domingo, 3 de março de 2019

*Luiz Werneck Vianna: Impasses da hora presente

- O Estado de S.Paulo

Não se pode ocultar que se vive tempo sombrio, mas há o outro lado da Lua, até mesmo aqui

Fazer a roda da História girar para trás não é um exercício fácil, mas é esse o movimento tentado aqui e alhures. No cenário europeu com o Brexit do Reino Unido, nos EUA com o trumpismo, que recusa o fenômeno da globalização, dos grandes movimentos migratórios e da agenda ambiental, e em nuestra America, com o Brasil que refuga não só a história de construção da sua soberania como nação para se atrelar à política e aos objetivos do poderoso país do norte do nosso continente, como também conquistas civilizatórias na agenda comportamental, tais como na emergente questão feminina, que afeta tanto o mundo do trabalho como variadas dimensões da vida social, sujeitando-as a um nefasto patriarcalismo, uma das raízes do nosso autoritarismo político.

Esse movimento em marcha à ré, embora sua magnitude atual, não conta com bases sociais capazes de manter sua sustentação, uma vez que ele é mais uma construção de ideólogos e políticos que identificam no estado de coisas no mundo sinais de uma mudança de época que erodem a sua forma de domínio e suas fontes de reprodução. À margem do plano da consciência, contudo, vive-se uma mutação nas camadas mais fundas das estruturas sociais que não tem como ser revertida pelos esforços da política do presidente norte-americano, mesmo com os recursos de que dispõe.

O labirinto sem saída do Brexit testemunha a dificuldade que essa via retrô tem encontrado, assim como os embaraços que o próprio Donald Trump encontra em seu país para a edificação do muro com que pretende barrar o fluxo migratório dos latinos em seu território, principalmente em razão da resistência parlamentar a esse projeto xenófobo, na contramão de suas instituições democráticas. Na verdade, o que se pode qualificar como a política de Trump não passa de uma tentativa de deter os processos que estão em curso no mundo e sinalizam no sentido de impor limites, como na questão ambiental, à expansão de um capitalismo sem freios cujos efeitos perversos já se fazem sentir no clima e nos riscos de desaparição de espécimes vitais para a reprodução da vida humana.

*Fernando Henrique Cardoso: A vez da Venezuela

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Insistirá o governo do Brasil no descaminho de subordinar a política externa a uma ideologia?

O Brasil está sendo confrontado com sua História. Quem leu o texto recente de Rubens Ricupero sobre a política externa do governo Bolsonaro perceberá os descaminhos pelos quais poderemos enveredar. Diante dos ensaios de ruptura com as tradições de nossa política externa, empalidecem as diferenças de matiz político-ideológico observadas desde José Sarney até Michel Temer. Basta ler o livro Um Diplomata a Serviço do Estado, do embaixador Rubens Barbosa, para ver que se manteve certo consenso básico sobre o interesse nacional e sobre o modo de adequá-lo a mudanças nos ventos do mundo.

Historicamente a condução da nossa política externa obedeceu a linhas de continuidade, com raras exceções em períodos não democráticos. É ao barão do Rio Branco que se atribui a noção de que deveríamos manter boas relações com os Estados Unidos para fazer o que nos convém na área que nos toca mais de perto, a América do Sul. Na guerra contra o nazismo até bases estrangeiras foram autorizadas a se instalar no Brasil. Mas foi um momento histórico excepcional a requerer que agíssemos assim. Em regra, nunca houve adesões incondicionais: primaram nossos interesses soberanos. Mesmo na guerra fria, quando o bloco capitalista se opunha ao bloco comunista, buscamos manter certa autonomia.

Com a globalização muita coisa mudou no ambiente político e, sobretudo, na interconexão econômica dos países. A diplomacia brasileira, porém, não deixou de se orientar pelo interesse nacional. Em artigo recente publicado neste espaço disse que o atual governo abusa da inconsistência em certas áreas. Para onde nos pode levar esse “abuso da inconsistência” na política externa?

Vera Magalhães: Refém do sectarismo

- O Estado de S.Paulo

Atitudes do presidente não coadunam com a de um líder que precisa negociar e ampliar apoio

Desde que deixou o hospital após a terceira cirurgia em decorrência do atentado que sofreu, Jair Bolsonaro fritou e demitiu um ministro da cozinha do Planalto, mitigou a reforma da Previdência antes de enviá-la ao Congresso e admitiu fazê-lo novamente em conversa com jornalistas, enquadrou o “superministro” da Justiça e, no intervalo, usou uma solenidade pública para tecer loas a um ditador pedófilo de um regime assassino.

O que essas atitudes presidenciais, aparentemente desconexas, têm em comum é que em todos esses episódios Bolsonaro insiste em demonstrar uma visão sectária de mundo e de política, que pode ter contribuído para sua eleição, mas que é um veneno para qualquer governante.

Na demissão de Gustavo Bebianno e na humilhação pública imposta a Sérgio Moro ao exigir que a nomeação de Ilona Szabó para um conselho acessório fosse sustada, Bolsonaro cedeu aos apelos dos filhos e do núcleo mais radical de seu governo, que tem as redes sociais como amplificador. Nos dois casos, o presidente se mostrou inflexível a apelos daqueles que teriam o poder “moderador” no governo, os militares – que entenderam que, assim como Bebianno, Moro, Paulo Guedes ou qualquer outro, também não tem ascendência sobre o “capitão” quando do outro lado estão os filhos.

O elogio ao paraguaio Alfredo Stroessner, o mais longevo dos ditadores sul-americanos, pedófilo serial e cujo regime não escondia o patrocínio ao narcotráfico, promovia eleições fraudadas e torturou e matou um número de civis estimado em 4.000 pessoas, mostra que a faceta do Bolsonaro deputado polemista não o abandonou com a chegada ao poder. O que um presidente do século 21, eleito democraticamente num País que superou a própria ditadura já há mais de 30 anos tem a ganhar para seu governo, e que mensagem passa aos seus governados, ao tecer loas a um personagem desse? Deve-se inferir que é esse o modelo de “estadista” de Bolsonaro?

Eliane Cantanhêde: Caindo do pedestal

- O Estado de S.Paulo

Será que Moro começa a se arrepender de ter trocado a magistratura por essa confusão?

A semana passada foi outra surreal. O presidente Jair Bolsonaro elogiou o ditador sanguinário, corrupto e pedófilo Alfredo Stroessner, o ministro Vélez Rodriguez trocou a “escola daquele partido” pela “escola deste partido”, o motorista Fabrício Queiroz disse que “gerenciava” as contas do gabinete de Flávio Bolsonaro no Rio, sem que ele soubesse. Nesse ambiente, Sérgio Moro caiu do pedestal de superministro, desautorizado a nomear a mera suplente de um mero conselho.

Com essa confusão toda e os filhos do presidente a mil por hora nas redes sociais, eis a pergunta que não quer calar em Brasília: Sérgio Moro, um ídolo nacional, com grande visibilidade internacional, começa a se arrepender de ter trocado a magistratura pelo governo Bolsonaro? Até quando ele aguenta?

As divergências entre Bolsonaro e Moro são conhecidas, mas pesou o custo-benefício: o presidente optou por ter o maior troféu da sua estante ministerial e o ministro decidiu dar um salto de Curitiba para Brasília e ampliar o combate à corrupção e ao crime organizado.

Contemporâneo, Moro tem uma visão mais dura sobre corrupção e mais liberal sobre aborto, maioridade penal, progressão de pena e desarmamento. Mais conservadores, Bolsonaro, o 01, o 02 e o 03, sem falar nos seus milhões de seguidores nas redes sociais, têm posições mais flexíveis sobre verbas públicas e mais extremadas sobre os demais temas. No governo, quem engole sapos?

Míriam Leitão: Riscos reais na política externa

- O Globo

Embaixador alerta que a política externa errática de Bolsonaro ameaça de forma concreta interesses do Brasil e há perigos maiores em março

Os erros de política externa já foram tantos em tão pouco tempo que é preciso estar atento aos próximos riscos. Em um texto profundo e forte, o embaixador Rubens Ricupero analisa o resultado da combinação entre “a inépcia diplomática com a excentricidade ideológica” do governo Bolsonaro e alerta para o mês de março, quando haverá a visita do presidente aos Estados Unidos e a Israel.

Ricupero diz que decisões de “implicações gravíssimas para a segurança e interesses nacionais são anunciadas e suspensas com leviandade reveladora da irresponsabilidade de seus autores”. Nessa lista ele coloca a oferta de uma base militar aos Estados Unidos, a mudança da embaixada brasileira em Israel e a retirada do Brasil do Acordo de Paris. 

A análise, Ricupero apresentou na Casa das Garças. Uma base militar, diz ele, é um enclave de jurisdição estrangeira no território nacional. E esse assunto surgiu durante a conversa entre o assessor John Bolton e o presidente Bolsonaro. Em quase 200 anos de vida independente, lembra, a única vez que isso aconteceu foi durante a Segunda Guerra. Foi cogitado sem qualquer avaliação das graves implicações para o país. Os militares impediram que isso fosse adiante.

A transferência da embaixada brasileira, sobre a qual sempre se fala no atual governo, seria para atender “ao setor mais obscurantista e retrógrado das seitas evangélicas”. O Brasil sempre defendeu que a definição da capital deveria ser resultado de negociação entre israelenses e palestinos. Se a intenção se confirmar, “passaríamos a ser vistos como aliados do lado israelense, inimigos dos palestinos e de uma saída negociada e pacífica para o conflito no Oriente Médio”.

Bernardo Mello Franco: Tem laranja no samba

O Globo

Queiroz não explicou por que repassou R$ 24 mil para a primeira-dama. Ele também deixou de citar os depósitos em série na conta de Flávio Bolsonaro

Laranja é a cor do carnaval. A fruta se tornou onipresente nos blocos de rua. Enfeita fantasias, adereços e abadás. Na semana passada, o site do GLOBO chegou a publicar uma fotogaleria com os modelitos mais cítricos. Os foliões só pensam naquilo: o laranjal do PSL.

“Toma, toma vitamina C, pra não ficar doente e falar com o MP”, diz uma das marchinhas inspiradas no escândalo. O homenageado parece ter entendido. Na quinta-feira, ele apresentou suas primeiras explicações ao Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção.

Fabrício Queiroz já havia faltado a dois depoimentos marcados pela Promotoria. Ele continua sem dar as caras, mas resolveu se defender por escrito. Justificou suas movimentações suspeitas, que acenderam o alerta do Coaf, como atividades de “gerenciamento financeiro”.

O ex-motorista de Flávio Bolsonaro apresentou uma versão curiosa. Afirmou que “gerenciava” salários de outros assessores do então deputado estadual, hoje senador, e repassava o dinheiro a colaboradores informais. A prática é proibida pela Assembleia Legislativa, mas ele disse que “nunca entendeu que estivesse agindo ilicitamente”.

“Com a remuneração de apenas um assessor parlamentar, o peticionante conseguia designar outros assessores para exercer a mesma função, expandindo, dessa forma, a atuação parlamentar do deputado”, escreveu. Se a multiplicação da mão de obra for verdadeira, é um caso a ser estudado nas faculdades de administração.

Queiroz não deu os nomes dos supostos beneficiários do dinheiro. Nem explicou por que transferiu R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, madrasta de Flávio e primeira-dama do país. Ele também se esqueceu de mencionar os depósitos em série na conta do senador. Em um só mês, o Zero Um recebeu 48 envelopes recheados, somando R$ 96 mil.

Ascânio Seleme: Obedece quem tem juízo

- O Globo

É da natureza da cadeia de comando que os superiores autorizem ou desautorizem seus subordinados. Novidade seria o contrário. No governo Bolsonaro, aliás, isso já aconteceu, mas foi logo no começo, quando o presidente disse uma coisa e o sub do sub do sub o desmentiu dizendo que ele se equivocara. Assim, a decisão de Bolsonaro sobre Ilona Szabó, que foi desconvidada para um cargo no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, não seria mais do que um simples constrangimento se o desautorizado não fosse Sergio Moro. Afinal, trata-se do ex-juiz ícone da Lava-Jato que havia recebido uma carta branca do presidente.

O problema não é Ilona, uma das mais importantes e renomadas especialistas em segurança no Brasil, referência internacional no setor. Sua presença daria prestígio e engrandeceria intelectualmente qualquer conselho. O problema não é, tampouco, a natureza da atividade para a qual Ilona foi convidada e depois desconvidada. O problema é Sergio Moro. Embora seja um ministro acima da média no governo, Moro não pode tudo. Enganou-se quem pensava que ele seria um ministro que jamais seria demitido em razão do imenso poder e popularidade que reunia. Enganou-se o próprio Sergio Moro.

O ministro, está claro agora, pode muito bem ser demitido. A qualquer hora. Pito público ele já tomou. Para sair, basta pisar na bola com mais empenho. Do ponto de vista de Bolsonaro, Moro errou feio ao convidar Ilona para o conselho. Faz todo sentido, não se pode negar coerência a Bolsonaro, Ilona pensa exatamente o contrário do presidente sobre soluções para a segurança pública. Moro não sabia disso? Difícil acreditar que não sabia. Se de fato sabia e mesmo assim a convidou, quis testar o chefe. Se deu mal.

Hélio Schwartsman: Uma questão de humanidade

- Folha de S. Paulo

Saída de Lula da prisão cumpre o que está previsto em lei

Desta vez, a Justiça agiu com humanidade, autorizando sem delongas a saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cumpre pena em Curitiba, para participar do velório do neto Arthur Araújo Lula da Silva, morto em consequência de uma meningite bacteriana. Não se trata de privilégio, mas simplesmente de cumprir o que está previsto na Lei de Execuções Penais.

Com menos humanidade agiu Eduardo Bolsonaro, ao afirmar, pelas redes sociais, que Lula era um larápio e que aproveitaria a liberação para posar de coitado. Diante de reações negativas ao comentário mesmo entre bolsonaristas —a humanidade não está tão perdida quanto quer a esquerda—, Eduardo ainda tentou amenizar, dizendo que a perda do menino era lamentável.

É um contraste forte em relação ao que ocorreu quando da morte da mulher de Lula, Marisa Letícia, em 2017. Ali, os comentários desairosos foram generalizados, e pouca gente tentou depois corrigir-se. Por que a diferença?

É relativamente fácil pôr seres humanos para operar na lógica do nós contra eles, que, nas versões fortes, prega que toda desgraça que recair sobre o grupo adversário é uma bênção para o nosso. Eduardo Bolsonaro estava atuando nesse registro, como estavam todos aqueles que tripudiaram da doença de Marisa dois anos atrás.

Vinicius Torres Freire: Ano começa após Carnaval laranja

- Folha de S. Paulo

Salário mínimo, Pibinho, juro alto e Congresso serão problemas das águas de março

O mundo bolsonarista deu motivos novos para a galhofa do Carnaval, que vai ter muita fantasia de laranja, entre outras troças. Mas dureza mesmo vai ser o recomeço do ano. Na Quaresma ou nas águas de março, esse governo terá uma agenda cheia de problemas.

1) Salário mínimo.

Até 15 de abril, Jair Bolsonaro tem de enviar ao Congresso o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias, no qual o governo deve dizer o que fará do salário mínimo. A regra de reajuste que havia caducou.

O mínimo tem impacto nas contas da Previdência. Afeta o valor de quase 23 milhões de benefícios previdenciários e assistenciais e, de um modo ou outro, os salários de um terço dos trabalhadores, que ganham o mínimo ou menos.

Por estas semanas, mais gente do povo vai saber que Bolsonaro quer limitar a concessão do abono salarial anual a quem ganha até um mínimo, o que atingiria mais de 21 milhões de trabalhadores, nas contas da Instituição Fiscal Independente.

2) Barganha no Congresso.

O Congresso volta a funcionar no dia 12 de março. O governo não tem coalização partidária, organização ou lideranças para dar início à tramitação da reforma da Previdência. Assim vai continuar caso Bolsonaro não firme algum acordo de divisão de poder, o que chamava de “toma lá dá cá”. Vai ter de engolir essa conversa de campanha ou vai ter crise política e econômica. Se fizer acordo, por outro lado, vai queimar um pouco do seu filme com suas redes insociáveis.

*Angela Alonso: Governo de duas cabeças tenta impor padrões morais ao país

- Folha de S. Paulo

Ministros de Bolsonaro se dividem entre cultos a deus nacionalista e a demônios do mercado

“Eu te amo, meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura a juventude do Brasil.” Dom e Ravel popularizaram esses versos em 1970, quando estudantes eram obrigados a hastear a bandeira e cantar o hino nacional. Esse ufanismo de meio século ressuscitou com a “nova política”.

O governo Bolsonaro veio moralizar o Brasil. O presidente, seus filhos e seus ministros se revezam na tarefa. Carlos pôs Bebianno para pagar o pato dos laranjas, depois do ministro do Exterior e de sua colega da Família declararem guerra a globalistas e a meninos de rosa. Agora chegou a vez dos titulares da Economia e da Educação.

Cada qual compreendeu a seu modo o sentido de “moralizar”. Para Guedes, é sinônimo de privatizar. Quer neoliberalizar até o Censo Demográfico, na linha “small is beautiful”.

Em desacordo com especialistas que formulam questionários desde 1872, sugeriu reduzi-los a dez perguntas, supondo que, se o Estado tiver muita informação, em vez de governar melhor, acabará “descobrindo coisas que nem queria saber”.

Economia dupla, de enxaquecas e de recursos, pois o financiamento viria da venda de prédios do IBGE. Uma desestatização tão promissora como a da telefonia móvel, que, opina Guedes, teria democratizado os serviços, inclusive o mais antigo deles: “Prostituta... Todo mundo marca seus programas pelos meios digitais. É progresso para todo mundo”.

Este “progresso” é um dos padrões morais que o governo quer impor ao país. Padrões, no plural, porque se trata de moralidade bifronte. Há o liberalismo pró-Estado mínimo e a liberalidade de costumes de um ministro e há o intervencionismo estatal e a polícia política de outros.

Bruno Boghossian: A toga vai sequestrar a reforma?

- Folha de S. Paulo

Atuação da categoria em causa própria contamina o papel de juízes e ministros

O lobby dos funcionários públicos agiu com rapidez. Em pouco mais de 48 horas, diversas categorias assinaram uma nota em que criticavam a proposta de Jair Bolsonaro para a reforma da Previdência, diziam que ela tem “aspectos perversos, desumanos e inconstitucionais” e acusavam o governo de jogar a população contra os servidores.

A organização sindical e o poder de pressão sobre os parlamentares dão ao funcionalismo uma vantagem no combate às novas regras, que podem aumentar a contribuição previdenciária e criar normas mais duras para a aposentadoria. O envolvimento do Ministério Público e do Judiciário desequilibra o jogo a favor dos servidores.

Assim que a proposta começou a circular, houve um levante contra a tabela progressiva que prevê alíquotas de até 22% para os funcionários que ganham acima de R$ 39 mil —ou seja, acima do teto do serviço público. Esse ponto da reforma pegou no calo de juízes e procuradores, que passaram a liderar o embate.

Até ministros do Supremo entraram na resistência, dizendo que a mudança será barrada pelo tribunal se for aprovada pelo Congresso. Além dos salários, adicionais e aposentadoria integral, o Judiciário tem o privilégio de decidir que leis podem se aplicar à própria categoria.

A ameaça equivale ao sequestro da reforma. O homem miserável que pode ficar sem o benefício de um salário mínimo quando chegar aos 65 anos não poderá escolher se cumprirá as novas regras ou não.

Janio de Freitas: Nesse grande Carnaval

- Folha de S. Paulo

É a grande festa da hipocrisia nacional, agora estendida por tantos fantasiados

O apelido, Zé Garoto, com certeza vinha de longe, porque os cabelos, além de vencidos por duas entradas ambiciosas, já branqueavam. Para nós, da Redação, não teve nome.

Baixo, maciço, cabeça esférica e volumosa, tipo perfeito do sertão nordestino. Cicatrizes de cortes no rosto de lua, no pescoço, agravavam o ar sinistro vindo do olhar duro e da sisudez imóvel. Foi guarda-costas e chofer de J.E. de Macedo Soares, jornalista lendário e fundador do Diário Carioca, até que a inatividade do patrão o fizesse só motorista do jornal. Mas nenhum repórter ou fotógrafo se sentia à vontade na velha caminhonete do DC. Com razão.

Certa vez, Armando Nogueira (o que veio a dirigir por longo tempo o jornalismo da TV Globo) saiu com Zé Garoto para reportar a rebelião no presídio de Anchieta, longa viagem até o litoral de São Paulo. Rebeliões assim eram raras na época, e as primeiras informações daquela eram alarmantes.

Já no lado paulista, e próximo de um retorno, Zé Garoto embicou o carro e disse, como um aviso vulgar: "Vou voltar". Armando lançou-se aos argumentos, jornalísticos, lógicos, éticos, para ao fim só ouvir um eco: "Vou voltar".

Emitido por voz e cara que não pediam concordância. Zé Garoto entregava o primeiro reparte das edições no sul fluminense, zona de influência política de Macedo e do DC, e no retorno recolhia remessas de pequenos agricultores, faturando um extra. Seguir ainda, noite já avançada, impediria os dois serviços.

Luiz Carlos Azedo: A festa imoral

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“De onde vem tanta energia? Não é das academias de ginástica, é de certas contradições entre a revolução nos costumes, que a liberdade proporciona, e os preconceitos arraigados e discriminações”

Há muito tempo, não tínhamos um carnaval como o deste ano, em que a alma transgressora dos cidadãos, liberada pela revolução dos costumes, se choca frontalmente com a política oficial, que propõe uma espécie de contrarrevolução cultural. O carnaval é imoral, digamos, assim, no sentido mais conservador e religioso do termo. A propósito dessa contradição, a cultura judaica, tão perseguida, tem muita coisa a nos ensinar. Para o rabino Nilton Bonder, a “alma” seria nada mais que o componente consciente da necessidade de evolução, a parcela de nós capaz de romper com os padrões e com a moral. Sua natureza seria, portanto, transgressora, por não corroborar os interesses da moral.

Um dos exemplos utilizados pelo rabino para explicar a tese, no livro a Alma Imoral, que serviu de roteiro para o monólogo interpretado por Clarice Niskier, de muito sucesso, é justamente a relação corpo-alma. Ao longo dos anos, a cultura afirmou ser o corpo a fonte do imoral e a alma, do moral. O primeiro ato de Adão e Eva como seres conscientes foi cobrir o corpo nu, dando a noção de indecência e imoralidade do corpo, frente ao despertar da alma supostamente moral. No entanto, é justamente o contrário. A alma é imoral e não o corpo.

A tradição tem três eixos: a família, os contratos sociais e as crenças. A primeira foi moldada para atender às necessidades reprodutivas; os segundos, para preservação da vida humana; as terceiras, para respaldar tudo isso no plano ideológico. O processo civilizatório é a transgressão das tradições, ultrapassando-as, geração após geração, mas preserva esses objetivos vitais.

No teatro, Clarice Niskier apresenta o monólogo em estado de nudez real e, ao mesmo tempo, simbólica. A alma desnuda, em conflito com o corpo vestido, coloca em xeque dogmas religiosos. “A psicologia evolucionista aponta o corpo como o gerador da moralidade. É justamente para dar conta de seus interesses de preservação que a moralidade é engendrada. Esta moralidade é oposta às forças transgressoras da alma. Assim, a alma vive do que a sociedade reconhece como imoral”, argumenta o rabino.

Mary Zaidan: Besteira demais, governo de menos

- Blog do Noblat / Veja

No que realmente é relevante, Bolsonaro derrapa.

Políticos estão sempre em campanha, mesmo os que negam de mãos juntas. Mas costumam usar os anos ímpares para consolidar votos e engordar o eleitorado. O presidente Jair Bolsonaro faz a dieta inversa: queima popularidade na largada, boa parte dela desperdiçada em questões comezinhas, distantes de tudo aquilo que é importante e urgente para o país.

Resultado: entre a vitória de outubro e o segundo mês de governo, o ex-capitão parou no empate técnico. Com aprovação pessoal de 57,5% de acordo com pesquisa CNT/MDA, cresceu apenas dois e meio pontos percentuais acima dos 55% que o elegeram, perdendo feio para a sua antecessora, a presidente cassada Dilma Rousseff, que em fevereiro de 2011 gozava de 70% de aprovação depois de ter conseguido se reeleger com apertados 51,6% dos votos.

Parte disso se deve ao fato de Bolsonaro e seu governo gastarem energia em excesso com baboseira ideológica. Dão corda para convertidos e, com força idêntica ou até maior, afastam aqueles que votaram no ex-capitão não por amor à extrema direita, mas por ojeriza ao PT e à corrupção que virou sinônimo do petismo.

Leandro Karnal: O barulho democrático

- O Estado de S. Paulo

Para Umberto Eco, a internet deu a certeza ao idiota da aldeia de que ele tudo sabe e sua opinião é a mais correta

Existir é opinar. Tenho considerações sobre culinária ao comer, sobre moda ao vestir, sobre política ao votar e sobre planejamento econômico ao negar dinheiro a um filho. A opinião (doxa para os gregos) envolve minha experiência real, meus gostos subjetivos, minha razão e minha passionalidade. Raramente, minhas opiniões são embasadas em muita reflexão ou em dados. Todos nós dialogamos com o mundo do senso comum e da subjetividade. Argumentos objetivos e verificáveis existem, mas escasseiam nas discussões diárias. Em casos ainda mais raros, temos uma formação profissional/acadêmica sólida que envolveu reflexão prévia e pesquisas anteriores sobre o que falamos. Falamos mais do que pensamos.

Hoje há uma tripla força para que as opiniões subjetivas e pessoais ganhem destaque. A primeira linha é o estado democrático de direito, vigente há mais de 30 anos no Brasil. Liberdade de expressão é garantida pela Constituição. A segunda força é o crescimento do sujeito como definidor de uma realidade que deve ser respeitada por causa da vontade. “Por que essa profissão? Por que fez tal escolha de casamento?” A resposta que encerra tudo é “porque eu gosto”. O declínio do dever ou da norma e a ascensão do desejo como instaurador de validade são recentes e mereceriam muita análise. A terceira e última força se chama rede social. Não apenas eu tenho o direito, eu também penso assim e, por fim, posso publicar para milhões a minha infinita subjetividade. Estamos no apogeu da doxa como o grande critério da comunicação.

Hoje em dia, qualquer pessoa pode (e fala/escreve) sobre tudo. Vivemos o império da opinião. Os jornais e outras mídias mais tradicionais, para sobreviverem, têm de se abrir ao outrora passivo leitor/espectador. Como funciona atualmente? Você lê uma notícia ou uma coluna e, logo abaixo, os comentários dos leitores! Muitas vezes, temos mais opiniões sobre a notícia do que texto na notícia. Todos querem falar o que pensam. Não raro, há debates entre os leitores, que se esgrimam por suas opiniões. No rádio não é diferente; tampouco na TV. No mais das vezes, se não moderados, são lugares de ofensas, de anonimato, de violência, de lugares-comuns. Isso levou Umberto Eco a emitir sua antipática (e verdadeira?) sentença de que a internet (e principalmente as redes sociais) deu a certeza ao idiota da aldeia de que ele não apenas tem voz; concedeu-lhe a certeza de que tudo sabe; de que sua opinião é a melhor, a mais correta.

Dorrit Harazim: Ao volante da vida

- O Globo

Da literatura sobre o papel do ‘Green Book’ brotam relatos de medo

Dica para os inconformados com o Oscar de melhor filme para “Green Book” na cerimônia de domingo passado: jogar fora o enredo da obra de ficção, desconsiderar os personagens da vida real que a inspiraram, e mergulhar na importância histórica do livrinho que dá titulo ao filme. Aprende-se montes à margem da folia pagã do carnaval.

Nos anos 1930, os Estados Unidos ainda eram um país dividido em espaços brancos e negros, sem fresta para transgressões. Mas, por dever de ofício, um empregado dos Correios de Nova York, e morador do Harlem, Victor Hugo Green, conhecia como poucos a geografia racial da cidade. E foi baseado na vivência própria somada às recomendações de outros carteiros negros que ele elaborou um guia de 15 páginas contendo dicas de locais e orientações para viajantes se orientarem na região metropolitana de Nova York.

Lançado em 1936, com o título de “The Negro Motorist Green-Book”, o manual representou uma bússola para a classe média negra emergente que abraçara o automóvel como ferramenta de alforria. Ao volante em estradas, o motorista segregado escapava da indignidade do transporte público — trens ou ônibus —, onde assentos dependiam da cor da pele. Era a conquista do controle de onde se sentar.

Inspirado em guias publicados pela e para a comunidade judaica americana às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o manual de Green expandiu-se de imediato, passou a mapear o país inteiro, e teve atualizações até o ano de 1967. Sempre com dicas de hotéis, tabernas, estacionamentos, night clubs, restaurantes, barbeiros, parques de diversão, lojas e tudo o mais que salva ou faz naufragar uma incursão em terra estrangeira.

*Elio Gaspari: A confissão de Cabral tem farinha de pizza

- Folha de S. Paulo / O Globo

O juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público no Rio podem transformar a massa numa inédita faxina

A quantidade de farinha que o ex-governador Sérgio Cabral colocou na sua repentina conversão à causa da verdade deu um cheiro de pizza às suas confissões. O doutor reconheceu-se viciado em roubo. Isso até as pedras sabem, tanto que ele já amealhou sentenças que lhe dão a fortuna de 198 anos de cadeia.

Sua confissão vale nada, mas pode vir a valer muito, desde que o juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público Federal no Rio percebam que Cabral pode se transformar no maior colaborador da história daquilo que se convencionou chamar de Lava Jato.

Cabral presidiu a Assembleia Legislativa, foi senador, governou o Rio por oito anos, reelegeu-se com dois terços dos votos e emplacou um cúmplice como sucessor. Ele sabe tudo, sabe mais do que souberam os empreiteiros e é o primeiro gato gordo do aparelho do Estado a mostrar que pode falar. Nada a ver com a colaboração seletiva e pasteurizada do ex-ministro Antonio Palocci.

A guinada de Cabral sugere que ele busca um acerto no escurinho dos processos. Falando o que já se sabe, aliviaria a situação de seus parentes e conseguiria algum tipo de conforto. Nesse caso, surgiria um Cabral 2.0. O mitológico gestor de propinas daria lugar ao administrador de confissões.

Se o detento quer colaborar com as investigações, precisa sentar com o Ministério Público para contar como funciona a máquina de corrupção política, administrativa e empresarial do andar de cima do Rio de Janeiro. Esse mecanismo arruinou o estado e a cidade. A roubalheira na privataria da saúde é exemplar na sua crueldade. Tem um pé nos hospitais públicos e outro operando o prestígio e a força moral da Arquidiocese. O andar de baixo conhece a ruína porque convive com ela, o que se precisa expor é o mecanismo com que o andar de cima operou e opera essa máquina.

O Ministério Público em Curitiba desvendou as tramas das empreiteiras porque trabalhou duro, com inédita independência.

No Rio essa máquina rateou, tanto que ao tempo em que Cabral cabalava, a Procuradoria dormiu em berço esplêndido.

A Lava Jato quebrou o mundo dos comissários petistas e das empreiteiras em 2014, quando o doleiro Alberto Youssef começou a falar. Cabral pode vir a ocupar esse lugar, desde que responda direito às perguntas certas. Nesse caso, poderia ganhar paz de espírito e leniência.

Fora daí, é pizza.

Militares ocupam 100 cargos no 2º e 3º escalões do governo

Militarização atinge 2º e 3º escalões do governo Bolsonaro

Após a indicação para o comando de oito ministérios, presidente expande presença de integrantes das Forças Armadas; já são pelo menos 103 em diversos postos

Tânia Monteiro, Adriana Ferraz, Carla Bridi, Matheus Lara e Tulio Kruse, O Estado de S.Paulo

O governo de Jair Bolsonaro vai ampliar a militarização na máquina pública federal, com a entrega para a Marinha de postos de comando nas superintendências de portos, no Ibama e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). Após a nomeação para ministérios importantes, os militares agora são chamados a ocupar também cargos no segundo e terceiro escalões.

Trata-se de uma nova fase do movimento crescente de escolha de oficiais da reserva das Forças Armadas para posições estratégicas e setores historicamente envolvidos em denúncias de corrupção. Levantamento feito pelo Estado contabiliza pelo menos 103 militares na lista dos cargos comissionados de ministérios, bancos federais, autarquias, institutos e estatais, entre elas a Petrobrás.

Segundo analistas, fatores como o desgaste da classe política e uma estrutura partidária ainda frágil do presidente Jair Bolsonaro permitem o avanço dos militares na burocracia federal.

Na última semana, foram escolhidos os almirantes da reserva da Marinha Francisco Antônio Laranjeiras e Elis Triedler Öberg para comandarem os portos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte, respectivamente. Para o cargo de diretor-presidente da Companhia Docas de São Paulo, que controla o Porto de Santos, o governo nomeou o engenheiro naval civil Casemiro Tércio Carvalho. Ele, no entanto, terá a seu lado um militar da Marinha para “sanear” o órgão e acabar com “entraves” burocráticos.

Ministros 'convocam' oficiais da reserva

Diante da dificuldade de atrair profissionais, militares vão ocupar cargos de confiança

Tânia Monteiro / O Estado de S. Paulo

Como não dispõem de um banco de dados de servidores para ocupar os cargos de confiança, entre eles os chamados DAS (Direção e Assessoramento Superior), a solução inicial encontrada pelo governo foi buscar militares na reserva das Forças Armadas. “Quando precisamos substituir inúmeras pessoas e trazer gente confiável, com capacidade técnica, carreira ilibada é muito difícil”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Outra razão para a escolha dos militares, segundo o ministro, é a dificuldade de atrair profissionais da iniciativa privada, com a mesma qualificação, dispostos a receber salários que variam de R$ 2,7 mil e R$ 16,9 mil, valores considerados baixos em comparação aos pagos em cargos de direção.

Os militares da reserva já têm um salário base e, no caso de voltarem a trabalhar, recebem apenas uma complementação salarial. “É bom pra eles e é bom pra nós”, observou Salles.

O ministro nega que os militares estejam loteando o governo. “Somos nós que pedimos as indicações e que eles venham. Não são eles se impondo”, afirmou. “Há uma gama enorme de cargos de confiança, muito mal preenchidos, muitos deles aparelhados, ou com grau de comportamento questionável.”

Governo já teve sete recuos após críticas em redes sociais

Estudo mostra que decisões coincidiram com comentários negativo

Em seus primeiros dois meses, o governo de Jair Bolsonaro recuou em ao menos sete temas depois que as propostas foram bombardeadas por críticas nas redes sociais. Do pedido para filmar estudantes cantando o Hino à retirada da indicação de Ilona Szabó para um conselho do Ministério da Justiça, as decisões do Planalto demonstram o prometido pelo presidente: investir no que chamou de “relação direta”. Estudo obtido pelo GLOBO cruzou interações nas redes e os perfis de quem publica para mostrar as guinadas.

Um governo obediente, às redes sociais

Recuos coincidem com rejeição a temas

Sérgio Roxo / O Globo

Ao ser diplomado presidente no dia 10 dezembro, Jair Bolsonaro destacou em seu discurso que o poder público “não precisa mais de intermediação” porque “as novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”. Uma análise das redes sociais desde a eleição sugere que essa conexão direta influencia medidas do novo governo.

Na última quinta-feira, num caso emblemático, Bolsonaro, após ser pressionado por sua base via Twitter e Facebook, ordenou que o ministro da Justiça, Sergio Moro, retirasse a indicação da cientista política Ilona Szabó para suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Ilona é diretora do Instituto Igarapé, ONG que faz estudos na área da segurança pública. Para os apoiadores do presidente nas redes, Ilona se resumia a uma opositora da flexibilização do porte de armas.

Também na última semana, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, recuou do pedido para que diretores de escolas lessem o slogan de campanha de Bolsonaro para alunos antes de uma cerimônia em que deveria ser cantado o hino nacional. A notícia havia repercutido mal na web.

REAÇÃO-PADRÃO
Com base em um índice que mede o sentimento das redes, a startup Arquimedes constatou que, além dos casos de Ilona e Vélez, já ocorreram pelo menos outros cinco episódios em que manifestações no Twitter e no Facebook coincidiram com medidas anunciadas pelo governo. O índice da Arquimedes analisa o conteúdo das publicações, quantifica os compartilhamentos e classifica a repercussão de zero a cem.

Bolsonaro dificulta pagamento de contribuição sindical

MP extingue desconto diretamente do salário dos trabalhadores; medida foi necessária devido ao ‘ativismo judiciário’, diz governo

Idiana Tomazelli, O Estado de S.Paulo

O governo do presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 873 que altera regras para dificultar o pagamento da contribuição sindical. A MP reforça o caráter facultativo da contribuição sindical. O texto ainda extingue a possibilidade de o valor ser descontado diretamente dos salários dos trabalhadores. O pagamento agora deverá ser feito por boleto, enviado àqueles trabalhadores que tenham previamente autorizado a cobrança.

A MP foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) de 1º de março. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, explicou em sua conta no Twitter que a medida é necessária devido ao “ativismo judiciário, que tem contraditado o Legislativo e permitido a cobrança”.

Marinho é ex-deputado federal e, em 2017, foi relator da reforma trabalhista na Câmara dos Deputados. Foi ele quem incluiu no texto a medida que pôs fim ao imposto sindical, cobrança até então obrigatória a todos os trabalhadores. A contribuição sindical equivale ao valor recebido por um dia de trabalho. “A MP deixa ainda mais claro que contribuição sindical é fruto de prévia, expressa e individual autorização do trabalhador”, explicou o secretário na rede social.

O texto também deixa claro que nenhuma negociação coletiva (que ganhou força sobre a legislação após a reforma trabalhista) ou assembleia geral das entidades terá poder de devolver ao imposto sindical o status obrigatório.

Pelas novas regras, o boleto bancário (ou equivalente eletrônico) precisará ser previamente solicitado e obrigatoriamente enviado à residência do empregado ou, na impossibilidade de recebimento, à sede da empresa. Quem descumprir essa medida poderá ser multado.

A MP ainda deixa claro que é vedado o envio da cobrança sem que haja autorização “prévia e expressa” do empregado.

O governo prevê que a autorização prévia do empregado deve ser “individual, expressa e por escrito”. Não serão admitidas autorização tácita ou substituição dos requisitos por requerimento de oposição (quando o trabalhador indica ser contrário ao desconto).

O desconto da contribuição assistencial – recolhida quando há celebração de acordo ou convenção coletiva – também deverá ser previamente autorizado.

Reação. A Força Sindical reagiu à MP 873. A entidade classificou a iniciativa de “AI-5 sindical”, em referência ao ato que detonou o período de maior repressão durante a ditadura militar, e promete questioná-la na Justiça.

“A nossa entidade está, em caráter de urgência, estudando as medidas e estratégias jurídicas a serem adotadas perante o Supremo Tribunal Federal (STF)”, diz em nota o presidente da Força Sindical, Miguel Torres.

Torres afirma que a medida “fere o princípio da liberdade sindical prevista no art. 8° da Constituição Federal, ao promover interferência estatal na organização sindical brasileira”. “É uma verdadeira prática antissindical patrocinada pelo Estado.”

A União Geral dos Trabalhadores (UGT) também promete acionar a Justiça contra a MP 873. A entidade classificou a iniciativa de “golpe constitucional” e criticou o fato de a MP ter sido publicada sem alarde às vésperas do carnaval.

“A Medida Provisória 873, publicada no escurinho do carnaval, altera as regras da constituição sindical e é inconstitucional porque fere o artigo número 8 da Constituição Federal ao promover interferência na organização sindical brasileira”, diz a nota do presidente da UGT, Ricardo Patah.

“A UGT vai entrar na Justiça contra esse absurdo e a nossa entidade vai discutir o assunto com deputados e senadores, no Congresso, para que haja respeito às negociações coletivas e à Constituição”, afirma a nota.

Não é pelo 1,1%: Editorial | Folha de S. Paulo

Ignorância e violência são algumas das causas mais profundas da estagnação secular brasileira

O crescimento da economia brasileira novamente decepcionou. A alta em 2018, de 1,1%, repetiu o resultado esquálido do ano anterior e sacramentou a mais lenta saída de um mergulho recessivo já registrada em meio século.

Como a população aumentou 0,8% no ano passado, a chamada renda per capita ficou na prática estacionada. Fosse apenas uma variação cíclica da atividade, um hiato numa trajetória virtuosa, haveria pouco com que se preocupar.

A estagnação, no entanto, é o vetor resultante do desempenho econômico brasileiro nas últimas quatro décadas. Os brasileiros nascidos durante esse período, que perfazem 60% da população, ainda não testemunharam um ciclo longo e sustentável de desenvolvimento.

Quando se trata de elevar os padrões de bem-estar de uma nação ao longo do tempo, o fundamental é que a quantidade de bens e serviços produzida por pessoa empregada progrida paulatinamente na vertente das décadas. Ao final de um período mais longo, a riqueza de toda a sociedade terá crescido.

Constituição e Previdência: Editorial | O Estado de S. Paulo

Com a proposta de reforma da Previdência apresentada ao Congresso, o governo federal não deseja apenas alterar as regras para concessão de aposentadorias e pensões. A proposta inclui mudar o próprio local onde essas regras estão previstas. Atualmente, boa parte dessas regras está na Constituição e, portanto, só uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) pode alterá-las. O Executivo propõe que a Previdência seja regulada por lei complementar.

O secretário de Previdência Social do Ministério da Economia, Leonardo Rolim, lembrou que o Brasil é o único país do mundo em que a Constituição fixa parâmetros para a concessão de aposentadorias e pensões. “A Constituição tem que ser uma coisa estável, não pode ficar alterando toda hora”, disse Rolim em entrevista ao Broadcast.

Uma alteração na Constituição exige votação em dois turnos em cada Casa, com quórum de três quintos. São necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado. Para aprovar um projeto de lei complementar, basta maioria absoluta em único turno: 257 votos na Câmara e 41 no Senado.

Avança a asfixia econômica da ditadura chavista: Editorial | O Globo

Sanções americanas estabelecem 29 de abril como data do início do bloqueio de compras de petróleo

À meia noite de 28 de abril termina o prazo estabelecido pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos para que pessoas, empresas e instituições financeiras sob jurisdição americana liquidem ou encerrem todos os negócios com a Venezuela em que estejam direta ou indiretamente envolvidas. O aviso vem sendo repetido desde a decretação das sanções, no final de janeiro. O período de 90 dias de transição foi fixado para evitar prejuízos na miríade de contratos que já estavam fechados.

Significa que a partir da segunda-feira, 29 de abril, começa a principal etapa da asfixia financeira à ditadura chefiada por Nicolás Maduro. Em janeiro foram congelados US$ 7 bilhões em ativos da petroleira PDVSA e da sua filial americana, a Citgo. Agora serão bloqueadas importações de petróleo em valor aproximado de US$ 11 bilhões e quantia similar em operações financeiras diversas, incluindo o seguro de navios fretados. A União Europeia, também, “retirou nossas garantias de segurança” — confirmou a chancelaria venezuelana na sexta-feira.

Essas sanções têm potencial de corrosão política só comparável às aplicadas recentemente ao Irã, que forçaram os aiatolás a negociar um acordo de desarmamento nuclear com o governo Barack Obama. Seus efeitos tendem a ser mais drásticos, porque até janeiro a Venezuela supria 7% do consumo total de petróleo do mercado americano —e os EUA eram seus únicos clientes que pagavam as compras em dinheiro.

China e Rússia recebem óleo em pagamento de dívidas antigas, estimadas em US$ 80 bilhões. Com esparsas doações de pequenas quantidades de gasolina, têm demonstrado um claro desinteresse em sustentar financeiramente a cleptocracia venezuelana, cujo poder se esvai na esteira do colapso institucional.

Maduro está na situação de um piloto de avião sem combustível. A queda é tão inevitável quanto imprevisível. Poderá ser precipitada por episódios de violência, seja no retorno a Caracas nesta semana do líder oposicionista Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, ou em ações tresloucadas de aliados enviados a países vizinhos.

Ameaças terroristas já foram detectadas por governos da região e confirmadas pelo próprio Guaidó em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, na última quinta-feira. Haviam sido denunciadas por Hugo Carvajal, deputado chavista dissidente, que chefiou o Serviço de Contra-Inteligência das Forças Armadas por quase uma década (de 2004 a 2013) sob Hugo Chávez e Maduro.

Não há cenário suave para o desfecho. Na melhor hipótese, cada vez mais remota, ocorreria a saída pacífica de Maduro e do seu condomínio civil-militar hoje no poder. No legado chavista haverá um país a ser reconstruído, com nível de pobreza triplicado; destruição de 66% das empresas; inflação astronômica; êxodo de 10% da população; recorde de criminalidade, e três milhões de vítimas da falência do sistema médico-hospitalar — entre outros aspectos dessa aventura política irresponsável que a esquerda latino-americana patrocinou e festejou sob o rótulo de “Socialismo do Século XXI”.

Geraldo Azevedo: É o frevo, é Brasil

Vinicius de Moraes: Soneto de carnaval

Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento
Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.