segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Opinião do dia: Rodrigo Janot

[...] A sociedade brasileira tem diante de si uma grave afronta à ordem constitucional e republicana [...]. Pelo até aqui apurado, o uso de apoio político deixou de ser empenhado em razão de propostas ou programas de partido. As coalizões deixaram de ocorrer em razão de afinidades políticas e passaram a ser decididas em razão do pagamento de somas desviadas da sociedade, utilizando-se, para tanto, de pessoa jurídica [Petrobras] que, até o início da operação policial, gozava de sólida reputação no mercado financeiro mundial.
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Rodrigo Janot, em referência às investigações da Lava Jato e à construção de um sistema de poder lulopetista, “O Estado de S. Paulo”, 13 de fevereiro de 2016

Lava-Jato critica alteração em MP que poupou empresas

O procurador da Lava-Jato Carlos Fernando Lima criticou alterações na medida provisória sobre os acordos de leniência que livraram empresas de punições, como revelou O GLOBO. Para ele, as mudanças mostram que o governo quer “facilitar a vida das empreiteiras” envolvidas em corrupção.

Procurador critica mudanças em MP

• Para Carlos Fernando Lima, da Lava- Jato, alterações facilitam a vida de empreiteiras

Roberta Scrivano, Tiago Dantas, Simone Iglesias André Souza - O Globo

- SÃO PAULO e BRASÍLIA- As mudanças feitas na medida provisória dos acordos de leniência antes de sua publicação, reveladas ontem pelo GLOBO, mostram que o governo federal tinha o objetivo de "facilitar a vida das empreiteiras" envolvidas em esquemas de corrupção. A opinião é de um dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador Carlos Fernando Lima, para quem o Brasil “finge que pune" quem descumpre a lei. Dois pontos foram retirados: o que tratava de reparação integral de danos e o que previa afastamento de dirigentes por até cinco anos.

— Vivemos num país de faz de conta. Fingimos que vamos punir, que vamos fazer a coisa certa, mas realmente não é esse o objetivo. Por trás dessa tramitação, houve grande influência das empreiteiras. Não tenho dúvida que o objetivo dessas alterações foi facilitar a vida dessas empreiteiras — disse o procurador.

Para Lima, a MP torna fácil o caminho para as empresas assinarem acordos de leniência logo no início das investigações. Como a lei não as obriga a fornecerem documentos que comprovem novos crimes, a apuração pode emperrar, na opinião do procurador:

— Essa MP prejudica todo o futuro de combate à corrupção no Brasil. Pode matar qualquer investigação no início. Imagina se a lei estivesse valendo dois anos atrás e a gente parasse no Paulo Roberto Costa (ex-diretor da Petrobras)? O que poderia deixar de ser descoberto se fosse feito um acordo rápido, como a medida provisória permite?

Já o advogado Rafael Valim, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura, avalia que está sendo feito muito barulho em torno de uma alteração na lei que segue tendências mundiais. Para ele, apesar das mudanças, as empresas que assinarem acordos de leniência continuarão pagando multas à União para repor o dano que causaram:

— Apesar de todo esse alvoroço, essa alteração é uma tendência mundial e segue o que a União Europeia fez em 2014.

O Tribunal de Contas da União (TCU) vê com resistência a MP. Ministros criticaram o fato de o órgão perder a função de acompanhar cada passo da negociação, podendo apenas averiguar ao fim se o processo foi bem conduzido. Há restrições também à desobrigação de as empresas admitirem prática de crime para aderirem ao acordo de leniência. Para o ministro do TCU, Bruno Dantas, a MP deve ser analisada com muita cautela porque flexibiliza normas adotadas internacionalmente:

— Pode- se até alegar boa-fé, mas o que se observa é uma tentativa desastrada de acelerar acordos de leniência a qualquer custo, sem a mínima garantia de efetividade do resultado final.

Ele afirmou que a MP amplia a insegurança jurídica, na medida em que limita a participação de dois órgãos fundamentais de fiscalização e acompanhamento, o Ministério Público e o TCU que, segundo ele, têm ação garantida pela Constituição. Acrescentou que a MP se concentrou na cessação da proibição de contratar com o poder público.

— Ela ignora que em países com larga tradição de utilização deste instituto, a restituição integral do dano e o desconto na multa são os eixos centrais do acordo — completou o ministro do TCU.

Já o ministro interino da Controladoria-Geral da União (CGU), Carlos Higino, defendeu a medida provisória. Ele destacou que a lei alterada pela MP já tinha um artigo prevendo a reparação integral e que esse trecho não foi removido. Assim, avalia, continua a obrigatoriedade de as empresas que firmarem acordo de ressarcir todos os recursos públicos desviados:

— A reparação integral continua sendo obrigação. Se você abrir o texto da lei, o parágrafo 3 º do artigo 16 continua intacto com a medida provisória. E ele diz que o acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano. Então essa informação não é verdadeira. 

CGU: MP não isenta dirigentes
Ele sustentou que a medida provisória traz aperfeiçoamentos à lei. O ministro alegou também que a MP não isenta os dirigentes das empresas de serem punidos pela Justiça, conforme avaliação de integrantes do Ministério Público.

— O artigo terceiro da lei continuou intacto. Ele diz: "A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito". E aí no parágrafo primeiro, diz que "a pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput" — afirmou.

Em recente entrevista ao GLOBO, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que atrelar os dois campos de investigação é inibir um acordo de leniência e jogar uma empresa numa situação falimentar com danos para a sociedade:

— Temos que diferenciar muito claramente pessoas físicas e jurídicas. Podemos investigar as pessoas físicas, como tem sido feito, sem que efetivamente você force que a empresa seja levada para um caminho em que ela não tem saída do ponto de vista empresarial. São duas coisas separadas.

PT aposta em novo TSE para salvar Dilma de cassação

Márcio Falcão, Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto e o PT apostam em mudanças na composição do plenário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para arrastar a análise dos processos de cassação da presidente Dilma Rousseff e de seu vice, Michel Temer, e beneficiá-los no julgamento.

A primeira dança das cadeiras esperada é a saída do atual presidente do TSE e ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli. A outra é uma possível mudança na relatoria do principal pedido de perda de mandato, o que prolongaria a conclusão do caso.

Toffoli deixará o comando da Justiça Eleitoral no dia 13 de maio, e o TSE no fim do mês, quando será substituído pela ministra do STF Rosa Weber, considerada mais técnica e menos afeita a "paixões partidárias", nas palavras de auxiliares da presidente.

No TSE, espera-se que os petistas tentem empurrar a votação de processos ao menos até essa troca. A estratégia seria pedir depoimentos e diligências, atrasando com isso a conclusão das ações.

Dilma e Temer são alvos de quatro processos que podem levá-los à perda de mandato. A oposição os acusa de abuso de poder econômico e político e aponta suspeitas de que a campanha da reeleição tenha usado recursos desviados da Petrobras.

Nos bastidores, membros do governo reclamam de que Toffoli teria se afastado do Planalto e de que ele faz dobradinha com o colega Gilmar Mendes, que é um dos principais críticos das gestões petistas e assumirá a presidência da Justiça Eleitoral neste ano.

Para o governo, o afastamento de Toffoli cresceu desde o julgamento do mensalão, em 2012. Na ocasião, o ministro, que foi advogado-geral da União no governo Lula, votou pela condenação do ex-presidente do PT e ex-deputado federal José Genoino (SP).

Pelos cálculos governistas, a Aime (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo), principal ação contra Dilma e Temer, deve trocar de relatoria antes de ir a plenário.

O mandato da ministra Maria Thereza Moura, que é responsável por três processos, termina em setembro. O relator substituto ainda terá que ser discutido pelo TSE. Os ministros decidirão se as quatro ações tramitarão juntas e se ficarão ligadas à Corregedoria ou ao gabinete da ministra.

Moro
O site da "Veja" revelou, neste domingo (13), que, em ofício ao TSE, o juiz Sergio Moro afirmou que uma sentença sua, no âmbito da Operação Lava Jato, comprovou o repasse de propinas da Petrobras para campanhas eleitorais e recomendou à corte que ouvisse delatores do caso.

O ofício foi enviado em outubro do ano passado. Em dezembro, o juiz repassou dados da Lava Jato ao TSE.

Oposição aposta em desgaste de Lula para tentar reacender impeachment

• Líderes de PSDB e DEM vão tentar convocar ex-presidente na recém-criada CPI do Carf na Câmara com objetivo de criar clima político favorável à retomada do impedimento de Dilma

Carla Araújo e Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Com o início efetivo dos trabalhos do Congresso esta semana, a oposição pretende explorar o avanço das investigações que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar desgastá-lo, enfraquecer o nome do petista como candidato ao Palácio do Planalto em 2018 e ainda reacender o debate sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff, seja pela via do impeachment ou por uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de cassação da chapa composta com o vice-presidente Michel Temer (PMDB).

A primeira iniciativa concreta da estratégia será propor a convocação de Lula para depor na CPI que investigará denúncias de fraudes contra a Receita Federal por bancos e grandes empresas, mediante supostos pagamentos de propinas para manipular os julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em casos de sonegação fiscal. A criação da CPI foi autorizada no início do mês pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adversário do governo Dilma.

O líder da oposição, Miguel Haddad (PSDB-SP), diz que a convocação “é o único e mais eficiente instrumento” à disposição dos parlamentares para investigar o petista. “É uma oportunidade de Lula se explicar. É uma obrigação de quem tem cargo público ou já ocupou, ainda mais quando é um ex-presidente”.

O novo líder do DEM na Câmara, Pauderney Avelino (AM), diz que a convocação do ex-presidente é fundamental para mostrar que Lula “não está acima do bem e do mal”. “O ex-presidente é um cidadão como outro qualquer, tem que dar explicações à sociedade”, afirma. O líder do PPS na Casa, Rubens Bueno (PR), diz que, há muito tempo, Lula já deveria ter dado “respostas” à sociedade. “O esforço dele deveria ser para que tudo seja esclarecido. Se não quiser, vamos chamá-lo”.

Lula é alvo de uma série de apurações formais. A Operação Zelotes investiga, além das irregularidades no Carf, um esquema de “compra” de medidas provisórias em seu governo. O Ministério Público de São Paulo apura a suspeita de ocultação de patrimônio relacionada à compra de um tríplex no Guarujá, no litoral paulista. Lula admite ter visitado o imóvel com o então presidente da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, condenado à prisão, mas do nega ser proprietário do apartamento.

Para governistas, a criação da CPI do Carf é a primeira ofensiva clara de Cunha contra o governo neste ano. A aposta do Planalto e de aliados é, além de sair em defesa de Lula e Dilma no Congresso, avançar com a agenda econômica para sair da crise (leia texto abaixo).

O presidente da Câmara, desafeto do Planalto, nega afronta ao governo e afirma ter criado a comissão porque ela era a primeira da fila e tem fato determinado. Ele disse que o autor do requerimento de criação da CPI, João Carlos Bacelar (PR-BA), ficará com a relatoria da comissão. A presidência, disse, será escolhida após a eleição do líder do PMDB, marcada para quarta-feira – o cargo ficará com o bloco comandado pelos peemedebistas.

Limites. Cunha disse ao Estado que, do ponto de vista regimental, há impedimento para se convocar Lula porque a apuração que o envolve não consta do requerimento de criação da CPI. Ele avaliou, porém, que essa será uma decisão “política” da comissão de inquérito, caso o pedido vá à votação. “Mas acho que a base deverá impedir (a convocação)”, ponderou, sem dar opinião se concorda ou não com a convocação. “Não posso ter opinião sobre isso. Não será minha a decisão.”

Bacelar afirmou que a apuração envolvendo o ex-presidente não fez parte do pedido de criação da CPI. “Meu requerimento não foi específico do Lula nem do processo da compra de MPs”, limitou-se a declarar. Aliado do Palácio do Planalto, o atual líder do PMDB e candidato à recondução, Leonardo Picciani (RJ), disse considerar “cedo” para se falar em convocações na CPI.

A estratégia de utilizar CPIs para tentar desgastar Lula e o governo não é nova. No ano passado, quatro pedidos para convocá-lo na CPI do BNDES e dois para ouvi-lo na da Petrobrás não tiveram êxito.

Os oposicionistas também deverão usar as tribunas da Câmara e do Senado e cobrar explicações públicas do ex-presidente, que, antes do avanço das apurações, não era tão abertamente questionado. A intenção é respaldar as apurações em andamento.

A decisão de apostar em um desgaste de Lula pode ajudar a oposição a tentar resgatar a força do pedido de impeachment de Dilma, em suspenso por decisão do Superior Tribunal Federal (STF). Para o líder do DEM, o governo “se engana” ao achar que o movimento pelo afastamento de Dilma arrefeceu. “Lula e Dilma estão umbilicalmente ligados, não tem como separar”, avalia ele. “O ano de 2015 não terminou”, reforçou Rubens Bueno.

Lava-Jato: Sergio Moro sugere ao TSE que ouça delatores

- Valor Econômico

SÃO PAULO - Em ofício ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o juiz federal Sergio Moro afirmou que uma sentença sua, no âmbito da Operação Lava-Jato, comprovou o repasse de propinas para campanhas eleitorais e recomendou à Justiça Eleitoral que ouvisse delatores do caso.

A informação foi publicada no site da revista “Veja” neste domingo.

No TSE, há quatro ações quem pedem a cassação da coligação da presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer (PMDB). Todas foram enviadas pelo PSDB.

“Destaco que na sentença prolatada na ação penal 5012331-04.2015.404.7000 reputou-se comprovado o direcionamento de propinas acertadas no esquema criminoso da Petrobras para doações eleitorais registradas”, escreveu o juiz, em outubro passado.

O processo citado pelo juiz foi o que levou às condenações do ex-tesoureiro do PT João Vaccari e do ex-diretor da Petrobras Renato Duque.

“Saliento que os criminosos colaboradores Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Pedro José Barusco Filho, Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Milton Pascowitch e Ricardo Ribeiro Pessoa declararam que parte dos recursos acertados no esquema criminoso da Petrobras era destinada a doações eleitorais registradas e não-registradas”, relata Moro.

“Como os depoimentos abrangem diversos assuntos, seria talvez oportuno que fossem ouvidos diretamente pelo Tribunal Superior Eleitoral a fim de verificar se têm informações pertinentes.”

Em dezembro, Moro enviou à corte eleitoral dados da Operação Lava-Jato.

Entre os documentos estão um relatório da Polícia Federal sobre diálogos do dono da UTC, Ricardo Pessoa, e de um executivo da empreiteira, além de denúncias e sentenças ligadas às investigações.

Em sua delação, Pessoa afirmou que, em 2014, foi persuadido pelo ministro Edinho Silva (Comunicação), então tesoureiro da campanha à reeleição de Dilma, a aumentar as doações. Ele disse que foram acertados R$ 10 milhões, mas foram pagos R$ 7,5 milhões porque ele acabou preso na Lava Jato. O ministro nega a acusação.

Dilma Rousseff tenta evitar que o TSE admita os dados da Lava Jato como prova em pedidos de cassação contra ela no tribunal.

PSDB estuda proposta de diálogo com governo Dilma

Por Raymundo Costa – Valor Econômico

BRASÍLIA - No que depender do PSDB, o principal partido da oposição, o governo pode contar com apoio para discutir e até aprovar algumas das reformas que considera fundamentais, como a da Previdência Social. Ao contrário do que aconteceu ano passado, quando namorou com a irresponsabilidade fiscal e surpreendeu a própria militância, o partido agora pretende imprimir uma ação legislativa coerente com suas antigas bandeiras, especialmente aquelas que marcaram o governo nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).

O impeachment da presidente Dilma Rousseff também perdeu força dentro do PSDB, durante o recesso parlamentar, muito embora novo líder da bancada na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA), afirme que o partido continuará apostando no afastamento da presidente da República "tanto por dentro do Congresso, pelo impeachment, como dando foco mais forte ao pedido de impugnação em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".

Em férias, no contato com suas bases eleitorais, os tucanos registraram que a pressão para tirar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara é hoje maior que a pressão para o afastamento da presidente Dilma. Cunha, envolvido em três processos da Operação Lava-Jato e com a cabeça a prêmio no Supremo Tribunal Federal (STF) a pedido do Ministério Público Federal, é um desafio que o PSDB, mais dia, menos dia, terá de enfrentar, conforme reconhecem líderes tucanos.

"Tudo o que se faz para obter o impeachment da Dilma mais a força que ela faz para não sofrer o impeachment paralisa o país", diz o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, ex-ministro de FHC, ex-líder no Senado e dirigente histórico do PSDB. "Estamos enxugando gelo". Ele aproveitou uma viagem recente do ministro Aloizio Mercadante (Educação) a Manaus para propor o diálogo entre o governo e oposição a fim de discutir saídas para a crise econômica. Na opinião de Virgílio, a presidente não só tem o direito como o dever de propor uma agenda para a crise.

Outros líderes tucanos também conversaram no recesso parlamentar, entre os quais Tasso Jereissati (CE), o ex-deputado Arnaldo Madeira (SP), o ex-presidente FHC e o presidente do PSDB, Aécio Neves. Há convergência sobre o partido manter a coerência do discurso. Mas a proposta mais ousada é a do prefeito de Manaus. Para Virgílio não é possível fazer alguma mudança significativa "sem ter diálogo com quem governa". Nada de governo de união nacional, "todo mundo num barco só - é simplesmente uma pauta de reformas que tire esse país da crise rapidamente".

A pauta em torno da qual o PSDB se dispõe a conversar tem as reformas da Previdência, administrativa (que está mais na mão da presidente que do Congresso), tributária e trabalhista. O prefeito de Manaus, particularmente, incluiria uma atualização do capítulo da Constituição referente ao sistema financeiro e "de cara daria autonomia em lei para o Banco Central". A proposta tem a simpatia do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende colocá-la na pauta de votações deste ano, mas enfrenta resistência de tucanos de peso, como o senador José Serra, duas vezes candidato a presidente da República pelo PSDB, que é frontalmente contrário.

Antes de qualquer coisa, o PSDB quer ver as propostas do governo. A presidente tem falado na reforma da Previdência, mas como destaca o líder Imbassahy, até agora não fez uma proposta concreta. Há dúvida entre os tucanos que o faça, por causa das pressões que sofre do PT. A posição do partido no governo será chave para eventual êxito ou fracasso de uma conversa. A responsabilidade pela aprovação das reformas, argumentam os tucanos, é do PT e dos partidos da base, que detêm a maioria parlamentar. "Tem que ter o PT assinando", diz o líder Imbassahy. "Quem destruiu a economia foram o PT e a base. Eles estão há 13 anos no governo e só agora falam em reforma da Previdência. Que reforma? Ninguém sabe, estão mentindo para a população".

Imbassahy reclama que a presidente aponta apenas duas saídas para a crise: reforma da Previdência, que ela não diz qual é, e a reedição da CPMF para aumentar a Receita. "Não contem com a boa vontade do PSDB para aumentar impostos", diz. "Se o governo mandar medidas estruturantes, podemos colaborar, mas o PT precisa fazer a sua parte e não querer levar para fóruns. Não vamos entrar nesta cena".

O PSDB tem pesquisas mostrando que não é só a rejeição ao governo e aos principais líderes do PT que cresceu na crise. Também está aumentando a rejeição ao partido e a Aécio Neves, presidente do PSDB, candidato derrotado por Dilma em 2014 que no momento lidera as pesquisas à sucessão de 2018. Em São Paulo, segundo pesquisas em poder dos tucanos, nunca antes, neste século, a popularidade de um governante do PSDB esteve tão baixa como a de Geraldo Alckmin, no momento - o partido governa o Estado há mais de 20 anos.

A crise não faz distinção. A cúpula do PSDB diz não ter dúvida quanto à responsabilidade da crise - é do PT. Mas também reconhece que todos sofrem as consequências. Inclusive o PSDB, que no comando de Estados como São Paulo, Paraná, Pará, Goiás ou cidades como Manaus e Belém governa tanto ou mais brasileiros que o PT.

Para citar alguns exemplos, em Manaus, o prefeito Arthur Virgílio está às voltas com 35 mil demissões na Zona Franca, famílias que perderam o plano de saúde e certamente vão engrossar as filas do SUS; no Paraná, um estado em geral arrumado, o governador Beto Richa já baixou três pacotes de medidas para combater a crise; e o desemprego na Grande São Paulo já é o maior, pelo menos, desde 2009.

O PSDB surfa, mas não tanto quanto gostaria na desgraça dos adversários tragados pelo escândalo do Petrolão. Os tucanos avaliam que o PT tem sido competente porque, já que não consegue sair da lama, ajuda também a jogar o PSDB na lama junto com ele - Aécio na Lava-Jato, Máfia da Merenda, em São Paulo, denúncias de que o pré-candidato João Doria estaria comprando votos na prévia da disputa paulistana, os problemas de Beto Richa com a Educação. O PSDB não estaria servindo como contraponto. E a conclusão: só apontar o que está errado já deu. É preciso mais do que a política do quanto pior, melhor.

No começo de março o PSDB faz um seminário em Brasília para discutir a crise. O partido vai definir uma estratégia sobre ações como o ajuste fiscal. Antecipando-se à reunião, Aécio Neves propôs ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a criação de uma espécie de conselhão suprapartidário para organizar, estabelecer prioridades e tocar a pauta de votações e ajudar o país atravessar a crise, até a eleição de 2018. Renan prometeu levar em consideração a proposta e deve responder logo.

Enquanto isso, na retomada efetiva do Congresso, a partir de hoje, o PSDB vai evitar contradições com seu discurso no governo FHC. "Não dá para votar em pauta bomba, aumentar despesas, diminuir receitas, torcer para o quanto pior melhor. É como se disséssemos que, para tirar a Dilma, vamos queimar o país com ela dentro", diz um interlocutor de Aécio.

Na realidade, o próprio Aécio Neves falou contra o fator previdenciário, em discurso no Senado. O mecanismo foi introduzido na legislação no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em uma das reformas para acertar as contas da Previdência Social. Já na campanha eleitoral de 2014 Aécio dissera que o fator previdenciário punia de forma extremamente violenta os aposentados. Se eleito, prometia substituir o fator por outro mecanismo. Era campanha. O que chocou Fernando Henrique foi ver os tucanos acendendo pautas-bombas fiscais no ano passado e a defesa que amplos setores do PSDB fizeram do fim do fator previdenciário.

O prefeito Arthur Virgílio diz que a presidente "fará muito mal se ficar presa ao PT, ela fará melhor se resolver dialogar com a sociedade". Para o prefeito, as propostas em discussão não mexem em nada com o PSDB. "Era isso ou não era isso que nós queríamos no governo FHC? Era isso ou não que o PT não nos deixou fazer? Então eu pergunto, o que era bom naquela época que agora é ruim? Ah! O PT não deixou. E eu agora vou imitar o PT"?

PMDB usa eleição municipal para alavancar Skaf em 2018

Por Fernando Taquari – Valor Econômico

SÃO PAULO - O PMDB paulista quer aproveitar a eleição municipal de 2016 para pavimentar a candidatura do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, ao governo do Estado em 2018. Por isso o partido pretende lançar o maior número possível de candidatos a prefeito e vice-prefeito, sobretudo em cidades que sejam centros de regiões, cujas as inserções de 30s ao longo do dia durante a campanha eleitoral são reproduzidas em municípios menores do entorno que não tem um sinal próprio de TV.

Segundo colocado na campanha de 2014 para governador de São Paulo, Skaf deve aparecer em algumas dessas inserções como cabo eleitoral de candidatos e prefeitos que concorrem à reeleição em 2016. A ideia ganhou fôlego no PMDB paulista depois que um levantamento do instituto Paraná Pesquisas mostrou o presidente da Fiesp bem posicionado na corrida pelo Palácio dos Bandeirantes. Skaf lidera em um cenário com o senador Aloysio Nunes Ferreira como candidato do PSDB e fica em segundo quando o adversário tucano é o senador José Serra.

A pesquisa despertou o ânimo dos pemedebistas diante do desgaste no Estado do PT, que ainda não tem um nome de consenso para a eleição estadual, e dos sinais de que Serra pode se filiar ao PMDB para concorrer à Presidência da República em 2018, o que deixaria o caminho aberto para Skaf. Procurado pela reportagem, o presidente da Fiesp afirmou por meio de sua assessoria que não comentaria o assunto. Aos correligionários, no entanto, tem reforçado nos encontros partidários e nas viagens ao interior que fez no ano passado que o "trabalho de 2018 começa em 2016".

A decisão de fortalecer o partido em São Paulo casa com a estratégia de parte do PMDB nacional de se desvincular do PT de olho na próxima eleição ao Palácio do Planalto. O comando estadual, porém, não vai orientar os diretórios municipais a evitarem alianças com os petistas. "Vamos respeitar a realidade local, sem interferências deste tipo. Cada cidade tem uma situação diferente. Nosso esforço é para que tenhamos candidato próprio em todas as cidades, principalmente os grandes municípios", disse o presidente do PMDB-SP, deputado federal Baleia Rossi.

O partido pretende eleger 100 prefeitos e 100 vice-prefeitos em 2016, segundo o dirigente estadual. Em relação a 2012, essa projeção representaria um crescimento em número de prefeituras e vice-prefeituras de 12,3% e 25%, respectivamente. Caso se confirme, o resultado também consolidaria o papel de Baleia, sob a articulação do vice-presidente Michel Temer, de recuperar gradualmente o protagonismo do PMDB no Estado em um processo que teve início na eleição passada e interrompeu uma trajetória contínua de queda no número de prefeituras pemedebistas em território paulista que vinha desde 2000.

Naquele ano, o partido venceu em 111 cidades. A disputa interna, contudo, entre os grupos de Temer e do ex-governador Orestes Quércia dividiu o PMDB nas eleições seguintes. Em 2004 foram 89 prefeitos eleitos. Em 2008 a legenda amargou seu pior resultado desde redemocratização, com a vitória em apenas 69 prefeituras. Com a morte de Quércia em 2010, Temer e seus aliados assumiram o controle do diretório estadual e isolaram os políticos ligados ao ex-governador morto. Essa articulação permitiu ao PMDB paulista dar um salto de 28,9% em 2012 ao vencer em 89 municípios.

Baleia garantiu que Temer será ativo na campanha deste ano. A grande aposta do comando estadual é a candidatura da senadora Marta Suplicy na capital paulista, cujos os principais entusiastas são Skaf e o vice-presidente. Uma vitória da ex-prefeita no maior colégio eleitoral do Estado asseguraria um importante palanque ao presidente da Fiesp em 2018. O PMDB também está em reta final para definir algumas candidaturas no interior.

O ex-prefeito Renato Amary concorrerá em Sorocaba. O ex-ministro de Portos e deputado federal Edinho Araújo pode disputar em São José do Rio Preto. O vereador Cido Saraiva aparece cotado em Araçatuba. Em Araraquara o secretário de Governo, Aluísio Braz, o Boi, desponta como nome mais forte para defender o legado do prefeito Marcelo Barbieri. Já o ex-vereador Argus Ranieri tentará mais uma vez a Prefeitura de Guaratinguetá.

Na Grande São Paulo, estão definidas as candidaturas à reeleição de Paulo Pinheiro em São Caetano, de Saulo Benevides em Ribeirão Pires e da deputada estadual Vanessa Damo em Mauá. Além disso, o PMDB-SP ainda busca nomes para encabeçar as chapas em Ribeirão Preto, São José dos Campos, Taubaté, São José dos Campos, Presidente Prudente e Bauru, onde o prefeito Rodrigo Agostinho não pode mais concorrer. "Nos municípios em que não tivermos candidato próprio, vamos batalhar para ter a vice", afirmou Baleia.

PT mira em Marina e Aécio no TSE

• Com mandato de Dilma sob ameaça na corte, governo quer acelerar ações que contestam prestações de contas do senador e da ex-ministra

Gustavo Aguiar - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O avanço do processo de cassação da chapa da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impôs ao governo uma nova estratégia para tentar constranger seus adversários das eleições de 2014 cujas prestações de contas aguardam análise da corte.

A artilharia está voltada para a ex-ministra Marina Silva (Rede) que, segundo o PT, ainda deve explicações sobre supostas irregularidades no uso, durante a campanha dela, do avião que caiu em Santos (SP) em agosto de 2014 – o presidenciável do PSB, Eduardo Campos, morreu no acidente. Também haverá pressão para que as contas do senador Aécio Neves (MG), candidato derrotado do PSDB, sejam analisadas o quanto antes.

A Polícia Federal investiga desde 2014 possíveis irregularidades no uso da aeronave durante a campanha presidencial daquele ano pelo PSB, partido pelo qual Marina foi candidata. Ela era a vice de Campos e assumiu a candidatura após a morte do governador de Pernambuco.

Um dos três donos do avião – que não havia sido declarado à Justiça Eleitoral até a morte de Campos – é o empresário João Carlos Lyra, apontado como “laranja” usado para ocultar a compra da aeronave, que teria entrado na campanha como “caixa 2”. Ele também é investigado na Operação Lava Jato suspeito de agiotagem. A ideia do PT é questionar a prestação de contas de Marina sobre o uso do jato.

Colaborou para a definição dessa estratégia o fato de Marina ter dito que o caminho para tirar Dilma da Presidência deve ser o TSE, e não o Congresso, onde há a avaliação de que o impeachment perdeu força. As declarações da ex-ministra foram mal recebidas pelo governo e pelo PT. Marina disse que a corte eleitoral precisará responder se as doações feitas à chapa de Dilma e Temer pelas empreiteiras investigadas na Lava Jato foram pagas com recursos desviados da Petrobrás. Para o PT, se o argumento valer para Dilma e Temer, deverá também ser aplicado no julgamento das contas de seus adversários.

Recibos. O PT protocolou um requerimento que questiona a prestação de contas do PSDB apresentada ao TSE em 2014. O partido aponta irregularidades na documentação enviada pela legenda ao tribunal que comprometem a legalidade do processo. O documento afirma que houve a substituição de mais de 2 mil recibos de doações eleitorais, referentes a quase 80% dos lançamentos declarados pelo tucano, além de repasses em dinheiro e contribuições de empresas investigadas pela Operação Lava Jato. Os advogados do PT pedem nova auditoria nas contas de Aécio.

Na defesa de Michel Temer apresentada na semana passada no âmbito da ação de impugnação de seu mandato, os advogados do vice-presidente acusam a campanha de Aécio de receber R$ 40 milhões das mesmas empreiteiras.

Além de constranger Aécio e Marina, há uma avaliação de que é importante que as contas de ambos sejam julgadas antes da conclusão sobre o processo contra Dilma e Temer. O motivo é que, caso a petista e o peemedebista sejam derrotados na corte eleitoral, haveria a impossibilidade de que o tucano e a ex-ministra pudessem se candidatar em uma nova eleição em razão de pendências em suas prestações de contas.

Partidos em situação irregular perdem o direito de receber sua cota do Fundo Partidário e, ao mesmo tempo, os candidatos ficam impedidos de obter a certidão de quitação eleitoral, o que os torna inelegíveis pelo menos até 2018.

O prazo, no entanto, para que a corte eleitoral julgue as contas dos candidatos derrotados é de cinco anos. Mas a possibilidade de que uma nova eleição presidencial seja convocada ainda em 2016 pode obrigar os ministros a acelerar a análise dos processos para afastar qualquer questionamento sobre uma nova disputa eleitoral formada por candidatos sem condições de serem diplomados.

Parecer. As prestações de contas de Marina e de Aécio no TSE estão em fase de juntada de documentos e análise pela Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias, órgão responsável por reunir os papéis nos quais se basearão os julgamentos dos dois processos pela corte. Antes disso, a assessoria deverá emitir um parecer técnico sobre o material e remetê-lo ao Ministério Público, que também deverá se manifestar.

O obstáculo para essa estratégia petista é que o tribunal eleitoral costuma permitir que os candidatos regularizem sua situação antes de decidir sobre a documentação.

Para Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, não há possibilidade de Marina responder no Tribunal Superior Eleitoral pelo avião Cessna usado na campanha eleitoral, já que a doação foi declarada na prestação de contas feita em nome de Campos. “As contas de Campos e de Marina foram apresentadas separadamente. Se houver qualquer questionamento sobre esse assunto, ele será esclarecido, mas não vejo por que isso atrapalharia a candidatura dela”, afirmou Siqueira.

Congresso terá semana com pauta política e econômica movimentada

• Entre os temas que voltam à mesa, estão medidas de ajuste fiscal, análise das contas do governo Dilma, fim da CPI do BNDES e ações contra Eduardo Cunha e o senador Delcídio Amaral

Bernardo Caram - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Depois de uma abertura morna do ano legislativo, o Congresso segue com as atividades nesta semana, agora com pautas que vão movimentar o embate político e econômico. Entre os temas que voltam à mesa, estão medidas de ajuste fiscal, análise das contas do governo Dilma Rousseff, fim da CPI do BNDES e ações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o senador Delcídio Amaral (PT-MS).

O Conselho de Ética da Câmara vai retomar as discussões sobre o processo contra Cunha. O parlamentar é acusado de mentir aos membros da CPI da Petrobras, ao afirmar que não possuía contas em seu nome no exterior. No Conselho de Ética do Senado, por sua vez, as discussões vão envolver o senador Delcídio Amaral (PT-MS). O ex-líder do governo, preso pela Operação Lava Jato, tem até quinta-feira (18) para encaminhar sua defesa ao colegiado.

Na Comissão Mista do Orçamento (CMO) do Congresso, os parlamentares pretendem avançar na análise das contas da presidente Dilma Rousseff em 2014. No ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a reprovação das contas, usando, entre os argumentos, a ilegalidade das chamadas “pedaladas fiscais”, atrasos em repasses do Tesouro a bancos públicos e ao FGTS.

A questão é base de argumento para o pedido de impeachment da petista. Apesar da recomendação, o relator Acir Gurgacz (PDT-RO) apresentou parecer pela aprovação com ressalvas das contas e recebeu críticas da oposição. De acordo com membros da comissão, o relatório final deve ser votado até o início de março.

No plenário da Câmara, os deputados devem votar duas medidas provisórias que trancam a pauta. Uma delas reabriu prazos para times de futebol parcelarem dívidas, além de permitir que a loteria instantânea, chamada “raspadinha”, explore comercialmente eventos de apelo popular. A segunda MP integra o pacote de ajuste fiscal e trata da reforma administrativa. A medida reduziu o número de ministérios de 39 para 31.

Os deputados também devem votar o projeto de lei que regulamenta o teto de remuneração do serviço público. O texto prevê a criação de um sistema para controle do teto salarial, hoje em R$ 33,7 mil. Reportagem do Estado mostrou que, caso o limite fosse cumprido, a economia aos cofres públicos chegaria a quase R$ 10 bilhões por ano.

A CPI do BNDES, que investiga possíveis irregularidades em operações de crédito do banco de fomento, deve ter trabalhos concluídos nesta semana. A votação do relatório final está prevista para esta terça-feira (16), mas há possibilidade de um adiamento, caso haja um pedido de vista. Se isso ocorrer, a conclusão fica para quinta-feira (18), prazo final para o fim dos trabalhos.

Eleição de líder do PMDB deve afetar destino de Cunha

• Presidente da Câmara tem se empenhado pessoalmente na disputa pelo comando da bancada de 67 deputados, a maior na Câmara

Daniel Carvalho - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Maior bancada da Câmara, o PMDB elege seu novo líder nesta quarta-feira. Mais do que o poder de influenciar decisões no Congresso, a escolha deverá ter impacto na definição do futuro da presidente Dilma Rousseff e do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). No governo, a expectativa é que o novo comandante peemedebista ajude a enterrar de vez o processo de impeachment da presidente, que deve ter seguimento após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os dois nomes que buscam comandar a bancada de 67 deputados são “crias” de Eduardo Cunha, mas hoje atuam em campos opostos. Leonardo Picciani (RJ), atual líder que tenta a recondução, tem a preferência do Palácio do Planalto. Já Hugo Motta (PB) tem a bênção do presidente da Câmara, desafeto do governo, que se empenhou na missão de eleger seu afilhado. Líderes partidários, nos bastidores, avaliam que o vencedor da eleição interna indicará quem – Dilma ou Cunha – começa o ano mais forte.

No governo, a avaliação é de que uma vitória de Picciani representará a maior derrota do presidente da Câmara, que enfrenta pedido de cassação do mandato no Conselho de Ética, devido a seu afinco para dar impulso a Motta. Um interlocutor do Planalto diz acreditar que, caso o candidato de Cunha seja derrotado, fica mais forte a tese de afastamento do presidente da Câmara – o STF deve analisar no próximo mês pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de que o peemedebista deixe o comando da Casa.

Avaliação semelhante se faz entre os parlamentares. “Se Picciani sacramenta essa vitória, atesta que ele (Cunha) não tem essa força toda”, analisa o líder do PR na Câmara, Maurício Quintella Lessa (AL).

Composição. A expectativa do governo, principalmente, em relação à decisão da bancada, é sobre a indicação de nomes contrários ao impeachment na Comissão Especial criada na Câmara para analisar o tema, uma prerrogativa do novo líder. Apesar de mais afinado com Picciani, para o Planalto, uma vitória de Hugo Motta não seria o pior dos cenários, pois governistas acreditam ser possível compor com o ele. O deputado diz ser pessoalmente contrário ao impeachment, mas que colocará o tema em discussão na bancada após ser eventualmente eleito. “Hugo, se fosse o vencedor da disputa, procuraria reunificar o PMDB. Não acho que ele levantaria nenhum estandarte pró-impeachment”, avalia Lessa.

Recém-conduzido à liderança na Câmara, o novo líder do PT, Afonso Florence (BA), diz que seu partido não tem preferência entre os candidatos, mas ressalta que o PMDB tem um “compromisso assumido” com o governo. “Seja quem for o líder, temos obrigação de dialogar com a bancada”, diz.

Na oposição, a leitura é de que, vencendo, Picciani atuará como líder de governo diante de sua bancada. Já a vitória de Motta significaria um fortalecimento de Cunha, embora temporário.

Eduardo Cunha tem minimizado o impacto do resultado da eleição no PMDB. Ele tem dito a interlocutores que o processo do impeachment não será afetado pela escolha do líder e que é “bobagem” entenderem uma vitória de Picciani como seu enfraquecimento ou o inverso, caso Motta seja escolhido.

Por enquanto, os dois lados cantam vitória. Aliados de Picciani propagavam que seu candidato tem o apoio de 45 deputados e os de Motta diziam que ele tem 39. /Colaborou Daiene Cardoso

Cristovam Buarque deixa PDT e vai se filiar ao PPS

• ‘Ciro Gomes será a continuação de Dilma com calça comprida’, disse o senador

Leticia Fernandes – O Globo

BRASÍLIA - Convidado pelo presidente nacional do PPS, Roberto Freire, para capitanear uma modernização no partido, o senador Cristovam Buarque, há 11 anos no PDT, decidiu deixar a legenda e se filiar ao PPS na próxima quarta-feira.

Cristovam, que trocou o PT pelo PDT em 2005, às vésperas de explodir o escândalo do mensalão, disse que deixa o partido por não querer compactuar com um acordo entre PT e PDT, que deverá lançar o nome de Ciro Gomes candidato a presidente em 2018, caso o ex-presidente Lula não consiga se viabilizar como candidato. O senador denunciou o acordo e o comparou ao apoio dos militares ao nome de Paulo Maluf nas eleições de 1985, em que concorreu contra Tancredo Neves: "O Ciro será a continuação da Dilma com calça comprida, e a continuação do Lula sem o macacão de operário".

— O PDT se aliou tanto ao governo Dilma que hoje está se prestando ao papel de continuar o governo depois da Dilma, se o PT estiver em crise. Se Lula não tiver condições de ser candidato e nem outro candidato se viabilizar, o PDT lança o Ciro para continuar o governo do PT. Mais ou menos como os militares fizeram quando estavam perdendo força e apoiaram o Maluf, ele seria a continuação do regime com roupa civil. O Ciro será a continuação da Dilma com calça comprida, e a continuação do Lula sem o macacão de operário. O PDT hoje é um braço do PT, e não quero meu nome comprometido com isso — criticou o senador.

Perguntado sobre suas pretensões para as eleições de 2018, Cristovam não nega nem confirma a possibilidade de ser candidato a presidente. Ele admite que houve conversas nesse sentido, mas disse que não migra para o PPS por conta disso e cogita inclusive apoiar outro candidato, como o tucano José Serra (PSDB-SP), que definiu como um nome "preparadíssimo" para o desafio:

— Isso não está em jogo, nem o PPS é obrigado a me fazer candidato e nem eu me sinto obrigado a ser candidato a presidente. Estou livre para decidir — disse, contando o diálogo que teve com Serra há poucos dias:

— Meu humor hoje é de que espero que não seja obrigado a ser candidato, conversei longamente um dia desses com Serra, um cara preparadíssimo para disputar a presidência, e disse: “Serra, na nossa idade a gente não devia estar pensando mais nas memórias do que no futuro?”. Ele disse: “Sim, se tivessem jovens prontos, mas olhando ao redor não vemos isso”. Um cara como o Serra está prontíssimo para ser candidato. Claro que há chance de apoiá-lo, não vejo porque o PPS deve ter candidato de qualquer jeito.

Cortejado por dirigentes do PSB, PRB e PPL, Cristovam admitiu que pensou em se aposentar no fim do mandato como senador, mas foi dissuadido pelo próprio Roberto Freire, presidente do PPS.

— Pensei em terminar o mandato e ir para casa, vou fazer 72 anos. Mas tive uma conversa com o Roberto e ele me disse que a gente não tem o direito de fazer isso num momento de crise, o Brasil não pode perder nenhuma pessoa, ninguém pode ir pra casa.

O senador conta que escolheu o PPS por sua proximidade com o presidente do partido e pela proposta que Freire o fez, para que ajude a reciclar e modernizar o partido:

— Roberto me disse que quer reciclar o PPS, ele quer que o partido mude seus propósitos para o mundo global, dar uma modernizada nos propósitos e maneiras de fazer política. Ele me trouxe o desafio de ajudar a atualizar o PPS, os outros não me chamaram para isso. Houve muitas outras conversas, mas a relação pessoal com o Roberto venceu, além do passado do PPS, um passado muito forte de esquerda, um partido que foi comunista — elogiou.

Cristovam admitiu que o PPS, às vezes, faz "oposição pela oposição" no Congresso, assim como o PSDB e o DEM, outras legendas que chamou de conservadoras. Mas disse acreditar na mudança que o partido está disposto a fazer. Ele citou a Rede, partido da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, como a única legenda que tem o potencial para fazer "oposição propositiva".

— Às vezes o PPS passa a ideia de uma oposição por oposição, e não uma oposição propositiva, mas o próprio Roberto disse que está na hora de mudar isso. Temos que ser uma oposição propositiva e bem avançada. A Marina chega a ter uma percepção nesse sentido, a Rede deseja isso, mas ela ao meu ver está caindo no outro extremo, de se distanciar muito da realidade.

Uma intensa movimentação no Congresso Nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores é esperada pela promulgação nesta semana da emenda constitucional que cria a chamada “janela da infidelidade”, liberando o troca-troca partidário sem perda de mandato por 30 dias. A previsão é que cerca de 10% dos deputados federais, por exemplo, deixem suas legendas por outros partidos.

Aécio Neves: Realidade e marketing

- Folha de S. Paulo

O final de semana foi pródigo em imagens planejadas com afinco para ganhar o noticiário e a simpatia popular: ministros estrategicamente espalhados pelos Estados e até a presidente da República, no Rio, na tentativa de passar a ideia de uma aliança entre governo e população, combatendo um inimigo comum.

Nada contra o esforço de mobilização nacional de combate ao mosquito Aedes aegypti. O lamentável é quando a máquina de propaganda se sobrepõe às iniciativas efetivas do poder público. Não é de hoje que a saúde pública no Brasil vai de mal a pior.

Metade das residências brasileiras não tem acesso a esgotos coletados e tratados. Ao contrário do que diz a presidente, o seu governo não prioriza o saneamento no país. Este ano, os recursos reservados no Orçamento para o setor tiveram forte queda na comparação com 2015. Sobre esse tema, é oportuno lembrar a proposta do PSDB de isentar de impostos empresas de saneamento como forma de aumentar os investimentos no setor. Assumida pela candidata Dilma como compromisso, na campanha eleitoral de 2010, foi abandonada em seguida.

O mosquito sem controle reflete omissões e erros imperdoáveis. Por exemplo: em meio a uma emergência mundial decretada pela OMS, o Ministério da Saúde atrasou em meses a entrega aos Estados de kits para exames de detecção de dengue. A vida real não comporta tal lentidão. Só nas três primeiras semanas deste ano, o número de casos de dengue cresceu 48% em relação ao mesmo período de 2015.

De 2013 a 2015, o programa de pesquisas e estudos sobre a dengue perdeu fôlego –ano passado, o pagamento efetivado pelo governo foi menos da metade do previsto. No verão de 2015 a dengue explodiu no Nordeste. Agora, temos um surto de microcefalia associada ao vírus da zika.

A realidade não comunga dos roteiros do marketing.

Apesar da grave crise enfrentada pelo país, o governo federal e as empresas públicas mantêm um bilionário orçamento de publicidade. Juntos, Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e Correios possuem verba anual de mais de R$ 1 bilhão! No caso da Petrobras e dos Correios não há sequer o pretexto da disputa de mercado. O governo federal tem orçamento semelhante.

Pois bem, em vez de distribuir panfletos em esquinas de grandes e poucas cidades, por que não encontrar uma forma de, ao menos esse ano, destinar grande parte desses valores ao patrocínio de grandes e estratégicas ações de comunicação, informação e mobilização da sociedade? Se o dinheiro público pode patrocinar a divulgação da Olimpíada, por que não pode patrocinar também a defesa da população?

O desafio é novo, urgente e imenso. Não será vencido com mais do mesmo.
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Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat: Caiu a máscara de Lula

- O Globo

Converso sistematicamente com o presidente Lula. Acho que ele está sendo objeto de grande injustiça Dilma Rousseff

Sabe qual é a surpresa que nos reserva a defesa de Lula no caso do sítio de Atibaia, reformado gentilmente para ele pelas construtoras OAS e Odebrecht, ambas envolvidas na roubalheira da Petrobras? Fernando Bittar, um dos supostos donos do sítio, dirá que o sítio de fato lhe pertence, e também ao empresário Jonas Suassuna, sócio em outro negócio de Fábio Luiz, filho mais velho de Lula.

SURPRESA HAVERIA se Fernando dissesse que o sítio é de Lula, e que ele e Jonas não passam de “laranjas”. A Lava- Jato e o Ministério Público de São Paulo investigam se o registro de propriedade do sítio em nome de Fernando e de Jonas foi uma manobra de Lula para ocultar patrimônio. É isso o que parece, sugerem a lógica mais elementar e os indícios reunidos até aqui.

Oficialmente, o sítio foi comprado por Fernando e Jonas dois meses antes de Lula transferir para Dilma a faixa presidencial. Um dos advogados de Lula analisou a escritura registrada em cartório. Parte dos bens acumulados por Lula enquanto governou o país foi entregue no sítio em no dia oito de janeiro de 2011. Eram cerca de 200 caixas, entre elas 37 com bebidas.

José Carlos Bumlai, amigo de Lula, hoje preso pela Lava- Jato, cuidou da reforma do sítio. Que começou a ser feita quando o sítio foi comprado no final de 2010? Não. Começou muitos meses antes. Marisa, mulher de Lula, visitou a obra. Reclamou de atrasos. E foi aí que entraram em cena as construtoras amigas do seu marido. Elas gastaram um bom dinheiro com a reforma.

Por que gastariam se o sítio fosse apenas de Fernando e Jonas? Para que Lula, mais tarde, o recomprasse sem que ninguém soubesse que ele fora reformado de graça por construtoras premiadas com contratos milionários durante os seus dois governos? Ou por que a OAS e a Odebrecht, comovidas com a pregação do Papa Francisco, decidiram, meio que de repente, fazer caridade?

Ao longo dos últimos quatro anos, seguranças de Lula estiveram no sítio 111 vezes pelo menos. Razoável imaginar que acompanhassem a família Lula da Silva. Amigos do clã, assíduos frequentadores do sítio, surpreenderam- se com a descoberta de que ele está em nomes de terceiros. Nada de mais que Lula comprasse um sítio ou até mais de um. Não lhe falta dinheiro.

Presidente da República tem todas as suas despesas pagas pelo governo. Lula economizou dinheiro capaz de justificar a compra do sítio e do tríplex no Guarujá, esse também reformado de graça pela OAS. Ninguém teria nada a ver com isso. O problema? De volta ao futuro: a gentileza de construtoras clientes do governo em beneficiar imóveis de um ex- presidente. Cheira mal. Aí tem...

Como Lula, logo Lula que denunciou a existência de 300 picaretas no Congresso, chamou Sarney e Collor de ladrões, subiu a rampa do Palácio do Planalto como se fosse o mais imaculado dos políticos, diz- se a alma mais honesta do país; como ele poderá admitir que pediu ou aceitou favores de construtoras, e que foi promíscuo, sim, ao misturar o público com o privado? Logo ele? Também Lula?

Pois é disso que se trata – por enquanto. Seus correligionários querem transformá- lo em vítima de um complô urdido para destruir a maior liderança popular que o país jamais teve. Ora, faça- me o favor... Lula é uma vítima dos seus próprios erros, de sua ambição desmedida, de sua vaidade, e de sua falta de compromisso com princípios e valores. A máscara dele caiu.

José Roberto de Toledo: O protesto de Momo

- O Estado de S. Paulo

Parece que o ano começa hoje. O “parece” aí atrás é cautela. Ontem, em plena Quaresma, ainda havia foliões tomando, em mais de um sentido, ruas de… São Paulo. É, de túmulo do samba a revelação do carnaval. Algum “pundit” vai culpar a crise: “beber para esquecer”, “quem dança dança”, essas coisas. Ou será uma reedição do baile da Ilha Fiscal, a última esbórnia do Império? Vai ver é o aquecimento global acordando brasas nas cinzas.

Mais do que um prenúncio de mudança política ou climática, é provável que se trate apenas de outra amostra do espírito momesco. Aquele hábito de não se levar a sério e de fazer piada das próprias mazelas. Quer uma prova alegórico-estatística?

O Google Trends tem se mostrado um termômetro acurado da disposição do brasileiro de ir às ruas protestar. Por uma razão simples: se alguém quer saber se outros vão sair gritando e onde se encontrarão os manifestantes, é muito comum que digite “protesto” ou “manifestação” no Google para achar sua resposta.

Computando os bilhões de requisições ao seu sistema, o Google transforma os termos digitados pelos usuários em um gráfico com a tendência histórica de buscas por aquela palavra. Um ser mais curioso pode comparar o interesse popular por termos afins (“Dilma” e “impeachment”, por exemplo), filtrar as pesquisas feitas a partir de um país ou em um período de tempo específico.

O primeiro pico dos termos de busca “manifestação” e “protesto” no Brasil foi registrado em junho de 2013, quando jovens inundaram as ruas de centenas de cidades para protestar contra o preço do ônibus e, depois, contra tudo e contra todos. Desde então, nenhuma demonstração pública de insatisfação chegou nem a um quarto do volume de buscas por tais palavras no Google.

Mais importante, o tamanho das multidões nas ruas tem sido proporcional à quantidade de pesquisas por “manifestação” e “protesto”. Em 2015, por exemplo, as buscas por ambas as palavras em meados de março - quando houve a primeira e maior demonstração pelo impeachment de Dilma Rousseff - foram quase três vezes maiores do que as detectadas em agosto, quando muito menos gente saiu de casa. Em novembro, pouco se viu “protesto” e “manifestação” - seja no Google Trends, seja nas ruas.

Constatada essa correlação, a ferramenta tornou-se inestimável para medir o humor da opinião pública e tentar prever o comportamento da população em relação aos governantes.

Por isso, foi instigante constatar o aumento repentino de buscas pela palavra “protesto” a partir de 6 de fevereiro. Será que os movimentos anti-Dilma preparavam uma surpresa contra o governo no início do ano legislativo? O que explicaria o crescimento atípico de pesquisas por essa palavra em pleno carnaval?

Era duplamente curioso, porque, ao contrário de todos os outros picos, as pesquisas por “manifestação”, pela primeira vez, não acompanharam a inflexão na curva da palavra coirmã.

Bastou limitar as buscas às feitas só nos últimos sete dias e espiar as pesquisas relacionadas para resolver o mistério. Não, a multidão enfurecida não assaria as emas do Palácio da Alvorada. Foi só uma momice. A peladona conhecida como “musa do impeachment” resolveu tirar a roupa no meio do desfile de carnaval para mostrar seu tapa-sexo anti-Dilma. Foi empurrada para fora do sambódromo por integrantes da própria escola.

A ascensão - e queda - das buscas por “protesto” foi fruto da velha curiosidade por baixarias carnavalescas. Antes, compravam revistas para vê-las nuas e cruas. Agora, buscam na internet.

Uma dica: ao pesquisar por “protesto” no Google Trends, exclua dos resultados aqueles em que aparece “cartório” (coloque um sinal de menos na frente dessa última palavra, ao fazer a pesquisa). No dia a dia, cartórios de protesto são mais populares do que manifestações no Brasil. É a crise.

Valdo Cruz: A pior das zicas

- Folha de S. Paulo

Talvez um pouquinho tarde, talvez um pouco midiático, mas não dá para negar que o governo Dilma se mobilizou, de corpo e alma, para combater o mosquito da zika ""o mesmo da dengue, que já exigia mobilização semelhante.

Talvez por causa da Olimpíada, talvez para desviar o foco da crise política, mas pela primeira vez vi o governo Dilma realmente empenhado em torno de um mesmo objetivo. Operando com um sentido de urgência que o caso demanda.

Esforço semelhante, mas não idêntico, aconteceu quando o governo montou um perfeito esquema de segurança na Copa do Mundo. Pena que durou apenas o período do torneio. Depois, a insegurança voltou a reinar após as seleções de futebol irem embora do país.

A expectativa é que, diante da seriedade da crise do vírus da zika, a mobilização geral de hoje, digna de elogios, não dure só até os Jogos Olímpicos. Mantenha-se até o Brasil ganhar a batalha contra o mosquito.

Por sinal, tem outra zica por aí, da crise econômica mundial, virando uma ameaça real contra o país, a demandar empenho idêntico ao de agora para salvar-nos da recessão.

Só que, até agora, ela ainda não despertou no governo o mesmo sentido de urgência da zika. Aí, é bom reconhecer, o Palácio do Planalto não está sozinho. O Congresso tem exercido um papel bem pior.

O nó da crise econômica é que não há uma receita única para combater o inimigo comum, como o mosquito. Enquanto o caos total não se faz presente, diferentes ideias são lançadas para tirar o país do atoleiro.

Nelson Barbosa tenta se equilibrar numa equação criticada e de risco, mas que pode dar certo. A de compensar um ajuste fiscal frouxo hoje com reformas da Previdência e fiscal no médio e longo prazos.

O maior risco é ficarmos com a frouxidão fiscal e sem as necessárias reformas estruturais diante da falta de apoio do governo no Congresso. Aí, será uma zica danada.

Marcus Pestana: O impasse brasileiro e a crise “made in Brasil”

- O Tempo (MG)

Agora que o último folião guardou a fantasia, é possível encarar 2016 e seus desafios.

O horizonte não é nada animador. O desemprego ronda a casa dos 9%, podendo bater na porta de 11 milhões de brasileiros até o fim de 2016. Vivemos, provavelmente, a maior recessão de nossa história, com três anos seguidos de crescimento negativo. No ano passado, demos marcha à ré de 3%. A produção industrial despencou 8,3%. Nossa indústria está indo pelo ralo, perdendo competitividade e posições na economia global. Mesmo com todo esse desaquecimento, a inflação persistiu alta, muito acima das metas traçadas pelo Banco Central. O IPCA fechou acusando uma alta de 10,67% nos preços. Até a notícia boa não é tão boa. A balança comercial registrou um superávit de quase US$ 20 bilhões. Mas, quando se vê com lupa, se enxerga que não foi um vigoroso aumento das exportações que produziu o resultado. Ao contrário, as exportações recuaram 14,1% em 2015. Acontece que as importações caíram muito mais: 24,3%.

O cenário fiscal é uma tragédia. Governo federal, governos estaduais e prefeituras são abraçados por um quadro de escassez completa. Dívida e déficits são crescentes. O corte de despesas não é fácil, dada a rigidez dos orçamentos públicos. A tolerância da sociedade com novos aumentos de impostos é próxima de zero. Consumo e investimento devem continuar ladeira abaixo.

O governo Dilma tenta encobrir seus erros imputando a crise ao quadro mundial derivado do tsunami econômico de 2008. Essa tentativa não resiste a um sopro. Embora haja incertezas no cenário global, o mundo cresceu mais de 3% em 2015, enquanto amargávamos um recuo equivalente. Apesar da queda do preço das commodities, nossa economia poderia estar com uma trajetória de crescimento como outros países latino-americanos ou como os Brics Índia, China e África do Sul. Bastava ter feito o dever de casa, com reformas estruturais, responsabilidade fiscal e melhoria do ambiente institucional. A crise é “made in Brasil”, e não adianta o PT tentar se desvencilhar de sua obra e de seus desastrosos resultados.

Diante de tudo isto, o que esperar de 2016?

O governo Dilma já revelou sua incapacidade de liderar a retomada. A crise é grave e exige mudanças. Precisaríamos de um choque de confiança e reformas como o que está sendo promovido por Macri na Argentina. Mas isso exige liderança, pulso, convicção, apoio, credibilidade. Tudo o que Dilma e o PT não dispõem no momento.

O ideal seria a convocação de novas eleições. Mas, no presidencialismo, os mandatos são rígidos. O impasse brasileiro é esse. Precisamos de mudanças urgentes, mas o impeachment ficou mais distante após as decisões do STF, o TSE não julgará rapidamente a cassação da chapa Dilma/Temer por abuso do poder político e econômico, e a renúncia não parece fazer parte do repertório de nossa desgastada presidente.

Infelizmente, o Brasil está perdendo o fio da meada!

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Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)

Ligia Bahia: Os olhos da cara

- O Globo

Cegueira decorrente de microcefalia em bebês de mães expostas ao vírus da zika e por contaminação de cirurgias de catarata em idosos na cidade de São Bernardo, em São Paulo, são situações trágicas. Suas causas e os encadeamentos envolvidos são distintos, mas ocorrem simultaneamente. A comoção internacional despertada pelo inesperado, grave e prolongado comprometimento do sistema nervoso de recém-nascidos não poderia ser idêntica àquela consequente às noticias locais sobre procedimentos médicos inseguros em idosos. Mas, as instituições de saúde, os recursos existentes para prevenir, diagnosticar e tratar tanto casos inesperados exigentes de atendimento especializado, quanto os danos provocados pela obtenção de má assistência, não variam tanto, situam- se no mesmo Brasil. É muito complicado, mesmo.

Usar dados e informações para tomar decisões é sempre bom conselho, evita a tentação de omitir as incertezas e as apostas em soluções exclusivamente voltadas à derrota do suposto inimigo/ obstáculo de cada momento. Segundo o conhecimento disponível, o Aedes não será eliminado no Brasil e em diversos países durante este verão e possivelmente ainda estará por aí nos próximos. As condições do passado — um mundo com menor fluxo de pessoas entre nações e continentes, cidades menores, inexistência de embalagens de plástico, latas, uso abundante de inseticidas — não são reprodutíveis e aceitáveis no presente.

No entanto, há muito o que fazer. Precisamos proteger efetivamente as gestantes, estimular e desenvolver pesquisas básicas e reunir especialistas para desenvolver vacinas, testes diagnósticos, tratamentos e estratégias de vigilância, identificação de casos e implementação de controle vetorial. As evidências também sugerem a necessidade de monitoramento permanente da segurança das práticas de saúde, transparência e regras para as relações entre os profissionais de saúde e indústrias de medicamentos e dispositivos como órteses e próteses. Entidades médicas, instituições públicas e privadas de saúde e todos os órgãos públicos de controle devem ser mobilizados para conter a epidemia silenciosa de má qualidade assistencial.

Não se espanta o Aedes com palavras de ordem. Dizer que um mosquito não é mais forte do que um país inteiro, misturando na mesma frase biologia e política pode infundir ânimo, mas não orienta as atuais gestantes nem responde à pergunta sobre quando as brasileiras poderão engravidar sem temer os riscos de má-formação consequentes à zika. Similarmente, não dialoga com atletas e comitês esportivos sobre as medidas para a redução da transmissão durante as Olimpíadas.

A adoção de um lema centrado no combate restringe a divulgação de informações essenciais sobre o uso de roupas, a distribuição de repelentes e mosquiteiros e o acionamento de regras para a licença ou suporte de ambientes de trabalho salutares nas primeiras semanas de gestação. E a predisposição à guerra contra o mosquito se mostra imprópria ao estabelecimento de termos adequados para o debate de temas incômodos e polêmicos, porém inadiáveis, como o saneamento e a descriminalização do aborto. O amparo para mães e famílias de bebês com microcefalia, bem como o diagnóstico precoce e a decisão sobre interrupção da gravidez, constitui direito reprodutivo que deveria ser assegurado a todas as brasileiras. Em relação aos problemas ocasionados nos serviços de saúde, numerosos estudos procuram mensurar e avaliar o papel dos médicos. Não existem sistemas de saúde sem médicos, considerá-los adversários, estorvos, é meio caminho para conflagrar uma batalha injusta, porque quem a inicia não os hostiliza, antes pelo contrário, os consulta e cultiva como amigos queridos.

Contudo, fechar os olhos às barbaridades do modelo remuneração - procedimento é uma estrada sem volta, rumo à inviabilização da organização de uma rede assistencial segura. A presunção de que os médicos não dispõem de nenhum arbítrio, como se fosse obrigatório receber incentivos pela utilização de produtos industriais, intimida as críticas e estimula a omissão diante de práticas deturpadas. Os próprios profissionais de saúde relatam que, após assentir com a realização de um procedimento ortopédico, um paciente perguntou quanto seria sua parte.

A contaminação dos olhos e perda de globo ocular de pacientes do SUS operados em um hospital do sistema em janeiro por oftalmologista de empresa terceirizada revela o drama do casamento de pacotes cirúrgicos e ausência de responsabilidade pelos atos médicos. No ano passado, uma clínica oftalmológica privada no Rio Grande do Sul foi processada por motivo idêntico.

A síntese de Mario de Andrade — “Pouca saúde e muita saúva os males do Brasil são!” — ajuda a desfazer confusões sobre doenças, classes sociais e a errônea impressão de que as áreas de circulação dos segmentos mais ricos são limpas, descontaminadas, livres da mesquinharias de profissionais de saúde desqualificados. Ações ditadas por arroubos heroicos ou excesso de pessimismo em relação aos novos vírus e pagamento segundo procedimento podem ser substituídas pelo cálculo sobre investimentos para melhorar objetivamente a saúde. A priorização da pesquisa estratégica, produção de testes diagnósticos, avanços na garantia de direitos reprodutivos bem como a revisão dos processos de formação e inserção no mercado de trabalho de generalistas e especialistas, e recuperação dos hospitais universitários públicos são essenciais para evitar que problemas de saúde nos custem os olhos da cara.

Zika e os problemas de qualidade dos serviços de saúde, incluindo os privados, não compartilham a mesma trama causal, mas requerem o trabalho conjunto de médicos, pesquisadores, enfermeiros, psicólogos, de instituições públicas competentes e participação efetiva de entidades da sociedade civil. O Brasil tem potencial, possui todos esses componentes, ainda que incipientes e dispersos e pode fortalecer sua base científica e tecnológica mediante a integração aos esforços globais para o controle de epidemias e a construção de sistemas de saúde universais.

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Ligia Bahia é professora da UFRJ