sábado, 27 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editorias / Opiniões

Regra do mínimo corrói reforma da Previdência

O Globo

Como apontou colunista do GLOBO, impacto das economias previstas para dez anos cairá pela metade

Pela nova regra proposta pelo governo e aprovada pelo Congresso no ano passado, o salário mínimo passou a ser corrigido pela inflação do ano anterior somada ao crescimento do PIB de dois anos antes. Em palanques ou no púlpito do Parlamento, defensores da nova lei exaltaram a necessidade de resgatar a dívida social histórica do Brasil. Um olhar mais atento, porém, faz lembrar a máxima atribuída ao Conselheiro Acácio: o problema das consequências é que elas vêm depois. O governo decidiu dar com uma mão, mas acabará tirando com a outra.

Como aposentadorias e benefícios sociais estão atrelados ao salário mínimo, todo aumento repercutirá nas contas do governo. As despesas com o INSS saíram de 2,5% do PIB em 1988 para 8% hoje. Com a nova lei e o envelhecimento da população, não pararão de aumentar. Quanto mais dinheiro for destinado à Previdência e à Assistência Social, menos sobrará para saúde, educação, segurança pública, infraestrutura ou ciência e tecnologia — investimentos capazes de alavancar a economia e beneficiar a renda e o bem-estar dos brasileiros.

Marco Aurélio Nogueira* - Os demônios dos democratas brasileiros

O Estado de S. Paulo

Não há, no Brasil atual, um desaguadouro da movimentação social, que fica assim com baixa potência e pouca incidência reformadora

Agora que o ano político começou, com direito a campanhas eleitorais em gestação e eleições em outubro, é importante pensar nas questões que atormentam o movimento democrático brasileiro desde ao menos 2013, data em que as ruas falaram alto, embaladas pelas redes sociais, que então se disseminavam.

Tal reflexão é, na verdade, uma exigência. Antes de tudo porque o sistema democrático existente realmente funciona voltado para dentro de si mesmo. Privilegia as negociações entre o governo e os demais Poderes de Estado, que estão manchadas pela desconfiança recíproca, pela reduzida transparência e pelo desinteresse em produzir uma ideia de sociedade, políticas claras e eficientes, uma comunicação inteligente com os cidadãos. Isso tem significado que a distância entre governantes e governados permanece grande demais, impossibilitando a formação de um “bloco histórico” de forças que reformem e direcionem o País. Prolonga-se, assim, uma situação de paralisia relativa, diante da qual as atuais ideias de “frente” são meras ilusões ou manobras retóricas.

Bolívar Lamounier* - Perdemos nosso bode expiatório

O Estado de S. Paulo

Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda percebeu que algo havia de errado em nossa mania de usar Portugal como uma Geni

Até poucas décadas atrás, nossa pobreza era mais ou menos igual à de hoje, mas vivíamos bem, tínhamos até certo senso de humor, porque tínhamos um excelente bode expiatório: Portugal.

Toda vez que um indivíduo mencionava uma mazela, outro replicava: culpa de Portugal. Culpa da colonização. Azar nosso termos sido descoberto por um país pequeno, pobre e atrasado. Com seu inexcedível brilho, o compositor Chico Buarque ressaltou que xingar o Brasil era pouco, era preciso injuriá-lo, e tascou: um dia vamos nos tornar um grande Portugal. Pois é, ilustre poeta, que pena você ter errado por uma margem tão larga. Quem nos dera se tivéssemos realizado o sonho de nos tornarmos um grande Portugal. Hoje, somos um país estagnado, incapaz de retomar o crescimento econômico, vendo a criminalidade subir à estratosfera e moradores de rua se apinhando até nos melhores bairros das melhores cidades.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Necessidades e interesses

Os líderes do pós-Guerra negaram-se a entregar o destino das massas ao liberalismo econômico dos anos 20, embrião do nazifascismo

Vou perturbar os leitores de CartaCapital com considerações a respeito das duas dimensões que convivem nas sociedades capitalistas: as necessidades e aspirações coletivas de boa vida dos cidadãos e os interesses particularistas que se realizam através do mercado. Nesse jogo, crucial para a vida moderna e civilizada, deve-se reconhecer que a convivência entre os interesses contrapostos exige um exercício permanente das políticas comprometidas com a soberania popular e com o bem-estar dos cidadãos.

O debate contemporâneo está contaminado por indagações binárias do tipo “é isto ou aquilo”. Estado ou Mercado?

É ousadia deselegante um modesto economista invocar um filósofo da estatura de Hegel para arrostar essa banalidade. Mas vou cometer tal impropriedade. Na Introdução à Ciência da Lógica o mestre de Iena asseverou:

“Quando as formas são tomadas como determinações fixas e consequentemente em sua separação uma da outra, e não como uma unidade orgânica, elas são formas mortas e o espírito que anima sua vida, a unidade concreta não reside nelas. …O conteúdo das formas lógicas nada mais é senão o fundamento sólido e concreto dessas determinações abstratas”.

As lideranças democráticas subiram os impostos sobre os ricos e, assim, ensejaram a prosperidade

A unidade orgânica entre as dimensões do capitalismo foi reconhecida no acolhimento dos direitos sociais e econômicos, na posteridade da Segunda ­Guerra Mundial por europeus e americanos. ­Roosevelt, Atlee, De Gaulle, De ­Gasperi e Adenauer sabiam que não era possível entregar o desamparo das massas aos desvarios do liberalismo econômico dos anos 20, matriz das soluções nazifascistas que demoliram as liberdades. Por isso, sacralizaram os princípios do liberalismo político para expurgar da vida social o arranjo econômico liberal dos anos 20, origem dos totalitarismos.

Pablo Ortellado - Conservadorismo entre homens jovens

O Globo

A explicação mais simples é a reação ao movimento feminista

Na edição de ontem do jornal Financial Times, o repórter-chefe de dados, John Burn-Murdoch, compilou estatísticas interessantes mostrando a crescente divergência ideológica entre homens e mulheres jovens em diferentes países. Enquanto elas têm se tornado mais progressistas, eles se tornaram mais conservadores. A constatação merece reflexão.

Desde que a polarização política se tornou global, diversos pesquisadores perceberam um padrão demográfico. Enquanto os mais jovens aderem ao progressismo, os mais velhos se agarram ao conservadorismo. O principal estudo apresentando essa tese, a partir de dados dos Estados Unidos e Europa, é dos cientistas políticos Pippa Norris e Ronald Inglehart no já clássico livro “Cultural backlash” (Cambridge, 2019).

Eduardo Affonso – 200

O Globo

Vão acabar com a Feira de Acari, talvez com a mesma logística usada para dar fim às cracolândias: mudando seu endereço

Hoje vou me permitir uma heresia: um texto em primeira pessoa. Eu, que fujo dela como um pobre-diabo, se pudesse, fugiria do SUS. Porque é desnecessária: numa coluna de opinião, em cada frase há um “eu” implícito. O Houaiss endossa: opinião é o “julgamento pessoal (justo ou injusto, verdadeiro ou falso) que se tem sobre determinada questão”.

Quando o colunista diz “é”, não quer dizer que seja, mas que ele vê dessa forma. Tomar partido — pecado no jornalismo — no artigo de opinião é virtude. Mais: é sua razão de ser.

Anúncio classificado tem viés (“Magnífico 2 quartos, claro, arejado”). Previsão do tempo tem subjetividade (“Chance de alguns raios e ventos moderados. Demais regiões com pouca chuva”). Por que uma coluna de opinião deveria ser “neutra”? Como haveria de ser “objetiva”?

Carlos Alberto Sardenberg - Para os amigos, tudo

O Globo

Culpados, com sentenças em todas as instâncias, não são declarados inocentes. Apenas se arranja uma formalidade, e todo mundo livre

Quando a descoberta dos casos de corrupção estava no auge, derrubando políticos e empresários, tive uma boa conversa com Fernando Henrique Cardoso, já ex-presidente, sobre as relações perversas entre os interesses públicos e privados no Brasil. Um grande empresário, que começava a ser apanhado, havia dito a interlocutores que estava em curso a formação de ampla aliança para acabar com aquela sangria. FH estaria nesse movimento.

De jeito nenhum, disse o ex-presidente quando o procurei para checar a história. Lembro que ficou bem incomodado. Falou com várias pessoas para entender e desmentir a versão do empresário — que, aliás, acabou preso e fez delação.

Para além dos fatos, a questão que colocava para o político e sociólogo FH era a seguinte: como o país havia sido tão tolerante com a corrupção? Pensando bem, o que mais chamava a atenção na Lava-Jato e noutras operações não era propriamente a roubalheira revelada, mas o fato de, finalmente, apanharem os corruptos.

Carlos Góes - O que a economia diz sobre a nova política industrial do governo

O Globo

Esperemos que guardem alguns milhares para avaliar os bilhões em subsídios. Aí no futuro poderemos aprender com nossa realidade

Esta semana, o governo federal lançou um grande pacote de política industrial, com vistas ao que ele mesmo denominou de “neoindustrialização”. Por meio do BNDES, o governo vai oferecer crédito (subsidiado) de até R$ 300 bilhões para a indústria nos próximos dois anos. O lobby da grande indústria, como a CNI e a Fiesp, como esperado, celebrou.

Por um lado, a medida evoca uma série de políticas de sucesso duvidoso da era da escolha de campeões nacionais, na década passada. Por outro, ela também vem na esteira de novas evidências científicas sobre políticas industriais, que mudaram o consenso negativo de outrora em relação a essas políticas.

E quais são essas novas evidências?

Hélio Schwartsman - Democracia amputada

Folha de S. Paulo

Sub-representação de paulistas na Câmara dos Deputados é falha institucional grave que cobra reparo

Se a escola pública fosse um pouco melhor e ensinasse direito os rudimentos da matemática, paulistas já teriam pegado em armas para pôr um fim à escandalosa sub-representação política a que estão submetidos. Se temos interesse em manter a democracia, como acho que temos, é importante apontar os garrotes que a apertam, de modo que possamos aprimorá-la.

Um desses gargalos é o teto constitucional de 70 deputados federais por estado. Apenas São Paulo é atingido por tal mecanismo, que representa uma violação ao mais elementar dos princípios democráticos, que é o de que o voto de todos os cidadãos deve idealmente ter o mesmo peso. Mas na Câmara dos Deputados, onde a lógica do "um homem, um voto" deveria prevalecer, isso não ocorre. A Casa abriga 513 parlamentares. Numa conta de guardanapo, SP, com 22,2% da população do país, faria jus a uma bancada de 114, mas, por causa do teto, tem sua representação tolhida em 44 assentos, o que equivale mais ou menos a um RJ.

Dora Kramer - Fuga dos extremos

Folha de S. Paulo

Nunes vai isolar extremistas para fugir do embate entre Lula e Bolsonaro na campanha

A disposição do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) de fazer da eleição de 2024 um ensaio para 2026 e, notadamente em São Paulo reeditar o embate de 2022 entre ele e Jair Bolsonaro (PL), impõe um desafio ao prefeito Ricardo Nunes (MDB): manter o foco nos problemas da cidade em sua campanha pela reeleição.

Nunes está convicto de que, se dançar conforme a música de Lula, corre o risco de cair numa armadilha. Por isso, seu tom será outro. "Vou sair da discussão de terceiro turno da eleição presidencial" avisa, concentrado que estará em estabelecer as diferenças entre Guilherme Boulos, candidato do PSOL, e ele na capacidade de administrar a maior cidade do país.

Adriana Fernandes - STF, Haddad e taxação de importados

Folha de S. Paulo

Supremo pode tirar bomba da taxação de importados do colo de Haddad

taxação das compras internacionais até US$ 50 colocou o STF (Supremo Tribunal Federal) mais uma vez como ator central na decisão de um tema sensível para a política econômica do governo Lula 3.

Com o movimento das duas maiores confederações empresariais CNI (indústria) e CNC (comércio) de entrar com uma ação no STF para acabar com a política de tarifa zero do Imposto de Importação de bens de pequeno valor que são enviados a pessoas físicas no Brasil, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, saiu do foco de pressão do Planalto, contrário a qualquer tipo de taxação.

Bom para Haddad, que tira essa bomba de impopularidade do seu colo. Ruim para muitas lideranças do Congresso que seguem incomodadas e críticas à pauta econômica tomando o caminho na direção do prédio ao lado da praça dos Três Poderes, o do Supremo.

Demétrio Magnoli - Esquecer Auschwitz?

Folha de S. Paulo

Ação sul-africana e apoio do governo Lula a ela é estufa de mudinhas do antissemitismo

Este sábado (27), aniversário da libertação de Auschwitz, é o Dia Internacional da Memória do Holocausto. O governo da África do Sul, com apoio do governo do Brasil, decidiu enterrar a memória do genocídio dos judeus europeus por meio de uma cínica acusação de genocídio contra o Estado judeu.

Na guerra civil síria, o regime de Bashar al-Assad matou mais de 300 mil civis. Cidades inteiras sofreram bombardeios devastadores. Forças do Irã e da Rússia participaram dos massacres. Nenhum país acusou a Síria, na CIJ (Corte Internacional de Justiça), de praticar genocídio. Com razão: a ditadura síria não cometeu o crime dos crimes.

Oscar Vilhena Vieira* - O movimento das marés

Folha de S. Paulo

Tudo indica que nos EUA a onda de populismo autoritário voltará com mais força e fúria

É um equívoco achar que as marés simplesmente passam. Elas vêm e voltam. E tudo indica que nos Estados Unidos a onda de populismo autoritário, encabeçada por Donald Trump, retornará com mais força e fúria. Ressentido, Trump não poupará esforços para romper as amarras estabelecidas pela Constituição para que possa exercer o poder sem embaraços.

Se há uma característica comum às diversas vertentes do populismo autoritário é o seu anti-institucionalismo. As instituições liberais, criadas para estabilizar relações e conter o exercício arbitrário do poder, devem ser subjugadas ou capturadas, para atender os desígnios do líder populista.

O emprego da Abin para investigar opositores e autoridades vistas como inimigas por Bolsonaro, além de proteger familiares, se comprovado, é uma amostra de como populistas autoritários instrumentalizam as instituições para atender seus objetivos.

Poesia | Balada do amor através das Idades, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Alceu Valença - De Janeiro a Janeiro (com. Maria Bethânia)