Por Raymundo Costa – Valor Econômico
BRASÍLIA - No que depender do PSDB, o principal partido da oposição, o governo pode contar com apoio para discutir e até aprovar algumas das reformas que considera fundamentais, como a da Previdência Social. Ao contrário do que aconteceu ano passado, quando namorou com a irresponsabilidade fiscal e surpreendeu a própria militância, o partido agora pretende imprimir uma ação legislativa coerente com suas antigas bandeiras, especialmente aquelas que marcaram o governo nos dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).
O impeachment da presidente Dilma Rousseff também perdeu força dentro do PSDB, durante o recesso parlamentar, muito embora novo líder da bancada na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA), afirme que o partido continuará apostando no afastamento da presidente da República "tanto por dentro do Congresso, pelo impeachment, como dando foco mais forte ao pedido de impugnação em tramitação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE)".
Em férias, no contato com suas bases eleitorais, os tucanos registraram que a pressão para tirar o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da presidência da Câmara é hoje maior que a pressão para o afastamento da presidente Dilma. Cunha, envolvido em três processos da Operação Lava-Jato e com a cabeça a prêmio no Supremo Tribunal Federal (STF) a pedido do Ministério Público Federal, é um desafio que o PSDB, mais dia, menos dia, terá de enfrentar, conforme reconhecem líderes tucanos.
"Tudo o que se faz para obter o impeachment da Dilma mais a força que ela faz para não sofrer o impeachment paralisa o país", diz o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, ex-ministro de FHC, ex-líder no Senado e dirigente histórico do PSDB. "Estamos enxugando gelo". Ele aproveitou uma viagem recente do ministro Aloizio Mercadante (Educação) a Manaus para propor o diálogo entre o governo e oposição a fim de discutir saídas para a crise econômica. Na opinião de Virgílio, a presidente não só tem o direito como o dever de propor uma agenda para a crise.
Outros líderes tucanos também conversaram no recesso parlamentar, entre os quais Tasso Jereissati (CE), o ex-deputado Arnaldo Madeira (SP), o ex-presidente FHC e o presidente do PSDB, Aécio Neves. Há convergência sobre o partido manter a coerência do discurso. Mas a proposta mais ousada é a do prefeito de Manaus. Para Virgílio não é possível fazer alguma mudança significativa "sem ter diálogo com quem governa". Nada de governo de união nacional, "todo mundo num barco só - é simplesmente uma pauta de reformas que tire esse país da crise rapidamente".
A pauta em torno da qual o PSDB se dispõe a conversar tem as reformas da Previdência, administrativa (que está mais na mão da presidente que do Congresso), tributária e trabalhista. O prefeito de Manaus, particularmente, incluiria uma atualização do capítulo da Constituição referente ao sistema financeiro e "de cara daria autonomia em lei para o Banco Central". A proposta tem a simpatia do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pretende colocá-la na pauta de votações deste ano, mas enfrenta resistência de tucanos de peso, como o senador José Serra, duas vezes candidato a presidente da República pelo PSDB, que é frontalmente contrário.
Antes de qualquer coisa, o PSDB quer ver as propostas do governo. A presidente tem falado na reforma da Previdência, mas como destaca o líder Imbassahy, até agora não fez uma proposta concreta. Há dúvida entre os tucanos que o faça, por causa das pressões que sofre do PT. A posição do partido no governo será chave para eventual êxito ou fracasso de uma conversa. A responsabilidade pela aprovação das reformas, argumentam os tucanos, é do PT e dos partidos da base, que detêm a maioria parlamentar. "Tem que ter o PT assinando", diz o líder Imbassahy. "Quem destruiu a economia foram o PT e a base. Eles estão há 13 anos no governo e só agora falam em reforma da Previdência. Que reforma? Ninguém sabe, estão mentindo para a população".
Imbassahy reclama que a presidente aponta apenas duas saídas para a crise: reforma da Previdência, que ela não diz qual é, e a reedição da CPMF para aumentar a Receita. "Não contem com a boa vontade do PSDB para aumentar impostos", diz. "Se o governo mandar medidas estruturantes, podemos colaborar, mas o PT precisa fazer a sua parte e não querer levar para fóruns. Não vamos entrar nesta cena".
O PSDB tem pesquisas mostrando que não é só a rejeição ao governo e aos principais líderes do PT que cresceu na crise. Também está aumentando a rejeição ao partido e a Aécio Neves, presidente do PSDB, candidato derrotado por Dilma em 2014 que no momento lidera as pesquisas à sucessão de 2018. Em São Paulo, segundo pesquisas em poder dos tucanos, nunca antes, neste século, a popularidade de um governante do PSDB esteve tão baixa como a de Geraldo Alckmin, no momento - o partido governa o Estado há mais de 20 anos.
A crise não faz distinção. A cúpula do PSDB diz não ter dúvida quanto à responsabilidade da crise - é do PT. Mas também reconhece que todos sofrem as consequências. Inclusive o PSDB, que no comando de Estados como São Paulo, Paraná, Pará, Goiás ou cidades como Manaus e Belém governa tanto ou mais brasileiros que o PT.
Para citar alguns exemplos, em Manaus, o prefeito Arthur Virgílio está às voltas com 35 mil demissões na Zona Franca, famílias que perderam o plano de saúde e certamente vão engrossar as filas do SUS; no Paraná, um estado em geral arrumado, o governador Beto Richa já baixou três pacotes de medidas para combater a crise; e o desemprego na Grande São Paulo já é o maior, pelo menos, desde 2009.
O PSDB surfa, mas não tanto quanto gostaria na desgraça dos adversários tragados pelo escândalo do Petrolão. Os tucanos avaliam que o PT tem sido competente porque, já que não consegue sair da lama, ajuda também a jogar o PSDB na lama junto com ele - Aécio na Lava-Jato, Máfia da Merenda, em São Paulo, denúncias de que o pré-candidato João Doria estaria comprando votos na prévia da disputa paulistana, os problemas de Beto Richa com a Educação. O PSDB não estaria servindo como contraponto. E a conclusão: só apontar o que está errado já deu. É preciso mais do que a política do quanto pior, melhor.
No começo de março o PSDB faz um seminário em Brasília para discutir a crise. O partido vai definir uma estratégia sobre ações como o ajuste fiscal. Antecipando-se à reunião, Aécio Neves propôs ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a criação de uma espécie de conselhão suprapartidário para organizar, estabelecer prioridades e tocar a pauta de votações e ajudar o país atravessar a crise, até a eleição de 2018. Renan prometeu levar em consideração a proposta e deve responder logo.
Enquanto isso, na retomada efetiva do Congresso, a partir de hoje, o PSDB vai evitar contradições com seu discurso no governo FHC. "Não dá para votar em pauta bomba, aumentar despesas, diminuir receitas, torcer para o quanto pior melhor. É como se disséssemos que, para tirar a Dilma, vamos queimar o país com ela dentro", diz um interlocutor de Aécio.
Na realidade, o próprio Aécio Neves falou contra o fator previdenciário, em discurso no Senado. O mecanismo foi introduzido na legislação no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em uma das reformas para acertar as contas da Previdência Social. Já na campanha eleitoral de 2014 Aécio dissera que o fator previdenciário punia de forma extremamente violenta os aposentados. Se eleito, prometia substituir o fator por outro mecanismo. Era campanha. O que chocou Fernando Henrique foi ver os tucanos acendendo pautas-bombas fiscais no ano passado e a defesa que amplos setores do PSDB fizeram do fim do fator previdenciário.
O prefeito Arthur Virgílio diz que a presidente "fará muito mal se ficar presa ao PT, ela fará melhor se resolver dialogar com a sociedade". Para o prefeito, as propostas em discussão não mexem em nada com o PSDB. "Era isso ou não era isso que nós queríamos no governo FHC? Era isso ou não que o PT não nos deixou fazer? Então eu pergunto, o que era bom naquela época que agora é ruim? Ah! O PT não deixou. E eu agora vou imitar o PT"?