Ex-governador diz que apoiará colega se houver 'unidade' e acha que PT pode lançar Lula se achar que Dilma corre risco
Fernando Rodrigues
BRASÍLIA - Embora ainda se apresente como pré-candidato a presidente pelo PSDB, José Serra faz agora uma inflexão no seu discurso. Diz que vai trabalhar a favor da unidade do partido, "com quem for o candidato", ele ou o senador tucano Aécio Neves (MG).
"É a minha grande aspiração, que o PSDB esteja unido. Com quem for o candidato", afirmou em entrevista à Folha e ao UOL. Mas fará campanha a favor de Aécio? "Farei, farei, trabalharei para que a haja unidade, primeiro. E segundo, havendo unidade, para que a unidade se projete na campanha".
A declaração de Serra, é claro, pode ser interpretada com ressalvas. Por exemplo, quando ele diz que trabalhará pelo mineiro "havendo unidade". Adversários podem enxergar insinceridade no apoio prometido a Aécio. Mas o tucano poderia ter tergiversado quando indagado sobre se faria campanha para o colega. Preferiu ser direto.
Trata-se de uma mudança em relação ao tom quase beligerante das últimas semanas, quando o paulista passou a viajar pelo país para se apresentar como alternativa a Aécio, hoje o favorito para ser o candidato do PSDB.
E quem seria mais de esquerda, Serra ou Aécio? O paulista explicou que a trajetória de vida dos dois é muito diferente. Mas ele estaria à direita ou à esquerda do mineiro? "À direita, não estou". Ao final, afirmou que ambos são "progressistas". A seguir, leia trechos da entrevista:
Folha/UOL - Há no Senado um projeto propondo autonomia completa para o Banco Central. Qual é a sua posição?
José Serra - Sou contra. O Banco Central já tem, na prática, autonomia operacional. Se você torna o presidente do BC imune, passa a ser um outro poder. Se ele tiver um mau desempenho, o processo de retirar é muito complexo. Vai desestabilizar a economia. Fernando Henrique não pensa diferente. Tenho a impressão que o Aécio [Neves] também não pensa diferente.
Lula fez críticas a Marina Silva por ela ter reconhecido o papel de FHC na estabilização da economia. É tática eleitoral?
Sem dúvida, sem dúvida.
Lula e o PT têm sido exitosos com essa tática. Por quê?
Porque são bons nesse ramo. No ramo de marketing o PT é bom, e o PSDB não é bom. Outras forças de oposição também não são.
Mas é só marketing?
Você quer um exemplo? O Fome Zero. Fome Zero nunca existiu. Se você fizer uma pesquisa hoje e for avaliar o Fome Zero, a avaliação é positiva. Ou seja, é marketing. A oposição tem de aprender. Tem que saber apresentar.
O sr. disputará a indicação para ser candidato a presidente?
O PSDB, por acordo, ficou de decidir isso mais adiante. Em março, a partir de março do ano que vem. Tenho seguido um pouco essa decisão. Aí vamos ver qual é a situação.
O sr. quase saiu do PSDB?
Era uma hipótese. Mas concluí minha análise achando que eu posso contribuir mais dentro do PSDB.
Há um acordo no PSDB sobre como definir o candidato. Quais serão os critérios?
As circunstâncias. As outras candidaturas. Hoje, nenhum partido definiu de fato. O que aconteceu com Marina Silva e Eduardo Campos era inteiramente imprevisível.
Em março, o desempenho em pesquisas será relevante?
Sempre é. Embora tenha que se fazer ponderações. É normal que tanto o nome da Marina quanto o meu tenha um nível mais alto que os outros porque disputamos eleição presidencial. Em princípio isso não é um fator decisivo. Os outros candidatos podem crescer.
Como deve ser o processo?
Terá que haver conversas entre dirigentes. Auscultar o partido. Formalmente, a convenção é em junho.
Mas e em março?
Em março, a partir de março, se se achar que não tenha condições de maturidade para se tomar uma decisão.
É possível uma chapa presidencial do PSDB composta com Aécio Neves e José Serra?
Não temos candidato ainda. Imagine escolher vice a esta altura. Decidir que vice é do PSDB sem ter o quadro dos aliados já definido.
Se Aécio for o candidato a presidente, o PSDB e o sr. estarão unidos em torno dele?
É a minha grande aspiração, que o PSDB esteja unido. Com quem for o candidato. E eu trabalharei para isso, não tenha dúvida.
Fará campanha, de maneira incessante, a favor de Aécio?
Farei, farei. Trabalharei para que a haja unidade, primeiro. E segundo, havendo unidade, para que a unidade se projete na campanha.
Acha que Aécio fez campanha para o sr. com a intensidade que deveria ter feito em 2010?
Ele fez campanha me apoiando, segundo a estratégia que adotaram em Minas, inclusive no segundo turno.
Qual estratégia?
De ganhar eleição no governo estadual. Isso sempre é um fator que se impõe. Para deixar bem claro: eu não perdi a eleição porque podia ter tido mais votos em Minas. A derrota em 2010 foi porque tudo crescia 10% --a massa de salários, o crédito ao consumo. Foi um período de euforia, com o governo Lula lá nas nuvens de avaliação.
Qual dos dois, Aécio ou Serra, estaria mais à esquerda hoje?
Engraçada a pergunta. Acho que categoria esquerda-direita já é meio batida.
O sr. está à esquerda ou à direita de Aécio?
À direita, não estou.
À esquerda?
Depende do ângulo que se olhe. Tenho uma biografia de militância de esquerda longa. São histórias diferentes, difíceis de comparar. Não dá para comparar banana com laranja. São formações diferentes, perfis diferentes, personalidades diferentes. É muito difícil. Acho que ambos somos, para usar um termo genérico, progressistas.
Se não for candidato a presidente, o que pretende fazer? Disputar uma vaga ao Senado?
Tem diversas possibilidades. Não me detive a analisar nenhuma.
Lula ainda pode vir a ser candidato a presidente, em 2014?
Parece-me que sim. Quando você pega avaliações de governo, em geral não dá uma diferença grande entre a taxa de aprovação e desaprovação [do governo]. E acima de tudo, qualquer pesquisa mostra desejo de mudança. O indicador de que a disputa vai ser acirrada é o fato de que o pessoal quer mudança.
Por que Lula poderia substituir Dilma?
O PT não quer perder o poder de jeito nenhum. Sabe por quê? Porque se misturaram com o poder. O PT se apossou do governo e deixou uma parte para os aliados. Toda a máquina está confundida com o governo. É questão de sobrevivência. Vão fazer tudo para ganhar. Se os dados apontarem que Dilma não será capaz de ganhar no primeiro turno, o PT não vai correr o risco. Um segundo turno para ela é arriscadíssimo.
Quem é mais competitivo: Campos ou Marina Silva?
Hoje seria a Marina do ponto de vista da análise política.
Metrô de São Paulo. Um e-mail da Siemens indica que o sr. teria sugerido um acordo em uma licitação da CPTM para evitar disputas judiciais. Foi uma atitude correta?
O que houve foi outra coisa. Atuei contra o cartel porque ganhou uma empresa com um preço mais baixo e as que ganharam com preço mais alto queriam derrubar a primeira. Eu disse: Se derrubarem, se forem para Justiça e derrubarem, eu refaço a concorrência. Eu não vou dar para o segundo colocado'. Foi uma posição anticartel.
Fonte: Folha de S. Paulo