• Governo criminalizou o plano e não sabe reverter
- Valor Econômico
A presidente reeleita Dilma Rousseff, com chance de inaugurar imediatamente a nova compostura do novo mandato, vez que não precisa se mover do lugar em que está, emitiu três sinais preocupantes de resiliência do velho perfil, entre domingo à noite, na comemoração da vitória, e hoje, quando teoricamente já retomou o governo abandonado há quatro meses. O primeiro surgiu como destaque do discurso para aliados, em um palanque representativo de sua coligação, e militantes, cujas provocações deixaram dúvidas sobre o fim do período de disputa.
Ao propor a única iniciativa concreta de tantas que eram esperadas para aquele momento, a presidente anunciou o desejo de fazer um plebiscito sobre a reforma política.
De cara, afrontou o Congresso, que há muito pouco tempo recusou delegar essa atribuição a outros interessados que não os competentes. Provavelmente estava a presidente seguindo conselhos de seus generais de campanha, de que um presidente deve tomar as medidas mais amargas no início do mandato, quando ainda tem muita força. Bastaram dois dias para ela delegar a coordenação disso ao vice, Michel Temer, e para o Congresso reagir negativamente.
O segundo sinal esteve embutido nessa mesma proposta, de onde emergiu a certeza daquilo que na campanha vinha sendo dito com meias palavras para não atrapalhar o cenário de resistência democrática: ela vai governar, principalmente nas decisões que envolvam dificuldades de negociação com outros poderes e outras forças da sociedade, com a mobilização do povo, como Lula fez para se fortalecer à época da denúncia do mensalão.
Os escritores presidenciais já mencionaram a CNBB e a OAB como instituições que têm proposta de reforma política em torno das quais podem mobilizar as massas, começando por aí o que chamam de caminho sem volta.
Do plebiscito da reforma política para o plebiscito - ou o decreto, ou a medida provisória - do controle da mídia será um pulo, inclusive são os mesmos os assessores e integrantes da cúpula partidária que conduzem esses preparativos rumo, finalmente, ao desenlace.
O controle da mídia é um exemplo do recurso do governo ao instrumento de impor medidas por intermédio dos segmentos reunidos em conferências e congressos ou de plebiscitos. O PT continua mantendo em seus militantes acesa a chama da campanha do ódio à imprensa, como ainda se viu na solenidade da vitória, e notadamente pelas redes.
O plebiscito da reforma política, ficou claro, é apenas o primeiro passo para outros. Haverá o plebiscito da pergunta sobre se os brasileiros querem uma imprensa subjugada ou não, entre outras questões sensíveis em uma democracia sem adjetivos?
O diálogo proposto pela presidente, entendido como o fulcro de seu pronunciamento pelos mercados, que nela acreditaram e contiveram histerismos, foi desfeito no mesmo ato. Os ministros e militantes preferiram destilar veneno a festejar.
O governo vem mostrando nesses dois dias subsequentes que estava preparado para a campanha, não para se reeleger. No discurso, ainda da lavra do marqueteiro e do coordenador da campanha nas redes, a vencedora, inclusive, não mencionou o vencido, como é comum fazer-se na civilização. Não reconheceu o adversário que a reconhecera como presidente reeleita minutos antes. A omissão, na face visível, teria sido ainda para atender a um alerta da campanha cibernética.
Passaram-se mais algumas horas e veio o terceiro sinal de que tudo continua no seu estado anterior: o ministro da Fazenda, Guido Mantega, demitido do cargo ao longo da campanha para responder a pressões e exigência de alguma definição, convocou a imprensa para dar declarações teoricamente destinadas a acalmar o mercado, onde caíam as ações e subia o câmbio. Disse as platitudes de sempre, com o otimismo de sempre. Chegou a concluir que a presidente tinha sido eleita porque o povo aprovou sua gestão na economia.
Um discurso inócuo do ponto de vista da política econômica, proferido por um ministro demitido à espera do sucessor, mas um escárnio com os presentes e ausentes. Ainda não se sabe se o ministro tomou a iniciativa de se manifestar ou se foi acionado. É provável que seja a segunda hipótese, tendo em vista que, para reforçar o teste, autoridades do governo divulgaram nomes possíveis de candidatos a substituí-lo, todos palatáveis ao mercado em rebuliço, submetidos à decisão da presidente.
Não se pode dizer que nesses três dias se tenha podido registrar mudança de comportamento, de atitude ou de direção. Nenhuma palavra foi dita, até o presente momento, do plano de governo e rumos do segundo mandato. Como ia criminalizar os programas adversários na estratégia de campanha, a presidente não quis transformar-se em vidraça. Não teria chegado a hora de dizer aos 54 milhões de votos a que veio?
Campanha é trabalho de estiva. Mas a presidente tinha equipes de todas as áreas na sua retaguarda para seguir governando e fazendo os novos programas. Retaguarda contratada, fora do posto. Os ministros se mandaram para o corpo a corpo, ninguém ficou na loja. Por isso, certamente, Dilma irritou-se com a pergunta que lhe foi feita, apropriada a uma presidente já eleita e não mais candidata, na entrevista desta semana à TV Record, sobre nomes da sua equipe e planos de governo.
Ao contrário do que vêm alardeando os encarregados de sua nova imagem, Dilma ainda não mudou de forma visível.
Com uma crise econômica no cenário presente, uma crise de abastecimento de água em três Estados, Dilma Rousseff, com toda a reverência, queimou a largada.
Vai viajar para a praia deixando prevalecer teses e métodos dos generais da campanha. Conseguirá descansar?