Aí se desvela o caráter encapuzado da ação do governo, pondo-se a nu sua natureza predatória, sua agenda anticivilizatória e adversa aos valores cultivados por nossas melhores tradições, muitas delas consagradas constitucionalmente, na medida em que por omissão deliberada na repressão às ilegalidades e aos crimes ali praticados favorece a sua multiplicação. O Brasil é concebido como um território ocupado por forças que lhe são estranhas, empenhadas em destruir os fundamentos da sua civilização e assentar sobre suas ruinas um capitalismo sem freios e excludente da sua população entregue à sua própria sorte.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sexta-feira, 10 de junho de 2022
Luiz Werneck Vianna*: O país da Atalaia do Norte no vale do Javari e da Faria Lima
Fernando Gabeira: Realidade e campanha eleitoral
O Estado de S. Paulo
Chega a ser comovente como não se dão
conta, governo e aliados do Centrão, da existência de uma crise mais profunda.
Há pouco mais de dez anos, um colunista
do The New York Times advertia para a alta dos preços de alimentos e
de energia, para a sucessão de eventos extremos no clima, o aumento da
população mundial e afirmava: daqui a alguns anos, perguntaremos como não
entramos em pânico com indícios tão evidentes de uma crise profunda.
Depois disso, entre outras coisas,
aconteceram uma pandemia que matou 6,3 milhões de pessoas e uma guerra no leste
europeu envolvendo um grande produtor de petróleo e um grande produtor de
alimentos, Rússia e Ucrânia. Era de esperar, com tudo isso, que o preço dos
alimentos fosse às alturas, impulsionado também pelo valor dos combustíveis.
Interessante como essa crise profunda não chega, ainda, a acionar o sinal de emergência no planeta e como, de certa forma, ela passa ao largo do Brasil, em plena campanha eleitoral. Naturalmente que não escapam ao governo os seus efeitos imediatos, nem poderiam escapar, porque a reeleição de Bolsonaro depende disso. Daí sua encenação, mal ensaiada, de um esforço para baixar o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha.
Eliane Cantanhêde: Derrota não, massacre
O Estado de S. Paulo
STF articula nos vestiários o jogo contra ataques à democracia e manobras bolsonaristas
Ao recrudescer os ataques ao Supremo, o
presidente Jair Bolsonaro consegue o oposto do que gostaria. Em vez de rachar,
ele une os ministros, que voltam a jogar como time contra o inimigo maior, ou
melhor, contra quem a maioria da Corte considera o inimigo da democracia: ele
próprio.
O time repetiu ontem a articulação de
bastidores (ou de vestiários...) que usou com sucesso para derrubar a liminar
do ministro Kassio Nunes Marques, bolsonarista, que devolvia o mandato e a
elegibilidade do deputado Fernando Francischini, também bolsonarista.
Nunes Marques tentou demolir a decisão do TSE que, por 6 a 1, transformou a punição de Francischini num marco contra fake news e ataques às urnas eletrônicas. Bolsonaro comemorou. Depois, por 3 a 2, a Segunda Turma mandou a liminar de Nunes Marques para o lixo e Francischini continuou cassado. Aí, Bolsonaro teve um chilique.
Simon Schwartzman*: ‘Para não esquecer’
O Estado de S. Paulo
É na reforma política e institucional que
devemos buscar o caminho para não persistir nos erros de sempre.
O Brasil não é atrasado por acaso. Em quase
800 páginas, Marcos Mendes e 32 colaboradores fazem uma autópsia minuciosa de
24 políticas econômicas e sociais que, nos últimos 20 anos, levaram à
insolvência do Estado, à estagnação econômica e à persistência da pobreza. Os
temas são os incentivos fiscais, créditos direcionados, protecionismo
econômico, empresas estatais, previdência social e educação, entre outros.
A corrupção é mencionada, mas o que mais preocupa são políticas que, mesmo quando bem intencionadas, resultam de concepções erradas sobre a capacidade do setor público de intervir e comandar a economia; políticas que não se baseiam em análises adequadas dos problemas que se tenta resolver; e a falta de mecanismos de acompanhamento de resultados e correção de erros. Em comum, essas políticas compartem a ideia de que são os gastos públicos, não a produtividade, que criam riqueza; que os recursos públicos são infinitos; atendem a grupos ou setores mais articulados, cujos interesses acabam prevalecendo sobre os da grande maioria que não consegue se organizar; e, uma vez implantadas, tendem a persistir, mesmo quando sua ineficiência e seus efeitos negativos se tornam evidentes.
Rogério Furquim Werneck: Lula e seus eleitores
O Globo
O que estamos vendo é que o candidato
petista insiste em um discurso econômico que em nada o ajuda
Tenho arguido aqui que, para conquistar o
eleitorado de centro, Lula teria de se mover para o centro, no eixo que
verdadeiramente importa, que é o da condução da política econômica. Mas houve
quem discordasse, com uma indagação que faz sentido: por que razão Lula faria
isso, quando já há pesquisas sugerindo que ele poderia ser eleito no primeiro
turno?
Posso tentar ser mais claro. De forma
ultraesquemática, podemos classificar os eleitores de Lula em três tipos. Há
uma massa gigantesca deles formada pelo sólido eleitorado petista, que jamais
negou voto a candidatos do partido à Presidência. Chamemos tais eleitores de
Tipo 1.
Mas, na eleição deste ano, Lula também contará com um contingente considerável de eleitores do Tipo 2. Não petistas que nutrem tamanha aversão a Bolsonaro que estão dispostos a votar em Lula de olhos fechados, para evitar, a qualquer custo, o “pesadelo da reeleição”.
José de Souza Martins*: Sociabilidade suicida
Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
A incômoda deterioração urbana de cidades
como São Paulo decorre de que a própria cidade já não é para ser usada no marco
da civilidade, mas para ser consumida
Estudo recente do epidemiologista Jesem
Orellana, da Fiocruz Amazônia, e do psiquiatra Maximiliano Ponta, da Fiocruz
Ceará, sobre ocorrências de suicídios, em 2020, no Norte e no Nordeste, indicou
excesso de suicídios como efeito indireto da pandemia de covid-19. Excesso em
relação aos números normais dessa ocorrência no Brasil.
A taxa de suicídios já vinha crescendo em
níveis preocupantes: 2,7% na década de 1980; 33,3% no período de 2000 a 2012.
Pesquisadores correlacionam possíveis causas dessa anomalia. Aqui também
suicídio é considerado doença, decorrente de determinados atributos, como
idade, sexo, raça e situação social. Na verdade, indicam mais que isso, as
situações de anomia, de supressão de normas e valores que dão sentido à
continuidade da vida.
Relações de causa e efeito na realidade social não são relações propriamente mecânicas, mas relações construídas a partir de causas e fatores explicáveis pelos próprios agentes das ocorrências. Mesmo no suicídio, cuja explicação científica depende do conhecimento dos motivos do suicida.
Maria Cristina Fernandes*: O oratório destelhado de Paulo Guedes
Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
Diálogos do ministro, reproduzidos em “Sem
máscara - o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos”, mostram como ele renova a
ilusão de que seu mérito não está no que faz, mas no que não deixa fazer
“Minha
mãe mandou esta carta para o senhor. Ela é sua fã e vê seu sofrimento. Mandou
esta carta desejando ao senhor muito boa sorte e orações.” O destinatário a devolveu:
“Diz o seguinte para ela: com o filho que ela arrumou para mim, não tem oração
que dê jeito. Eu tô fud... mesmo. Pode devolver isso para ela”. O filho da
piedosa genitora se dirigia à porta quando foi chamado. “Vem cá, me dá a carta.
Diz a ela que vou botar no meu oratório que minha mulher fez lá em casa.
Desculpa eu ter falado isso pra você. É que tô muito aborrecido com sua saída,
mas você tem um nome a zelar. Eu não tenho, né? Só você que tem.”
O emissário da carta é o ex-secretário do
Tesouro Bruno Funchal. E seu destinatário é o ministro da Economia, Paulo
Guedes. A conversa, segundo o jornalista Guilherme Amado, se deu depois que o
ministro e seu ex-secretário foram apresentados às claraboias no teto de gasto
sugeridas pelo Palácio do Planalto: o cálculo passaria a levar em conta a
inflação de janeiro a dezembro, e não mais de julho a junho, e o pagamento dos
precatórios seria parcelado a perder de vista. Funchal não aceitou participar
da farsa e pediu o boné. As orações de sua mãe não aliviaram a barra de Guedes,
mas o filho acabaria como CEO do Bradesco Asset Management.
A história está contada em “Sem máscara - o governo Bolsonaro e a aposta pelo caos” (Companhia das Letras, 2022), livro em que Amado, colunista do Metrópoles, faz o balanço do governo Jair Bolsonaro. A fonte é um dos 47 entrevistados de quem o jornalista tomou depoimento com o compromisso de que não os identificaria. De todos os diálogos colhidos, este, talvez, seja aquele em que mais se reconheça o protagonista, tão reiterado é o comportamento de Guedes com colaboradores, subordinados e jornalistas.
Hélio Schwartsman: O DNA da covardia
Folha de S. Paulo
Se você quer informação eleitoral, é melhor
fiar-se no jornalismo que em banqueiros
Não é difícil entender por que Jair
Bolsonaro ficou tão irritado com a pesquisa eleitoral do Ipespe encomendada
pela XP.
A sondagem, além de confirmar a boa
dianteira de Lula sobre o presidente, mostrou que o petista também é considerado
mais honesto. Foram 35% contra 30%. E, depois de dois megaescândalos de
corrupção envolvendo o PT, a honestidade deveria ser o ponto fraco de Lula. Se
até nesse quesito o petista se sai melhor, é porque a situação está feia para
Bolsonaro.
É óbvio, porém, que disparar contra o mensageiro é a resposta burra para o problema. Foi, obviamente, a que os bolsonaristas escolheram. Eles pressionaram a corretora, que cancelou a divulgação da pesquisa. Se o objetivo era esconder a informação, ela ganhou mais destaque.
Reinaldo Azevedo: Entre a democracia e o caos
Folha de S. Paulo
Bolsonaro mobiliza-se, sim, para dar um
golpe com o apoio das Armas e do seu povo
A pressão feita
por bolsonaristas sobre a XP para interromper a série de pesquisas Ipespe,
instituto comandado pelo sociólogo Antonio Lavareda, porque descontentes com os
números colhidos evidencia o Brasil que esses patriotas têm na cabeça.
Só valem as eleições que eles ganham e só
são aceitáveis os levantamentos que apontam a sua vitória. Jair Bolsonaro tem
um dom, é preciso que se admita: como poucos, ou ninguém antes dele, desperta
em parcela considerável dos brasileiros o que estes têm de pior.
O horror estava lá, guardado, em repouso, reprimido, como deve ser, pelo pacto civilizatório. Ele revolve, com sua ignorância agressiva, o lodo psíquico e existencial de ressentimento, truculência e ódio.
Bruno Boghossian: Bolsonaro pede socorro a empresários para salvar reeleição
Folha de S. Paulo
Corte de lucro sugerido pelo presidente é
uma espécie de doação de campanha descontada no caixa
Quando a cesta básica bateu R$ 560 em São
Paulo, no primeiro ano da pandemia, Jair Bolsonaro sugeriu aos donos de
supermercados que tivessem
lucro "próximo de zero" na venda de alimentos. Desde então, os
preços subiram outros R$ 200, e o presidente teve uma ideia inovadora: nesta
quinta-feira (9), ele pediu ao setor que tivesse o "menor lucro
possível" nesses produtos.
Bolsonaro não fez muito mistério sobre o
que estava por trás do apelo. Num
evento com empresários, ele disse que era preciso dar uma satisfação à
população mais pobre. Aproveitou para apresentar sua plataforma eleitoral,
tentou se contrapor ao que chamou de "o outro lado" e disse que a
ajuda fazia parte de um esforço para "continuar o governo".
A interpretação é simples: o presidente quer que os donos de supermercados cortem os próprios lucros para melhorar o ambiente político a favor de sua reeleição. Na prática, ele pediu uma espécie de doação de campanha, descontada diretamente do caixa das empresas.
Vinicius Torres Freire: Golpe nos preços pode virar crime
Folha de S. Paulo
Pela reeleição Bolsonaro e Guedes querem
que empresas manipulem preços
Jair Bolsonaro (PL) quer que supermercados
diminuam seus lucros a fim de conter a carestia e, assim,
evitar a eleição de Lula da Silva (PT) e a volta do "populismo"
(aquele que nunca foi embora).
Entre vários problemas, trata-se de: 1)
Sugestão de crime contra a ordem econômica; 2) Mais estelionato eleitoral:
fazer demagogia e mentir agora para tudo explodir depois da eleição; 3) Pedido
indireto para que empresas deem dinheiro para a reeleição; 4) Indício de como
um governo autoritário pode meter a mão em empresas, preços e muito mais; 5) A
desmoralização final ou adicional do "liberalismo" de
Bolsonaro-Guedes.
Paulo Guedes detalhou o plano, quase em tom de ordem. "Empresários precisam entender que temos que quebrar a cadeia inflacionária. Estamos em hora decisiva para o Brasil. Nova tabela de preços só em 2023. Trava os preços, vamos parar de aumentar os preços", disse o ministro da Economia. Bolsonaro e Guedes falaram em um encontro da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Vera Magalhães: Vêm aí os fiscais de Bolsonaro e Guedes?
O Globo
Paulo Guedes perdeu os pruridos de vez.
Depois de trancar na gaveta o liberalismo de Chicago, agora se destituiu da
função de ministro da Economia e virou cabo eleitoral de Jair Bolsonaro.
Com isso, ruiu a explicação, desde sempre
falaciosa, de que sua adesão a um candidato, depois presidente, sabidamente
corporativista e iliberal, era uma aliança entre “ordem e progresso”, ou entre
o liberalismo e o corporativismo.
Guedes comprou o pacote completo de
Bolsonaro. Alheio às ameaças diárias que o chefe faz à democracia, aos ataques
à Justiça e à imprensa, também aderiu sem cerimônia aos muitos dribles na
austeridade fiscal, ao intervencionismo em estatais e, pasmem!, se sente à
vontade para defender até truques como congelamento de preços.
Ele, que sempre foi crítico aos erros do
Plano Cruzado e até do Real, exitoso em conter a inflação que agora grassa
descontrolada.
Ao participar remotamente de um congresso
do setor varejista, o ministro escancarou:
—Estamos em guerra.
A dúvida é se fala da guerra contra a alta de preços ou da guerra eleitoral que seu chefe trava com desespero crescente.
Bolsonaro e Guedes fazem apelo por controle de preços
Ministro defende que supermercados tenham tabela ‘só em 2023’
Bolsonaro e Guedes pedem a supermercados que controlem preço
Representantes do setor pediram desoneração
a Paulo Guedes, mas ouviram pedidos de ajuda contra inflação. Presidente
solicitou 'menor lucro possível', enquanto ministro pediu 'trégua'
Por Alice Cravo, Daniel Gullino, Fernanda
Trisotto e João Sorima Neto / O Globo
BRASÍLIA
- Com a inflação muito longe da meta, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro
da Economia, Paulo Guedes, pediram o apoio de empresários do setor de
supermercados para controlar o aumento de preços. Bolsonaro solicitou que eles
tenham o "menor lucro possível" sobre os alimentos da cesta básica,
enquanto Guedes pediu uma "trégua de preços".
— O apelo que eu faço aos senhores, para
toda a cadeia produtiva, para que os produtos da cesta básica obtenham o menor
lucro possível para a gente poder dar uma satisfação a uma parte considerável
da população, em especial os mais humildes — disse o presidente, durante evento
promovido pela Associação Brasileira de Supermercados.
Inflação dos hortifrutigrajeiros em 2022
Os dois participaram por videoconferência.
Bolsonaro está em Los Angeles, para participar da Cúpula das Américas, e Guedes
está em Brasília. O presidente disse que a margem de lucro já diminuiu, mas
pediu que os empresários colaborem "um pouco mais".
— Eu sei que a margem de lucro tem cada vez diminuído mais também. Vocês já vêm colaborando dessa forma. Mas colaborem um pouco mais na margem de lucro dos produtos da cesta básica. Esse apelo que eu faço aos senhores. Se eu for atendido, agradeço muito. Se não for, é porque realmente não é possível.
O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões
Editoriais
Queda da inflação não acaba com
preocupações
O Globo
Junho começa com alento no front econômico.
Após quatro meses de alta e de subir ininterruptamente ao longo de todo o ano
de 2021, com exceção apenas de dezembro, enfim a inflação acumulada em 12 meses
deu sinal de trégua em maio: caiu de 12,13% para 11,73% e ficou abaixo das
projeções. Mais de metade dos 40 analistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico
previa alta acima de 0,59% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA) do mês. O indicador apurado ficou em 0,47%.
A notícia da inflação veio logo depois de
outro dado encorajador. Em maio, o IBGE anunciara que a taxa de desemprego caiu
para 10,5% no trimestre encerrado em abril, recuo de 0,6 ponto percentual em
relação ao trimestre anterior. Os resultados merecem celebração, mas é preciso
ser realista. O Brasil lembra uma casa de dois andares que ficou submersa. As
águas podem ter baixado, mas ainda batem no meio da parede do segundo piso.
Os quase 12% anuais ainda fazem do país a quarta economia com maior inflação no grupo das 20 maiores (G20), atrás apenas de Turquia, Argentina e Rússia. Ninguém em sã consciência acredita que o Banco Central cumprirá a meta deste ano (3,5%, podendo oscilar 1,5 ponto percentual para mais ou menos).