Cristiane Agostine
MANAUS - Com a voz mansa e a aparência serena, o ex-senador Arthur Virgílio Neto, candidato do PSDB à Prefeitura de Manaus, diz estar arrependido. "Errei e peço perdão a todos aqueles que foram atingidos na alma". O pedido, exibido em horário nobre na televisão, marca a estreia do programa eleitoral do tucano. "Os tempos são outros e as soluções também serão diferentes", anuncia, referindo-se à ação truculenta de seu mandato como prefeito na retirada de camelôs das ruas, há duas décadas, e que volta ao debate eleitoral.
Fora da telinha, a voz de Arthur Virgílio fica mais grave ao repetir, reiteradas vezes, que é um grande defensor da Zona Franca de Manaus. O rosto do candidato ganha um tom avermelhado quando o assunto é a tentativa de seu colega de partido, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), de acabar com incentivos fiscais do polo industrial do Amazonas. "Alckmin é um provinciano. Ele falta com a verdade e quem faz isso é mentiroso. Rompi com ele", diz.
Arthur Virgílio disputa a Prefeitura de Manaus na defensiva, mesmo estando à frente nas pesquisas de intenção de voto.
Sem mandato, o principal opositor ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Senado tem como desafio conquistar o eleitorado da cidade que em 2010 deu 56,3% dos votos válidos a Dilma Rousseff e 6,6% a José Serra (PSDB) na disputa pela Presidência. "Nunca remei a favor da corrente", diz. Na campanha deste ano, o desgaste de Virgílio com os vendedores ambulantes, que marcou sua gestão entre 1989 e 1992, foi retomado por ele próprio. "As pessoas disseram que houve excessos, mas eu não mandei praticá-los. Fui responsabilizado porque era prefeito", afirma. "Depois de ter sido o que eu fui, não precisaria ser prefeito de Manaus. Fui ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência [do governo Fernando Henrique Cardoso], fui líder do governo, líder da oposição. Tenho um nome no país. Não quero ser prefeito para dilacerar minha biografia", comenta. "Quero fazer muito mais pela cidade, inclusive pelos camelôs."
Aos ambulantes, o candidato prometeu que tudo vai ser diferente: vai transformá-los em microempresários, construir shoppings populares e dar anistia aos que pagam propina para trabalhar. "No dia 1º de janeiro tudo isso acabará", diz.
A vendedora ambulante Alaíde Rodrigues Duarte, de 60 anos, com 25 anos de trabalho informal nas ruas, vê as promessas com desconfiança. "Sofri na gestão dele. Pegaram minha barraca e as mercadorias. Passava o dia correndo para não pegarem minhas coisas. Ele está falando que vai dar a mão para camelô, mas eu não dou."
O debate sobre a Zona Franca, que costuma pesar contra candidaturas do PSDB no Estado, foi jogado à cena eleitoral depois que Alckmin ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade, há duas semanas, no Supremo Tribunal Federal contra os benefícios fiscais do Amazonas. No Estado, o PSDB tem uma imagem negativa por conta de ações dos ex-governadores Mário Covas, morto em 2001, e José Serra, além de Alckmin, em oposição aos incentivos da Zona Franca de Manaus.
Arthur Virgílio descarta, por enquanto, deixar o PSDB, mas se mostra ressentido com Alckmin e diz que "fará de tudo" para impedir uma candidatura do governador à Presidência, em 2014. "Em 2006, quando me candidatei ao governo estadual, me sacrifiquei por ele para montar palanques no interior para a candidatura dele à Presidência. Tive 6% dos votos, quando pensava que teria 14%", diz. "Rompi com ele. Sobre sair do PSDB, não sei dizer. Meu coração vai funcionar junto com o meu cérebro após a eleição."
Na cidade, o tucano lidera não só a intenção de voto, com 29%, mas também a rejeição, com o mesmo percentual. "A rejeição não é tão alta. Tenho muito tempo de vida pública", minimiza. Além de não exibir tucanos na campanha, Arthur Virgílio procura esconder o apoio do prefeito Amazonino Mendes (PDT), cuja gestão é mal avaliada. No entanto, conta com o engajamento do grupo do prefeito e de servidores municipais na campanha.
O candidato tem outro obstáculo a superar: o tempo de televisão e as inserções. Virgílio tem menos de um terço do tempo de TV de sua principal adversária, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), em segundo lugar, com 19%, segundo o Ibope.
Além desses problemas, o tucano enfrentou há pouco uma crise de asma e uma virose que o prejudicaram por quase duas semanas e reduziram sua presença na rua. Aos 66 anos, diz não se abater. "Convido para lutar 10 minutos de jiu- jitsu quem falar que eu estou sem pique para a campanha", brinca.
Na reeleição deste ano, Arthur Virgílio reedita o embate de 2010 com Vanessa Grazziotin por uma vaga no Senado. Naquela eleição, a disputa foi mais acirrada do que para o governo estadual. Apesar de perder nas urnas, Virgílio venceu Vanessa na capital. O tucano teve 22,2% dos votos válidos (391.088 votos) contra 20,6% (363.473 votos). O senador não superou a derrota e tenta "reaver" o mandato, a partir de processos contra Vanessa por suposta compra de votos. Diz, no entanto, que não assumirá se for vitorioso na Justiça e deixará para seu suplente.
Em sua campanha, Arthur Virgílio deu papel de destaque a seu vice, o vereador Hissa (PPS), de 32 anos, com quem divide o espaço em quase todos os outdoors e o tempo de televisão. Segundo o tucano, é a juventude junto com sua experiência.
As propostas de Virgílio são como ele: polêmicas. Em um debate na televisão, passou seu e-mail para que as pessoas enviassem currículos e disse que selecionará "cérebros" para ocupar cargos em seu governo e não aceitará indicações políticas.
O tucano diz que pretende atrair a iniciativa privada para construir uma mini-Disneylândia em Manaus, com motivos amazônicos, e anuncia a construção de um grande aquário com recursos do BNDES até a Copa do Mundo, em 2014, para aumentar o turismo em 30%.
O ex-senador acha que a cidade deve passar por um "choque de sinceridade". Um exemplo: diz que Manaus tem 161 equipes do programa Saúde da Família e que o ideal seriam 700 equipes. "Não tenho a menor ilusão dos 700. Vou propor como meta 325. Não sei se dá para conseguir essas equipes", diz. "Não sou de apostar. Não aposto nem em bingo, mas se você me convencesse eu apostaria que não conseguiria as 325 equipes. Coloquei a meta para me aproximar ao máximo dela. É como um atleta olímpico que diz: quero saltar mais dois centímetros. Ele não sabe se vai saltar, mas sabe que precisa."
Na saúde, o tucano propõe que as gestantes tenham direito a sete consultas de pré-natal e sua principal bandeira é a distribuição de vacina contra a hepatite B e contra o HPV.
Na educação, diz que há "uma chuva de promessas" de construção de creches por parte de seus adversários. "Cada um promete mais do que o outro. Não vamos entrar nessa guerra. A prefeitura atual está licitando. Vamos ver quantas terminará. As que ele não concluir, nós faremos funcionar", diz. O candidato promete construir escolas em tempo integral nos moldes dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), de São Paulo. Para a área de transporte, sua aposta é no BRT, que deve ser integrado ao monotrilho planejado pelo governo estadual. O tucano diz que as obras de mobilidade, no entanto, não deverão ficar prontas a tempo da Copa do Mundo, em 2014. Manaus é uma das cidades-sede. Em segurança, diz que fortalecerá a guarda municipal, que deve ganhar função repressiva se for eleito.
O tucano diz que a campanha tem consumido todo o seu tempo e comenta que não está acompanhando o julgamento do mensalão - escândalo que explorou amplamente no Senado. "Tenho ido dormir até sem tomar banho, coisa que não faço, de tão cansado que estou. Mergulhei na campanha e não dá tempo de ver mais nada", diz. Arthur Virgílio torce para que haja punições - "se deixar [os acusados] 24 horas na prisão, no dia seguinte o país será outro" - e considera que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sairá desgastado desse julgamento. Em meio a críticas a Lula, faz elogios à presidente Dilma Rousseff. "Vejo uma postura diferente. Tem um comportamento mais normal que o antecessor", diz. "Ela não tem a mesma sofreguidão do Lula de impor coisas." A aversão ao ex-presidente, em quem chegou ameaçar "dar uma surra", em discurso na tribuna do Senado, não passou.
Virgílio diz que está decepcionado com o Senado e com a CPI do Cachoeira - "tudo parece combinado, com um grande acordo por trás". O tucano afirma que não tem saudade, mas não descarta voltar à Casa.
Como plano B, Arthur não descuida de sua carreira como diplomata. Depois de derrotado nas urnas em 2010 atuou como chefe do setor político da embaixada brasileira em Lisboa. Agora está em um período de licença remunerada. Com o fim das eleições, terminará a tese de um curso de especialização que deve ser defendida no próximo ano. Dessa forma, poderá ser promovido e designado embaixador em algum país. "Sempre que não estiver com mandato estarei no Itamaraty", diz.
FONTE: VALOR ECONÔMICO