sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Opinião do dia - Edmar Bacha*

• Como o sr. avalia a economia hoje?

Está se comportando de uma forma com poucas experiências históricas anteriores comparáveis. Quando houve recessão mais profunda, a recuperação em geral foi quase em forma de V. Hoje, estamos patinando em L e não conseguimos sair.

Acho que é cedo para ter diagnóstico preciso, mas eu imagino que tenha algo como: a máquina quebrou e tem que trocar. Nesse processo de substituir uma máquina estatizada por uma privatizada, não estamos conseguindo achar o caminho. E este governo não ajuda.

• Como não ajuda?

Por um lado, tem toda essa atitude. O pessoal antigamente dizia que o governo era de coalizão no tempo do Fernando Henrique e o Lula transformou em governo de cooptação. Agora o Bolsonaro está fazendo governo de colisão. Está batendo de frente com todos, Câmara, Senado, governadores. Bolsonaro dá muita insegurança.


*Edmar Bacha, economista. Entrevista: Agenda liberal deste governo é tropicalizada, não vale para empresário, Folha de S. Paulo (25/02/2020)

Merval Pereira - Negociação é a saída para a crise política

- O Globo

O governo não tem uma base que o apoie em relação ao Orçamento, que está no centro desta disputa com o Legislativo

Além de o presidente Bolsonaro levar para onde vai uma crise institucional a tiracolo, há uma disputa de poder real entre o Executivo e o Legislativo na distribuição de verbas do orçamento que merece uma atenção especial.

A crise viajou, comentava ironicamente o então senador Fernando Henrique Cardoso sobre as viagens internacionais do presidente Sarney. Hoje, não. É possível até imaginar a desnecessidade de um vice-presidente para assumir o cargo com o avanço das comunicações, que permite ao presidente da República de qualquer país tomar decisões onde quer que esteja. Além de se comunicar através das redes sociais, participando diretamente do debate político interno.

Onde quer que esteja o presidente Bolsonaro consegue criar uma permanente crise com seus recados, comentários e ataques, seja Carnaval ou outro dia qualquer. A disputa de poder entre o Congresso e o presidente Bolsonaro, que não fez uma maioria na Câmara que possa defender suas posições, tem sido permanente.

Num presidencialismo de coalizão, dificilmente o eleito terá a maioria do Congresso, o que obriga a uma negociação parlamentar para governar. O PSDB se uniu ao PFL em 1994, num escândalo político que se justificou no correr dos anos pela necessidade de governar. O PT se uniu ao grupo político do senador empresário José Alencar, fazendo-o vice de Lula, e Dilma foi procurar o PMDB de Michel Temer para governar.

Monica de Bolle* - A epidemia como pretexto

- Revista Época

No atual ambiente onde líderes diversos flertam abertamente com o autoritarismo não é exagero achar que os piores instintos serão atiçados pelo alastramento do coronavírus

Quem tem acompanhado atentamente as notícias do Brasil — estando ou não no país — deveria estar profundamente alarmado nesta quarta-feira de cinzas sombria. Entre a violência deflagrada pelas greves da PM, a conclamação do presidente da República para que seus apoiadores se juntem à manifestação contra as instituições democráticas e o primeiro caso de coronavírus no Brasil, há hipóteses assustadoras que não devem ser descartadas, tampouco tomadas com complacência. A pior delas é que o instinto autoritário do presidente o leve, perante o pretexto de uma epidemia iminente, a tentar obter poderes excepcionais. Não é exagero nem distopia. É risco dos mais graves.

Muito tem se falado sobre as consequências da pandemia que agora parece inevitável para a economia global e para o Brasil em particular. Os mercados internacionais nos últimos dias refletiram a conscientização repentina de que a epidemia de coronavírus não está circunscrita à China e de que a capacidade que têm outros países de reagir como fizeram os chineses é limitada não apenas pela falta de recursos, mas pela existência de entraves democráticos. Ainda que seja possível impor quarentenas maciças e impedir o deslocamento de pessoas das áreas mais afetadas, ninguém possui o arsenal de monitoramento que a China possui. E é evidente — ainda que profundamente perturbador — que um regime autoritário com enorme capacidade tecnológica para neutralizar as liberdades de seus cidadãos esteja em outro patamar quando se defronta com uma epidemia em larga escala. No atual ambiente onde líderes diversos flertam abertamente com o autoritarismo — alguns mais do que flertam — não é exagero, menos ainda hipérbole, achar que os piores instintos serão atiçados pelo alastramento do coronavírus.

César Felício - Ação conjunta

- Valor Econômico

Sintonia entre Bolsonaro e Doria é alentadora

Era uma reunião com diversas autoridades presentes na terça-feira. A Itália em peso se reunia para discutir a epidemia de coronavírus que assola o país. Presencialmente, estavam o primeiro-ministro Giuseppe Conte e as autoridades do governo nacional. Por teleconferência, os governadores. A ideia era uniformizar a ação do Estado contra a emergência. O encontro foi um desastre, conforme relatou o diário “La Stampa”, de Turim.

O governador da Lombardia, Attilio Fontana, da oposicionista Liga Norte, já estava irritado com as críticas feitas por Conte nos últimos dias de que o governo da principal região econômica da Itália havia sido negligente no primeiro atendimento aos casos suspeitos no hospital de Codogno, pequena cidade que se tornou um dos focos do surto. Um bate-boca começou entre os dois na reunião. O lombardo disse que Conte estava muito preocupado em ganhar espaço na mídia e interrompeu a ligação chamando o premier de “charlatão”.

O presidente da Itália, Sérgio Mattarella, tenta um acordo para que o governo nacional e a oposição trabalhe em comum acordo com uma epidemia que está ameaçando atirar a economia do país em uma recessão, para não falar do pânico que toma conta da população. O próprio Fontana está em quarentena, porque foi identificado um caso de coronavírus em sua equipe.

No caso da Itália, a disputa política em torno do assunto do coronavírus é um catalisador da crise. Na Coreia do Sul, o segundo país mais contaminado depois da China, com 1.595 casos, a demora em agir diante da emergência desencadeou um processo que pode desestabilizar o governo de Moon Jae-In. Uma petição online com 1 milhão de assinaturas até às 13 horas de ontem exige o impeachment do presidente da República. Moon é criticado na petição por não ter bloqueado o trânsito de cidadãos entre a Coreia do Sul e a China em um primeiro momento. Ele fez o bloqueio apenas em relação à província chinesa de Hubei, e não ao país inteiro. Só o estendeu quando outros 14 países, bem mais distantes da China do que a Coreia já o tinham feito. Quando os sul-coreanos foram atrás de máscaras cirúrgicas para supostamente se protegerem do contágio, constataram que o preço foi para a estratosfera. A petição afirma que a Coreia do Sul forneceu 3 milhões de máscaras para a China, de acordo com relato do jornal “The Korea Times”.

O Irã é uma ditadura, mas ainda assim com um histórico de manifestações oposicionistas que desperta atenção. Publicações do Egito e de Israel registram que há críticas internas às autoridades do país por supostamente terem mascarado o começo da epidemia. Houve eleições no Irã na semana passada e os ultraconservadores queriam garantir grande assistência às urnas.

A epidemia de coronavírus acrescenta à emergência de saúde pública uma crise política em potencial em cada país. O governo precisa lidar com uma onda de pânico, com o controle do vírus propriamente dito e com a estratégia correta para combater a epidemia sem paralisar o país.

Fernando Abrucio* - Destruição das instituições como forma de governar

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O caminho escolhida por Bolsonaro e seus seguidores está mais para a maneira de agir das traças

O bolsonarimo é uma ideologia baseada no combate constante às instituições políticas e políticas públicas construídas pela democracia brasileira desde 1988. O então candidato Bolsonaro e sua entourage não enganaram ninguém: xingaram na campanha a grande mídia, a “velha política”, o modelo “paternalista” de programas sociais e até mesmo propuseram uma “invasão do STF” para controlá-lo. O maior temor de todos os democratas era que esse ideário produzisse uma quebra democrática, seja no sentido clássico, com o apoio dos militares, seja reduzindo o poder das instituições ou alterando drasticamente suas regras, como nos casos recentes da Hungria e da Venezuela.

O caminho escolhido pelos bolsonaristas, aparentemente, é outro. Trata-se fundamentalmente de destruir, mais do que construir. E tal destruição está mais para a maneira de agir das traças, que comem as roupas de forma paulatina e desorganizada, por vezes traçando cotidianamente pequenas partes que ninguém percebe, por vezes puxando inesperadamente fios grandes que geram uma enorme comoção política. Não é o método de uma retroescavadeira, para lembrar o objeto do momento. É algo muito mais caótico, que traz perigos para a democracia porque corrói seu suporte, mas não diz que vai substituir o regime político, dando a impressão de que estamos em tempos de normalidade democrática.

O que explica a adoção desse método das traças vai além da adoção de valores autoritários, ou pelo menos da ausência de crenças democráticas dentro do atual grupo dominante. Essa estratégia foi escolhida porque falta a Bolsonaro um modelo de como governar o Brasil, diferentemente, por exemplo, de Putin na Rússia, cujo projeto autoritário é construído com a frieza racional do jogo de xadrez. Por vezes, o presidente até sonha com o retorno a algo mais parecido com a ditadura militar, mas, mesmo assim, ele e seus apoiadores não saberiam como reproduzir essa (terrível) experiência histórica no momento atual brasileiro e mundial.

Assim, mesmo que defenda um ideário conservador do ponto de vista cultural e proponha ambiguamente e sem muita convicção uma visão ultraliberal para a economia, o bolsonarismo não tem clareza de como isso se materializaria em termos de políticas públicas e, principalmente, de organização institucional. As evidências desse fenômeno de ausência de um projeto estruturado de governo estão no grande número de mudanças em cargos estratégicos do governo federal, nos recorrentes zigue-zagues das propostas de políticas públicas, no recorde presidencial de derrotas legislativas e na enorme concentração de poder na figura pessoal (mais do que institucional) de Bolsonaro, que só confia de fato em seus filhos e faz questão de mostrar que nenhum de seus auxiliares mais próximos está seguro em sua posição. Em poucas palavras, o presidente quer que todos o obedeçam como em uma seita, mas não sabe como organizar sua “igreja” para chegar aos fins desejados.

José de Souza Martins*- O Brasil variado

- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana 

Gostamos de achar que somos um povo homogêneo. Em nome da falta de homogeneidade somos objeto de preconceito de nós mesmos, de intolerância e de desconfiança

O Brasil não é um país homogêneo, que se explique e se governe pelo senso comum da mentalidade binária e reacionária. O Brasil é plurissocial, multirracial, multicultural, plurirreligioso, multionírico e até mesmo, multilíngue. Gostamos de achar que somos um povo homogêneo. Em nome, porém, da falta de homogeneidade somos objeto de preconceito de nós mesmos, de intolerância e de desconfiança. Padecemos a incompetência de ser o que não gostamos de ser. É uma questão antropológica que pode se expressar como questão política.

O Brasil é plurissocial porque é o país de desigualdades sociais profundas e de injustiças dolorosas. Até os pobres se concebem diferençados entre graus de pobreza que geram repulsas e exclusões mal disfarçadas entre eles mesmos. A classe média, que, como em todas as partes, é realização insuficiente do que são os ricos, acaba sendo caricatura da riqueza. O tom de voz denuncia todo o tempo a incultura que lhe tolhe a competência para ser o que finge ser, mas não consegue.

Ela tem o dinheiro dos de cima, mas padece a incompetência de classe dos de baixo. No Brasil, as classes sociais não têm a pureza histórica que se supõe na teoria. São um permanente e sofrido fingimento, na penosa necessidade de teatralizar o modo de ser dos outros, daquilo que não se é.

Já no fim dos governos lulistas, a metamorfose da mentalidade dos assalariados ia na direção da negação da classe operária para a afirmação da classe média fingida e prometida até mesmo pela esquerda.

Claudia Safatle - Crédito para consumo sustenta o PIB

- Valor Econômico

Sem os mais importantes vetores que deveriam dar impulso ao crescimento - investimentos e exportações - o consumo doméstico passou a liderar a retomada

A expansão do consumo das famílias é o que está sustentando o nível de atividade econômica do país. A despeito da estagnação dos salários reais, a oferta de crédito associada a medidas pontuais - como a liberação do FGTS - ajuda a impulsionar o consumo, que, atualmente, está apenas 2% abaixo do que foi no quarto trimestre de 2014, quando atingiu o pico. Depois desse período, as famílias, superendividadas, começaram um longo e penoso processo de desalavancagem, juntamente com as empresas.

Em um movimento de curvatura semelhante, o PIB está praticamente no mesmo patamar que estava no segundo trimestre de 2015 e encontra-se 3% aquém do pico prévio à crise, no quarto trimestre de 2014.

A abertura das informações sobre o padrão da recuperação econômica do país traz dados interessantes. Segundo Manuel Pires, economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), esta é a primeira das grandes crises econômicas cuja recuperação não carrega o aumento da produtividade.

Luiz Carlos Azedo - O vírus de cada dia

- Nas entrelinhas| Correio Braziliense

“Por enquanto, o maior problema em relação ao coronavírus no Brasil continua sendo seu impacto no comércio com a China, como acontece com a maioria dos países”

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou, ontem, um estudo sobre o comércio internacional de mercadorias nos países do G20, cujo fluxo continuou recuando no quarto trimestre de 2019, “com as exportações e importações caindo para os níveis mais baixos em dois anos”. O comunicado cita o coronavírus como um problema para as trocas entre os países, com chances reais de contaminar os resultados do primeiro trimestre de 2020.

O papa Francisco levou um susto — era uma indisposição —, com suspeita de uma gripe, num país que está à beira do pânico por causa da epidemia de coronavírus. Depois do Irã, a Itália abriga o maior número de casos fora da China. Na América Latina, o Brasil é o primeiro país a ter um caso confirmado de coronavírus, um homem que havia chegado da Itália. A Organização Mundial de Saúde ainda não declarou uma pandemia, mas admite que o risco aumentou e elevou o estado de alerta.

São 132 casos suspeitos no Brasil, em São Paulo (55), Rio Grande do Sul (24), Rio de Janeiro (9), Santa Catarina (8), Paraná (5), Distrito Federal (5), Minas Gerais (5), Ceará (5), Rio Grande do Norte (4), Pernambuco (3), Goiás (3), Mato Grosso do Sul (2), e Paraíba, Alagoas, Bahia e Espírito Santo, com um caso suspeito cada. O Ministério da Saúde trabalha na prevenção, mas já admite que os casos podem chegar a 300 e estuda medidas para enfrentar uma epidemia. Uma delas é antecipar a vacinação contra a gripe, para facilitar o diagnóstico de coronavírus. O carnaval foi um período propício à transmissão de doenças infectocontagiosas, por causa das multidões em circulação e contato físico direto.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro, o pior do sistema

- Folha de S. Paulo

Conjuntura política excepcionalíssima permitiu que ele chegasse à Presidência

O presidente Jair Bolsonaro gosta de apresentar-se como um político antissistema, mas isso é "fake news". Parece mais preciso descrevê-lo como uma das piores coisas que o sistema já produziu.

Com efeito, Jair Bolsonaro não é uma flutuação quântica que se materializou do nada. Ele passou quase três décadas na Câmara, onde teve atuação apagadíssima. Apenas dois projetos de lei de sua autoria foram aprovados —média de um a cada 14 anos. Ainda que inevitáveis —não dá para pôr meta de produtividade para parlamentares—, situações como essa não configuram uma das virtudes do sistema.

E é interessante reparar que Bolsonaro só chegou ao Parlamento devido a outras vulnerabilidades do sistema. Depois de ter sido quase expulso do Exército, conseguiu, graças à votação proporcional, eleger-se para postos no Legislativo defendendo a pauta corporativista das carreiras militares. Mais tarde, ampliou seu eleitorado, agregando os votos de cidadãos que, por motivos variados, aplaudiam sua incontinência verbal e agressões calculadas.

Reinaldo Azevedo – Às armas, cidadãos

- Folha de S. Paulo

É tempo de acumulação de forças no terreno democrático para conter a fascistização do governo e da política

O presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade na sua mais recente investida contra o Congresso e o Supremo? Segundo a Lei 1.079, que também pune as tentativas, nada menos de nove. Antes de concluir o terceiro mês de mandato, já havia outros quatro no currículo. Impeachment nele?

Não agora. Inexiste o mínimo de 342 deputados para levá-lo a julgamento no Senado. Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mandaria a petição para o lixo. Nem precisaria discordar de seus termos para fazê-lo. Seria um erro político, tendente a fortalecer o fanfarrão truculento, admitir uma denúncia que morreria já na Comissão Especial.

É tempo de acumulação de forças no terreno democrático para conter a fascistização do governo e da política. Às armas, cidadãos! Comece-se por convocar o general Augusto Heleno. O seu “dofa-se” — perdão pelo decoro, ministro — para o Congresso quer dizer o quê? Incitar as ruas contra os Poderes Constituídos atende a que propósito? Um Parlamento que não o obrigue a sentar na cadeira das explicações está condenado.

Mais: as lideranças da Câmara e do Senado comprometidas com a institucionalidade têm de ficar atentas ao comportamento de figuras exóticas que hoje integram as suas fileiras. Aqueles que, em nome da liberdade e da imunidade, marcharem contra as próprias Casas que os obrigam têm de ser denunciados ao Conselho de Ética por quebra do decoro e cassados.

Já escrevi centenas de vezes, desde quando o PT no poder parecia mais eterno do que o bacalhau que pesa sobre os ombros do rapaz do rótulo da Emulsão Scott: o regime em que tudo pode é a tirania — ao menos para o tirano e seus amigos. A democracia conta com leis, normas, códigos de conduta. Os que se organizam para fraudar as regras têm de ser expulsos do jogo.

Vinicius Torres Freire - Economia sem bala para conter o vírus

- Folha de S. Paulo

Medidas econômicas para enfrentar efeito de epidemia maior são frágeis ou lerdas

Não se sabe se os governos do mundo terão capacidade de conter o avanço do novo coronavírus, é óbvio dizer. Teriam capacidade de evitar que a epidemia ou pandemia derrubem o crescimento das economias? Hum.

Fora da China, o efeito mais evidente da doença é o pânico nos mercados financeiros, que pode vir a ter impacto na economia real, mas é apenas uma parte do problema ou seu mero começo.

Como já deve estar claro para qualquer leitor de jornais, a parada chinesa limita o fornecimento de materiais para indústrias mundo afora, fábricas que podem vir a produzir menos ou mesmo parar.

As notícias sobre a doença podem também baixar a confiança de consumidores e levar empresas a colocar o pé no freio de novos negócios. Os tombaços no mercado financeiro induzem as pessoas a pouparem mais: veem seu patrimônio diminuir ou pelo menos sentem o cheiro de queimado.

O recurso mais imediato de que os governos dispõem para conter uma desaceleração econômica é a redução da taxa básica de juros. Mas o que a política monetária (mexer nos juros) pode fazer a respeito de choques negativos de oferta (redução e/ou encarecimento abrupto da produção, para simplificar) e de quedas abruptas na confiança? Muito pouco.

Além do mais, as taxas de juros em todo mundo rico estão em nível zero ou abaixo de zero, afora nos Estados Unidos, onde de qualquer modo estão muito baixas. Existem malabarismos monetários para fazer com que as taxas de juros fiquem ainda mais negativas, mas o efeito disso, ainda mais nesta situação, parece ser pífio.

Os governos podem gastar mais, é verdade, a fim de dar um empurrão na economia. Como é tão sabido, aprovar gastos, planejar investimentos e tocar o início das obras é um processo lento.

Bruno Boghossian – Capitalismo selvagem

- Folha de S. Paulo

Homens de negócios pensam nos próprios cofres e tentam agradar o governo

Quando o governo decidiu lançar uma campanha para impulsionar o comércio no Sete de Setembro, alguns empresários pegaram carona na patriotada. Queriam aproveitar a propaganda oficial e, de quebra, ficar bem na fita com o Planalto. Agora, uma parte dessa turma enxerga uma nova oportunidade.

Investidores e donos de cadeias de varejo indicaram que pretendem colocar dinheiro na distribuição de mensagens contra o Congresso e na organização de protestos contra os parlamentares, a favor de Jair Bolsonaro. Muitos deles, é claro, estão pensando nos próprios cofres.

O chefe de uma rede de academias sugeriu bancar a divulgação de vídeos com ataques ao presidente da Câmara, um dos principais alvos das manifestações de 15 de março. A colunista Mônica Bergamo contou que Edgard Corona enviou a ideia a um grupo de empresários governistas.

As gravações não fazem uma convocação direta para os protestos, mas os homens de negócios parecem dispostos a pegar carona no mau humor com o Parlamento estimulado pelos bolsonaristas. O grupo quer, na verdade, travar a reforma tributária em discussão na Câmara.

Guilherme Amado - A esquerda perdida

- Revista Época

O barata-voa tem sido uma constante nas legendas, que parecem incapazes de formular uma proposta alternativa e sólida a ponto de voltar a inspirar confiança

Semanas depois de deixar a cadeia, Lula marcou uma conversa com um cientista político, alguém que durante anos aconselhou não só o PT, mas também boa parte dos quadros da política tradicional. Aturdido pelo cenário adverso para seu partido, Lula perguntou ao interlocutor: “Onde foi que erramos?”. Incrédulo, o cientista político não levou o papo muito além. O episódio é mais um a mostrar como Lula, o PT e a esquerda estão perdidos.

Quando estava preso, o comentário no partido era que todos estavam de certa maneira presos com o ex-presidente. Solto, tem demorado a entender o que se passa no país, o que se passa no PT e, o mais importante, como dar a volta por cima. Principal partido de oposição, a sigla completou 40 anos com sinais de cansaço.

Não conseguiu até hoje sair do fosso da Lava Jato, erra no Congresso e não consegue colocar candidaturas competitivas de pé para outubro. O barata-voa tem sido uma constante também em outras legendas da esquerda — a retroescavadeira de Cid Gomes (PDT) foi o símbolo mais forte —, que parecem incapazes de formular uma proposta alternativa e sólida a ponto de voltar a inspirar confiança. Na corrida para 2022, a esquerda já larga algumas posições atrás.

Perto de completar quatro meses solto, Lula mostra a cada manifestação pública que não aprendeu a ser humilde nem na cadeia. Diz que fazer uma autocrítica seria dar munição ao inimigo, como se os processos contra ele, os números da economia e sua surpreendente inabilidade política não tenham sido por si só mais eficazes que qualquer disparo adversário. Suas entrevistas são uma mistura de rancor com pitadas de populismo à esquerda, que desanimam quem esperava ver nele a mesma postura do líder que em 2002 uniu classes e conseguiu fazer um pacto contra a desigualdade social.

Não aceita que outras siglas, a exemplo do PDT e do PSB, não se engajem na causa. Perguntado outro dia se toparia fazer como Cristina Kirchner e disputar a Presidência como vice de outro candidato, em nome de uma vitória, só riu.

Enquanto o partido segue centrado em seu líder máximo, a condução da escolha dos candidatos a prefeito vai mal. Apesar dos esforços de Lula, Fernando Haddad não quer ser candidato em São Paulo, porque sabe que, ganhando ou perdendo, deixaria a corrida presidencial. As outras opções para a cidade perigam relegar ao partido um quarto ou quinto lugar na disputa.

Eliane Cantanhêde - Um vírus sem ideologia

- O Estado de S.Paulo

Acima da política, União e SP fazem tudo contra o coronavírus, mas tudo é pouco

Tudo o que pode ser feito para enfrentar a chegada do tsunami coronavírus está sendo feito pelo governo federal, pelo governo de São Paulo e pelos setores públicos e privados, acima das questões políticas. O grande problema é que esse “tudo” é muito pouco. Como também ao redor do mundo, nos quase 50 países que já convivem com o vírus circulando.

Sem vacina para prevenir, sem antivirais comprovados para remediar, só é possível fazer o óbvio, como admite o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um personagem que emerge bem nessa crise. A primeira coisa é tentar detectar os casos suspeitos, não mais só em portos e aeroportos, mas também em solo nacional. Com a confirmação do primeiro caso, de um homem de 61 anos em São Paulo, o vírus está no ar.

A segunda medida é distinguir os sintomas leves, como no caso desse passageiro, daqueles em estado grave. Os casos leves podem ser tratados em casa, para reduzir o risco de contágio e não sobrecarregar o sistema público de saúde e mesmo os leitos privados. Só os que comprometam a capacidade respiratória devem merecer internação.

É muito mais fácil monitorar pessoas em ambiente restrito do que ameaçar alastrar a doença em locais congestionados e por onde circulam pessoas que já estão com a imunidade baixa e suscetíveis, como hospitais.

Bolsonaro ataca jornalista do 'Estado' e nega ter compartilhado vídeo convocando para atos

Bolsonaro diz que Vera Magalhães ‘mentiu’ ao noticiar que ele divulgou vídeo convocando seguidores para ato contra o Congresso

Redação, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro atacou nesta quinta-feira, 27, duas vezes a editora do BR Político e colunista do Estado Vera Magalhães. Bolsonaro acusou a jornalista de mentir ao divulgar que ele compartilhou dois vídeos para seus contatos no WhatsApp, convocando para manifestações em defesa do governo no dia 15 de março. Os movimentos de direita anunciaram que os atos serão contra o Congresso.

Bolsonaro ofendeu a jornalista em entrevista na entrada do Palácio da Alvorada e também em transmissão ao vivo em sua página no Facebook. Nas duas ocasiões, o presidente disse que o vídeo divulgado por Vera é de 2015. Naquele ano, porém, Bolsonaro era deputado, e não presidente, e a facada sofrida por ele – que aparece na gravação – ocorreu na campanha de 2018.

Além disso, o vídeo faz clara menção a Bolsonaro já no cargo de presidente. “(...) Temos um presidente trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível”, diz o texto da gravação.

Bolsonaro, no entanto, insistiu que o vídeo é antigo e insultou a jornalista. “Vera Magalhães, eu não sou da tua laia. (...) Ela queria dar um furo de reportagem com aquele meu vídeo convocando o pessoal para 15 de março, mas no seu afã de dar o furo rapidamente, ela esqueceu de ver a data que era 2015. Se bem que dá para ver, perceber um pouquinho no meu semblante, que estou um pouco mais jovem. Mais um trabalho porco que a mídia toda repercutiu”, disse o presidente na transmissão ao vivo.

Pouco antes, na entrevista diante do Alvorada, Bolsonaro havia sido questionado se o seu aval às manifestações contra o Congresso poderia atrapalhar o governo. “Estou aguardando a Vera mostrar o vídeo dela. E não vai mostrar, né? O caráter dela...”, disse, sem concluir a frase.

O BR Político revelou que Bolsonaro compartilhou dois vídeos convocando para os protestos. O site divulgou também o print da tela do celular que mostra o presidente como autor dos disparos, além dos vídeos.

‘Não vou renunciar ao meu mandato’, afirma Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que está sob ataque de veículos de imprensa, atribuiu isso à diminuição de verbas do governo para publicidade e afirmou que não vai renunciar ao cargo. “Não vou renunciar ao meu mandato, não vou dar dinheiro para imprensa”, disse o presidente em sua transmissão ao vivo pelo Facebook semanal.

“Eu acredito que estou fazendo um trabalho bom, na medida que eu posso. Parece que não posso mudar nada”, afirmou.

Na transmissão, Bolsonaro lembrou de projetos de lei de interesse do governo e que, segundo ele, estão parados nas casas legislativas. “Alguns dizem que não tenho articulação com o Congresso”, afirmou. O presidente pediu ao Parlamento que coloque em votação Medidas Provisórias (MPs) em pauta para não caducarem. Ele citou a MP que criava a carteira digital de estudantes e outra que dispensava empresas da obrigatoriedade de publicar balanços em jornais. Ambas perderam a validade antes de serem votadas.

O aceno ao Legislativo é feito em meio à repercussão da divulgação, pelo Estado, da notícia de que o presidente repassou para seus contatos no WhatsApp vídeos convocando para a manifestação marcada para o próximo dia 15, que tem como mote a defesa de Bolsonaro e críticas ao Congresso Nacional.

Bolsonaro diz ser de 2015 vídeo que cita facada de 2018

Presidente reclama de notícia sobre sua mensagem enviada pelo WhatsApp e pede que empresários evitem anunciar em jornais

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro passou a maior parte dos 34 minutos da transmissão ao vivo pela internet na noite de ontem fazendo ataques a jornalistas e à imprensa, contrariado com reportagens sobre ele e seu governo.

Acusou a jornalista Vera Magalhães, do “Estado de S.Paulo”, de ter mentido. Ela revelou na terça-feira que o presidente repassou no WhatsApp um vídeo relacionado ao ato convocado contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro afirmou que a convocação seria de 2015, mas o vídeo publicado pela jornalista, e também obtido pelo GLOBO, trata do atentado sofrido por ele em 2018 e de sua posse no ano passado.

O presidente disse estar “apanhando” de “praticamente quase toda a mídia brasileira” há três dias, e citou os jornais O GLOBO, “Folha de S.Paulo” e “O Estado de S.Paulo” e o Jornal Nacional, da TV Globo:

—Então esse vídeo deve estar rodando por aí, vou botar no meu Facebook daqui a pouco. É um vídeo que eu peço o comparecimento do pessoal no dia 15 de março de 2015, que, por coincidência, foi num domingo, e daí, pelo que parece, né, Vera Magalhães, você pegou esse vídeo.

Para comprovar que o vídeo era de 2015, o presidente citou que até o seu semblante estava diferente, mais jovem. Até a conclusão desta edição, no entanto, ele não divulgou essa gravação que prometeu.

Míriam Leitão - Crises misturadas afetam a confiança

- O Globo

Mercado reage com pânico ao coronavírus, projeções do PIB caem, e governo mina a confiança em conflitos com o Congresso

As crises se misturaram formando um cenário mais difícil. A economia mundial mergulhou num grau enorme de incerteza com o avanço do coronavírus, no Brasil um conflito institucional provocado pelo próprio presidente Jair Bolsonaro torna nebuloso o cenário de tramitação de reformas, alguns estados começaram a tomar decisões que agravam o rombo fiscal, as projeções de crescimento do PIB estão sendo revistas para baixo. Nesta semana, mais do que em qualquer outra, o mercado mundial reagiu com pânico ao coronavírus. Isso ficou refletido no número de Wall Street, com uma queda de 12% em uma semana.

Uma onda no mercado financeiro pode refluir com a mesma facilidade com que se forma, por isso o mais relevante é o que acontece na economia real. Mas os fatos concretos provocados pela epidemia de doença respiratória já têm reflexo na economia global. Este primeiro trimestre terá um crescimento muito menor do que o que havia sido projetado globalmente. Muito deixou de ser produzido e consumido porque os trabalhadores, e consumidores, ficaram fechados em casa.

Tensão política leva equipe econômica a segurar reformas

Equipe de Guedes decide segurar projetos por causa da tensão política

Manoel Ventura e Geralda Doca | O Globo

BRASÍLIA - A incerteza política diante da escalada de tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e o Legislativo fez com que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, decidisse dar um freio no andamento de projetos de seu interesse no Congresso, como a reforma administrativa e a PEC do Pacto Federativo.

A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, decidiu segurar o andamento dos projetos de seu interesse no Congresso, segundo fontes que acompanham de perto as negociações. Diante de um clima político incerto, com a tensão entre o presidente Jair Bolsonaro e o Legislativo nesta semana, a decisão dos articuladores da área econômica foi esperar.

O risco, dizem interlocutores de Guedes, é criar uma insatisfação com as propostas do Ministério da Economia a ponto de inviabilizar de vez sua aprovação. Os técnicos também temem que projetos que aumentam gastos públicos ganhem força no Congresso, nesse contexto de disputa entre Executivo e Legislativo.

Por isso, o entendimento predominante na Economia, nomo mento, é que é melhor espera remedira temperatura exata da Câmara e do Senado na voltado carnaval, na semana que vem. E também aguardara votação dos vetos presidenciais a trechos do Orçam entoque desencadearam a crise. Guedes e equipe têm ajudado o Palácio do Planalto a fechar um acordo com os parlamentares nesse tema.

Enquanto isso, a reforma administrativa — que altera regras sobre os novos servidores públicos —, pronta e assinada por Bolsonaro, permanece sem data para ser enviada ao Congresso. A apresentação do texto aos parlamentares vem sendo postergada desde novembro, em meio a resistências de assessores presidenciais e de situações políticas que foram consideradas desfavoráveis para o avanço da proposta.

As demais reformas, que já tramitam na Câmara e no Senado, também tendem a atrasar. São os casos da Proposta de Emenda à Constituição chamada de PEC Emergencial, a que extingue fundos públicos, e a chamada PEC do novo Pacto Federativo.

RETOMADA DO CRESCIMENTO
A PEC Emergencial corta 25% da jornada e dos salários de servidores públicos como forma de ampliar os gastos federais com investimentos. O Orçamento deste ano, numa alteração feita pelo Congresso, já destina cerca de R$ 6 bilhões para serem gastos após aeventual aprovação da P EC. Já o novo Pacto Federativo aumenta os repasses para estados e municípios, além de alterar regras sobre gasto público.

As reformas propostas pelo Ministério da Economia são consideradas importantes para a retomada sustentável do crescimento, especialmente num momento de incertezas globais causadas pelo avanço do coronavírus. Além de mudanças estruturais para a gestão pública, projetos de interesse da equipe econômica no Congresso tendem a melhorar o ambiente de negócios para a iniciativa privada em setores como saneamento e energia.

O que a mídia pensa - Editorias

Presidente ajuda a piorar expectativas do mercado – Editorial | O Globo

Não bastasse o coronavírus, Planalto deteriora as projeções para a economia brasileira

A tendência de a epidemia de coronavírus se tornar menos chinesa e mais mundial continuará degradando os mercados globais. Fechamento de fábricas, redução no número de viagens internacionais, queda no consumo são alguns dos fatores, como já visto na China, que desaceleram os negócios e se traduzem, cedo ou tarde, em redução no ritmo do crescimento econômico.

Os mercados brasileiros, fechados segunda e terça devido ao carnaval, teriam de passar por um brusco ajuste na quarta. A bolsa (Ibovespa) fechou o pregão com uma queda de 7%, índice inferior apenas aos 8,8% da retração verificada em 18 de maio de 2017, quando O GLOBO revelou parte do áudio da conversa comprometedora travada pelo então presidente Michel Temer com o empresário Joesley Batista, nos porões do Palácio do Jaburu. Outro termômetro sensível dos bons e maus momentos, o dólar, subiu 1,08% e chegou a R$ 4,44, novo recorde nominal. No início da tarde de ontem alcançou os R$ 4,5016 e fechou em R$ 4,47,64, sem perspectivas de arrefecimento na alta. Casos de coronavírus no Norte da Itália, na França, projeções pessimistas de autoridades sanitárias nos Estados Unidos, o primeiro brasileiro infectado etc. ajudaram a formar denso clima de pessimismo.

Mas o Brasil enfrenta um problema adicional, que é a imprevisibilidade do presidente Jair Bolsonaro, com sua imensa capacidade de gerar crise. Como a última, da inqualificável convocação para manifestações de rua contra o Congresso e o Supremo. Nesta tarefa, o presidente tem a ajuda dos filhos, de alguns ministros e o auxílio de uma infantaria de milicianos digitais, até com uma base dentro do Planalto.

Música | Caetano Veloso - Meditação

Poesia | Frederico Garcia Lorca - Volta de passeio

Assassinado pelo céu,
entre as formas que vão para a serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer meus cabelos.

Com a árvore de tocos que não canta
e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos de cabeça rota
e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo
e mariposa afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.
Asassinado pelo céu !