sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Endosso de Lula é agressão injusta a Israel

O Globo

Acusação sul-africana por violação da Convenção do Genocídio é frágil e não condiz com tradição brasileira

Foi lastimável a adesão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à petição apresentada pela África do Sul à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia, acusando Israel de ações e omissões de “caráter genocida” na guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza. Ao atender ao pedido do embaixador palestino no Brasil, Lula viola a tradição de equilíbrio da diplomacia brasileira, banaliza uma acusação que só deveria ser feita com a maior parcimônia, em atitude que fortalece a vertente mais insidiosa do antissemitismo contemporâneo.

No caso apresentado em Haia, os sul-africanos acusam Israel de ter “falhado ao prevenir genocídio” e ao coibir a “incitação pública ao genocídio”. “Com mais gravidade, Israel se engajou, está engajado e arrisca engajar-se ainda mais em atos genocidas contra o povo palestino em Gaza”, afirma a petição. A acusação é embasada pela contabilidade das mortes na guerra, pela descrição do sofrimento atroz a que tem sido submetida a população palestina e por uma sucessão de declarações de autoridades e personalidades israelenses a que se atribui “intenção genocida”.

José de Souza Martins* - Enfim, pardos?

Valor Econômico

Os números do Censo sugerem uma situação em que a maioria da população não se reconhece nas autodefinições raciais da ideologia de afirmação identitária

O Censo Demográfico de 2022 revelou que a maioria dos brasileiros é parda (45,3%) e não branca (43,5%), como supõem os brancos, nem preta (10,2%), como passaram a supor os pretos com as redefinições identitárias das últimas décadas.

Que a pequena diferença percentual entre pardos e brancos (1,8%) não esconda que há quase 4 milhões mais pardos que brancos. Como há 4,5 pardos para cada preto. Os números do Censo sugerem uma situação em que a maioria da população não se reconhece nas autodefinições raciais da ideologia de afirmação identitária.

O que deve acarretar tensões nessa questão. Para os pretos no desafio de reconhecer que a diferenciação por cor da sociedade brasileira é diferente da suposta e que há dela outras vítimas ainda que de injustiças substantivamente diferentes das que tão acentuadamente alcança o preto.

Joseph Stiglitz* - A vitória antitruste de Biden

Valor Econômico

Novas diretrizes impõem limites importantes para garantir concorrência

A concorrência é o que faz os mercados funcionarem (quando funcionam como devem). Mas as empresas não gostam de concorrência porque ela tende a reduzir os lucros. Para o empresário típico, cujo objetivo é obter ganhos acima da taxa normal de retorno sobre o capital investido, isso não tem graça. Como observou Adam Smith há 250 anos: “Pessoas do mesmo ramo raramente se reúnem, mesmo para festejos ou diversão, mas [quando o fazem] a conversa termina numa conspiração contra o público ou em alguma trama para elevar preços”.

Há pelo menos 130 anos, o governo dos Estados Unidos tem tentado garantir a concorrência no mercado. Isso, no entanto, tem sido uma batalha constante. As empresas estão sempre a inventar novas maneiras de contornar a concorrência; seus advogados estão sempre a imaginar novos métodos para evitar o alcance da lei; e o governo não tem conseguido acompanhar o ritmo dessas práticas e, muito menos, o dos rápidos avanços da tecnologia.

Fabio Giambiagi - Por uma fusão autônoma

O Globo

A união evitaria dois males: ter como núcleo de oposição uma seita de fanáticos e deixar o PT como único polo de poder

Na Espanha, o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) são organizações políticas com perfil claramente definido. O mesmo vale para a social-democracia e a democracia cristã alemã ou para partidos análogos em Portugal. Nesse sentido, o único partido de verdade que sobrou no Brasil é o PT.

Um país, porém, precisa ter o bom debate. O bolsonarismo é uma distorção aberrante que surgiu na política brasileira em 2018 e torço para que, assim como surgiu, se dilua, pois só trouxe desordem, grosseria e caos onde antes havia certa racionalidade.

Por outro lado, julgar que os partidos que compõem o Centrão refletem uma concepção liberal do país é uma manifestação de humor, haja vista o pragmatismo que rege o comportamento desses partidos. A questão é: quem fará o embate político e ideológico contra o PT?

Gilberto Kassab — um dos políticos mais argutos do Brasil — disse certa vez, em tom de pilhéria, que seu partido — o PSD — não era “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”. Eu me permitiria discordar, de certa forma, dessa interpretação, por considerar que o partido é, simultaneamente, “de direita, de esquerda e de centro”.

Pedro Doria - Liberdade de expressão não é o problema

O Globo

Algoritmos de IA, cuidadosamente desenvolvidos para exibir propaganda, escolhem quem tem voz e quem não tem

O bolsonarismo não está mais no poder. O risco de golpe de Estado passou. Precisamos aproveitar o momento de estabilidade institucional, democrática, para discutir mais a sério a questão da liberdade de expressão. Faz parte do alicerce de qualquer democracia dar espaço muito, muito amplo ao debate. Não quer dizer que não existam limites. A Alemanha impõe limites ao nazismo — e defende esses limites com sua própria História. A conversa sobre o que, como sociedade, devemos tolerar que seja dito volta à tona à medida que tornamos a falar de regular as redes sociais.

E, no entanto, talvez seja uma conversa deslocada. Talvez o problema que as redes criam não esteja no que pode ou não ser dito. Depois de 21 anos de uma ditadura horrorosa, quando celebramos a promulgação da Constituição de 1988, poucas coisas foram mais festejadas que o artigo 5º, inciso IV, parágrafo IV: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. É uma cláusula pétrea logo reforçada pelo artigo 220: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Vera Magalhães - Porta giratória STF-governo

O Globo

Necessidade de ter um canal permanente com o Supremo para se blindar de derrotas no Congresso deixa até segurança pública em segundo plano

Quando Jair Bolsonaro anunciou, orgulhoso, que indicaria alguém “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal, e quando, meses depois, cumpriu a promessa indicando seu então ministro da Justiça, André Mendonça, o mundo caiu, com razão. Ser evangélico — ou católico, espírita, agnóstico — não é condição para integrar a mais alta Corte de Justiça do país.

Nesta quinta-feira, ao formalizar o que não deixa de ser uma triangulação não direta, com a ida de Flávio Dino para o STF e a “vinda” de Ricardo Lewandowski para o Ministério da Justiça, em seu lugar, meses depois de ele se aposentar do mesmo Supremo, Lula louvou o fato de ter mandado um político para a Corte, justamente a pecha que os adversários da indicação do maranhense mais combateram. De novo: não está naqueles atributos listados pela Constituição ser político, e a mistura de magistratura e política tem se mostrado bastante espinhosa nos últimos anos.

Flávia Oliveira - Guinada na Justiça

O Globo

Sai Flávio Dino, o combativo, entra Ricardo Lewandowski, o apaziguador

O presidente da República formalizou a sucessão no Ministério da Justiça (MJ). Sai Flávio Dino, o combativo, entra Ricardo Lewandowski, o apaziguador. O que sobra em um, falta em outro. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal parece ser o que Luiz Inácio Lula da Silva deseja para, sem deixar de participar da política de segurança pública, não fazer do governo federal protagonista — e, por conseguinte, responsável por todos os problemas de uma área que preocupa imensamente os brasileiros, envolve atribuições de governadores e não tem solução fácil.

A dupla Dino e Ricardo Cappelli, o secretário executivo com ares de xerife, teve papel fundamental na reação aos atos golpistas de um ano atrás e, logo depois, na transição do Gabinete de Segurança Institucional. Estão inscritos na galeria dos que seguraram a democracia na unha, em que também figuram Lula, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, a ex-presidente do Supremo Rosa Weber, e a primeira-dama, Rosângela (Janja) da Silva, entre outros.

César Felício - Equador é um alerta para Lewandowski

Valor Econômico

Caso equatoriano mostra que o descontrole do Estado no combate à criminalidade leva a uma ameaça ao sistema democrático

O colapso do Equador pode servir como um alerta para o futuro ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, uma vez que o magistrado aposentado deve manter em sua pasta a área da segurança pública. O caso equatoriano mostra que o descontrole do Estado no combate à criminalidade leva a uma ameaça ao sistema democrático e abre portas para uma possível autocracia.

A rebelião de presídios que marcou o 8 de janeiro do Equador não é o primeiro capítulo do livro. O presidente Daniel Noboa já havia proposto uma consulta popular com uma série de pontos que, referendados, colocam as Forças Armadas no centro do tabuleiro político.

Os equatorianos terão que responder se as Forças Armadas passam a ter como função não apenas a proteção contra ameaças externas mas também a prevenção e a erradicação de atividades criminosas. Militares podem ganhar também foro privilegiado. Responderão em liberdade pelas mortes em ações letais.

Laura Karpuska* - O grande ano eleitoral

O Estado de S. Paulo

Compilação indica que teremos eleições em pelo menos 76 países neste ano, Brasil incluso

Por uma coincidência de calendário, metade dos cidadãos do mundo deve ir às urnas neste ano para escolher seus representantes. O tema será tão debatido que o Estadão preparou uma série especial para cobrir o ano eleitoral. Temos desde Donald Trump voltando depois de ter perdido a reeleição para desafiar o agora incumbente Joe Biden, passando por eleições em Taiwan que explicitam a tensão geopolítica com a China até eleições supranacionais para o Parlamento Europeu. Bangladesh iniciou o calendário eleitoral agora no último dia 7 de janeiro.

A revista The Economist listou 76 países que terão eleições neste ano. Destes, a revista categorizou 43 como tendo eleições justas e livres, elencando falhas em sistemas eleitorais mesmo nos países bem ranqueados, como nos Estados Unidos.

Eliane Cantanhêde – ‘Ano primoroso’

O Estado de S. Paulo

Equador é um alerta e Lewandowski precisa ser mais ministro da Segurança do que da Justiça. Será?

O presidente Lula acenou com um “ano primoroso neste país”, durante o anúncio do novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o que já era esperado, mas vamos convir que o terceiro mandato está muito mais difícil do que os dois anteriores e os desafios em 2024 são imensos, inclusive na política externa, com várias frentes explosivas, como o ambiente de guerra civil no Equador, e Lula vem tropeçando e causando tensões desnecessárias, não só para ele, mas para o Brasil, ao se manifestar sobre questões internacionais.

Em reunião com o representante da Palestina no Brasil, Lula anunciou apoio à ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça de Haia pedindo cessar-fogo imediato de Israel em Gaza e citando genocídio. O julgamento da Corte começou ontem, e a resposta da comunidade judaica foi rápida, condenando e considerando “frustrante” a posição do governo brasileiro, que deve enfrentar críticas dos Estados Unidos, além, claro, de Israel.

Simon Schwartzman* - A grande calmaria

O Estado de S. Paulo

Com sorte, pode ser que o navio não afunde, embora seja certo que dificilmente enfunará as velas

O Brasil está uma maravilha, neste início de ano, com inflação e desemprego em queda, a bolsa subindo, PIB crescendo a quase 3% ao ano, e o Congresso aprovando a reforma tributária, saudada por quase todos como revolucionária. E 2023 culminou com churrasco de confraternização na Granja do Torto com a presença do presidente do Banco Central, que o presidente Lula da Silva pouco antes acusava de sabotar a economia. Apesar das comemorações desta semana, é difícil lembrar que, um ano atrás, o País parecia rachado em dois extremos que se odiavam, com tentativa de golpe de Estado, as contas públicas em frangalhos, e o Congresso mais conservador já eleito na história, ameaçando tratar o Executivo a pão e água.

Dois fatores parecem explicar esta reviravolta. Primeiro, a entrada inesperada de grande volume de recursos, graças ao fortalecimento do mercado internacional de commodities, melhoria da economia americana e perspectiva de arrecadação extraordinária de impostos de petróleo e gás. Segundo, a grande conciliação das elites políticas, com a desmontagem da Lava Jato promovida pelo Judiciário e a entrega de grande parte do Orçamento público para o Congresso comandado pelo Centrão, iniciadas no governo Jair Bolsonaro e continuadas no primeiro ano do governo Lula.

Almir Pazzianotto Pinto - Medida provisória, remédio autoritário

Correio Braziliense

A MP — filha bastarda do decreto-lei, fartamente utilizado durante o Estado Novo e o Regime Militar — foi gerada no seio da Assembleia Nacional Constituinte em nome da governabilidade

Diz a sabedoria do homem do interior que, com o passar dos anos, o animal se habitua à cangalha. O velho adágio se aplica à medida provisória, recurso antidemocrático extremo, permitido pela Constituição para casos de relevância e urgência, ou de urgência relevante, pelo indisfarçável caráter autoritário de que se reveste. É triste, mas, com o passar dos anos, vamos nos habituando ao arbítrio das medidas provisórias.

Nunca é demais relembrar que são três os Poderes da União, independentes e harmônicos entre si: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, conforme prescreve o Art. 2º da Lei Fundamental. Poderes independentes e harmônicos. Vale dizer que um não se subordina ao outro e, entre eles, é essencial que exerçam as respectivas competências em ambiente de respeito e harmonia, obedientes a pesos e contrapesos constitucionais.

A medida provisória — filha bastarda do decreto-lei, fartamente utilizado durante o Estado Novo e o Regime Militar — foi gerada no seio da Assembleia Nacional Constituinte em nome da governabilidade. A expressão significa, segundo o Dicionário Houaiss, "situação em que as instituições funcionam bem, existe tranquilidade política e suficiente estabilidade financeira para que o governo possa governar".

Hélio Schwartsman - O preço da ilegalidade

Folha de S. Paulo

Equador sucumbe diante da força do tráfico, que se tornou atividade globalizada

Até poucos anos atrás, o Equador não era um país muito violento. Em 2016, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes ali registrada foi de 6. Não chega a ser um índice europeu, mas o Equador aparecia no pelotão de frente dos países mais pacíficos da América do Sul. Em 2022, a cifra saltou para 26 por 100 mil. A principal explicação para o fenômeno é o fortalecimento dos cartéis de tráfico de drogas que ali passaram a operar.

Marcos Augusto Gonçalves - Vale a pena acabar com a reeleição?

Folha de S. Paulo

PEC tardia e duvidosa de Pacheco coincide com 'mea culpa' de FHC

Em 1997, o Congresso aprovou a emenda à Constituição que estabeleceu o direito à reeleição para ocupantes do Executivo. A legislação não ganhou prazo mais longo para entrar em vigor. Passou a valer para o pleito seguinte. O maior beneficiado foi o presidente Fernando Henrique Cardoso, eleito antes de a Carta prever essa segunda chance.

Convenhamos que mudar as regras do jogo eleitoral da maneira que se fez, contemplando um governante no poder, não atende às melhores práticas democráticas.

Bruno Boghossian - Lula escolheu governar com o Supremo

Folha de S. Paulo

Com Lewandowski e Dino, presidente estreita aliança para se contrapor a um Congresso indócil

Lula descreveu Flávio Dino e Ricardo Lewandowski como uma dupla. Ao comentar a ida de Dino para o STF, ele afirmou que o tribunal teria "um ministro com a cabeça política". Nem foi preciso completar o raciocínio: para o Ministério da Justiça, o presidente optou por alguém com a cabeça de ministro do STF.

A nomeação de Lewandowski reforça o entendimento de que Lula escolheu governar com o Supremo. Com a entrada de um ex-integrante da corte no primeiro escalão, o presidente estreita uma aliança com a qual espera garantir estabilidade e se contrapor a um Congresso poderoso e frequentemente indócil.

Ruy Castro - Dá para viver sem?

Folha de S. Paulo

Macumba agora é uma palavra pejorativa. Mas será enxotando-a da língua que iremos reabilitá-la?

Ziquizira inesperada no equipamento me levou a chamar meu técnico em computador. Diante da emergência, ele se despencou. Clicando em velocidade, fez todas aquelas operações em que milhares de letrinhas correm pela tela, produzindo silvos e apitos, e, quando pensei que iria se meter fisicamente pelas entranhas do bicho, ele anunciou: "Prontinho. Resolvido". Aliviado, bufei: "O que era? Isso nunca aconteceu antes! Como se explica?". Ele respondeu: "Não tem explicação. Você pensa que computador é só matemática. É macumba também".

Poesia | Parolagem da Vida - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | O Homem da Meia Noite - Alceu Valença