terça-feira, 17 de novembro de 2020

Merval Pereira - Meia volta, volver

- O Globo

O resultado mais importante desta eleição municipal é que ela parece marcar o fim da polarização dos extremos políticos, caldo de cultura que levou Bolsonaro ao poder em 2018. A sensação é de que essa maneira de fazer política cansou os eleitores, que estão procurando coisas novas, não necessariamente do ponto de vista etário, mas diferente do cardápio que foi oferecido em 2018.

O fracasso do governo Bolsonaro, juntamente com a “nova política”anunciada na campanha presidencial e que acabou ancorada na velha política, mostra que o presidente fez bem ao escolher aliar-se ao Centrão para organizar sua base congressual, mas também que ele agora tem menos força na negociação com seus novos parceiros.

PP e PSD são as estrelas do Centrão, mas partidos que abandonaram o grupo para uma posição independente, como DEM e MDB, também se destacaram. O Centrão é tradicionalmente formado por partidos que se adaptam a qualquer governo, e essa maleabilidade também é uma ameaça à composição parlamentar de Bolsonaro, pois, para se posicionarem em outros caminhos, não custa. Até na esquerda os eleitores procuraram novas alternativas, a mais emblemática o PSOL, que não quer ser moderado, mas não está envolvido em corrupção, ao contrário, nasceu da revolta de alguns membros do PT com relação à corrupção, quando da confissão do marqueteiro Duda Mendonça, que admitiu ter recebido pagamento do PT em contas no exterior no mensalão.

O choro na ocasião de deputados petistas como Chico Alencar, que ontem teve uma grande votação no Rio como vereador pelo PSOL, ainda marca essa dissidência. Não é de estranhar que o PSOL continue aliado do PT, assim como o PSDB, nascido de uma dissidência dentro do MDB, ganhou vida própria, mas não impediu que os tucanos aderissem ao governo Michel Temer. Mas são bichos diferentes.

Míriam Leitão - Muitas dimensões de uma derrota

- O Globo

A maior derrota do presidente Jair Bolsonaro é no campo das ideias. Ele defendeu o descuido com a vida, o eleitor premiou quem a defendeu. Ele quis extremismo, o eleitor, moderação. Ele ofende minorias, e as urnas elevaram a diversidade das câmaras de vereadores. Ele administra de forma errática, o eleitor quis boa gestão. Ele ameaça a democracia, o eleitor a defendeu. Sua derrota tem várias dimensões. A mais importante está ligada à pandemia. O “e daí?” pra vida dos brasileiros levou uma surra nas urnas.

Saiu perdedora a ideia de que sem estrutura partidária, com apenas os filhos e a milícia digital, ele poderia decidir o voto dos brasileiros. O principal recado do eleitor foi o de que confia na democracia e no sistema eleitoral, alvos contra os quais dispara constantemente. Ontem, voltou a atacar, logo cedo, depois de uma confessada noite mal dormida.

É natural que perdedores apresentem versões para atenuar as dimensões da derrota. E foi isso que fizeram ontem o presidente e seu vice, Hamilton Mourão. Bolsonaro disse que ganhou a direita conservadora e que a esquerda perdeu. Mourão disse que “sem uma estrutura partidária fica difícil”, e que ele “não entrou de cabeça”.

Há vários erros nessa reação. Quem implodiu a própria estrutura partidária foi Bolsonaro. E por quê? Porque ele sempre desprezou os partidos, esteve em 10, levou o PSL a ter a segunda maior bancada e o maior fundo eleitoral. Esse capital eleitoral foi destroçado pelo presidente e seus seguidores. Em dois anos, o PSL virou um nada. Repete o PRN de Collor, de existência curta. Com o Aliança, ele colheu a maior derrota da história da criação de partidos. A visão falsa dos fatos é a forma de Bolsonaro negar aos seus seguidores que ele seja um derrotado, que de fato é. O segundo turno de São Paulo, entre o PSDB e o PSOL, é apenas o exemplo mais visível disso.

Luiz Carlos Azedo - As forças centrífugas

- Correio Braziliense

 “Nas disputas de segundo turno, há todo tipo de combinações. Não se pode falar de polarização entre Bolsonaro, que saiu do primeiro turno com fama de pé frio, e a oposição”

As eleições municipais no Brasil, mesmo na época do regime militar, sempre funcionaram como forças centrífugas, mitigando a polarização política das eleições gerais, para que um novo ciclo de reaglutinação de forças ocorresse. Tínhamos, a partir da redemocratização de 1945, um sistema partidário consolidado, no qual três grandes partidos nacionais predominavam — PSD, PTB e UDN —, com uma força regional importante — o Partido Social Progressista, de Ademar de Barros, em São Paulo — e a esquerda ideológica dividida entre o PSB, de João Mangabeira, e o então proscrito Partido Comunista, liderado por Luiz Carlos Prestes.

Com o golpe de 1964, para se manter no poder, os militares acabaram com os partidos políticos, impondo artificialmente o bipartidarismo oficial, com a criação da Arena e do antigo MDB, que se tornou uma frente legal de oposição; suprimiram as eleições presidenciais, marcadas para 1965; e acabaram com as eleições para governadores e prefeitos das capitais. Mas não puderam eliminar completamente as eleições municipais — ocorrera a mesma coisa durante o Estado Novo —, canceladas apenas naqueles municípios considerados “áreas de segurança nacional”. Mesmo assim, não conseguiram conter as forças centrífugas da política local, sendo obrigados a criar um subterfúgio, as sublegendas, para impedir que as eleições municipais implodissem a Arena, com suas dissidências migrando para o MDB, o que acabou ocorrendo com o passar dos anos, principalmente depois das eleições de 1974.

As eleições municipais do último domingo não fugiram à regra. Seus resultados mostram que atuaram como forças centrífugas do quadro político nacional, que estava muito polarizado entre Jair Bolsonaro e a oposição de esquerda. Os números permitem múltiplas interpretações, mas algumas conclusões são consensuais: 1) os partidos de centro cresceram muito, principalmente o PP, PSD e DEM; 2) a esquerda tradicional perdeu terreno, principalmente o PT; 3) os partidos de extrema-direita não hegemonizaram o pleito. Se há um grande derrotado no primeiro turno, é o presidente, que participou da disputa como aquele jogador de futebol que entra numa bola dividida, achando que vai chegar primeiro e tirá-la do adversário com o bico da chuteira, mas acaba perdendo para quem entrou na jogada mais decidido, com o pé mais firme.

A opção que Bolsonaro fez por alguns candidatos no primeiro turno, principalmente Celso Russomanno (Republicanos), em São Paulo, e o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio de Janeiro, logo no começo da campanha, foi uma decisão tomada muito mais com o fígado que por estratégia. Sem partido, fora aconselhado a se manter distante das disputas municipais. Viu no apoio a Russomanno, que despontava como líder, uma maneira de derrotar o governador João Doria (PSDB).

Eliane Cantanhêde - O grande derrotado

- O Estado de S.Paulo

Urnas derrotaram os candidatos, os apoiadores e tudo o que Bolsonaro fala e representa

Tal qual o verdadeiro Trump nos Estados Unidos, o Trump tupiniquim, Jair Bolsonaro, também nega a realidade, não reconhece a derrota e, como não dá para acusar a mídia desta vez, ataca a urna eletrônica e já ensaia o discurso da fraude! Nenhuma pirotecnia, porém, é capaz de anular ou esconder Suas Excelências, os fatos. E os fatos são claríssimos: Bolsonaro é o grande derrotado das eleições municipais de 2020.

Não apenas seus candidatos perderam feio e os votos do seu filho Carlos encolheram 34% na base eleitoral da família, o Rio, como tudo o que Bolsonaro representa afundou: 1) a antipolítica cedeu lugar à política, à experiência, aos partidos; 2) o PSL, que inflou e se transformou em segunda força na Câmara, murchou; 3) tanto bolsonaristas renitentes quanto arrependidos, que brilharam em 2018, apagaram em 2020.

As eleições confirmaram que o Brasil é de centro e que a chegada ao poder da extrema direita bruta, virulenta, delirante e sem programa, foi um ponto fora da curva, que vai ficando rapidamente no passado. O novo normal é normal mesmo. DEMPSDBMDBPSD e Cidadania, que formam um sólido bloco de centro que não se confunde com o Centrão, vão recuperando o espaço perdido para Bolsonaro.

Assim, 2020 projeta a volta do centro e uma polarização atualizada: a direita não é exclusivamente bolsonarista e a esquerda não é mais apenas petista. A direita experiente e confiável amplia seu leque e se articula inclusive com setores da esquerda moderada. A esquerda ganha nova cara e frescor. Basta ver o desempenho no primeiro turno e as perspectivas no segundo de PSOLPDTPCdoB e PSB.

Carlos Melo* - Na ressaca de 2018, Dem e PSOL deixam de ser coadjuvantes…

- O Estado de S. Paulo

Necessário ainda pesar todos os números da eleição, nos 5.568 municípios do Brasil, de modo a verificar quem está realmente distribuído em território nacional. Como, por exemplo, ficou o Centrão de Jair Bolsonaro, nos rincões do país. Mas, olhando exclusivamente para resultados de maior visibilidade, já é possível fazer algumas afirmações sobre o saldo da eleição.

Antes de definir vencedores e vencidos, uma questão estrutural já parece clara: em 2020 o eleitor foi às urnas com ressaca do porre político de 2018. Há dois anos, as urnas se moveram pelo ressentimento contra a política – aquilo que os singelos e, também, os espertos chamaram de “velha política”, que na verdade era mais ou menos a política de sempre.

A “nova política” – de resto um clichê – não vingou; foi nada mais que uma cachaça de má qualidade, responsável por considerável dor-de-cabeça, cujo maior exemplo, até aqui, é o destino de Wilson Witzel.  Mas, claro, não só: são vários os Witzels que podem ter o mesmo destino.

Desiludido com os frutos de sua própria desilusão, nascida possivelmente lá em 2013, o eleitor de 2020 se manifestou diante do que lhe foi entregue pelo ressentimento de 2018. Parece compreender que não será pela truculência e estupidez que os problemas se resolverão. Nesta eleição, a demagogia e o populismo contaram muito menos – embora, é claro, existam e sempre existirão no reino da Política.

Roberto Romano* - A pandemia do ódio, Trump e o Brasil

- O Estado de S.Paulo

A governança é arte de promover a amizade entre cidadãos, laço essencial do Estado

Tristes povos os que suportam mal perigos naturais e rompem os laços de sociedade. Coletivos bem constituídos no campo civil enfrentam doenças em melhores condições do que os carentes de elos internos sólidos. Uma via para entender o caso é o livro de Tucídides sobre a catástrofe militar do Peloponeso.

Espartanos invadem o solo onde governa Péricles, cuja política, mesmo apoiada pela Assembleia, enfrenta a desunião social. A pandemia também ameaça o líder. Deixando o poder, logo ele morre como vítima. A narrativa de Tucídides mostra como os atenienses reagem à peste. O mal biológico acelera a fragmentação do regime. No início, “nem os médicos puderam debelar a praga, por ignorância do que era ela. Eles próprios morreram mais rápido pela proximidade dos enfermos” (The Peloponnesian War, tradução de Th. Hobbes, Livro II, 47).

O termo para designar a ignorância dos médicos e sua morte é agnoia (ausência de saber, erro). Cidadãos morrem por agir “normalmente” na moléstia. Muitas lições a passagem traz hoje aos médicos, políticos, militares, empresários, trabalhadores. Raros aprendem com a pandemia política ou biológica. O “normal” reside em ignorar o perigo.

“O aspecto mais terrível da doença é a apatia das pessoas atingidas (...). O contágio ocorre nos cuidados de uns doentes para com os outros e os mata em rebanho. É a maior causa da mortandade, pois se os doentes se abstêm por medo de visitar uns aos outros, todos perecem por falta de cuidados (...). Quem sobrevive com maior frequência se compadece em face dos enfermos e moribundos, pois conhecem a doença por experiência própria e confiam na imunidade. O mal nunca atacaria a mesma pessoa duas vezes com efeitos letais. Eles recebem elogios de todos e, no entusiasmo alegre daquelas circunstâncias, alimentam a esperança frívola de que pelo resto da vida não serão atingidos por outras doenças.”

Ricardo Noblat - O que Bolsonaro precisa aprender para não acabar como Trump

- Blog do Noblat | Veja

Tempo, ele ainda tem

O alerta soou logo cedo no Palácio do Planalto: “o homem” estava especialmente nervoso, irritado, e o melhor, para quem pudesse, seria evitá-lo. De fato, em conversa com devotos à saída do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro foi logo avisando:

– Peço, por favor, eu não quero gravar nada. Não estou passando bem hoje. Desculpa aí.

Confessou que dormira pouco, mas é o que costuma fazer na maioria das vezes, tanto mais quando algo o perturba. Bolsonaro ficou acordado até o início da madrugada enquanto a apuração de votos ainda se arrastava no Tribunal Superior Eleitoral.

Para ele, os resultados do primeiro turno das eleições municipais foram péssimos. Somente dois candidatos a prefeito indicados por ele se elegeram – e os dois de cidades do interior do Piauí e de Minas Gerais. Sabia que a conta por isso lhe seria cobrada.

Das 83 pessoas que concorreram no país tendo Bolsonaro no nome, 3 eram candidatos a prefeito, 3 a vice e 77 a vereador. Somente uma venceu – Carlos, o Zero Dois, reeleito vereador, mesmo assim com 35 mil votos a menos do que há quatro anos.

Sensível às dores do pai, Carlos foi às redes sociais defendê-lo. Escreveu:

– Se engana quem acha que o presidente sai derrotado dessa aí. Essa narrativa vai por água abaixo. Basta você olhar o que aconteceu no Nordeste, onde o PT perdeu praticamente todas as capitais e isso não acontecia há muito tempo. Tenha certeza que isso é trabalho do presidente e de seus ministros.

Papo furado. A derrota do PT em praticamente todas as capitais se deveu à vontade dos eleitores que preferiram votar em candidatos de outros partidos. Mais racional do que Carlos, Felipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro, comentou:

– Precisamos aprender com os nossos erros, tanto coletivos quanto individuais. Se seguirmos pensando, cada um, no erro do outro, fracassaremos. A autocrítica deve ocorrer em todos os níveis: do nível governamental, passando pelo da base, até o nível pessoal.

Claudio de Oliveira* - A centro-esquerda e a extrema-esquerda em São Paulo. O Macron e o Melénchon do Brasil.

- Reformista

Os eleitores paulistanos colocaram no segundo turno duas candidaturas bem definidas. De uma lado, Bruno Covas, do PSDB, busca situar sua candidatura entre o centro e a centro-esquerda. De outro lado, Guilherme Boulos, do PSOL, tenta sair dos limites da esquerda e da extrema-esquerda em que está o seu partido. 

Guardada as devidas diferenças de realidade, resolvemos fazer um paralelo entre a presente eleição em São Paulo e a eleição para presidente da República na França em 2017. Naquele ano, Emannuel Macron e Marine Le Pen foram ao segundo turno das eleições presidenciais. Macron era assim descrito: “No geral, Macron é visto como um centrista. Alguns observadores o qualificam como um social liberal, enquanto outros o descrevem como um social democrata. Durante seu tempo no Partido Socialista Francês, ele pertencia a ala centrista [...], cujas políticas eram descritas como de ‘terceira via’, uma visão normalmente associada a políticos como Bill Clinton, Tony Blair e Gerhard Schröder [1]”. Como social liberal ou social democrata, Macron estaria entre o centro e a centro-esquerda. 

Já Marine Le Pen e o seu partido, a Frente Nacional, fundado pelo seu pai, eram considerados de extrema-direita. Em terceiro lugar havia ficado François Fillon, dos Republicanos, de centro-direita. Em quarto, ficou Jean-Luc Mélenchon, da coligação França Insubmissa, que reuniu a esquerda e a extrema-esquerda, em aliança com o Partido Comunista Francês. Em quinto lugar ficou o candidato do Partido Socialista, Benoît Hamom, de centro-esquerda. 

Andrea Jubé - Destinos cruzados

- Valor Econômico   

Bolsonaro repete teimosia de Dilma e preocupa aliados

Candidato a prefeito de Recife, o deputado João Campos (PSB) teme o revés de uma derrota em dose dupla: para as urnas e para o destino.

Mais do que vencer a prima Marília Arraes (PT) no segundo turno na principal capital do Nordeste, João precisa driblar a arapuca eleitoral que o destino armou para ele.

O projeto político de João é repetir o pai, Eduardo, e se tornar governador de Pernambuco num futuro próximo. Mas João não quer repetir o pai, que saiu derrotado de sua primeira eleição majoritária. Justamente, para a Prefeitura de Recife.

Eduardo Campos tinha a mesma idade de João em 1992, quando desobedeceu a recomendação do avô, o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que o desaconselhou a concorrer ao comando da capital naquele ano.

Arraes ponderou que o neto, embora dedicado e competente, era jovem e inexperiente. Até então, seu único currículo na política era a chefia de gabinete do avô, em seu segundo mandato no Palácio do Campo das Princesas, de 1987 a 1990.

Arraes profetizou que Eduardo seria engolido pelos tubarões da política pernambucana. Ele enfrentaria nas urnas: Jarbas Vasconcelos (MDB), Humberto Costa (PT), André de Paula (do então PFL de Marco Maciel) e Newton Carneiro (PSC).

Cumpriu-se o vaticínio de Arraes: aos 27 anos, Eduardo Campos acabou em quinto lugar na eleição para a Prefeitura de Recife, atrás de quatro lideranças pernambucanas.

Assis Moreira - Bolsonaro, cúpulas e a esperança da vacina

- Valor Econômico

Presidente brasileiro participa de dois encontros importantes nesta semana, do Brics e do G-20, em ambos no papel de maior negacionista da covid-19

Jair Bolsonaro participará de duas cúpulas virtuais nesta semana: a do Brics, hoje, com líderes de Rússia, Índia, China e África do Sul; e a mais ampla, do G-20, com os líderes das maiores economias desenvolvidas e emergentes, representando 85% da produção mundial, no sábado e domingo (21 e 22).

O pano de fundo das duas cúpulas será a pandemia de covid-19. A segunda onda do vírus faz com que metade do mundo volte a lockdowns de diferentes tipos. Um ressurgimento mais forte do vírus, ou confinamento mais rigoroso, poderia cortar 2 a 3 pontos percentuais do crescimento global em 2021, provocar mais desemprego e afetar investimentos, pela projeção feita em setembro pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Indicadores da OCDE que antecipam inflexão no ciclo econômico confirmaram em outubro uma desaceleração no ritmo de melhora nas principais economias, incluindo o Brasil, antes do recente aumento de restrições provocadas pela pandemia de covid-19.

No entanto, a queda na atividade econômica global no quarto trimestre deste ano deverá ser menor do que na primeira onda da pandemia. Mais setores da economia permanecem abertos, e os apoios de vários governos continuam fortes. Empresas agora sabem melhor como reagir aos efeitos do confinamento. Algumas multinacionais americanas, que tinham fechado suas matrizes até dezembro e imposto o home office, já decidiram só reabrir os escritórios em março de 2021.

Hélio Schwartsman - O que as urnas disseram

- Folha de S. Paulo

O mais eloquente é que Jair Bolsonaro se deu mal

O que as urnas disseram no domingo? Várias coisas. A mais eloquente delas é que Jair Bolsonaro se deu mal.

Dos 13 candidatos a prefeito que o presidente decidiu apoiar, nove fracassaram já no primeiro turno, dois se elegeram —os de Ipatinga (MG) e Parnaíba (PI), que não chegam a ser megalópoles— e dois passaram para o segundo escrutínio —Rio de Janeiro e Fortaleza—, com chance maior de perder do que de ganhar.
Dos três membros da família estendida que concorreram a cargos de vereador ostentando o sobrenome Bolsonaro, só um, Carlos, o zero-dois, conseguiu uma vaga, ainda assim com 35 mil votos a menos do que obtivera em 2016.

Também parece lícito concluir que a onda niilista que tomou de assalto o eleitor em 2018 passou. Prevaleceram nomes e partidos tradicionais. Aparecem nas listas de legendas vitoriosas DEM (depois de quase ter sido extinto nos anos Lula-Dilma), MDB, PSD, PP, PSDB (se triunfar em São Paulo). O PSL, que, na esteira da eleição de Bolsonaro em 2018, se tornara o segundo maior partido (em cadeiras na Câmara), teve até aqui desempenho pior do que pífio.

Cristina Serra - O dedo podre de Bolsonaro e 2022


- Folha de S. Paulo

Huck e Moro são parte do problema, não a solução

A eleição municipal traz elementos importantes para o cenário de 2022. Bolsonaro ganhou o troféu dedo podre de 2020. Seu fracasso como cabo eleitoral mostra que ele pode ser derrotado daqui a dois anos. Já é um começo, mas é pouco.

No campo oposto, o desempenho de Boulos (PSOL) na cidade mais importante do país mostra que a esquerda está viva e encontra ressonância no eleitorado. Com apenas duas semanas até o segundo turno, o desafio de Boulos é gigante, enquanto seu aliado preferencial, o PT, lambe as feridas de uma derrota tão esmagadora quanto previsível no seu berço político.

Tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro a eleição municipal mostra que falta pensamento estratégico aos partidos progressistas. E isto pode ser fatal daqui a dois anos.

Pablo Ortellado* - Ciberataques

- Folha de S. Paulo

Vulnerabilidade dos sistemas públicos está sendo explorada por quem quer minar a confiança no sistema eleitoral

O aumento no número de incidentes em que hackers tiveram acesso a sistemas do governo, seguido de dificuldades operacionais nos sistemas do TSE, deve acender um alerta para nossa fragilidade no campo da cibersegurança dos sistemas públicos.

Embora não tenhamos evidências de coordenação, os ataques de domingo foram explorados pela extrema direita que tenta minar a confiança no sistema eleitoral.

A crise começou em outubro, quando os servidores do STJ foram invadidos por hackers, e os conteúdos, copiados e criptografados, supostamente para extorquir dinheiro do Poder Judiciário. Logo após o ataque, outros sistemas de órgãos públicos, como o do SUS e o da Anvisa, foram preventivamente desligados até que as condições de segurança fossem restabelecidas.

No meio desta crise, o TSE optou por dividir as atividades de seus dois servidores, reservando um deles apenas para cópias de segurança e concentrando todas as tarefas no segundo. Foi esse servidor único, sobrecarregado, que teve problemas no seu processador, gerando uma instabilidade que travou o funcionamento do eTítulo (aplicativo que substitui o título de eleitor) e atrasou a computação dos votos.

Além dessa instabilidade do sistema, o TSE foi alvo de dois ataques de hackers, aparentemente desconectados.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Motivos para esperança

- Folha de S. Paulo

Em 2018, vimos a extrema direita antipolítica vencendo por todo lado. Em 2020, a velha política voltou com tudo

Não sei o que Bolsonaro tinha em mente ao escolher candidatos a prefeito e vereador para apoiar nestas eleições, contrariando a sua própria decisão anterior de não apoiar ninguém.

Em 2018, bastava se colar a Bolsonaro para ser alçado às alturas. Em 2020, o nome Bolsonaro já não carrega tanto poder. Dos 59 candidatos a prefeito e vereador apoiados pelo presidente, só 13 venceram. Além disso, dos 68 candidatos que usaram o nome “Bolsonaro” na urna, apenas um foi eleito: seu filho Carlos Bolsonaro, com votação consideravelmente menor do que em 2016.

O presidente logo foi às redes sociais explicar como o mau resultado de seus candidatos não significa muita coisa para as ambições do bolsonarismo em 2022.

E ele está certo, mas só o fato de ter que se explicar já é embaraçoso e mostra que houve uma decepção. Previsivelmente, deputadas bolsonaristas (Carla Zambelli, Bia Kicis) já acusam fraudes nas urnas, mas ninguém as leva a sério.

Bernardo Mello Franco - As razões de Martha Rocha

- O Globo

A terceira colocada na eleição do Rio vai manter distância do segundo turno. Martha Rocha já descartava apoiar o prefeito Marcelo Crivella. No domingo, decidiu que também não pedirá votos para Eduardo Paes.

A pedetista não esconde a mágoa com os ataques que recebeu do ex-prefeito. Na reta final, a campanha de Paes a atingiu com golpes abaixo da cintura. Das 26 inserções diárias do DEM, 16 chegaram a ser ocupadas com propaganda contra a delegada.

“Sofri um processo de desconstrução”, diz Martha. “Paes foi preconceituoso e misógino. Faltou com a verdade. E eu não tive tempo para me defender”, protesta.

Para a deputada, a artilharia bloqueou suas chances de ir ao segundo turno. “Eu jamais apoiaria o Crivella, mas não sou obrigada a apoiar o Paes. Acho que tenho o direito de não fazer campanha para ninguém”, afirma.

Em carta aos eleitores, a pedetista agradeceu os votos e disse desejar sorte ao vencedor. A atitude fez com que ela fosse comparada ao aliado Ciro Gomes, que em 2018 embarcou para a Europa e se omitiu na disputa entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro.

Carlos Andreazza - Segundas ondas

- O Globo

Será erro subestimar Bolsonaro à luz do que expressam as urnas

A eleição municipal será o menor dos problemas de Bolsonaro. Há exagero em nacionalizá-la, em responsabilizá-lo diretamente pelo derretimento daqueles que apoiou; talvez com o intuito — politicamente legítimo — de lhe colar derrotas. Ok. É do jogo. Ele perdeu. Os candidatos pelos quais pediu foram mal. Mas que não se leia na fotografia projeção de fraqueza. Será erro subestimá-lo — senhor da máquina federal — à luz do que expressam as urnas.

Será erro, aliás, não contar com a aceleração do populismo bolsonarista como resposta ao que manifestaram as urnas. Chegarei lá.

A experiência da pandemia foi a grande eleitora. Haveria um ensinamento aí. A sociedade escolheu não tomar riscos, numa espécie de ressaca de 2018 antecipada pelos efeitos da peste. Mas essa não é lição para um sectário personalista como Bolsonaro; para quem só uma questão interessa: qual a carga dos fracassos de aliados sobre sua reeleição?

À análise política cabe avaliar até que ponto 2020 condicionaria 2022. De partida: dificilmente a peste estará entre nós daqui a dois anos, mas respostas a seu flagelo, como um Bolsa Família turbinado, provavelmente sim. Não é pouco, dada a natureza imediatista-utilitarista do voto. E a aposta de Bolsonaro permanecerá a mesma. A única que pode fazer: defrontar-se novamente com Lula, ou um cavalo seu, e forçar o eleitor a escolher — de novo — entre rejeições.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Eleitores votaram na política testada e reconhecida – Opinião | O Globo

Resultado das urnas mostra que a escolha predominante recaiu sobre candidatos e partidos tradicionais

Os ventos mudaram. A apuração das eleições do último domingo mostrou que o eleitorado optou por candidatos reconhecidos, pertencentes a partidos tradicionais, com capacidade testada para governar, perfil que havia perdido terreno nos últimos pleitos para novos rostos que representavam a “antipolítica”, a rejeição a “tudo isso que está aí”.

Desta vez, os eleitores preferiram não arriscar. Escolheram nomes e legendas com experiência política e administrativa. Os oito partidos mais votados são todos tradicionais: MDB, PSDB, PSD, DEM, PP, PT, PDT e PSB. Somaram 64% dos 102,5 milhões de votos computados, elegeram 64% dos vereadores e 71% dos prefeitos que venceram no primeiro turno.

Dos 13 prefeitos de capitais que concorreram à reeleição, apenas o de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior (PSDB), foi derrotado. Os demais ganharam ou disputarão segundo turno. Estão reeleitos: Rafael Greca (DEM, Curitiba), Gean Loureiro (DEM, Florianópolis), Alexandre Kalil (PSD, Belo Horizonte), Marquinhos Trad (PSD, Campo Grande), Álvaro Dias (PSDB, Natal) e Cinthia Ribeiro (PSDB, Palmas). Disputarão o segundo turno: Bruno Covas (PSDB, São Paulo), Marcelo Crivella (Republicanos, Rio), Emanuel Pinheiro (MDB, Cuiabá), Edvaldo Nogueira (PDT, Aracaju), Hildon Chaves (PSDB, Porto Velho) e Socorro Neri (PSB, Rio Branco).

A onda da “nova política” que fez sucesso nos últimos pleitos perdeu fôlego. O eleitorado se desiludiu com discursos que não se traduzem em resultados concretos. O exemplo mais eloquente é o ex-juiz Wilson Witzel, que chegou ao Palácio Guanabara numa ascensão meteórica e, com menos de dois anos no governo do Rio, foi afastado e enfrenta um processo de impeachment, acusado de corrupção.

Música | Dominguinhos + Hamilton de Holanda + Mayra Andrade + Yamandu Costa [Lamento Sertanejo

 

Poesia | Vinicius de Moraes - O velho e a flor

Por céus e mares eu andei,
Vi um poeta e vi um rei
Na esperança de saber
O que é o amor.

Ninguém sabia me dizer,
Eu já queria até morrer
Quando um velhinho
Com uma flor assim falou:

O amor é o carinho,
É o espinho que não se vê em cada flor.
É a vida quando
Chega sangrando aberta
em pétalas de amor.