segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Paulo Fábio Dantas Neto* - A solidão paradoxal do presidente

O “paradoxo do isolamento em meio à visibilidade” é uma das questões de Richard Sennett, no livro O declínio do homem público: as tiranias da intimidade (São Paulo, Cia. das Letras, 1988, original de 1974). Uma das passagens elucidativas do paradoxo refere-se à sua introjeção num dado estilo de arquitetura, pelo qual o ambiente construído nos leva a pensar no domínio público como espaço sem sentido:

“Paredes quase inteiramente de vidro, emolduradas por estreitos suportes de aço, fazem com que o interior e o exterior de um edifício se dissolvam, até o menor ponto de diferenciação; essa tecnologia permite (...) o máximo em visibilidade. Mas essas paredes devem ser também barreiras herméticas. (...) embora permeável, também isola as atividades desenroladas no interior do edifício da vida da rua. Nesse conceito de projeto, a estética da visibilidade e o isolamento social se fundem” (Sennett, R. O declínio do homem público, pag. 28).

 Uso, metaforicamente, a reflexão de Sennett para iniciar um comentário sobre uma peça de ficção que, na semana que passou, foi motivo de nova fricção no tenso ambiente político nacional. Ela entrou em cartaz através de mais uma fala polêmica do presidente da República, na quarta semana de mandato. Em viagem internacional oficial, Lula afirmou que houve um golpe de estado no Brasil em 2016 e que esse teria sido o marco zero de um processo maligno de destruição da obra benigna dos governos petistas de 2003 até ali. De bate-pronto recebeu dura resposta do ex-presidente Michel Temer, o suposto agente primordial do extermínio que o seu sucessor, Jair Bolsonaro, teria consumado. E, como não poderia deixar de ser, uma sequência de críticas, sem que faltassem também, é claro, aclamações.

Antonio Lavareda* - Os ataques e a leniência militar

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

[RESUMOO Brasil sofreu 13 investidas golpistas desde a Independência, entre as quais o ataque aos três Poderes no último dia 8. A ação dos bolsonaristas guarda semelhanças com o levante da AIB (Ação Integralista Brasileira) em 1938. Nesses episódios, os golpistas encontraram a residência e a sede da Presidência desguarnecidas, as forças de segurança demoraram a chegar e houve omissão de setores do Exército. Resta saber se o futuro da nova extrema direita será melhor que o do fascismo tropicalizado dos anos 1930, que entrou em declínio após a Segunda Guerra.

Alguns fenômenos políticos, sobretudo quando inusuais e estrepitosos, ao ocorrerem tornam irresistíveis os exercícios comparativos. É quando a leitura dos fatos os coloca em perspectiva, permitindo identificar singularidades, de um lado, e constantes históricas, de outro.

8 de Janeiro, que despertou estupor no mundo, por certo demandará um olhar assim quando as investigações descortinarem toda a sua tessitura, incluindo, além dos vândalos, a autoria intelectual e os apoiadores explícitos e ocultos e esclarecendo como se dava a relação entre os quartéis e os acampados à sua frente.

Nós não temos, que eu saiba, um estudo comparativo suficientemente amplo desses processos de tomada violenta do poder na América Latina, embora o continente seja pródigo deles. Nem mesmo das revoluções havidas —do que, aliás, já reclamava Joaquim Nabuco (1849-1910) em sua releitura do fim trágico do presidente chileno José Manuel Balmaceda— e muito menos no Brasil, onde, desde a Independência, tivemos 13 golpes de Estado, exitosos ou não.

Eles se distinguem dos movimentos separatistas, como a Confederação do Equador (1824) ou a Guerra dos Farrapos (1835-1845). Diferem também de outros conflitos como a Revolução Constitucionalista de São Paulo (1932) e mais ainda dos movimentos revoltosos tenentistas, incluída a Coluna Prestes (1924).

Golpes ou autogolpes implicam o assalto direto aos Poderes e objetivam a ruptura constitucional. Foram de iniciativa palaciana os de 1823 (dissolução da Assembleia Constituinte), 1840 (Golpe da Maioridade), 1891 (Deodoro fecha o Congresso) e 1937 (Estado Novo). O de Marechal Deodoro durou apenas 20 dias.

Todos os demais tiveram como objetivo a destituição ou o impedimento dos então chefes de Estado. Começando pela implantação da República (1889), depois pela Revolução de 1930, que culminou com o golpe militar que depôs Washington Luiz, pela Intentona Comunista (1935), pelo Levante integralista de 1938, pela deposição de Vargas (1945), pelo chamado contragolpe legalista do marechal Lott (1955), pela adoção forçada do parlamentarismo (1961), pelo golpe militar de 1964, que inaugurou a Quinta República, e pelo assalto às sedes dos três Poderes em janeiro de 2023. Golpes e autogolpes vitoriosos foram 70% deles.

Fernando Gabeira - As raízes intelectuais da tragédia ianomâmi

O Globo

A visão negacionista de Bolsonaro, e infelizmente de muitos militares, se articulou com o catequismo evangélico

Os mais novos não se lembram da grande fome na antiga Biafra, que pertenceu à Nigéria. Eram impressionantes as imagens das crianças, com os ossos salientes na pele. Na verdade, uma antevisão da morte, pois assim ficamos quando repousamos para sempre. É difícil aceitar que imagens semelhantes apareçam agora no Norte do Brasil: esquálidas crianças ianomâmis sendo resgatadas às pressas.

Meu primeiro contato com os ianomâmis foi na Suécia, quando estudava antropologia. Era um documentário sobre um povo altivo. Na volta ao Brasil, pude visitar algumas aldeias remotas ianomâmis, na condição de deputado, usando helicópteros do Exército. Naquele momento, o governo Fernando Collor já tinha demarcado os 181 mil quilômetros quadrados do território ianomâmi. Mas sempre houve contestação. A mais simples era esta: não é muita terra para pouca gente? Temos visões diferentes. Nem todas as áreas são para a produção, algumas são apenas sagradas.

Miguel de Almeida - O dízimo golpista

O Globo

Sob o governo bolsonarista, os religiosos conservadores sentiram-se confortáveis na sedição contra a democracia

‘Em nome do pai, dos filhos, dos espíritos e dos santos, amém’ é o enredo de 2023 da Gaviões da Fiel. As alas da escola reunirão na avenida espíritas, evangélicos, católicos e seguidores do candomblé e da umbanda. Contra a intolerância religiosa, a alegria da música e a irreverência carnavalesca.

No ano passado, a mesma Gaviões desfilou sob o tema “Basta!”, em referência direta aos desmandos na saúde, educação e política esperneados por aquele ex-líder da extrema direita. Dizia a letra do samba: A democracia alienada e a ditadura disfarçada/basta de hipocrisia/é hora da luta sair do papel.

E, logo depois das eleições presidenciais, a torcida da Gaviões protagonizou a mais linda reação aos golpistas, quando, a caminho do Rio, em razão de um jogo contra o Flamengo, rompeu os bloqueios dos caminhoneiros em avenidas de São Paulo. Os bolsonaristas em fuga ainda puderam ver pelo retrovisor, no alto de um viaduto, a faixa estendida pela torcida corintiana: “Somos pela Democracia”.

Denis Lerrer Rosenfield* - Os militares e a democracia

O Estado de S. Paulo.

Se golpe não houve, isso se deve a três generais democratas que exerceram um efetivo protagonismo, embora pouco tenha aparecido na imprensa

O Brasil esteve à beira de uma ruptura institucional, com o golpe espreitando a Nação. E não se trata apenas da violência bolsonarista do dia 8 de janeiro, com a destruição dos símbolos mesmos da República, mas da divisão reinante nas Forças Armadas e, em particular, no Exército. E isso data dos últimos meses do governo anterior e dos primeiros dias do novo. Uma vez que a política penetrou nos quartéis, a cisão interna se fez entre militares constitucionalistas e golpistas, alguns desses da reserva, com forte influência junto ao ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem eram próximos.

Se golpe não houve, isso se deve, entre outros, a três generais democratas que exerceram um efetivo protagonismo, embora pouco ou nada tenha transparecido na imprensa senão recentemente. Agiram nos bastidores, entre outras razões, para resguardar a imagem do Exército enquanto força coesa, embora a realidade fosse diferente. São eles: general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, agora comandante do Exército, general Valério Stumpf, chefe do Estadomaior do Exército, general Richard Fernandez Nunes, comandante do Comando Militar do Nordeste.

Felipe Moura Brasil - Lula 3 x Lula 1

O Estado de S. Paulo.

Já que Lula não vai mais para a cadeia, a única chance de seu governo dar certo é fazer mais do que falar

As frases mais verdadeiras de Lula são de 2003, antes do mensalão, do petrolão, do uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a favor de ditaduras socialistas, das fraudes fiscais e da crise econômica nos governos do PT.

Naquele ano, ele confessou em 27 de março:

“Quando a gente é de oposição, pode fazer bravata porque não vai poder executar nada mesmo. Agora, quando você é governo, tem de fazer; e aí não cabe a bravata.”

Em 22 de abril, ele reconheceu também:

“Nós não somos vítimas de nada. Somos vítimas da nossa competência ou da nossa incompetência.”

No mesmo dia, ele ainda sentenciou:

“Como dizia Lampião em 1927, neste país, quem tiver 30 contos de réis não vai para a cadeia.”

Chanceler da Alemanha se reúne com Lula de olho em ampliar parceria e desenvolvimento sustentável

Em ofensiva de charme, Scholz busca reativar relação marcada por promessas, mas que nunca alcançou pleno potencial

Por André Duchiade / O Globo

Desde agosto de 2015 um chanceler alemão não viaja a Brasília. Após os ex–presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro serem ignorados, Luiz Inácio Lula da Silva recebe nesta segunda-feira no Planalto Olaf Scholz, chefe de governo da quarta maior economia do mundo, com meio ambiente, apoio à democracia e o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE) no topo da agenda. Para além das amabilidades, o desafio é fazer andar uma parceria que há muito parece promissora, sem jamais alcançar o pleno potencial.

Para o Brasil, o interesse é elementar. Após quatro anos de ostracismo, durante os quais não houve uma só recepção oficial para Bolsonaro em uma grande capital europeia, o governo deseja antes de tudo reativar a sua política externa e se aproximar de um país rico e poderoso, com potencial de maior cooperação em áreas como clima e tecnologia e interesses convergentes em temas difíceis como a reforma do Conselho de Segurança da ONU.

— Este encontro tem a missão primária de restabelecer as relações. O Brasil precisa ter uma política exterior, o país é grande demais para não ter uma orientação no plano internacional como vinha acontecendo — afirmou ao GLOBO Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da UFMG. — A Alemanha é o país mais rico da Europa, fundamental nas relações internacionais, e as relações certamente estão abaixo do seu potencial. O Brasil busca retomar o curso normal.

Pauta de Haddad é teste para base aliada no Congresso

Votação de Medida Provisória que altera regras do Carf será primeiro desafio. Novo arcabouço fiscal e reforma tributária estão entre as prioridades

Por Manoel Ventura / O Globo

A posse dos novos deputados e senadores e as eleições para as Mesas Diretoras das duas Casas do Congresso, nesta semana, marcam também o começo das negociações intensas para a pauta econômica conduzida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Com uma agenda prioritária definida para este ano, o governo usará como primeiro teste da sua base aliada e da capacidade de articulação a votação da medida provisória (MP) que alterou regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Um dos principais pontos do plano fiscal de Haddad, a MP restabeleceu a regra alterada em 2020 que prevê vantagem do Fisco em caso de empate nos julgamentos do tribunal administrativo da Receita Federal. Polêmica, a medida é criticada por empresários e tributaristas e deve enfrentar resistências no Congresso. O governo calcula impacto de cerca de R$ 60 bilhões com ela.

— Faltou um pouco de sensibilidade para entender que foi uma legislação aprovada amplamente pelo Congresso. A reação do setor produtivo e também de outros segmentos da sociedade nos dá confiança de que conseguiremos reverter este equívoco — disse o deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, numa fala que dá o tom do desafio que o governo enfrentará com relação ao tema.

Para integrantes do governo, será o momento de testar a base, que ainda está sendo construída pelo presidente Lula. Haddad também propôs um programa de refinanciamento de dívidas tributárias, o chamado Litígio Zero.

Gustavo Loyola* - Lula e seus equívocos

Valor Econômico

Lula busca pontos de atrito com o BC enquanto questões como o ajuste das contas públicas seguem minimizadas

No artigo anterior que escrevi para esta coluna, tratei dos sérios desafios que esperavam Lula no início do seu terceiro mandato presidencial. Mencionei especialmente que o maior desafio para Lula seria o de abandonar as ideias preconcebidas que, ao final, levaram à debacle da gestão Dilma e à grande recessão de 2015/2016. Infelizmente, parece que o pior está se confirmando, com o presidente recém empossado insistindo em ideias e teses equivocadas que já foram testadas aqui e em outros países com resultados desastrosos.

De todos os desatinos que se pode atribuir a Lula, já nas primeiras semanas do seu mandato, o mais significativo e perigoso foi seu ataque gratuito à independência do Banco Central e à maneira pela qual a política monetária vem sendo conduzida até aqui. Frases tolas ditas por Lula em entrevista à Globonews, como “Por que o banco é independente e a inflação está do jeito que está e o juro está do jeito que está?”, mostram não apenas ignorância profunda em relação aos mecanismos da política monetária, como também alheamento dos problemas conjunturais da economia.

Bruno Carazza* - Eleições no Congresso e realismo político

Valor Econômico

Situação de Lula é bem mais complicada do que em 2003

Primeiro de fevereiro de 2003. O deputado João Paulo Cunha (PT-SP), único concorrente, é eleito presidente da Câmara para o biênio 2003-2004, com 434 votos. No Senado, também com apenas um candidato, José Sarney (PMDB-MA) receberia a incumbência de comandar aquela Casa nos dois primeiros anos do governo Lula.

Entre os cargos mais importantes do Parlamento, a presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara ficou com o petista Luiz Eduardo Greenhalgh (SP). Sua equivalente no Senado foi para Edison Lobão (PMDB-MA).

Na área econômica, a poderosa Comissão de Finanças e Tributação (CFT) coube ao deputado Eliseu Resende (PFL-RJ). Já a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) seria comandada pelo senador Ramez Tebet (PMDB-MS). A Comissão Mista de Orçamento ficou com o senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM).

Há vinte anos, a distribuição dos principais cargos diretivos no Legislativo refletia o peso de cada partido. De um lado, o PMDB tinha 25 senadores, quase o dobro do PT (13). Já o PT era o maior partido da Câmara, com 91 deputados, seguido do oposicionista PFL (76) e do PMDB (70).

Marcus André Melo*- Inelegibilidade de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Há dois cenários distintos mas igualmente plausíveis; a economia será decisiva

Há expectativas crescentes quanto à eventual decretação da inelegibilidade de Bolsonaro pelo Judiciário. Considerando o enorme impacto do assalto à praça dos Três Poderes junto à opinião pública e as vulnerabilidades que provocou no campo bolsonarista, atores políticos e analistas enxergam uma janela de oportunidade para "cortar o mal pela raiz". Ou para o retorno à "normalidade".

A análise positiva, não normativa, da questão sugere que há um cenário alternativo igualmente plausível.

O primeiro cenário é que ao ser impedido de disputar eleições Bolsonaro deixaria de ser ameaça. Retornaríamos assim ao padrão de disputa anterior vertebrado por uma competição entre PT e o centro ou centro-direita. Este cenário seria francamente desfavorável ao PT que se alimenta do aguçamento da polarização exacerbada pelo bolsonarismo. Lula viabilizou-se como alternativa ao status quo; sua vitória foi produto não de uma frente ampla mas de uma maioria eleitoral negativa contra Bolsonaro.

Lygia Maria - Atos e palavras

Folha de S. Paulo

Vandalismo golpista em Brasília deve ser punido com rigor, mas MP que propõe regulação de postagens em redes sociais é temerária

O governo federal está de fato preocupado com o que as pessoas falam nas redes sociais. Além de criar a Procuradoria de Defesa da Democracia da Advocacia Geral da União (AGU), para combater a desinformação contra políticas públicas, o Ministério da Justiça lançou um pacote de medidas antigolpismo, incluindo uma Medida Provisória (MP) que regula postagens em plataformas online.

Após o ataque bolsonarista em Brasília, parece tudo muito louvável, mas devemos ter cuidado com o impulso punitivista que costuma surgir após eventos extremos. Foi assim com o 11 de Setembro. O governo dos EUA implementou normas que infringiram direitos individuais e provocaram prisões ilegítimas.

Ana Cristina Rosa - Guerras do Brasil

Folha de S. Paulo

Povos originários sempre foram alvo de extermínio no país

As imagens estarrecedoras divulgadas nas últimas semanas escancararam aos olhos do mundo que no Brasil há uma guerra contra o povo.

O fato de a população yanomami estar definhando é a evidência mais recente de que a exploração das riquezas minerais iniciada no período colonial jamais foi abandonada e se intensificou de forma desmedida e criminosa nos últimos anos.

Por mais chocante que seja, no Brasil os povos originários sempre foram alvo de extermínio —assim como os descendentes de africanos, é bom que se diga.

Fruto da ausência do Estado, a disputa de território entre milicianos e traficantes nas periferias do Rio de Janeiro resultou no registro de 216 tiroteios já nos primeiros dias do ano (dados do Instituto Fogo Cruzado), por exemplo.

Ruy Castro - Mais opções para onde me mandar

Folha de S. Paulo

A ideia era ir para um lugar tão remoto que o bodum bolsonarista não pudesse me alcançar

Escrevi aqui há dias que várias vezes nos últimos anos pensei em me mandar para algum lugar bem longe dos flatos verbais de Bolsonaro. E citei opções óbvias como Pasárgada, Maracangalha. Atlântida, Xanadu. Mas isso foi no começo. Se a ideia era me esconder num lugar imaginário, deveria ser um refúgio tão recherché que não haveria hipótese de o bodum bolsonarista me alcançar.

Pensei em Brigadoon, uma aldeia invisível nas Highlands escocesas, que só existe fisicamente por um dia em cada cem anos, quando seus cidadãos despertam de um sono mágico que lhes garante a imortalidade. Passei. Então ocorreram-me os Seios de Sabá, duas escarpas gêmeas quase inacessíveis na Kukuanalândia, perto da atual África do Sul, cujas cavernas abrigaram as minas de Salomão. Não. Melhor seria se eu fosse para Kor, cidade em ruínas onde fica hoje a Somália, dominada por uma deusa de 2.000 anos, a belíssima Ayesha, ou Ela.

Angela Alonso* - Lições da História

Folha de S. Paulo

Simples nos costumes e moralizadores do Estado, Floriano Peixoto e Jair Bolsonaro se recusaram a transmitir seus cargos

Eleição ganha, posse marcada, o futuro presidente circulou pela capital da República. Um entusiasta o reconheceu e, do meio da multidão, gritou seu nome e um viva. Voz logo abafada por sopapos de fanáticos do chefe de governo em fim de mandato. Era dos que o encorajavam a manter no bolso as chaves da República, com um decreto instituindo a ditadura.

Por isso, na posse, o eleito afirmou o compromisso com todas —não só quatro— as linhas da Constituição. Pediu: "Que todos os brasileiros, especialmente os depositários do poder público, contribuam com seus esforços dedicados e perseverantes para conseguirem que a República seja o que deve ser —um regime de paz e de ordem, de liberdade e de progresso, sob o império da justiça e da lei".

Podia ser 2023, mas era 1894. Prudente de Moraes assumia a nação depois de Floriano Peixoto, que gerara em torno de si um culto de obcecados. Inconformados com a transição, arregimentaram-se em "batalhões patrióticos" e saíam na mão ou na bala com quem desdissesse as qualidades de seu mito. Convictos de que dele dependia a salvação nacional, exigiam sua volta.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

A dimensão do crime contra Yanomamis

O Estado de S. Paulo.

Surgem indícios de que a catástrofe não foi causada apenas por descaso ou incompetência do governo Bolsonaro, mas por omissões criminosas, fraudes, obstruções e corrupção

A tragédia humanitária dos Yanomamis é chocante, mas não surpreendente. Sem dúvida, toda a sociedade brasileira precisa fazer um exame de consciência em relação ao abandono histórico dos povos originários. Mas surgem indícios de que o governo Jair Bolsonaro descumpriu deliberada e criminosamente suas obrigações legais para com os Yanomamis.

Desde 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito de uma ação relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso, vinha baixando decisões que obrigavam o governo a ampliar a proteção aos Yanomamis, incluindo um plano de expulsão de garimpeiros e madeireiros atuando ilegalmente na reserva e medidas de segurança sanitária e alimentar. Segundo nota do gabinete do relator emitida na última quinta-feira, 26, “as operações, sobretudo as mais recentes, não seguiram o planejamento aprovado pelo STF e ocorreram deficiências”. A Corte ainda “detectou descumprimento de determinações judiciais e indícios de prestação de informações falsas à Justiça”.

Poesia | Manuel Bandeira - Belo Belo

 

Música | MPB4 - Roda Viva (Chico Buarque)