Sei que o título desta coluna, embora fale
de urna, não é sedutor, pelo déficit de esperança que aparentemente carrega. De
fato, observado o que ocorre e o que pode ocorrer na política brasileira, vejo
que o melhor futuro do presente é ser um presente contínuo. Explico: a terra
mais firme à vista é uma ilha ameaçada por lavas de vulcão ainda durante um
tempo indeterminado. Mas ilha ao menos um pouco mais distante da porta do
inferno, onde nos encontramos agora. A expectativa otimista e, ao mesmo tempo,
razoável é que haja eleições normais, que o resultado do pleito presidencial se
oponha ao de 2018 e que ele prevaleça contra ações golpistas, que já se
encontram em fase avançada de testes. A seguir tentarei argumentar que esse
pouco não é só mais do mesmo. Portanto, deve nos incitar a agir. Dentro dos
estreitos limites em que o Brasil respira, é um horizonte esperançoso, sem ser
delirante.
Começo contando como assisti Gilberto Gil,
nosso mais recente imortal, apresentar-se, na última sexta-feira, 29, na Concha
Acústica do Teatro Castro Alves. Show a ser guardado na memória. Primor de
tempestividade política sem pronunciamento que a formalizasse. Escolheu a dedo,
para o começo, um repertório que a maioria da plateia ouviu e cantou sentada, o
que já foi – tratando-se de Gil, cantando na Bahia – um sinal de que a noite não
seria trivial. Quem tem mais de 60 anos, mais perto ou além dos 70, ouviu e viu
o artista como se sua voz ainda tivesse a potência exortadora dos seus vinte e
poucos anos. Tempo de sombras, então desafiados, agora evocados por Gil,
cantando como quem dá um recado. Esse começo durou sete ou oito músicas, o
introito acabou e ele subiu ao palco para valer. A comunicação direta com o
momento coletivo mostrou aquele senhor artista cheirando a talco compartilhando
com o seu público de todas as idades, agora de pé, o desejo de ver o inferno
fora daqui! Nesse grito não havia crença nem programa, apenas desejo,
necessidade e vontade titânicos de alívio do momento opressivo.