domingo, 27 de dezembro de 2015

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira

Impossível continuar a dizer que a estrutura institucional vai bem, que o Judiciário manterá o País na linha, que corações valentes e guerreiros do povo brasileiro estão a ser criminalizados sem justificativa. A vida mudou, mas as práticas e as instituições da política não acompanharam a mudança. Sob certos aspectos, até mesmo se andou para trás: os partidos são uma pálida lembrança do que um dia já foram, os cidadãos não querem se organizar como comunidade política à moda antiga, o debate público é de uma indigência a toda prova, engessado pelos volteios do marketing e do discurso ideológico. E, se não há debate de qualidade, como é que o povo irá se engajar racionalmente nesta ou naquela direção?

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É professor titular de teoria política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais (Neai) da Unesp, ‘Judiciário hiperativo, política em frangalhos’, O Estado de S. Paulo, 26.12.15

Dilma tem o menor índice de apoio na Câmara da gestão PT

• Primeiro ano do segundo mandato da presidente consolida processo de queda do apoio ao Executivo no Legislativo desde a ascensão do PT à Presidência, em 2003

Guilherme Duarte, Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

O processo de deterioração da base de apoio do governo na Câmara dos Deputados começou logo no início do mandato anterior de Dilma, mas se acentuou a partir de 2014. No fim do ano passado, a taxa de governismo havia caído 10 pontos porcentuais em relação a 2013, atingindo o então recorde de 69%. Ainda assim, a adesão do governo entre os deputados registrou nova queda em 2015. Na série histórica iniciada no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), o índice de governismo alcançou seu maior patamar em 2004, com 91%.

A taxa de adesão ao governo é calculada verificando quantos deputados em cada votação acompanharam a orientação governista naquela ocasião. Por exemplo, se há 400 deputados presentes em uma sessão e 100 votam seguindo a orientação do governo, a taxa de governismo será, portanto, de 25%. Para o cálculo da ocorrência por ano, é feita uma média simples de todas as votações.

A situação de Dilma é bem diferente à de seu padrinho. Após atingir o pico de apoio parlamentar ao governo no segundo ano de seu mandato, Lula viu sua taxa de governismo na Câmara sofrer uma queda logo após o estouro do escândalo do mensalão, em 2005. O governo do petista, porém, conseguiu reconstruir sua base e, em 2008, já atingia 88% de apoio entre os deputados.

Queda contínua. O fim da era Lula coincide com uma queda contínua no governismo desses parlamentares. No primeiro ano da gestão Dilma, o índice de governismo era de 85%. De lá para cá, as quedas anuais foram constantes, até chegar no índice de 67% registrado em 2015.

A literatura em ciência política indica que altos valores de apoio ao governo no Congresso são comuns no presidencialismo de coalizão brasileiro. Uma das teorias mais citadas nesse sentido é a dos professores Argelina Figueiredo e Fernando Limongi. Segundo eles, regras constitucionais como o poder de agenda do presidente sobre a pauta do Congresso criam incentivos para que o Executivo tenha alto grau de sucesso na aprovação de suas demandas – o que, em contrapartida, reforça o poder dos líderes e aumenta a coesão das bancadas partidárias.

Fragmentação. Se essa explicação funcionou bem para os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e de Lula (2003-2010), o mesmo não pode se dizer para os anos Dilma. Além da queda recorde do governismo, os partidos nunca estiveram tão fragmentados (pouco coesos nas votações) quanto hoje.

O maior exemplo é o PP, que participa do bloco governista desde 2003. Em uma escala de zero a dez, em que zero representa coesão máxima – ou seja, todos os deputados votam igual – e dez representa dispersão máxima, a bancada do partido passou de 2 no fim de 2010 para o maior valor registrado atualmente entre as siglas: 4,8 em 2015.

Sob Cunha, número de projetos votados no plenário é recorde

• Em 2015, foram 300 propostas analisadas pelos deputados federais, índice 39% maior que o registrado em 2007

Guilherme Duarte, Rodrigo Burgarelli - O Estado de S. Paulo

Ao mesmo tempo em que o governo vê sua base na Câmara dos Deputados se diluir, o total de projetos votados pelos parlamentares aumenta de forma igualmente inédita. Sob a presidência do oposicionista Eduardo Cunha (PMDB-RJ), a Câmara bateu em 2015 o recorde de votações nominais levadas a cabo desde 1991. Foram 300 propostas votadas desde o início da atual legislatura, número 39% maior que o recorde anterior, de 2007.

O que há de comum entre a queda no governismo e o ritmo recorde de votações está justamente a batuta do presidente da Casa, a quem cabe a definição da pauta do que será analisado pelos deputados. Cunha se elegeu presidente sob a promessa de resgatar a “independência” em relação ao Executivo e impôs derrotas importantes ao governo, como na votação do reajuste dos salários do Judiciário em pleno ajuste fiscal, na diminuição da maioridade penal e nas mudanças das regras de financiamento de campanhas.

Outra hipótese para explicar o recorde de votações é a grande dispersão entre as bancadas partidárias. Normalmente, quando as bancadas estão coesas e o governo consegue pautar as principais decisões que são tomadas pelos deputados, é comum que projetos importantes sejam aprovados sem que tenham que passar por votação nomina em plenário. É o caso, por exemplo, de medidas que são aprovadas em caráter conclusivo dentro das comissões ou quando há votação simbólica após acordo entre os líderes das bancadas.

Fidelidade. Mas a fidelidade dos deputados aos seus líderes partidários também caiu de maneira inédita. Mesmo apresentando índice ainda alto, como é comum na Câmara, alguns partidos como PTB e o supracitado PP atingiram índices menores que 80%. Assim, é esperado que mais decisões sobre os projetos tenham que passar por votação nominal para medir o exato apoio de cada proposta.

Isso fica ainda mais claro quando se analisa a predisposição de Cunha em colocar pautas polêmicas em votação, como a própria reforma política. Medidas assim normalmente são Propostas de Emenda à Constituição (PECs), e, por isso, devem ser votados obrigatoriamente de maneira nominal. Em 2015 houve 99 votações desse tipo, mais de 30% de tudo que foi votado na Câmara no período.

No ranking de “ativismo legislativo”, o segundo lugar em número de votações foi 2007, durante presidência de Arlindo Chinaglia, com pouco mais de 200 votações.

2015, um ano para heróis e vilões infláveis

• Personagens rodaram o país para levar a crítica bem-humorada às manifestações, mas foram perseguidos

Ruben Berta - O Globo

Era início da manhã de 16 de agosto em Brasília, quando um saco com um conteúdo sigiloso chegou à Esplanada dos Ministérios, vindo de uma fábrica em São Paulo. Às 7h, oito pessoas se reuniram em torno da encomenda, que começou a tomar forma. Não foi fácil: o gigante, de 15 metros de altura, balançou, tombou e até rasgou. Mas, quase duas horas depois, ficou de pé, para o delírio da multidão. Foi a estreia oficial do “Pixuleco”, caricatura do ex-presidente Lula vestido de presidiário, que abriu definitivamente a temporada de aparições de bonecos infláveis pelo país. Depois disso, perseguições, atentados e até prisão fizeram parte de um 2015 cheio de aventuras para os personagens que marcaram as manifestações.

— O “Pixuleco” começou andando de ônibus. Mas, desde sofreu o primeiro ataque, de canivete, em São Paulo, no fim de agosto, mudamos de estratégia. Para os lugares mais próximos, ele ia de carro, com uma escolta com mais dois veículos. Para os mais distantes, de avião. É um boneco até simpático, que chama a atenção das crianças por onde passa. Mas, para quem não gosta da crítica, é a verdadeira imagem do capeta — diz Ricardo Honorato, um dos representantes do Movimento Brasil, que idealizou o boneco.

Somente o “Pixuleco” fez 11 viagens. Ao menos três, foram para a fábrica de São Paulo, para fazer reparos após ataques. Caricaturas da presidente Dilma foram feitas duas: uma, com nariz grande, ficou conhecida como “Pinóquia”; a outra, mais famosa, de máscara preta e faixa com a palavra impeachment, virou a “Bandilma”. As duas rodaram por diversas capitais, também sofreram atentados, mas, graças a algumas costuras, passam bem.

Na onda de manifestações, houve até um pequeno herói que foi inusitadamente preso: o Super Moro, referência ao juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato. No dia 25 de novembro, data da prisão do líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, o personagem foi levado à Casa pelo Movimento Nas Ruas e “detido” pela Polícia Legislativa. Depois, ganhou fama, com 600 cópias vendidas num protesto em São Paulo.

Dilma cumpre só um terço do que previu no início do ano

Patrícia Campos Mello – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Na mensagem enviada ao Congresso no dia 2 de fevereiro deste ano, para o início dos trabalhos do Legislativo, a presidente Dilma Rousseff assegurou que não iria promover "recessão ou retrocessos".

Após 11 meses, o Brasil está em plena recessão e passa por retrocessos em diversas áreas, como o rebaixamento por duas agências de risco.

Mas esses não foram os únicos compromissos não cumpridos. Dos objetivos que estavam na mensagem, muito pouco foi para a frente.

Das 34 principais metas para 2015 que Dilma especificou na mensagem, só 11 (32,3%) foram atingidas, enquanto 17 (50%) tiveram desempenho insatisfatório.

Outras 6 (17,7%) saíram do papel em parte, uma vez que o prazo fixado para implementação vai além deste ano.

"Em 2014, o Brasil parou à espera da eleição; em 2015, o Brasil tombou", diz Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Unicamp. "Crédito, inflação, crescimento e emprego –tudo isso teve uma deterioração muito superior ao que qualquer um esperava."

Em 2015, praticamente as únicas metas econômicas atingidas pela presidente foram aumentos de impostos.

Segundo Mello, era necessária mudança na política econômica, porque não deram certo a estratégia de subsídios às indústrias e as tentativas de reduzir juros do primeiro mandato de Dilma.

Mas o professor vê luz no fim do túnel –para ele, boa parte do ajuste já foi feita, e o país inicia 2016 melhor.

Já o especialista em finanças públicas Mansueto Almeida acredita que o pior do ajuste ainda está por vir.

"Estamos muito longe de ter concluído o ajuste: o corte de gastos se deu à custa de enorme redução no investimento público, de 40% até outubro, e mudança no cronograma do pagamento do abono salarial, que é uma economia temporária", diz.

Segundo ele, as despesas obrigatórias continuam crescendo muito –o gasto com INSS em 2015 e 2016 vai aumentar 0,9 ponto porcentual do PIB e o deficit da Previdência vai chegar a 2% do PIB.

Mansueto diz que Dilma "colhe o que plantou". Segundo ele, de 2008 a 2014, a dívida pública cresceu R$ 500 bi, grande parte subsídio a empréstimos de bancos públicos.

"O processo de arrumar a casa ainda vai levar muito tempo; no ano que vem é necessário aprovar ajustes estruturais para possibilitar que as despesas obrigatórias cresçam menos que a inflação, mas não vejo a presidente ter base política para isso."

Educação sofre
Com a necessidade de cortar gastos e a falta de apoio no Congresso, todas as áreas do governo sofreram em 2015. Nem o Ministério da Educação, estrela do plano Pátria Educadora, salvou-se. Algumas metas importantes, como a entrega de creches, foram cumpridas. Mas a maioria ficou muito aquém.

"Considerando o quanto estamos atrasados, os resultados são decepcionantes", diz Naercio Menezes, coordenador do centro de políticas públicas do Insper.

Segundo Menezes, é necessário fazer que municípios e Estados melhorem a qualidade da educação que oferecem, aumentando o número de horas aula, reformulando o currículo das faculdades de pedagogia, dando incentivos para os melhores professores e alunos e reforço para os jovens que têm dificuldade.

O colunista da Folha Celso Rocha de Barros, doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford, adverte que o problema não é este ano, mas sim a conta dos anteriores: "2015 foi o ano de consertar o que estava errado."

PMDB do Senado faz pressão para saída de José Eduardo Cardozo do Ministério da Justiça

Por Painel – Folha de S. Paulo

Todos contra um Alvejado na Lava Jato, o PMDB do Senado engrossa o coro de petistas e quer José Eduardo Cardozo fora do Ministério da Justiça. Sonham em emplacar um nome da sigla para tentar influir nas investigações.

Escaldado Cardozo diz a interlocutores que se diverte com o movimento: uns querem sua saída porque ele interfere muito, outros, porque não interfere. “Não tem jeito.”

Impeachment agrava divisão interna no PSB

• De acordo com o comando da sigla, assunto encontra resistência no Senado, mas é visto com ‘uma certa simpatia’ pela bancada da Câmara

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

Único grande partido de oposição à presidente Dilma Rousseff que ainda não se definiu em relação ao impeachment, o PSB, que conta com uma bancada de 36 deputados federais, viu sua divisão interna se agravar com o início do acolhimento do processo de afastamento da petista no Congresso.

Enquanto a bancada na Câmara apoia majoritariamente a petição de impedimento assinada pelos juristas Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo, a maioria dos governadores, senadores e dirigentes da legenda que atuam em movimentos sociais se posiciona contra a medida.

O PSB esteve na área de influência do PT até 2013, quando rompeu com a presidente Dilma Rousseff e lançou o então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, como candidato à Presidência. Após a morte dele no ano passado em um acidente aéreo durante a campanha presidencial e, na sequência, a derrota da ex-ministra Marina Silva, sua sucessora, no 1.º turno da disputa, a legenda deu apoio ao senador tucano Aécio Neves (MG) no 2.º turno.

Mesmo sem uma liderança nacional, líderes do PSB afirmam que a legenda não quer mais ser linha auxiliar porque hoje o partido busca protagonismo como terceira via à polarização entre PT e PSDB.

Por isso, a legenda resiste em embarcar no discurso pró-impeachment capitaneado pelo PSDB de Aécio. A mesma razão faz com que parte do partido se negue também a apoiar o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), em seu projeto presidencial. O tucano paulista recebeu a sinalização de que poderia contar com a sigla caso não consiga se lançar candidato ao Palácio do Planalto pelo PSDB.

Palavra final. Diante do impasse sobre o afastamento de Dilma, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, costurou um acordo pelo qual a palavra final sobre o impeachment será da direção nacional executiva do partido, que está dividida ao meio. “O debate está em suspenso. Fechamos o ano sem uma definição clara. Há uma certa simpatia na Câmara, mas no Senado (o impeachment) encontra resistência”, avaliou Siqueira.

Os quatro deputados indicados pelo PSB para a Comissão Especial que avaliará o impedimento após o recesso parlamentar, em fevereiro, se comprometeram a acatar a decisão do comando partidário. São eles Fernando Bezerra Filho (PE), Tadeu Alencar (PE), Danilo Fortes (CE) e Bebeto (BA).

Ponta do lápis. Segundo cálculo da cúpula pessebista, 28 dos 36 deputados apoiam o pedido de afastamento da presidente que tramita na Câmara.

Os que se posicionam contra – caso da deputada Luiza Erundina, por exemplo – integram a ala mais “à esquerda” do PSB.

Em caráter reservado, parlamentares pró-impeachment alegam que estão sendo pressionados por suas bases e temem não eleger seus aliados em 2016 ou renovar o próprio mandato em 2018.

O mesmo levantamento informal prevê que pelo menos 5 dos 7 sete senadores do PSB rechaçam a tese do impedimento de Dilma Rousseff. A bancada chegou a discutir pelo WhatsApp a ideia de lançar um documento com o argumento de que a impopularidade não justifica o impedimento.

Consenso. Já entre os três governadores do PSB – Rodrigo Rollemberg (DF), Ricardo Coutinho (PB) e Paulo Câmara (PE) –, há consenso contra o impeachment. “Da maneira como o processo está sendo levado pelo Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados), ele está fadado a não ter legitimidade”, disse ao Estado Paulo Câmara (mais informações na entrevista abaixo).

Crítico enfático do movimento pelo impeachment, Coutinho reconhece que o PSB vive hoje um dilema. “O PSB, como os demais partidos do Brasil, passa por uma crise de rumo”, afirmou o governador da Paraíba.

Câmara e Coutinho também criticam a estratégia da oposição na Câmara, sobretudo do PSDB, ao longo de 2015. “A oposição não construiu um norte. A população não reconhece a devida legitimidade na oposição”, declarou Coutinho em entrevista recente à TV Estadão.

‘Esse processo está fadado a não ter legitimidade’, diz Câmara (PSB-PE)

Entrevista. Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco

Pedro Venceslau – O Estado de S Paulo

Afilhado político e sucessor de Eduardo Campos no governo de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB) defende, em entrevista ao Estado, a tese de que o impeachment “não é golpe”, mas afirma que o processo perdeu legitimidade por ter Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à frente.

O PSB entrou em crise de identidade depois da morte do Eduardo Campos?

O PSB está se reformulando. Esteve sob a liderança do dr. (Miguel) Arraes durante muitos anos, depois sob a liderança de Eduardo Campos. Agora, com o desaparecimento inesperado do Eduardo, o partido está se reencontrando.

O PSB esteve ao lado do PT e depois do PSDB. O partido, hoje, está mais à esquerda ou à direita?

O PSB vai dar uma grande contribuição. A polarização dos últimos anos não fez bem ao Brasil.

O sr. assinou, com outros governadores, um documento contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Como essa decisão foi recebida no partido?

Eu fui dos signatários de uma carta que foi vendida como sendo de defesa do governo Dilma, mas não era. Eu e o governador (Rodrigo) Rollemberg (DF) não defendemos o governo, mas as instituições. O que questionamos nesse momento é a forma como o processo está sendo conduzido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ele começou o processo na base da chantagem e não tem legitimidade para conduzir o impeachment. O partido ainda não deu uma opinião formal, mas nosso entendimento é que o pedido é constitucional. Impeachment não é golpe.

Na sua opinião há fundamento jurídico no parecer assinado pelos juristas Miguel Reale Jr., Hélio Bicudo e Janaina Paschoal?

O PSB decidirá isso em algum momento na comissão que avaliará o caso. A comissão (especial do impeachment) é inclusive formada por dois pernambucanos: os deputados Fernando Filho e Tadeu Alencar. Eu estou convencido que se trata de um processo político. A executiva nacional se reunirá com os membros do partido na comissão. Vou seguir a orientação que os deputados indicarem. Mas eu enfatizo: da maneira como o processo está sendo levado pelo Eduardo Cunha ele está fadado a não ter legitimidade.

Dirigentes do PSB dizem que o governador Geraldo Alckmin tem as portas abertas no PSB se desejar ser candidato ao Palácio do Planalto fora do PSDB. O que acha disso?

O PSB é aliado do PSDB em São Paulo. Tenho muito respeito pelo governador Alckmin, mas a vinda dele para o partido é uma discussão maior e que ainda não foi feita no partido. Qualquer um que ingresse no nosso partido tem que estar alinhado com o nosso programa, e não o contrário. De qualquer forma, o Geraldo tem, hoje, mais convergência com o pensamento do PSB do que divergências.

Como avalia a gestão da presidente Dilma?

Tenho uma boa relação institucional com a presidente. Sempre tive acesso a ela. Temos nossas discordâncias desde 2013, quando o PSB entregou os cargos que tinha e lançamos a candidatura do Eduardo Campos. Na questão microcefalia estamos tendo um diálogo muito aberto com o governo federal. Estou, por outro lado, cobrando as obras contra a seca.

Como avalia o comportamento da oposição, especialmente do PSDB, no Congresso Nacional ao longo de 2015?

Algumas pessoas da oposição erraram na condução do processo. Aprovaram pautas bombas que não poderiam ser aprovadas. A oposição provocou o jogo do quanto pior, melhor. Isso foi um desserviço ao Brasil. Houve também o apoio de alguns setores da oposição ao Eduardo Cunha, que precisa sair da presidência da Câmara. O PSDB fez, em alguns momentos, o discurso do quanto pior, melhor.

Apoia a proposta de recriação da CPMF?

A CMPF é o único instrumento que está na mesa para ajudar os Estados, municípios e a União a fechar as suas contas. Diante de um cenário onde não há alternativas, os governadores vão encontrar na CPMF a única opção.

Crise obriga prefeituras a cortar investimentos

• Capitais registram queda de até 90%, e perspectiva para o ano que vem é sombria

• Das 22 cidades que enviaram relatórios ao Tesouro Nacional, 14 informaram que gastaram menos do que em

• 2014; Rio é uma das poucas em que ritmo aumentou

A crise econômica atingiu em cheio prefeitos de capitais às vésperas do ano eleitoral. Em 14 das 22 prefeituras dessas cidades que enviaram relatórios ao Tesouro Nacional, os gastos com investimentos caíram em relação a 2014, paralisando ou atrasando obras em curso. Há casos extremos, como o de Natal (RN), onde essas despesas despencaram 89,8%, informa SILVIA AMORIM. A queda na arrecadação e nos repasses, para analistas, indica que a situação não deve melhorar em 2016. A prefeitura do Rio surge como uma das exceções, com aumento de 74%. Onze capitais também já ultrapassaram o limite de alerta previsto em lei para gastos com servidores.

Prefeituras vão à lona

• Investimentos nas capitais sofrem redução de até 90%; perspectiva para 2016 é sombria

Silvia Amorim - O Globo

-SÃO PAULO- A menos de um ano para as eleições municipais, o desejo de muitos prefeitos era estar com canteiros de obras a pleno vapor para as inaugurações em 2016. Mas a crise econômica atingiu em cheio esses planos e nas grandes cidades, que, em tese, seriam menos vulneráveis à recessão, já é possível constatar que os investimentos despencaram até 90% este ano. O pouco recurso disponível em caixa está sendo canalizado para despesas obrigatórias como a folha salarial, e algumas capitais admitem que deverão fechar o ano com déficit.

Relatórios entregues pelos prefeitos das capitais ao Tesouro Nacional no início deste mês revelam que 14 das 22 prefeituras que apresentaram seus balancetes fiscais investiram menos este ano do que em 2014. As maiores quedas ocorreram em Natal (89,8%), Curitiba (63,7%) e Vitória (46,4%). A prefeitura do Rio é exceção e está no grupo das que ampliaram o ritmo, apesar do cenário econômico, graças à Rio-2016.

Em Natal, investimentos desabam
A desaceleração atingiu prefeituras de todos os portes. Na capital potiguar, o prefeito e candidato à reeleição Carlos Eduardo (PDT) aplicou até outubro R$ 35 milhões em investimentos — 10% do valor de 2014. Os números se repetem na Curitiba do prefeito Gustavo Fruet (PDT), também no primeiro mandato. Em Belo Horizonte, Marcio Lacerda (PSB) aplicou em obras e compras de equipamentos, até outubro, R$ 491 milhões contra R$ 846 milhões no mesmo período do ano passado.

— Os investimentos estão desabando este ano por causa da queda da arrecadação. Para ver como a situação é preocupante em todo o país, nos estados e no governo federal a queda é ainda maior — disse o economista e especialista em contas públicas Raul Velloso.

Gasto com pessoal sob alerta
Campo Grande vive situação ainda mais complicada. Alvo de uma crise política, além da econômica, a cidade está pagando salários parceladamente desde meados do ano. Ainda reduziu em 30% os investimentos, e o prefeito Alcides Bernal (PP), que ficou afastado do cargo por um ano e meio, pode fechar as contas no vermelho. No vermelho também está o gasto com pessoal no município. Cerca de 55% do que o governo arrecadou este ano foram para pagar salários.

A prefeitura está infringindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita a 54% da receita corrente líquida o gasto com pessoal. Isso se repete em São Luís.

No atual mandato, nunca a luz amarela referente às despesas com funcionário acendeu para tantos prefeitos de capitais. Onze ultrapassaram em outubro o limite de alerta imposto pela legislação (quando o gasto fica acima de 48,6% da receita).

Mais da metade das cidades avaliadas ampliou a folha de pagamento desde 2013. Essa expansão pode ter motivos além da crise.

— À medida que vai se aproximando o fim dos mandatos, é de se imaginar que os gastos com pessoal subam porque é no penúltimo ano que os prefeitos querem agradar por causa da eleição. Isso somado à crise, que frustrou as receitas, criou um problema maior para os municípios — disse Velloso.

A combinação de gastos elevados e arrecadação em baixa já levou, em outubro, duas prefeituras à lona. Natal e Manaus registraram déficit (gasto superior ao disponível em caixa). Sem perspectiva de melhorar a arrecadação, a tendência é que mais prefeituras registrem rombos nas contas de 2015, piorando a situação em 2016, ano eleitoral.

— Acho pouco provável que os municípios consigam equalizar esse déficit este ano — avaliou o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) Paulo Roberto Galvão.

Para o analista em Finanças Públicas Fábio Klein, a situação em 2016 pode ser ainda pior para os orçamentos municipais por causa do ano eleitoral.

— Há uma tendência dos governos de produzirem uma expansão dos gastos em ano eleitoral. Como muitos municípios vão começar 2016 já numa situação delicada, por causa do que aconteceu em 2015, isso vai exigir dos gestores um controle maior dos gastos, um desafio em ano de eleição — disse Klein.

De olho nesse cenário, a Fipe preparou para janeiro o curso inédito para gestores municipais “Como enfrentar a crise financeira nas prefeituras”.

Maioria no vermelho

Gestores culpam arrecadação e repasses em queda

• Prefeitura de Vitória diz que enfrenta maior frustração de receita de sua história

Silvia Amorim - O Globo

-SÃO PAULO- A prefeitura de Curitiba apontou dois motivos para a redução dos investimentos na cidade este ano. O primeiro é o ajuste fiscal nas contas municipais por causa da queda da arrecadação. O município também culpou a redução dos repasses do governo federal para a cidade pela situação.

“O contingenciamento no Orçamento Geral da União, anunciado oficialmente a partir de maio deste ano, represou e atrasou um volume significativo de transferências do governo federal para a execução de grandes investimentos, a exemplo de obras do PAC Mobilidade, de drenagem e gestão de risco, do PAC Habitação e na construção de Centros Municipais de Educação Infantil”, informou em nota.

A atual gestão municipal também alegou que os investimentos no ano passado foram grandes devido às obras da Copa do Mundo e que, portanto, houve uma redução previsível em 2015.

A prefeitura de Vitória explicou que passa pela maior frustração de receita da sua história e que, por isso, despesas tiveram que ser ajustadas. Também comunicou que está trabalhando para reduzir os gastos com pessoal. “A prefeitura vive a maior queda na receita de toda a sua história. Por isso, são necessários ajustes nas despesas. Para enfrentar essa situação, a administração municipal precisou fazer adequações, começando pela folha de pessoal e redução de contratos, como os de segurança patrimonial e os de locação de imóveis e de veículos”, informou.

BH evita projeções para 2016
A prefeitura de Belo Horizonte informou que a redução dos investimentos em 2015 é “natural” por causa dos desembolsos feitos nos anos anteriores por causa da Copa do Mundo. “O ano de 2014 foi marcado por grandes investimentos em Belo Horizonte, principalmente nas áreas de mobilidade urbana, saneamento, saúde e educação. Diante de expressivos investimentos em 2014 como estes citados é natural a redução dos investimentos no ano seguinte, como ocorreu em 2015”, justificou.

Em relação a 2016, o governo da capital mineira disse que não é possível ainda fazer projeções por causa da crise econômica. “Diante disto, a orientação tem sido de responsabilidade fiscal e parcimônia na autorização de novas obras e investimentos”. As prefeituras de Natal e Campo Grande não se manifestaram.

Em todo o país, 40% dos municípios devem fechar 2015 no vermelho

• Levantamento mostra que 62% dos prefeitos devem a fornecedores

Tiago Dantas - O Globo

-SÃO PAULO- Pesquisa feita pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) entre setembro e novembro deste ano em 4.080 cidades mostrou que 62% dos prefeitos estão em débito com fornecedores e 13% devem salários a funcionários. Quatro em cada dez chefes de Executivo municipal afirmaram que não conseguirão deixar as contas no azul em 2015.
Ao longo do ano, os municípios viram seus caixas ficarem desequilibrados por causa da crise econômica. O resultado prático dessa situação tem sido atraso de salários, adiamento de pagamento a fornecedores e paralisação de obras.

Principal fonte de recurso das cidades menores, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) caiu 4,7% em valores reais entre 2014 e 2015, segundo a CNM. Em contrapartida, o custeio aumentou: gastos com salários e contas como a de energia elétrica, por exemplo.

A queda do FPM está diretamente ligada à desaceleração da economia.

— Se não houver repasse maior dos governos federal e estadual no ano que vem, os municípios não têm o que fazer. A situação é muito preocupante porque a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe o prefeito de passar com déficit o último ano do mandato — disse o prefeito de São Manuel (SP), Marcos Monti (PR), presidente da Associação Paulista de Municípios (AMP).

Monti estima que 65% das cidades de São Paulo deixaram dívida para 2016. Como exemplo do desequilíbrio financeiro ele cita a situação de São Manuel: a arrecadação de tributos cresceu 1,2%, enquanto o custo da folha de pagamento subiu 10,4%. O prefeito afirma ter cortado cargos comissionados e estuda cancelar a festa de carnaval no ano que vem.

Em Barra do Rio Azul, uma cidade de 2 mil habitantes no Rio Grande do Sul, a solução encontrada pelo prefeito Ivonei Marcio Caovila (PDT) foi mais drástica: ele demitiu os sete secretários municipais. Os cargos foram assumidos por funcionários. Também foram cortados cargos comissionados e alugueis, tudo aprovado pelos vereadores.

Já em municípios do Ceará, o que tem acontecido é a queda na qualidade do serviço público, segundo o consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), Irineu de Carvalho. Segundo ele a perspectiva é ainda pior para 2016, já que as previsões na economia são desfavoráveis:

— Num primeiro momento, o prefeito reduz o custeio, depois o investimento. Mas chega um momento que não tem muito mais o que fazer, e aí vai ter que começar a reduzir serviços — afirma Carvalho.

Calamidade financeira
Pelo menos oito cidades brasileiras decretaram estado de calamidade financeira nos últimos seis meses, medida que prevê a redução da jornada de servidores e o corte de salários. Em Itabira (MG), com 116 mil habitantes, o prefeito Damon Lázaro de Sena (PV) reduziu seu salário de R$ 24,9 mil para R$ 18,7 mil.

Cidades que não decretaram calamidade financeira oficialmente também vivem situação problemática. Todo mês a prefeitura de Satuba (AL) tem um déficit de R$ 300 mil, o que levou o prefeito Paulo Acioly (PSD) a praticamente desistir de se candidatar à reeleição e considerar ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal ao final do mandato.

— A cidade está falida. Não vejo saída. Estou gastando 120% do orçamento com folha de pagamento. Passei muito o limite da lei, mas pelo menos não estou atrasando. Vou perder meu nome por uma situação que nem é culpa minha.

Depoimentos ligam Lula a reforma de imóvel da OAS

Flávio Ferreira – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O Ministério Público de São Paulo investiga se a empreiteira OAS buscou favorecer o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao reservar para a família dele um apartamento triplex no Guarujá (litoral de SP) e pagar por uma reforma estrutural no imóvel no valor de R$ 700 mil.

A Promotoria colheu depoimentos de engenheiros e funcionários do condomínio que apontam que apenas familiares de Lula estiveram no triplex durante as fases de construção e reforma do imóvel e que as visitas envolveram medidas para esconder a presença do ex-presidente e parentes no condomínio.

A família do ex-presidente desistiu de ficar com o triplex depois da publicação de reportagens sobre o imóvel.

Uma das visitas teria ocorrido em 2014 com o então presidente da OAS José Aldemário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, que chegou a ser preso na Lava Jato, acusado de corrupção na Petrobras.

O zelador do prédio disse que um funcionário da OAS orientou-o a não falar da ligação de familiares do ex-presidente com o imóvel.

Os promotores investigam a transferência de empreendimentos da cooperativa habitacional Bancoop, entre eles o triplex do Guarujá, para a OAS em 2009. Apuram também se a construtora usou apartamentos do prédio, na praia de Astúrias, para lavar dinheiro ou beneficiar pessoas indevidamente.

Um dos testemunhos foi o do engenheiro e ex-funcionário da OAS Wellington Aparecido Carneiro da Silva, que trabalhou na fase final de construção do triplex.

Ele contou que o imóvel era destinado a Lula, que chegou a fazer uma "vistoria padrão" no imóvel, concluído no fim de 2013. Silva disse que abriu a porta do triplex para que Lula entrasse, mas dentro da unidade ele foi acompanhado pelo coordenador de engenharia da OAS, Igor Pontes.

Outros depoimentos apontam indícios da ligação de Lula e familiares com as reformas no triplex a partir de abril de 2014.

Surpresa
Armando Magri, sócio da construtora Tallento, executora da reforma, disse que estava no triplex em uma reunião com Igor Pontes e um diretor da OAS chamado Roberto quando foi surpreendido com a chegada da mulher de Lula, Marisa Letícia, acompanhada de três homens.

Segundo Magri, ele posteriormente identificou que eram Pinheiro, um dos filhos de Lula, Fábio Luís, e outro engenheiro da OAS.

Conforme o dono da Tallento, as obras de 2014 "praticamente refizeram o apartamento".

Houve mudança do desenho original da unidade e trocas de acabamento, pintura, piso, instalações elétricas e hidráulicas, além da instalação de um elevador privativo entre o primeiro e o terceiro andar do triplex.

Arranjos
O zelador, José Afonso Pinheiro, disse que durante a reforma Lula e Marisa estiveram no triplex duas vezes. Segundo ele, a OAS limpou o condomínio e decorou o local com "arranjos florais" nos dias das visitas.

Nessas ocasiões, seguranças de Lula seguravam o elevador do prédio enquanto o ex-presidente estava no imóvel, o que gerou reclamações de outros moradores, de acordo com o zelador.

O funcionário do condomínio relatou ainda que nenhuma outra pessoa ou corretor visitou o imóvel.

Outro lado
A assessoria do ex-presidente Lula e a OAS negam irregularidades ligadas ao triplex no Guarujá. O petista e a empresa não se manifestaram especificamente sobre os depoimentos de engenheiros e do zelador do imóvel.

Segundo a assessoria de Lula, Marisa Letícia chegou a visitar o empreendimento algumas vezes, mas o imóvel nunca foi adquirido.

Lançado pela Bancoop, o prédio foi transferido para a OAS em 2009 após a cooperativa habitacional entrar em crise financeira.

A OAS relatou que não teve acesso à investigação. Por isso, não iria comentar.

A construtora disse que visitas a unidades prontas são frequentes e não significam fechamento de negócios. E que nunca houve promessa de compra e venda para qualquer interessado na unidade em questão.

A defesa de Léo Pinheiro, em depoimentos na Lava Jato, negou envolvimento do ex-presidente da OAS com irregularidades.

Lula, o informante – Editorial / O Estado de S. Paulo

Em depoimento à Polícia Federal (PF) no dia 16 passado, no âmbito da Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia falar de um outro governo, e não daquele cuja chefia ele exerceu ao longo de oito anos. Todas as suas respostas às autoridades, relativas a seu conhecimento do escândalo do petrolão, invariavelmente indicavam ignorância ou envolvimento apenas incidental. A responsabilidade, segundo ele, sempre foi dos outros – a começar por seu ministro José Dirceu.

Como Lula prestou depoimento na condição de “informante”, conforme consta no despacho do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, esperava-se que ele tivesse ao menos alguma contribuição a dar para o esclarecimento dos fatos. Em sua oitiva, no entanto, Lula, a exemplo do que já fizera no caso do mensalão, preferiu fazer os brasileiros de tolos, ao dizer que nunca soube de nada a respeito de desvios na Petrobrás quando era presidente. “Esses fatos não eram também do conhecimento dos órgãos de fiscalização e controle, bem como da própria imprensa”, justificou-se Lula. Não consta que tenha corado. Com isso, Lula pretende convencer o País de que ele, como presidente da República, estava sendo enganado tanto quanto os cidadãos comuns, embora um dos principais beneficiados pelo assalto à Petrobrás tenha sido seu partido, o PT.

Mas a exibição pública da essência de seu caráter e o insulto à inteligência alheia não pararam por aí. Lula explicou à PF que “cabia à Casa Civil receber as indicações partidárias” para preencher as diretorias da Petrobrás, que estão no centro do escândalo. O chefão petista lembrou que o ministro da Casa Civil na época era José Dirceu, a quem coube “escolher a pessoa que seria nomeada”.

Lula disse que não participava, em nenhum momento, desse processo de nomeação – ele apenas “recebia os nomes dos diretores a partir de acordos políticos firmados”. Tais acordos eram feitos, declarou ele, “pelo ministro da área, pelo coordenador político do governo e pelo partido interessado na nomeação”. Para Lula, não havia nada de errado nisso, pois “em uma política de coalizões presume-se que haja distribuição de Ministérios e cargos importantes do governo para os partidos políticos que compõem a base de apoio”.

Somente quando tudo era resolvido entre todas as partes, disse o ex-presidente, é que o nome do escolhido lhe era submetido – e Lula então resolvia se “concordava ou não com o nome apresentado” conforme os “critérios técnicos que credenciavam o indicado”. Ou seja, o ex-presidente quer mesmo fazer todo mundo acreditar que a Petrobrás foi assaltada por diretores nomeados exclusivamente por suas qualidades técnicas.

Além disso, a estratégia do “informante” petista é, como sempre foi, desmoralizar as investigações. Ele sugeriu que os ex-diretores da Petrobrás que delataram o esquema não contaram a verdade, e sim somente aquilo que os investigadores queriam ouvir, em troca dos “benefícios que a colaboração premiada dá ao delator”. Tudo isso faria parte de um maligno “processo de criminalização do PT”, acusou Lula.

Mas o ex-presidente, mesmo sendo mestre na arte de dissimular, teve de admitir à polícia que de fato é amigo do pecuarista José Carlos Bumlai – aquele que está preso e confessou ter participado de um esquema envolvendo um contrato da Petrobrás para abastecer os cofres do PT com R$ 12 milhões. Lula garantiu, porém, que “jamais tratou com Bumlai sobre dinheiro ou valores” – e isso, disse o petista, era “algo merecedor de respeito”.

O depoimento de Lula é repleto de embustes dessa natureza. Em seus melhores momentos, o ex-presidente declarou que “nunca tratou com qualquer liderança de qualquer partido sobre a indicação de algum nome para cargo na administração pública” e que o apoio dos partidos da coalizão governista era “baseado na afinidade dos partidos com o programa de governo”. Depois disso, a Polícia Federal deve ter se convencido de que é impossível extrair de Lula alguma informação útil ou relevante, pois o chefão petista é simplesmente incapaz de dizer a verdade.

A penúria da saúde – Na origem, má gestão e inchaço das UPAs

Além de diversos problemas de gestão, o colapso na saúde do Rio tem origem, segundo especialistas, em três erros: o estado perdeu o controle sobre a rede, agigantada com as UPAs, unidades de atenção básica que deveriam ser geridas por municípios; o modelo de gestão com Organizações Sociais foi adotado a custos altos; e a perda de receita, com a queda de 52% nos royalties do petróleo este ano.

O diagnóstico da crise

• Especialistas apontam gigantismo da rede com UPAs, modelo de gestão caro e queda de receita

Carina Bacelar, Luiz Gustavo Schmitt - O Globo

O colapso na saúde do Rio tem um diagnóstico conhecido, e o paciente só chegou ao estado terminal porque pouco foi feito em relação aos sintomas. Segundo especialistas, além de evidentes problemas de gestão, que estão na origem do caos neste final de 2015, a crise tem três pilares básicos: a rede se agigantou, com o estado passando a prestar atenção básica, atribuição dos municípios, a partir da criação das UPAs em 2007; a adoção das organizações sociais (OS) como modelo de gestão, que, sem controle, se revelaram extremamente caras; e o fator econômico, com a queda de 52% na arrecadação dos royalties do petróleo só este ano. Em meio a tudo isso, desde 2009 o orçamento da Secretaria de Saúde cresceu 116%, passando de R$ 2,4 bilhões para R$ 5,2 bilhões. O Portal da Transparência do Tribunal de Contas do Estado revela que só as despesas correntes, que incluem as OS, responderam ano passado por 71,7% do total do orçamento da pasta — R$ 2,9 bilhões de R$ 4,08 bilhões. Como pano de fundo, tivemos o fisiologismo político. O atual secretário, Felipe Peixoto, abandonou o barco com hospitais e emergências fechando para se candidatar a prefeito de Niterói. Agora, seu sucessor, Luiz Antônio Teixeira Júnior, que já age como titular, chega garantindo que é possível “fazer mais por menos”.

1 Além da capacidade

• Governo assumiu atenção básica sem ter como bancá-la

Nos programas da campanha das eleições estaduais de 2014, o então candidato à reeleição Luiz Fernando Pezão levantava a bandeira das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), que tinham sido idealizadas para desafogar os hospitais, embora a atenção básica de saúde seja uma atribuição dos municípios.

Referência nacional e “exportadas” para outros estados e até para a Argentina, essas unidades eram anunciadas como uma conquista da gestão do ex-governador Sérgio Cabral na saúde. Ao lado delas, figuravam novos hospitais de referência — como o Hospital da Mulher, em São João de Meriti, e o Instituto Estadual do Cérebro, comandado pelo cirurgião Paulo Niemeyer Filho. Pouco mais de um ano depois, a expansão da rede passou de orgulho da administração a vilã. Os gestores estaduais admitem que o custo da hipertrofia é insustentável.

Só as 29 UPAs estaduais e os repasses para as 28 municipais custaram R$ 740 milhões para os cofres da Secretaria de Saúde este ano. Prestes a deixar o cargo no auge da crise do setor, o secretário Felipe Peixoto defende, agora, a municipalização da gestão dessas unidades:

— Não dá mais para o estado fazer atendimento pré-hospitalar. Não tem sentido o estado administrar UPAs e Postos de Atendimento Médico (PAMs). Ainda administramos o Samu — declarou ao GLOBO.

De acordo com a legislação do SUS, ao estado, assim como à União, cabe o atendimento de média e alta complexidade. Por outro lado, municípios de médio e grande porte ficam responsáveis pelos setores de emergência e atenção básica à população. Essa norma regula os repasses federais para cada ente.

O governador Luiz Fernando Pezão assume que o tamanho da rede precisa ser reduzido, sobretudo no que não é de competência do estado. Ele, no entanto, não adianta se pretende transferir as UPAs para os municípios. Ao ser perguntado sobre esse ponto especificamente, responde que ainda conversará com o futuro secretário, Luiz Antônio Teixeira Júnior, que assumirá em janeiro.

— Tenho que diminuir o tamanho da saúde. Somos o único estado que faz Samu e outras políticas de saúde que não cabem a nós. Não vou fugir da minha responsabilidade, mas não vou fazer o que não for nossa atribuição — disse Pezão.

O mea-culpa do governo estadual já sinaliza um futuro impasse. O prefeito Eduardo Paes afirmou ontem que não tem “condições de assumir toda a rede do estado”.

Para o vereador e médico Paulo Pinheiro (PSOL), presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal do Rio, o governo estadual deveria ter uma previsão de quanto o custeio de hospitais inaugurados poderia onerar a pasta, o que, na análise dele, teve motivações políticas: — O governador Sérgio Cabral começou a vender essa ideia e fazer a secretaria maior do que ela poderia ser. Montou uma rede de saúde acima da sua capacidade de resolução. Se fosse cumprida a regra (que normatiza as atribuições dos entes), isso não teria acontecido.

O futuro secretário Luiz Antônio Teixeira Junior centra seu discurso no gigantismo da rede:

— O Estado do Rio tinha uma condição financeira, e montou-se uma grande rede, mas hoje a gente tem outra condição financeira. O que vamos continuar oferecendo? Não queremos fechar nada, mas precisamos avaliar os serviços.

2 Sistema em xeque

• OS: administração mais ágil, mas com preço alto

Aposta para agilizar a prestação dos serviços de saúde, porque o modelo permite a dispensa de licitações para compras e facilita a contratação de médicos especialistas, as organizações sociais (OS) podem ter passado de solução a ingrediente da atual de crise. Entre os motivos, estariam falhas na fiscalização da gestão dessas entidades por parte do estado, o que teria comprometido a eficiência e empalidecido os pontos fortes do modelo, além de ter favorecido o aumento dos custos de operação. Para especialistas, elas seriam soluções mais bem aproveitadas se não tivessem sido banalizadas e adotadas, principalmente, em unidades voltadas para procedimentos de alta complexidade.

Hoje, o estado tem dificuldade de sustentá-las: este fim de ano tem sido especialmente difícil, porque a dívida com as organizações sociais já chega a R$ 710 milhões. Em 2015, até o último dia 25, de R$ 3,8 bilhões pagos pela pasta de Saúde, R$ 2,1 bilhões foram destinados a OS.

Segundo o Sindicato dos Médicos do Rio, enquanto um profissional concursado ganha em média R$ 2,3 mil, um contratado pelo regime da CLT recebe, por mês, R$ 6 mil. O secretário Felipe Peixoto admite que o modelo é caro e precisa ser reavaliado:
— A saúde não pode esperar. As organizações sociais funcionam bem com recursos. Se não tiver verba, não adianta. É preciso repensar esse modelo, já que o estado não tem capacidade financeira para mantê-lo.

Já o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, acredita que a gestão terceirizada por meio dessas organizações é mais ágil, mas não pode ser banalizada.

— Aqui no estado os fatos demonstram que há problemas com o modelo, que precisa ser analisado. Dizer que está dando certo é um equívoco. Esse modelo é muito recente e não pode ser adotado em larga escala, sob o risco de colapsos diversos na rede — afirmou.

Por sua vez, o professor e chefe do Serviço de Infectologia Pediátrica da UFRJ, Edimilson Migowski, especializado em gestão hospitalar, ressalta que as organizações sociais podem “segurar” profissionais experientes e mais caros no serviço público:

— É uma administração mais ágil. A OS têm uma agilidade administrativa que todo gestor público gostaria de ter. Eu acho que o problema é falta de fiscalização.

O governador Luiz Fernando Pezão disse que estuda uma saída para a gestão:

— Não é fácil termos especialistas como Paulo Niemeyer Filho (neurocirurgião) atendendo pelo SUS na nossa rede.

3 Cofres vazios

• Após boom do petróleo e gastança, caixa à míngua

Os sintomas que levaram o estado e, principalmente, a prestação de serviços de saúde à insolvência financeira não surgiram por acaso. Turbinado pelo boom do setor de óleo e gás e pelas receitas de royalties, o governo aumentou gastos nos últimos anos. Só para citar o caso específico da saúde, o número de cargos comissionados, ocupados por pessoas que não têm concurso público, saltou de 613 em dezembro de 2014 para 689 este ano, de acordo com reportagem da TV Globo, quando o colapso no setor já se desenhava.

Segundo levantamento da Comissão de Tributação da Alerj, as despesas com servidores da ativa cresceram 54% desde 2010. O salto foi de R$ 10,3 bilhões para R$ 16,1 bilhões no ano passado. No mesmo período, houve uma alta de 121% no custeio da saúde, que subiu de R$ 1,9 bilhão em 2010 para R$ 4,2 bilhões em 2014. Esses gastos incluem a prestação de serviços ao estado por organizações sociais.

A ineficácia da cobrança da dívida ativa tem sido alvo de críticas no Tribunal de Contas. Hoje, o rombo é de R$ 66 bilhões, mas, em média, a Procuradoria Geral do Estado só consegue recuperar R$ 300 milhões anuais. Somente de ICMS, o estado deixou de receber R$ 7 bilhões. Ao mesmo tempo, a crise do petróleo teve um efeito devastador sobre as contas do governo. Os repasses de royalties caíram 52% este ano em relação a 2014 (de R$ 8,7 bilhões para R$ 4,1 bilhões).

No final de 2014, com o agravamento da crise internacional, a saúde fechou o caixa com uma dívida de R$ 700 milhões de restos a pagar. Um ano depois, a conta dobrou. Com atrasos que somam R$ 1,3 bilhão, a saúde corre o risco de não cumprir o investimento mínimo de 12% no setor determinado pela Constituição.

— Onde esse dinheiro foi parar? O problema é falta de gestão. No início do ano, sabíamos que estávamos em crise. Se houvesse um planejamento adequado, isso poderia ter sido evitado — diz a defensora pública Thaísa Guerreiro, integrante do gabinete de crise estadual, recém-instalado depois de Pezão decretar estado de emergência na saúde.

Como se não bastasse a penúria, a gestão do secretário de Saúde, Felipe Peixoto, sofre críticas pela inexperiência e falta de formação técnica na área. Também é atribuída a ele a responsabilidade pelo aumento do número de cargos comissionados na pasta este ano. Nas últimas semanas, Peixoto teria perdido o prestígio nas negociações de pagamentos atrasados a funcionários e fornecedores. Sua saída foi oferecida aos credores como uma espécie de promessa de mudança na gestão. O secretário ainda sofreu “fritura” do PMDB na Alerj, acusado de trabalhar para suas bases em Niterói, onde disputará a eleição à prefeitura. Ele nega: — Retomamos obras paralisadas no estado. Inaugurei clínicas na Baixada, no Rio e dei continuidade a uma obra de hospital em Nova Friburgo.

O novo Secretário de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior, que assume em janeiro, promete um choque de gestão, com corte de comissionados. Outra estratégia é aumentar o teto de repasses da União:

— O Rio recebe R$ 45 milhões por mês no teto de (procedimentos) alta e média complexidade. A Bahia recebe R$ 112 milhões.

Dora Kramer: Sagrada divergência

- O Estado de S. Paulo

Para início de conversa, combinemos: quem vê golpe em todo canto tem cabeça de golpista. Estes não interessam ao debate. Obsessão não se discute. Tal preliminar destina-se a estabelecer a clara diferença entre os crentes, os cínicos e os conscientes envolvidos no embate entre defensores e detratores do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Quanto aos crentes, nada há a fazer nem a dizer. A respeito dos cínicos falam os fatos. Na seara dos conscientes é que se estabelece a questão sobre a legitimidade, a legalidade e a propriedade da interrupção de um mandato presidencial.
Os que vão às ruas se manifestar contra ou a favor do impeachment têm razões tão consistentes quanto os que não vão. Medo, preguiça, desencanto, mais o que fazer, podem ser vários e variados os motivos.

Os favoráveis sustentam a posição com base no descrito na lei como crime de responsabilidade ou simplesmente porque não gostam de Dilma, do PT, dos métodos de ambos e repudiam a condução de governo dada por eles. Há os que consideram também que o Brasil “não aguenta” três anos do mesmo.

Os contrários alegam desde a insuficiência de base legal para enquadramento da presidente no rol constitucional das razões para o afastamento até a necessidade de Dilma ficar para consertar – ou fazer o PT pagar na próxima eleição – aquilo que estragou.

O que temos aí é uma divergência de opiniões e motivações. Jamais uma justificativa para dividir os brasileiros entre amigos e inimigos na Pátria. Cada um se expressa de maneira livre, consciente e, dentro das respectivas convicções, de modo consistente. Isso é o que se extrai de bom desse momento de aparência escura e confusa.

Antes a confusão da liberdade que a paz de cemitério reinante no autoritarismo. As novas gerações não viram – e é bom que não tenham visto – o que foi viver com medo. Um País onde não se podia falar, criar, pensar ou atuar sem correr o risco de sofrer e talvez morrer sob os ditames da ditadura. Vivemos, pois, num Brasil melhor. Nele, os condôminos do poder tanto podem ser contestados quanto sustentados.

A sociedade brasileira sabe se defender contra ameaças autoritárias e já demonstrou isso várias vezes. Inclusive e, especialmente, nos governos petistas, cujas tentativas de estabelecer tutela sobre ações e pensamentos revelaram-se todas infrutíferas.

No direito inalienável à liberdade de expressão se inscrevem manifestações como aquela em que se viu envolvido Chico Buarque na semana passada. Figura pública que no pleno exercício de sua cidadania expõe suas posições ao público, o artista – bem como quaisquer outros em condição semelhante – está sujeito a cobranças e a elas tem a prerrogativa de revidar. Como fez o compositor, de maneira muito mais civilizada que os modos dos que o abordaram na saída de um restaurante no Rio.

O PT já viveu situação oposta da que vive hoje, durante os vários anos em que contou com o entusiasmo da população. O partido em geral e Luiz Inácio da Silva em particular desfrutaram de uma paixão por vezes insana, cega aos casos que evidenciavam abusos decorrentes da mistura do dinheiro público com a atividade partidária desde os primórdios da gestão petista e surda às barbaridades ditas por Lula em seus discursos diários quando presidente.

Livre, até de reação à altura, para dizer o que bem quisesse. Inclusive para pregar o ódio a “eles” (os poucos que discordavam) e fomentar a intolerância em relação não apenas ao exercício, como à simples existência de oposicionistas no País. Estes cresceram e apareceram. De minoria viraram maioria e assim caminha a democracia num Brasil que aguenta o tranco e, com liberdade, supera as adversidades.

Fernando Gabeira: Cinzas no paraíso

O Globo

Em certas partes do ano, costumo estar de boa vontade com o mundo e as pessoas. É o que se chama de espírito natalino, embora nem sempre aconteça no Natal. Quando há desencontro de época e estado de espírito, o Natal é um pouco aborrecido. Este ano, meu espírito natalino coincidiu com o Natal. Isto amenizou o desencanto que tive com o Supremo, ao decidir pelo Parlamento quais são as regras do impeachment.

O Supremo no Brasil talvez seja o único que toma as decisões em transmissões ao vivo. Dizem que é uma jabuticaba pois só dá no Brasil. Pelo menos é uma jabuticaba do bem, pois tem o gosto doce e esquisito da transparência.

O fato de os ministros estarem tanto tempo na tela, convivendo no mesmo espaço luminoso com centenas de outros personagens, talvez os jogue nessa teia de familiaridade com os espectadores. Lewandoswki, por exemplo, é um atacante do Bayer que costuma jogar nos dias de sessão no Supremo. Você muda o canal e Lewandoswki é um tremendo zagueirão, em defesa das teses do governo.

Nem sempre tenho tempo para ver tudo, mesmo nos momentos wagnerianos. Confesso que, as vezes, me parecem prolixos, redundantes, mas o que fazer, movem-se com uma linguagem especifica.

Talvez seja um problema pessoal. Desde garoto, escrevendo para jornal, a luta diária com as palavras exige clareza e uma certa rapidez. Quase nunca se consegue a satisfação. Mas há um anjo sempre lembrando: olhe para a frente, no próximo, quem sabe.

A barreira retórica é uma das dificuldades para se entender essa Corte. Não afirmo ainda que seja bolivariana. A corte bolivariana não surpreende nunca. Suas decisões são sempre a favor do governo.

A corte brasileira apresentou algumas surpresas no papel dos atores embora o resultado tenha sido favorável ao governo. Uma delas foi o voto de Edson Fachin e Dias Toffoli. Ambos são considerados simpáticos ao PT. Celso de Melo, Cármen Lúcia, Marco Aurélio atropelar o parlamento.

Numa das férias, quando as tinha, tentei me aproximar do mundo das leis apoiando-me num volume das conferências de John Rawls. As férias acabaram antes do livro mas, por coincidência, marquei no textos lido, uma questão interessante. Por que certas questões e direitos estão fora do alcance das maiorias legislativas ordinárias?

Não creio que o impeachment precisasse regular detalhes do impeachment. Aconteceu o que é muito comum no pais do futebol: apitaram perigo de gol. De novo.

Uma corte bolivariana é uma afirmação do cinismo, pois já determinou, antecipadamente, quem vai ganhar. Está lá no livro de John Rawls: — O que os cínicos dizem sobre princípios políticos éticos e ideais não pode ser correto. Se fosse, a linguagem e vocabulário que se referem e apelam a esses princípios, há muito tempo teriam deixado de existir. O povo não e estúpido a ponto de não perceber quando essas normas são usadas por líderes e grupos de uma forma manipulativa.

De John Rawls a Lewandoswki, o zagueiro, é mais do que mudar de canal. Um me faz sentir cidadão, outro me faz sentir enganado.

Com 16 anos de Parlamento, como posso aceitar, o argumento de que os deputados devam votar numa chapa única para comissão do impeachment? Como me convencer, se até para a escolha da presidência da Câmara há chapa avulsa? Em que comissão da câmara não se permite isto? De repente, aparece um grupo de capa preta e subtrai um direito minoritário, ao vivo e em cores?

Felizmente, tive calma e energia para mergulhar no trabalho e sonhar com uma corte que me surpreenda, não com a variação dos atores, mas com os vereditos finais.

Visitei a Chapada Diamantina em chamas. Perdemos 55 mil hectares de uma das mais ricas e diversas regiões do Brasil. No meio da fumaça e do calor infernal, descobri as brigadas voluntárias da pequena cidade de Lençóis, gente que deixou tudo para apagar o fogo. Essas brigadas são importantes. Elas se antecipam ao governo, combatendo os primeiros focos. E pressionam para que a máquina oficial entre em combate.

As chamas na Chapada Diamantina lembram-me o filme de Terence Malick; “Cinzas no paraíso” (“Days of Heaven”). As imagens de mestre Nestor Almendros o crepitar das chamas parecem uma cerimônia fúnebre, a cremação da mata e dos bichos.

Seca prolongada e as chuvas intensas no sul: quando a Nasa previu que El Niño seria intenso, era necessário um projeto nacional para reduzir seus danos. Não houve. Com a eclosão do vírus da Zika, outro gigantesca força tarefa é necessária. Também não saiu.

Alguns voluntários, na Chapada combatem sem botas e de camiseta. As vezes, as fagulha os faz contorcer como se estivessem recebendo um santo.

Talvez sejam orixás que os mantêm vivos no combate ao fogo. De qualquer forma, é a força estranha que nos impulsiona na planície. Que ela venha no Ano Novo e o faça acontecer: 2015 resiste em acabar.

Ferreira Gullar: Fim de uma etapa

- Folha de S. Paulo

Para que se possa entender o que se passa no Brasil, política e economicamente, creio ser necessário levar em conta o tipo de populismo que aqui se implantou, a partir do governo Lula, e se agravou com o governo Dilma.

O populismo não é uma novidade, nem aqui nem em outros países latino-americanos, mas, de algumas décadas para cá, implantou-se em alguns deles um tipo especial de populismo que, para distingui-lo do anterior, costumo chamá-lo de "populismo de esquerda".

Claro que de esquerda mesmo ele não é. Trata-se, na verdade, de uma esperteza ideológica que manipulou as aspirações revolucionárias, surgidas na região a partir da Revolução Cubana, após a década de 1960. Essas aventuras guerrilheiras contribuíram involuntariamente para as ditaduras militares que se espalharam pelo continente. O fim dessas ditaduras, por sua vez, abriu caminho para esse novo populismo, que se apresentou como o oposto dos regimes militares, anticomunistas por definição.

Sucede que o final daquelas ditaduras coincidiu com a derrocada dos regimes comunistas, tornando anacrônica a pregação do revolucionarismo marxista. Em seu lugar, inventou-se o socialismo bolivariano, um dos nomes desse populismo, que já não pregava a ditadura do proletariado e, sim, o resgate da pobreza por meio de programas assistencialistas. Não fala mais em revolução, porque se trata agora de uma aliança com parte do empresariado que só tem a lucrar com o assistencialismo oficial. Está aí a origem das licitações fajutas, dos contratos de gaveta, fontes de propinas bilionárias.

E claro que esse populismo tem particularidades específicas nos diferentes países onde se implantou. Na Argentina, por exemplo, tem raízes em certa ala do peronismo, enquanto na Venezuela inclui até as Forças Armadas. Já no Brasil, tendo como figura central um operário metalúrgico, esse populismo contou com o apoio de centrais sindicais e de parte da intelectualidade de esquerda, que ainda sonhava com um regime proletário.

Além disso, em cada um deles, adota procedimentos específicos de modo a ajustar-se às condições econômicas e sociais para alcançar seus objetivos. Não obstante, todos eles têm um mesmo propósito: usar o poder político –a máquina do Estado– para garantir o apoio dos setores menos favorecidos da sociedade e se manter para sempre no poder. Na Venezuela e na Bolívia, os governos populistas lograram mudar a Constituição do país para se reelegerem indefinidamente. No Brasil, como isso não seria possível, o populismo investiu pesadamente nos programas assistencialistas e num modelo econômico inviável que conduziu o país à situação crítica em que se encontra hoje.

A ascensão do populismo, como sucessor dos governos militares –e seu contrário–, conquistou a confiança de grande parte da opinião pública, inclusive por oferecer melhoria de vida a setores mais pobres da população. No Brasil, por exemplo, sobretudo no primeiro governo Lula, essa melhoria veio consubstanciar a sua popularidade, possibilitando sua própria reeleição e a eleição de sua sucessora.

Não obstante, também aqui o populismo, esgotadas as qualidades, caminha para encerrar sua aventura. Na Argentina, ao que tudo indica, isso já começou a acontecer com a derrota do kirchnerismo, que também empurrou o país para o impasse econômico, por contrariar as necessidades objetivas do contexto sócio-econômico. Aliás, um elemento comum a todos esses regimes é o antiamericanismo, que só contribuiu para agravar a situação deles. No mesmo caminho seguiu a Venezuela que, com a derrota recente de Maduro, começa a fazer água. No Brasil, Lula e Dilma têm seu discurso abafado pelas paneladas e, enquanto isso, Cuba estende a mão aos norte-americanos.

Não resta dúvida, portanto, de que vivemos o fim de uma etapa da história latino-americana, que coincide, em escala internacional, com o esgotamento da utopia socialista, iniciada na Revolução Russa de 1917. Se isso, por um lado, significou a sobrevivência do regime democrático na maioria dos países, por outro exige que reinventemos o futuro.

Luiz Carlos Azedo: Os intolerantes

• O bate-boca envolvendo o compositor e cantor Chico Buarque e um grupo de jovens da elite carioca é apenas uma gota d’água nesse oceano, mas inaugura um novo capítulo da radicalização política

- Correio Braziliense

Historicamente, a intolerância social está associada às religiões, principalmente às grandes crenças monoteístas, podendo chegar aos níveis mais extremos, como na Inquisição espanhola. É o que o escritor português José Saramago chamou de fator Deus, que pode ser ilustrado pelas atrocidades cometidas pelo estado Islâmico na Síria e no Iraque: “De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus”.

Na Idade Média, a intolerância religiosa foi associada ao poder absoluto do rei. As guerras religiosas na França se caracterizaram por atrocidades sem precedentes, como o massacre de protestantes de 1562 e a matança de São Bartolomeu (25 de agosto de 1572). Só terminaram 20 anos depois, quando Henrique 4º assinou o Edito de Nantes, concedendo liberdade de culto aos protestantes (1598). Em 1685, porém, Luís 14 revogou o Edito de Nantes,demoliu templos e promoveu emigração forçada de cerca de 300 mil protestantes.

Mas foi no Século XX, com o estado laico, que a intolerância atingiu seu mais alto grau: o estado alemão, sob domínio nazista, promoveu o maior genocídio de que sem tem conhecimento contra os judeus, em toda a Europa sob domínio do fascismo. O Holocausto resultou no assassinato de cerca de 10 milhões de pessoas. Entre 1948 e 1951, cerca de 700.000 sobreviventes emigraram da Europa para Israel. Muitos outros judeus deslocados de guerra emigraram para os Estados Unidos e para outras nações, inclusive o Brasil. O último campo para deslocados de guerra somente foi fechado em 1957.

A intolerância política também resultou em prisões em massa durante o regime stalinista na União Soviética, com remoções em massa e trabalho forçado. A partir do ano de 1930, o número de prisioneiros saltou de 76 mil para mais de 510 mil homens em Gulag e outros campos. Esse número diminuiu na Segunda Guerra Mundial, quando os presos foram para os campos de batalha. Entre 1945 e 1950, no pós-guerra, porém, chegou-se a mais de 2 milhões de prisioneiros.

Radicalização
O filósofo Sérgio Paulo Rouanet classificou a intolerância como “uma atitude de ódio sistemático e de agressividade irracional com relação a indivíduos e grupos específicos, à sua maneira de ser, a seu estilo de vida e às suas crenças e convicções”. A intolerância social no Brasil é uma herança colonial, dos latifúndios e da escravidão, cuja iniquidade migrou dos campos para as cidades no século passado. A intolerância política, porém, não é um resultado direto dessa contradição. Surge na esfera da luta pelo poder e das disputas de natureza ideológica.

Foi assim nas rebeliões do período regencial, nas revoltas tenentistas, na Revolução de 1930, no levante comunista de 1935, no suicídio de Getúlio Vargas e no golpe de 1964. Nos momentos de radicalização política, a tensão entre o Estado Leviatã, de Thomas Hobbes, e a liberdade do indivíduo se exacerba, como ocorreu durante o regime militar. O dogma do estado e do partido é racionalizado.

É aí que surge um ódio fundado na Razão. Fanatismo e sectarismo emergem como se fossem uma necessidade racional. A intolerância rompe os limites da irracionalidade. O dogmático não age apenas motivado pelos sentimentos. Na guerra ideológica, subsiste a razão de estado, incorporada pelos indivíduos que agem em seu nome. Atitudes agressivas e violentas encontram justificativas e defensores racionais.

No Brasil, há muita intolerância, aberta ou dissimulada. Desigualdade social, discriminação racial e preconceito de classe, tudo junto e misturado. No trabalho, nas escolas, nas universidades, nos meios de comunicação, onde menos se espera surgem as intolerâncias política, religiosa, cultural, étnica e sexual. No espaço doméstico, nos locais do trabalho, nos espaços públicos e privados, elas emergem como conflito entre indivíduos, mas muitas vezes resultam da relação entre o estado e a sociedade, o governo e a oposição.

O bate-boca envolvendo o compositor e cantor Chico Buarque e um grupo de jovens da elite carioca, que viralizou na rede (https://www.youtube.com/watch?v=jdMSqt0wPAY ), é apenas uma gota d’água nesse oceano, mas inaugura um novo capítulo da radicalização política no Brasil, que opõe o governo e a oposição. Sua verdadeira vítima não é o artista famoso, que serve de porta-estandarte para petistas indignados. São os discriminados de sempre, que vivem a maior crise de saúde pública dos últimos tempos, no Rio de Janeiro, em meio à alta dos preços, ao desemprego e à violência urbana, muitas vezes policial.

Rolf Kuntz: A esperança está em Nelson Rodrigues

- O Estado de S. Paulo

Se toda unanimidade é burra, como sustentava Nelson Rodrigues, há esperança para os brasileiros: as previsões de mais um ano de recessão podem estar erradas. Se Nelson Rodrigues for desmentido e os fatos confirmarem as projeções do Banco Central (BC), a economia brasileira terá de crescer 5,7% em 2017 só para voltar ao nível de produção de 2014, último ano do primeiro e devastador mandato da presidente Dilma Rousseff. Será um desempenho típico de emergentes dignos desse nome e jamais igualados pelo Brasil nos últimos cinco anos. Pelas últimas contas do BC, publicadas nesta semana, o produto interno bruto (PIB) do Brasil deve ter diminuído 3,6% em 2015 e diminuirá mais 1,9% em 2016. Economistas do mercado financeiro e das principais consultorias tinham números um pouco piores na semana anterior – um recuo de 3,7% neste ano e de 2,8% no próximo.

Se essas estimativas estiverem corretas, será necessário um crescimento ainda mais parecido com o da Índia para a atividade voltar ao nível de 2014, já muito modesto pelos padrões internacionais. Naquele ano o PIB cresceu apenas 0,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como a expansão demográfica deve ter superado 0,8%, o produto por habitante já diminuiu, iniciando um movimento mantido neste ano e provavelmente em 2016.

Mas uma recuperação suficiente para o retorno ao PIB do ano passado é, provavelmente, a menor parte do problema. O desafio mais importante é levar o País de volta, de forma sustentável por vários anos, a um padrão de crescimento parecido com o de outros emergentes – algo pelo menos na faixa de 4% a 5% ao ano. Há uns dois anos o potencial de expansão econômica do Brasil era estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em cerca de 2,5%. Economistas de outras instituições apresentaram avaliações menos animadoras. Essa estimativa é complicada e muito insegura, mas, de toda forma, o desempenho brasileiro tem sido um dos piores do mundo. O PIB avançou em média 2,1% ao ano, entre 2011 e 2014, atolou-se numa funda recessão em 2015 e deve continuar no buraco em 2016.

Especialistas podem apontar vários fatores para explicar a anemia econômica do Brasil – com destaque para o baixo nível de investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura e a escassez crescente de mão de obra adequada à produção moderna. Alguns analistas e empresários têm apontado a prolongada valorização do câmbio, numa fase recente, como causa de importantes distorções e da perda de competitividade. Essa explicação pode ter algum valor, mas com certeza mostra só uma parte da história – provavelmente a menos importante.

O desarranjo fiscal crescente, o enorme desperdício de recursos públicos, o apoio financeiro concentrado em poucas e grandes empresas, a inflação elevada, o rápido aumento de custos, os erros na política de infraestrutura, a educação deficiente e mal planejada e a destruição das maiores estatais compõem uma narrativa muito mais convincente.

A intervenção nos preços, a política de componentes nacionais, o endividamento excessivo e a politização dos investimentos seriam suficientes para debilitar severamente a Petrobrás, mas, além disso, houve a pilhagem mostrada – ainda de forma certamente incompleta – pela Operação Lava Jato. Pior que isso: seria ingenuidade tratar da pilhagem e dos outros erros como fatos separados e independentes uns dos outros. Os critérios políticos de investimento, o estouro dos orçamentos de obras, o esquema de relação com fornecedores, o endividamento irresponsável e o jogo das propinas e dos favores foram facilitados pelo mesmo processo de ocupação da máquina estatal por um agrupamento político.

A incompetência – inegável – esclarece apenas em parte o fracasso dos programas oficiais de investimento. Nenhuma explicação seria completa sem referência ao aparelhamento do Estado, ao loteamento, ao compadrio e ao favorecimento fiscal e financeiro, tudo isso misturado com uma tintura ideológica.

Somados todos esses fatores com a crescente insegurança dos empresários, a redução do investimento produtivo e do potencial de crescimento é um resultado facilmente explicável. Juntem-se a isso os efeitos da Operação Lava Jato. O valor investido em máquinas, equipamentos, construções civis e infraestrutura já caiu no ano passado. O BC estima para este ano uma queda de 14,5%. Nova redução – de 9,5% – deve ocorrer em 2016, de acordo com o mesmo conjunto de projeções. Será preciso um espantoso aumento de 30% em 2017 só para o retorno ao valor, já muito baixo, de 2014. Com isso, o Brasil ainda investirá muito menos que a maioria dos países emergentes e em desenvolvimento mais dinâmicos.

A recuperação do investimento, mesmo para esse nível abaixo de medíocre, dependerá, naturalmente, de várias condições nunca reunidas no País há muitos anos. O governo terá de melhorar notavelmente a gestão das contas públicas. Precisará mostrar mais competência na elaboração de projetos, quando for o caso, e na definição de critérios, quando for preciso atrair o capital privado para concessões ou parcerias. Será indispensável proporcionar ao setor privado um mínimo de segurança em relação às perspectivas da economia e, é claro, aos padrões da ação governamental. Será forçoso renunciar ao voluntarismo e renegar a vocação para as bobagens. Um relatório dos tropeços seria enorme. O controle dos preços da gasolina, por exemplo, anulou o esforço de atração de investimentos para a produção de etanol e quase arrasou um setor de grande importância estratégica.

Para conduzir uma política desse padrão e para iniciar a agenda de reformas indispensáveis a presidente Dilma Rousseff terá de renegar as crenças e critérios seguidos até agora. Isso dependerá de entender e reconhecer seus erros, uma capacidade nunca demonstrada na vida pública.

Será preciso crescer como um emergente em 2017 para voltar ao nível de produção de 2014
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*Rolf Kuntz é jornalista