo

Relação de Lula com o Congresso eleito não será fácil.Ainda teremos vários embates

Tem razão de ser a desconfiança do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, de que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar inconstitucional o orçamento secreto tem a interferência política do presidente eleito, Lula. Como político calejado, a não ser que a “húbris” o tenha cegado, Lira deveria imaginar que um negociador como Lula, provado nas lides sindicais, não ficaria inerte vendo-se refém dele, que foi aumentando suas exigências enquanto parecia encurralá-lo nas cordas.

Afinal, Lula não é Bolsonaro e não começaria seu terceiro mandato nas mãos do Centrão sem pelo menos tentar desvencilhar-se. Tinha razão o senador Renan Calheiros quando avisou ao PT que não deveria depositar todas as suas fichas na PEC da Transição, pois ficaria nas mãos de Lira. As razões de Renan eram regionais, sua disputa de espaço com Lira em Alagoas, mas ele também tem a mesma expertise de seu adversário, sabe como se faz uma boa chantagem política.

Míriam Leitão - O Supremo motivo da decisão do STF

O Globo

O STF derrubou o orçamento secreto porque esse tipo de emenda não está prevista na Constituição e sua prática fere princípios constitucionais

Orçamento Secreto foi derrubado pelo Supremo porque fere princípios constitucionais e porque não tem previsão legal. As emendas individuais estão previstas, mas não as emendas de relator. No Direito Privado pode-se fazer tudo o que não está proibido, no Direito Público só se pode fazer aquilo que a lei permite. Como disseram todos os ministros que seguiram o brilhante voto de Rosa Weber, simplesmente não é possível, aceitável e defensável a manutenção do Orçamento Secreto. Mesmo os divergentes acompanharam em parte o voto da relatora, apenas Nunes Marques avaliou que isso era assunto do Congresso.

Eu havia escrito aqui no dia 6 de dezembro que o STF derrubaria o Orçamento Secreto e que haveria seis votos decretando a sua inconstitucionalidade. Foram exatamente seis os votos que formaram o veredito de ontem. Quando o ministro Lewandowski pediu tempo, muita gente avaliou que a presidente seria derrotada. Mas foram as circunstâncias que levaram o ministro a esperar. 

Luiz Carlos Azedo - PCB, da luta armada à defesa da democracia

Correio Braziliense

O livro tem um olhar crítico sobre a atuação de Prestes, sem embargo de reconhecer seu papel decisivo na história do Brasil

Biógrafo do jornalista Carlos Castelo Branco (Todo aquele imenso mar de liberdade) e do senador Teotônio Vilela (Senhor República), o escritor e jornalista político Carlos Machi lança hoje o seu mais novo livro: Longa jornada até a democracia (Fundação Astrojildo Pereira), o primeiro volume de uma história dos 100 de fundação do Partido Comunista Brasileiro (PCB), desde as ideias que lhe dariam origem, em 1922, até a realização do VI Congresso, em dezembro de 1967. Será às 19h, no Beirute, tradicional reduto de estudantes, jornalistas e boêmios de esquerda, na Asa Sul do Plano Piloto de Brasília.

Quem imagina uma obra apologética e maniqueísta, irá se surpreender. O livro conta a história do PCB como quem prepara o peixe com um olho no gato e o outro na frigideira. O duplo olhar de Marchi contextualiza o papel do PCB na história do Brasil e, ao mesmo tempo, mostra as contradições de seus dirigentes com a antiga União Soviética, e entre eles próprios. Um processo no qual uma das vítimas foi o próprio fundador do partido, o jornalista e escritor Astrojildo Pereira, que caiu em desgraça após uma viagem a Moscou, em 1930, mesmo depois de capitular diante dos dirigentes do Comintern, que consideravam muito próxima uma revolução comunista no Brasil.

Maquiavel: o que o autor de 'O príncipe' tem a ensinar sobre democracia aos brasileiros?

Estudiosos contestam a fama 'maquiavélica' do florentino e o apresentam como um defensor do povo contra os 'Grandes'

Por Ruan de Sousa Gabriel / O Globo

Caso mudar o mundo esteja entre as suas resoluções de ano, vale a pena estudar obra de um diplomata florentino que, num livrinho chamado “O príncipe”, afirmou que um governante precisa estar disposto a “atuar contra a palavra dada, contra a caridade, contra a humanidade, contra a religião” se quiser conquistar e manter o poder: Nicolau Maquiavel (1469-1527). De cara, essa sugestão causa algum estranhamento. Afinal, “O príncipe” deu origem ao adjetivo “maquiavélico” (pérfido, ardiloso). No entanto, em “Maquiavel, a democracia e o Brasil” (Estação Liberdade), o professor do Departamento de Filosofia da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro escreve que o “Secretário Florentino” é “uma boa inspiração para quem quer mudar o mundo”.

E ele não está sozinho em sua defesa do maquiavelismo. Nos últimos meses, chegaram às livrarias títulos que destacam a originalidade do pensamento de Maquiavel e contestam sua fama de mau. Não só o autor de “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” não é nenhum professor de tiranos — ele nunca disse que os fins justificam os meios —, como também oferece valiosas lições de liderança e até de democracia.

Ou melhor: de republicanismo. Estudiosos enxergam em Maquiavel um herdeiro de uma tradição que remonta à filosofia grega e foi renovada pelos chamados humanistas cívicos nos primórdios da Modernidade, período em que viveu o autor. O velho Nicolau, quem diria, era um defensor do “governo largo” ou “misto”, o qual, diferentemente da monarquia e da aristocracia, assegura os direitos dos “Grandes” e também do povo.

Joel Pinheiro da Fonseca – Embate de Poderes requer inteligência

Folha de S. Paulo

Com o fim da alucinação bolsonarista, é hora de discutir o poder do Supremo

As duas importantes decisões do Supremo desde domingo mostram que, passado o bolsonarismo, ele continuará dando as cartas da vida pública.

A primeira decisão tirou do Executivo a necessidade de uma PEC para gastar acima do teto para viabilizar o auxílio de R$ 600. Mesmo que tudo dê errado na PEC da Transição, a principal promessa do novo governo será cumprida.

A segunda tirou das mãos do Congresso o principal mecanismo de compra de apoio parlamentar. Um dinheiro alocado sem nenhuma transparência, sem critério técnico, para deputados não assinalados, sem isonomia, apenas para garantir apoio de aliados. Não é coincidência que tenha irrigado a corrupção local por todo o território brasileiro.

Cristina Serra - Desejos de Ano-Novo para o Brasil

Folha de S. Paulo

Aspiração imediata é que todo brasileiro volte a comer sempre que sentir fome

Ao presidente que sai (e que nunca deveria ter entrado), desejo processo, condenação e prisão. Anistia, não! Esquecimento, não! E sem essa de senador vitalício. Genocídio é crime sem perdão.

Ao presidente Lula, ao vice Alckmin e aos novos ministros, força e coragem. Vão precisar. Desejo que nosso compromisso com a democracia seja definitivo e a luta contra o fascismo permanente. Que política seja negociação e não chantagem, que construa consensos e não que aprofunde ódios e antagonismos. Espero instituições agindo dentro de suas competências com o sentido de urgência que o país requer. E que o Brasil volte a um patamar decente e salutar de normalidade.

Alvaro Costa e Silva - Vendo o sol nascer redondo

Folha de S. Paulo

De frente ao mar, ex-governador poderá curtir seu legado de corrupção

No Rio toda criança em idade escolar —mesmo que no momento não esteja estudando por falta de vagas no ensino público— já decorou a lição extracurricular de história recente: nos últimos seis anos, seis governadores ou ex-governadores foram presos ou afastados do mandato. Eles ficam um tempo (que pode ser curto ou longo) atrás das grades, recorrem das condenações e respondem a elas em liberdade. Enquanto isso, o esquema de corrupção que os levou ao cárcere segue em moto-contínuo.

Último dos moicanos ainda vivendo em regime fechado em decorrência das apurações da Lava Jato, Sérgio Cabral conseguiu a revogação da prisão preventiva por 3 votos a 2 no STF —o voto de desempate foi dado pelo ministro Gilmar Mendes ressaltando que a decisão não significa absolvição.

Andrea Jubé - STF abre crise a dez dias da posse de Lula

Valor Econômico

Danilo Forte alerta que relação entre os Poderes deve piorar

O veterano deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) alertou, há alguns dias, que eventual decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) declarando o orçamento secreto inconstitucional colocaria o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante de uma crise institucional antes mesmo de tomar posse. Era um vaticínio.

Boa parte do mundo político reagiu com perplexidade nesta segunda-feira ao voto de minerva do ministro Ricardo Lewandowski do STF, que jogou pá de cal sobre o orçamento secreto. Ele acompanhou a decisão da relatora e presidente da Corte, ministra Rosa Weber, para formar a maioria de 6 votos a 5 contra a ferramenta de distribuição das emendas de relator. O mecanismo - utilizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) para ampliar sua base no Congresso - notabilizou-se pela falta de transparência na aplicação dos recursos públicos.

César Felício - Judiciário tira Lula do corner

Valor Econômico

Com a decisão sobre o orçamento secreto, o STF entrega a Lula uma considerável melhora da governabilidade, que seria difícil construir com um governo de minoria no Legislativo

O presidente Jair Bolsonaro passou a segunda metade de seu governo tutelado pelo Congresso, por meio do orçamento secreto, e emparedado pelo Judiciário, pelos inquéritos contra atividades antidemocráticas e diversas iniciativas do Supremo Tribunal Federal (STF) que contiveram sua ação. Ainda antes de assumir o governo, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva já está de muitas formas devedor do Judiciário.

A dívida começou a ser formada em 2019, quando o STF reviu o entendimento sobre o cumprimento de pena após trânsito em julgado na segunda instância. O fim dessa possibilidade permitiu que o petista saísse da cadeia. Em março de 2021, com outra canetada, o ministro Luiz Edson Fachin devolveu a Lula a elegibilidade. Poucos meses depois, o STF considerou suspeito o ex-juiz Sérgio Moro, o que anulou as condenações e os processos contra Lula.

Pedro Cafardo - Lições da Copa para o Brasil

Valor Econômico

A primeira e mais importante é que o Brasil não é mais o “país do futebol”

Copa do Mundo que terminou domingo, com o terceiro título mundial para a Argentina, trouxe algumas lições para o futebol brasileiro.

A primeira e mais importante é que o Brasil não é mais o “país do futebol”. Agora esse título está mais bem atribuído, considerados os últimos desempenhos das seleções, a países como Argentina, França, Croácia e até mesmo Marrocos.

A seleção brasileira, há 20 anos sem título mundial, precisa ser repensada. Os grandes jogadores estão espalhados pelo mundo. Por melhores que sejam individualmente, não conseguem adquirir o entrosamento necessário para enfrentar as superpreparadas seleções europeias.

Quem viu as copas de 1958, 1962 e 1970, torneios em que o Brasil foi campeão, tem saudade das seleções que jogavam “por música”, formadas com a base de times brasileiros: Botafogo e Santos, por exemplo, eram o núcleo das duas primeiras copas ganhas pelo Brasil. Aos jogadores desses dois times se juntavam alguns craques de outras equipes.

Bernard Appy* - Despedida

O Estado de S. Paulo.

O desafio é grande, mas confio na boa política

Em 2013 comecei a escrever minha coluna no Estadão, jornal no qual meu pai havia trabalhado por quase 60 anos – desde sua chegada ao Brasil, em 1953, até sua morte. Por isso, minha relação com o jornal é não apenas profissional, mas também um tanto afetiva.

A partir de janeiro passarei a integrar a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e não poderei mais manter a minha coluna. Quero agradecer ao Estadão pela confiança e pela disponibilidade do espaço para a manifestação das minhas opiniões ao longo desses nove anos (minha única reclamação é com relação ao tamanho dos artigos, que foi encolhendo ao longo do tempo: 2.500 caracteres é muito pouco).

Pedro Fernando Nery - A ciência do altruísmo de como fazer o bem

O Estado de S. Paulo.

A prescrição mais conhecida do altruísmo efetivo é se dedicar àquilo que se faz melhor

Minha vida tem propósito? Devo mudar o rumo da minha carreira? Como ajudar mais o próximo no ano que vem? Reflexões que são mais comuns no final do ano. Um movimento tenta ajudar com essas inquietações fornecendo respostas sobre “como fazer o bem”. Vamos falar hoje sobre essa espécie de ciência do altruísmo.

A turma do “altruísmo efetivo” reúne evidências para ajudar pessoas em dúvida sobre para que tipo de ONG doar seu dinheiro, ou ainda que área deve escolher quem quer impactar o mundo com seu trabalho.

A Givewell monitora com dados que iniciativas de caridade alcançam maior impacto com os recursos recebidos. No planeta, sugere doações para ONGS que trabalham em prevenção da malária (como distribuição de mosquiteiros) e desparasitação, por exemplo.

Carlos Andreazza - Um dia chegar a Nélida

O Globo

Na última mensagem, desde Santiago de Compostela, contou-me — voz baixinha — que cumpria “rota profissional intensa, mas sobretudo uma rota do coração”.

Adorava quando ela me dizia, como se conspirasse:

— Estou escrevendo algo perigoso.

E gargalhava gostosamente. Ante o mistério, ante a natureza subversiva — imprevisível — do ofício, ria como menina.

Ria como criança, a maior brasileira que conheci, compartilhando a aventura.

Sabia que eu adorava aquilo, a cumplicidade. E me enredava. Primeiro, o anúncio — grave. E então a gargalhada. Era uma espécie de senha nossa; para mim o código generoso de que não fosse apenas o editor. Sobretudo expressão de uma artista que jamais se acomodou.

Como nunca se terá dado ao relaxamento da glória a autora de um épico da altitude de “A república dos sonhos”, romance de 1984? Pensei nisso pela primeira vez quando recebi os originais de “A camisa do marido”, em 2014 — aliás, ótima introdução à literatura de Nélida Piñon. O erotismo daqueles contos me instigou — perturbou — não pela caretice de ir a escritora avançada nos 70, mas porque havia ali um exercício de experimentação cuja naturalidade só vejo no movimento de Caetano Veloso.

Nélida, há muito consagrada, era movimento. Ela própria, a perigosa. Aquela senhora formal, rigorosa, jamais hermética, tinha segredos. Desejos. Razão por que nunca parou de produzir e se puxar. A maior brasileira que conheci estando também, sem favor, entre as maiores escritoras do Brasil em todos os tempos. A maior ensaísta, sem dúvida. (Na dúvida, recomendo “Filhos da América”).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Supremo acertou ao acabar com o orçamento secreto

O Globo

Cabe ao Congresso estabelecer mecanismos mais transparentes para alocar os recursos públicos

Fez bem o Supremo Tribunal Federal (STF) ao proibir ontem o mecanismo orçamentário que permitiu aos presidentes da Câmara e do Senado destinar nos últimos três anos perto de R$ 55 bilhões em dinheiro do contribuinte a projetos escolhidos pelos parlamentares sem transparência nem critério técnico. Ao limitar drasticamente o uso das emendas do relator-geral, identificadas nas leis orçamentárias pela sigla RP9 e conhecidas pelo apelido “orçamento secreto”, o Supremo libera os R$ 19,4 bilhões previstos para elas no Orçamento de 2023 e lança sobre o Legislativo o dever de estabelecer e seguir regras mais republicanas e transparentes no uso do dinheiro público.

Com o fim das RP9s, passam a valer na distribuição das verbas a parlamentares apenas os critérios já vigentes para as emendas individuais e de bancada: distribuição igualitária e impositiva (o Executivo é obrigado a executar os pagamentos). Deixam de valer as regras do Projeto aprovado às pressas no Parlamento na sexta-feira passada, na tentativa de atrair votos recalcitrantes do Supremo para manter as emendas do relator.

Poesia | O que fizeram do Natal - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Roberta Sá - Menino