domingo, 5 de abril de 2015

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

“Isso que aí está é o fim do mundo ou é começo de outro? Os sinais que vêm das ruas, ocupadas por multidões, que se renovam quase semanalmente, embora desencontrados, expressam, cada qual a seu modo, a mesma sensação de mal-estar com os rumos do País e de desconfiança na ação dos partidos e, em geral, na dos dirigentes políticos. À diferença das manifestações de 2013 que apresentavam agendas de políticas públicas definidas sobre temas concretos, como os da mobilidade urbana, dos serviços de saúde e de educação, as que se iniciaram a partir de 15 de março de 2015, bem mais encorpadas, optaram pela marca difusa de um protesto contra a política na forma como a que temos praticado.

Luiz Werneck Vianna é sociólogo (PUC-Rio), em artigo ‘Um outro mundo é possível’. O Estado de S. Paulo, 5 de abril de 2015.

Dispersão dos partidos na Câmara se iguala à de período crítico do mensalão

• Falta de coesão em votações nominais bate recorde em fevereiro e se mantém com índice elevado no mês seguinte, quando foram abertas investigações contra 35 parlamentares suspeitos de envolvimento com escândalo da Petrobrás

Rodrigo Burgarelli, Guilherme Duarte, José Roberto de Toledo e Daniel Bramatti - O Estado de S. Paulo

A base de sustentação do governo Dilma Rousseff na Câmara está tão desestruturada agora quanto estava a de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, na época em que a crise do mensalão contaminava o Congresso. Esses dois períodos registram o pico de falta de coesão dos partidos, explicitada pelas votações dos seus deputados federais.

A conclusão é de um levantamento do Estadão Dados na base de votações nominais da Câmara. Para chegar até ela, foi criado um índice de dispersão que varia entre zero – quando todos os deputados do mesmo partido votam de maneira idêntica em todas as votações – e 10 – quando a dispersão interna é máxima dentro de cada sigla.

O índice médio para a Câmara foi de 3 em fevereiro e de 2,5 em março – mês em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou a lista de 35 parlamentares investigados sob suspeita de envolvimento com o escândalo da Petrobrás. Os altos índices de dispersão dos partidos da base aliada ajudaram a elevar a média geral da Câmara.

O PMDB, por exemplo, registra uma taxa de 2,8 em março. O PP, partido mais atingido pela Operação Lava Jato, chega a um índice de 4,8 no mesmo mês.

O recorde anterior havia sido registrado em meio à crise do mensalão, em setembro de 2006, quando a média geral atingiu 2,6 – meses antes, a CPI dos Correios aprovara relatório pedindo indiciamento de mais de 100 pessoas.

Os quadros publicados nesta página trazem retratos dos partidos na Câmara em quatro momentos distintos. Dois deles, de Lula e Dilma ao redor de 15 meses de gestão, mostram governos fortes, com quase todos os partidos da base com alta taxa de fidelidade nas votações e relativa coesão nas bancadas. Nessas duas situações, o índice de dispersão não chegou a 1,6.

Os outros dois permitem a visualização do desarranjo provocado por dois escândalos de corrupção – o do mensalão, no fim do primeiro mandato de Lula, e o da Operação Lava Jato, que domina o atual cenário e ameaça dezenas de políticos.

Essas “fotografias” da Câmara foram obtidas a partir de uma nova ferramenta online construída pelo Estadão Dados para analisar o governismo e a coesão das bancadas partidárias nos últimos 12 anos. Para calculá-la, foram analisadas todas as votações nominais na Câmara desde 2003 para as quais havia orientação do governo.

Em março de 2004, Lula tinha no Congresso nove partidos de apoio com mais de 90% de índice de governismo: PT, PMDB, PSB, PC do B, PL, PP, PTB, PDT e até o PPS, que mais tarde iria para a oposição.

Em agosto de 2006, após o vendaval político provocado pelo mensalão, apenas o PT e o nanico PTC ainda apresentavam taxa de governismo superior a 90%.

Em março de 2012, também com 15 meses de governo, Dilma tinha situação confortável na Câmara, segundo a média das votações dos seis meses anteriores. Seis partidos grandes e médios apresentavam índice de governismo superior a 90%: PT, PMDB, PSD, PP, PSB e PTB.

Hoje em dia, só o PT e alguns nanicos se mantêm com fidelidade superior a 90%. O PMDB, que já foi o principal aliado dos petistas na Câmara dos Deputados, desabou para o 13.º lugar no ranking do governismo.

Falta de coesão no PMDB supera média das legendas

• Falta de coesão no PMDB supera média das legendas

Rodrigo Burgarelli e José Roberto de Toledo - O Estado de S. Paulo

A relação da presidente Dilma Rousseff com a Câmara dos Deputados hoje é a pior que um presidente já enfrentou desde 2003. Mas isso não acontece porque a oposição aumentou. O maior problema para Dilma é a sua própria base aliada, que abandonou definitivamente o apoio incondicional ao governo mostrado nos anos Lula e no começo da sua segunda gestão.

Hoje, a taxa de governismo geral da Câmara é de 65%, dez pontos porcentuais a menos do que no mesmo período do primeiro mandato. O índice de dispersão geral dos partidos em 2011 era de 1,3, metade do atual.

Vários partidos da base aliada racharam e há deputados governistas e oposicionistas dentro da mesma sigla. Um exemplo é o PMDB. Em março de 2011, ele votava a favor do governo em 93% das vezes e tinha índice de dispersão baixo, de 1,6. Já no mês passado, sua taxa de governismo era de 69% e a de dispersão pulou para 2,8 – acima da média geral de março, de 2,5 –, valor que só havia sido superado antes durante a crise do mensalão, em 2006.

O professor de Ciência Política da USP Bruno Speck concorda que este é um dos momentos de menor coesão partidária dos partidos governistas. “Eles apresentam altíssimas taxas de dispersão, votando ora a favor, ora contra o governo”, diz. Segundo ele, esse quadro não impede que o governo consiga aprovar medidas que considera importantes, como a do ajuste fiscal. “É possível que a presidente consiga aprovar os seus projetos com este quadro, somando os votos dispersos de grupos ou parlamentares individuais.”

Essa situação, porém, destoa do comportamento visto no Congresso em passado recente, segundo o professor. “Para voltar a articular o presidencialismo de coalizão por meio das lideranças partidárias, serão necessárias fortuna e habilidade política para aumentar a coesão dos partidos do grupo governista e diminuir seu afastamento das orientações da presidente”.

De fiador do Planalto a aliado imprevisível

• Homem de confiança no 1º mandato agora é uma das principais fontes de preocupação do governo

Isadora Peron - - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Peça fundamental na sustentação do governo no primeiro mandato de Dilma Rousseff, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é agora um dos principais motivos de preocupação do Palácio do Planalto. Desde que foi reconduzido ao comando do Congresso, em fevereiro, o alagoano não esconde o seu descontentamento com o governo. Tampouco tem se esforçado para manter uma boa relação com a presidente. Para desespero da petista, a nova postura mais beligerante de Renan não prece ser uma fase passageira. Aliados do peemedebista dizem que isso veio para ficar.

Na semana passada, após a elevação do clima de tensão com o governo, Renan resolveu ceder aos apelos do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e adiar a votação de dois projetos que colocavam em risco o ajuste fiscal de Dilma. Mesmo assim, o presidente do Senado hoje pouco lembra a figura de fiador número um das propostas do governo que, no fim de 2014, enfrentou uma oposição fortalecida nas urnas para aprovar a mudança das regras no superávit primário que beneficiaria Dilma.

De lá para cá, uma série de acontecimentos tem implodido as pontes que existiam entre Renan e o Planalto. O desgaste começou com o apoio tímido que o PT deu à sua reeleição à presidência da Casa. Pelas contas de Renan, pelo menos 6 dos 13 senadores da bancada petista não votaram nele.

Foi no mês passado, porém, que a relação com Dilma azedou de vez. Para Renan, o governo quis transferir para o PMDB a culpa pelas irregularidades na Petrobrás e usou a chamada “lista do Janot" para tirar o Palácio do Planalto do centro do escândalo revelado pela Lava Jato. Além de Renan, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), passou a ser formalmente investigado após citações dos delatores da operação, segundo as quais os dois peemedebistas foram beneficiários de desvios do esquema.

Desde então, Renan tem patrocinado uma série de derrotas políticas a Dilma e levado ao plenário uma extensa pauta de votações antigoverno. Em um gesto pouco comum na relação entre os Poderes, ele chegou a devolver à Presidência uma medida provisória que revia as desonerações da folha de pagamento de vários setores da economia.

Sem conversa. Renan também já recusou ao menos dois convites para conversar com Dilma. Mas seus recados continuam chegando ao gabinete presidencial. O senador alagoano não aceita que o seu afilhado político, Vinícius Lage, seja substituído no Ministério do Turismo pelo ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). A nomeação já deveria ter ocorrido. A escolha do novo ministro do STF também não avançou porque Renan trabalha para emplacar um nome de sua confiança e já avisou ao Planalto que nenhum indicado com digital petista passaria pela sabatina do Senado.

Na avaliação de aliados do peemedebista, sua nova postura não é impulsionada apenas pela mágoa. Faz parte de uma estratégia de sobrevivência política. Não há como defender, dizem, um governo desaprovado por 64% da população. Também foi preciso mudar o tom para que Cunha, que sempre foi apontado como desafeto de Dilma, não colhesse sozinho os frutos de adotar um discurso mais agressivo contra o Executivo.

Há também quem diga que a eleição do filho dele para o governo de Alagoas no ano passado teria reduzido sua dependência política da máquina federal. Com isso, ele teria o suporte do aparato estadual. Por outro lado, há também insatisfação com o governo porque, com os cofres públicos vazios, dificilmente haverá recursos federais em abundância para alavancar a gestão de Renan Filho no Estado.

O presidente do Senado, no entanto, nega estar em pé de guerra com o governo. Quando questionado sobre o assunto, diz que o Congresso precisa ser cada vez mais independente. Afirma também que, em tempos de crise econômica, a população espera que o Legislativo dê respostas. Ele já sugeriu, por exemplo, que o governo reduza o número de ministérios. Também voltou a levantar a bandeira da independência do Banco Central. Nenhuma das propostas conta com a simpatia de Dilma.

Governo frágil faz Câmara bater recorde de votações

• Plenário da Casa aprovou o maior volume de projetos dos últimos 20 anos

• Quando está com a popularidade em alta, o Executivo federal costuma impor a agenda do Legislativo

Ranier Bragon, Márcio Falcão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em meio a turbulências econômicas e políticas, que levaram o governo federal a amargar uma das mais altas taxas de reprovação popular da história, a Câmara dos Deputados também bateu um recorde neste início de 2015.

O plenário da Casa aprovou o maior volume de projetos legislativos dos últimos 20 anos que não precisam do aval do governo.

A Câmara é comandada desde fevereiro por um desafeto da presidente Dilma Rousseff e responsável por rebeliões contra a petista nos últimos anos: o peemedebista Eduardo Cunha (RJ).

Sob sua gestão, o plenário aplicou derrotas diárias ao Palácio do Planalto.

Aprovou medidas como o reajuste para servidores, a liberação de verbas para obras indicadas por congressistas e a emenda à Constituição --cuja votação não foi concluída-- que pode retirar de Dilma o poder de indicar cinco ministros do Supremo Tribunal Federal, entre outras.

As propostas ganharam o aval da maioria dos deputados, apesar de oposição expressa do PT e da gestão de Dilma. "São dois meses que parecem que valem por um ano", disse o líder do governo, José Guimarães (PT-CE).

"A base está dando sinais de que quer se recompor e garantir a governabilidade. Nós estamos no processo de aperfeiçoamento, de construção da nova relação", completou.

Além de seu partido, o maior da Casa, Cunha hoje conta com o apoio da oposição e de parte da base dilmista --que não hesita em trair o Planalto em tempos de popularidade baixa.

Em fevereiro e março, o plenário da Câmara aprovou 29 propostas, com destaque para projetos de lei e projetos de lei complementar (24), contra apenas uma medida provisória --instrumento que o governo usa para legislar.

Além de temas econômicos, também foi aprovado um pacote de projetos que endurecem o Código Penal, mesmo com a resistência do PT.

Tradicionalmente, quando está com alta popularidade, o Planalto consegue impor a agenda do Legislativo, barrando propostas que não sejam de seu interesse e ditando o rito dos trabalhos, especialmente com a edição de medidas provisórias.

Numericamente, no início de 2004, segundo ano da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, foram aprovados mais projetos (35), mas 91% (32) deles eram as medidas provisórias do governo.

Nos bastidores, deputados afirmam que as dificuldades enfrentadas por Dilma não surpreendem, devido aos problemas na economia e na política. Para os congressistas, o governo potencializou a maré de azar com a falta de jogo de cintura na montagem dos ministérios.

A Folha mostrou na semana passada que, em média, 3 de cada 10 membros de siglas aliadas têm votado contra os interesses de Dilma, diferentemente do início de seu primeiro mandato, quando ela contava com a fidelidade de sua base de apoio.

No papel, a presidente mantém uma robusta base: 346 dos 513 deputados. Poderia aprovar alterações na Constituição (são necessários 308 votos), por exemplo.

Efetivamente, porém, votam com o governo, em média, 246 parlamentares, número insuficiente para aprovar qualquer proposta.

O cenário pós-Páscoa deve continuar nublado para o governo. Entre as propostas que podem ser votadas estão medidas que ampliam gastos públicos, como reajustes para categorias do funcionalismo.

Deputados tucanos querem que FHC oriente oposição no Congresso

• Ex-presidente esteve com cúpula do PSDB no Senado há um mês

Daniela Lima, Márcio Falcão - Folha de S. Paulo

SÃO PAULO, BRASÍLIA - Em meio à maior crise política enfrentada pela presidente Dilma Rousseff, a bancada do PSDB na Câmara recorreu ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para que ele atue pessoalmente na definição das estratégias da oposição no Congresso.

O líder da sigla, deputado federal Carlos Sampaio (SP), trabalha para promover uma reunião entre os parlamentares e o ex-presidente na segunda semana de abril.

A movimentação ocorre depois que a Folha revelou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem orientado nomes do PT no Congresso e cobrado deles a defesa do governo.

Os tucanos, porém, negam que a intenção seja usar a mesma tática petista.

Seria a segunda grande reunião de FHC com nomes de seu partido no Congresso.

Há cerca de um mês, o ex-presidente esteve com a cúpula da sigla no Senado em São Paulo: Aécio Neves (MG), José Serra (SP), Aloysio Nunes (SP), Tasso Jereissatti (CE) e Cássio Cunha Lima (PB).

Esse encontro ocorreu às vésperas de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, entregar a primeira lista de políticos investigados na Operação Lava Jato.

Segundo pessoas próximas a FHC, ele se mostrou solícito ao pedido, mas está com problemas para conciliar sua agenda com o calendário proposto pelos deputados.

A ideia do líder do PSDB era levar FHC à Brasília no dia 10 de abril, para que ele encerrasse o primeiro ciclo de seminários desenvolvidos pela sigla neste ano.

"O ex-presidente poderá ajudar com clareza o nosso planejamento estratégico", disse Carlos Sampaio.

Ele afirma que estará com FHC nesta segunda-feira (6) para tentar acertar os detalhes do convite.

Lula reforça apelo por nova articulação

Vera Rosa – O Estado de S. Paulo

Preocupado com os novos protestos previstos para o dia 12, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva intensificou as cobranças sobre o governo e quer que Dilma Rousseff mude com urgência a articulação política do Palácio do Planalto, sob pena de trilhar um caminho sem volta. Para ele, a presidente não pode mais esperar e precisa mexer nos interlocutores com o Congresso, que se transformou em uma trincheira contra o governo após a Operação Lava Jato.

"Mercadante vive falando de rating para cá, rating para lá. Que rating que nada! A crise é política e o governo tem que resgatar a confiança. O resto acontece naturalmente", disse Lula, em recente conversa com um senador do PT, numa referência ao ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

Nos últimos dias, tanto Mercadante como o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, afirmaram que o ajuste fiscal é necessário para manter o grau de investimento no País, com uma nota de crédito (rating) elevada. Lula, porém, escolheu Mercadante como alvo das críticas. O ex-presidente não esconde a contrariedade com o fato de Dilma manter o chefe da Casa Civil no comando da articulação com o Congresso. No varejo das negociações com os parlamentares está Pepe Vargas, titular da Secretaria de Relações Institucionais, mas é Mercadante quem dá a linha política.

Rearranjo. Em mais de uma ocasião, Lula aconselhou Dilma a transferir essa função para Jaques Wagner, hoje ministro da Defesa, e pôr no lugar de Pepe um nome do PMDB, como o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, ligado ao vice-presidente Michel Temer. Dilma, no entanto, resiste à troca. Diante desse quadro, o PMDB entende que o atual modelo da articulação deixa o ocupante da Secretaria de Relações Institucionais como uma "rainha da Inglaterra" e não quer assumir a tarefa.
Na avaliação de Lula, a raiz da crise é política, mas, como o governo não consegue dissipar as turbulências com os aliados, o problema contamina a economia. A instabilidade se agravou com a inclusão dos presidentes do Senado, Renan Calheiros (AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), ambos do PMDB, na lista de investigados por denúncias de corrupção na Petrobrás, no rastro da Lava Jato.

Investimento cai e agrava atraso em obras públicas

• Com ajuste fiscal, gasto do Tesouro com infraestrutura e equipamentos recua 31%

• Para Ministério do Planejamento, queda era esperada, porque grandes projetos já foram concluídos

Gustavo Patu, Dimmi Amora – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Os investimentos públicos sofreram uma freada generalizada no início deste ano, o que agrava a tendência de recessão na economia.

Levantamento feito pela Folha mostra que as despesas com obras de infraestrutura e compras de equipamentos caíram no Tesouro Nacional, nas estatais federais e em Estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Quedas desses gastos são naturais em inícios de mandato, mas desta vez há agravantes como o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy (Fazenda), a crise da Petrobras e o impacto da estagnação na arrecadação de impostos.

Com dificuldades para reequilibrar suas contas, o governo Dilma tem reduzido investimentos desde o fim do ano passado, aumentando o atraso de obras bilionárias sob responsabilidade federal.

Os investimentos com recursos do Tesouro desabaram no primeiro bimestre de 2015, quando somaram R$ 11,2 bilhões, numa queda de 31,3% em relação ao montante dos primeiros dois meses de 2014, já descontada a inflação.

Na mesma base de comparação, os desembolsos das estatais federais caíram 23,7%, atingindo R$ 12,1 bilhões. A redução foi puxada pela Petrobras, que responde por cerca de 90% do gasto total.

Alguns projetos da estatal foram até cancelados, como a refinaria Premium 1 (MA).

Há quedas também entre os Estados, que contabilizam apenas os recursos do Orçamento corrente --o governo federal inclui também as despesas remanescentes de Orçamentos anteriores.

Em São Paulo, onde o governador tucano Geraldo Alckmin foi reeleito, os investimentos caíram 17,1% no primeiro bimestre na comparação com os valores corrigidos do mesmo período de 2014.

Em Minas, onde houve troca de comando, o petista Fernando Pimentel parou integralmente os desembolsos --ao menos os programados para este ano. O balanço do Estado registra apenas R$ 19 mil investidos no bimestre.

Ajuste fiscal
Como não é possível deixar de pagar salários, aposentadorias e benefícios assistenciais, os investimentos são o alvo preferencial de ofensivas de ajuste fiscal como a hoje conduzida por Levy.

Pelo que a equipe econômica tem indicado, os investimentos serão freados neste ano. O PAC não será exceção: um decreto presidencial limitou os desembolsos do programa a R$ 15,2 bilhões no primeiro quadrimestre deste ano, ante R$ 19,9 bilhões no mesmo período de 2014.

A redução dessas despesas agrava as deficiências nacionais em infraestrutura e derruba o desempenho da economia. Nas expectativas oficiais, publicadas pelo Banco Central, o PIB cairá 0,5% neste ano, em especial devido à redução de 6% dos investimentos públicos e privados.

O Ministério do Planejamento informou que a queda nos investimentos era esperada porque grandes projetos do governo terminaram ou já saíram de seu pico de desembolsos. Além disso, houve também atraso na aprovação do Orçamento de 2015, o que prejudicou os pagamentos.

Sobre o futuro das obras públicas, o ministério afirma que isso dependerá do planejamento de cada empresa

Redução de investimentos agrava a situação das estradas federais

• Dnit deixou de executar 77 obras previstas para 2014 em rodovias

Marcelo Remigio – O Globo

RIO — Setenta e sete obras em rodovias federais previstas no orçamento do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) deixaram de ser executadas em 2014, comprometendo ainda mais o estado da malha viária brasileira. Ao mesmo tempo, a construção de novas estradas avançou em marcha lenta. Estudo feito pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) aponta que seriam necessários pelo menos 10 mil quilômetros novos de vias a cada ano para acompanhar o crescimento da frota nacional — são cerca de 3,5 milhões de veículos zero km comercializados todos os anos. No entanto, o país tem mantido a média de apenas 700 quilômetros anuais de novas estradas.

Comparado com 2013, o ano passado registrou uma redução nos investimentos na malha viária federal. De acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), em 2014 o orçamento previsto foi de R$ 11,9 bilhões, dos quais R$ 9 bilhões foram empenhados, ou seja, foram contratados. Deixaram de ser pagos R$ 3,8 bilhões. No ano anterior, o orçamento chegou a R$ 12,3 bilhões, sendo R$ 11,1 bilhões empenhados.

Para o diretor executivo da CNT, Bruno Batista, as estradas federais brasileiras enfrentam sérios problemas na manutenção, que são agravados pelo excesso de veículos.

— As rodovias no Brasil não comportam mais o número de veículos, em especial nos principais corredores. São estradas das décadas de 1970 e 1980. A qualidade das obras, que não é boa, somada ao trânsito pesado, faz com que o pavimento se deteriore mais rápido e dure menos tempo que o previsto. Hoje, 49,9% das rodovias pavimentadas no país têm algum tipo de problema — afirma Batista, ao ressaltar que mais de 43 mil quilômetros estão com o pavimento desgastado.


A pesquisa mais recente sobre rodovias federais feita pela CNT (em 2014) apontou que o número de pontos críticos aumentou de 250 em 2013 para 289. São considerados pontos críticos quedas de barreira, pontes destruídas, erosões na pista e buracos grandes. Segundo o estudo da CNT, é de 26% o acréscimo médio do custo operacional no setor de transportes em função da qualidade do piso das rodovias brasileiras. Nos estados da Região Norte, onde a malha viária tem maior deficiência, o mesmo índice chega a 37,6%.

Ainda de acordo com a CNT, os recursos destinados ao transporte são considerados insuficientes para melhorar a qualidade das vias. A confederação aponta que seriam necessários R$ 293,88 bilhões para recuperar as estradas.

Promessas não cumpridas
A manutenção precária e as obras de recuperação ou duplicação de estradas não concluídas se transformaram em um problema crônico enfrentado pelo Dnit. Das oito obras consideradas prioritárias pelo governo federal para a infraestrutura viária, e incluídas na lista de ações do PAC-2, apenas uma foi concluída: a recuperação da BR-060, que liga Rio Verde (GO) a Brasília.

Promessa de campanha da presidente Dilma Rousseff em 2010, a duplicação das BRs 116 e 386, no Rio Grande do Sul; e a restauração das BRs 110 (RN), 470 (SC) e 381 (MG) e das estradas Manaus-Porto Velho e Cuiabá-Santarém ainda não foram concluídas.

Segundo Bruno Batista, a falta de cuidado do governo na condução das licitações de estradas contribui para o atraso nas obras:

— São observados erros nos projetos, o que afasta os interessados em participar das concorrências. Falhas nos textos das licitações atrasam os processos de concessões. O governo acaba perdendo muito tempo com a correção dos projetos — alerta.

O Dnit informou, por meio de nota, que dos 210 quilômetros da BR-116 a serem duplicados, no trecho do Rio Grande do Sul, 30 já foram concluídos. As obras começaram em julho de 2012 e deverão terminar no segundo semestre de 2016. Também no Rio Grande do Sul, a duplicação da BR-386 tem previsão de entrega para o segundo semestre deste ano. Dos 33,8 quilômetros, 28 foram concluídos.

Conhecida como rodovia da morte, a BR-381 (MG) começou a ser duplicada apenas este ano. O trecho entre os municípios de Governador Valadares e Belo Horizonte, com uma extensão de 303 quilômetros, foi dividido em 11 lotes, sendo que nove foram contratados e dois aguardam nova licitação. O prazo previsto para o término das obras é novembro de 2017.

A BR-470, trecho de Santa Catarina, teve as obras de recuperação iniciadas há um ano. São quatro lotes, sendo o 3 e o 4 parados por contestações nas desapropriações. O término da obra está previsto para o primeiro semestre de 2018. Já a BR-110, no Rio Grande do Norte, está com 93% das obras prontas. O prazo de entrega termina no segundo semestre deste ano.

Fernando Henrique Cardoso - Oposição e reconstrução

• Deste governo pouco há a esperar, Tanto quanto popularidade, falta-lhe credibilidade

- O Estado de S. Paulo

Nas últimas semanas tenho dado entrevistas aos jornais e às TVs, talvez mais do que devesse ou a prudência indicasse. Por quê? A mídia anda à busca de quem diga o que pensa sobre o "caos" (a qualificação é oficiosa, vem da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) em que estaríamos mergulhados e é necessário que vozes da oposição sejam ouvidas.

A crise atual marca o fim de um período, embora ainda não haja percepção clara sobre o que virá. Em crises anteriores as forças opostas ao governo estavam organizadas, tinham objetivos definidos. Foi assim com a queda de Getúlio em 1945, quando a vitória dos Aliados impunha a democracia; idem na segunda queda de Getúlio, quando seus opositores temiam a instauração da "República sindicalista"; o parlamentarismo, igualmente, serviu de esparadrapo para que Jango pudesse tomar posse; em 1964 as "marchas das famílias pela liberdade" aglutinaram as forças políticas aos militares contra o populismo presidencial e, posteriormente, entregaram-se a práticas autoritárias; deu-se o mesmo, por fim, quando a frente de oposição, liderada pelo PMDB, em aliança com dissidentes da antiga Arena, pôs fim ao regime criado em 1964.

Em todos esses casos, previamente ao desenlace houve o enfraquecimento da capacidade de governar e os opositores tinham uma visão política alternativa com implicações econômicas e sociais, embora se tratasse fundamentalmente de crises políticas. Mesmo no impeachment de Collor, a crise era política e a solução, idem. Naturalmente, ajustes econômicos foram feitos em seguimento às soluções políticas, basta lembrar a dupla Campos-Bulhões nos anos 1960. Ou, ainda, os Planos Cruzado e Real, que se seguiram à Constituinte e à derrocada de Collor.

No que se distingue o "caos" atual? Em que ele é mais diretamente a expressão do esgotamento de um modelo de crescimento da economia (como também em 1964 e nas Diretas-Já), embora ainda não se veja de onde virá o novo impulso econômico. Mais do que uma crise passageira, o "caos" atual revela um esgotamento econômico e a exaustão das formas político-institucionais vigentes. Será necessário, portanto, agir e ter propostas em vários níveis. Embora haja alguma similitude com a situação enfrentada na crise de Jango Goulart, nem por isso a "saída" desejada é golpista e muito menos militar. Não há pressões institucionais para derrubar o governo e todos queremos manter a democracia.

Explico-me: a pretensão hegemônica do lulopetismo assentou-se até a crise mundial de 2008 na coincidência entre a enorme expansão do comércio mundial e a alta do preço das commodities, com a continuidade das boas práticas econômicas e sociais dos governos Itamar Franco-Fernando Henrique Cardoso. Essas práticas foram expandidas no primeiro mandato de Lula, ao que se somou a reação positiva à crise financeira mundial. Ao longo do seu segundo mandato, o lulopetismo assumiu ares hegemônicos e obteve, ao mesmo tempo, a aceitação do povo (emprego elevado, Bolsa Família, salário mínimo real aumentado) e o consentimento das camadas econômicas dominantes (bolsa BNDES para os empresários, Tesouro em comunicação indireta com o financiamento das empresas, Caixa Econômica ajudando quem precisasse).

Só que o boom externo acabou, os cofres do governo secaram e a galinha de ovos de ouro da "nova matriz econômica" - crédito amplo e barato e consumo elevado - perdeu condições de sustentabilidade. Isso no exato momento em que o governo Dilma pôs o pé no acelerador, em vez de navegar com prudência. Daí que o discurso de campanha tenha sido um e a prática atual de governo, outra. Some-se a isso a crise moral, na qual o petrolão não é caso único.

As oposições devem começar a desenhar outro percurso na economia e na política. Como a crise, além de econômica e social, é de confiabilidade (o governo perdeu popularidade e credibilidade), começam a surgir vozes por "um diálogo" entre oposições e governo. Problema: qual o limite entre diálogo político e "conchavo", ou seja, a busca de uma tábua de salvação para o governo e para os que são acusados de corrupção? A reconstrução de uma vida democrática saudável e uma saída econômica viável requerem "passar a limpo" o País: que prossigam as investigações e que a Justiça se cumpra. Ao mesmo tempo há que construir novos modos de funcionamento das instituições políticas e das práticas econômicas.

As oposições devem iniciar no Congresso o diálogo sobre a reforma política. Em artigo luminoso do senador José Serra, publicado no Estadão de 26 passado, estão alinhadas medidas positivas tanto para a reforma eleitoral como para práticas de governo. Iniciar a proposta de voto distrital misto nas eleições para vereador em municípios com mais de 200 mil eleitores é algo inovador (o senador Aloysio Nunes fez proposta semelhante). Há sugestões de igual mérito na área administrativa, como a criação da Nota Fiscal Brasileira, e ainda a corajosa e correta crítica ao regime de partilha que levou a Petrobrás a se superendividar. De igual modo o senador Tasso Jereissati apresentou emenda moralizadora sobre o financiamento das eleições, impondo tetos de doação de até R$ 800 mil para os conglomerados empresariais e restrições de acesso ao financiamento público para as empresas doadoras. Partidos que até agora apoiam o governo, como o PMDB, também têm propostas a ser consideradas.

Sei que não basta reformar os partidos e o Código Eleitoral. Mas é um bom começo para a oposição, que, além de ir às ruas para apoiar os movimentos populares moralizadores e reformistas, deve assumir sua parte de responsabilidade na condução do País para dias melhores. Deste governo há pouco a esperar, mesmo quando, movido pelas circunstâncias, tenta corrigir os rumos. Tanto quanto popularidade, falta-lhe credibilidade.

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*Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República

Luiz Werneck Vianna - Um outro mundo é possível

• Em meio a um cenário de escombros, com o que ainda resta de pé dá para entrevê-lo

- O Estado de S. Paulo

Isso que aí está é o fim do mundo ou é começo de outro? Os sinais que vêm das ruas, ocupadas por multidões, que se renovam quase semanalmente, embora desencontrados, expressam, cada qual a seu modo, a mesma sensação de mal-estar com os rumos do País e de desconfiança na ação dos partidos e, em geral, na dos dirigentes políticos. À diferença das manifestações de 2013 que apresentavam agendas de políticas públicas definidas sobre temas concretos, como os da mobilidade urbana, dos serviços de saúde e de educação, as que se iniciaram a partir de 15 de março de 2015, bem mais encorpadas, optaram pela marca difusa de um protesto contra a política na forma como a que temos praticado.

No espaço de dois anos o País se vê varrido por duas grandes ondas de mobilização social - mais duas estão a caminho. Sem contar a dos sindicatos que têm feito das ruas e rodovias lugar de teatralização das suas manifestações - a ocupação da Ponte Rio-Niterói por uma passeata de metalúrgicos foi a mais contundente -, a que se somam as de incontáveis movimentos sociais. As ruas têm sido instituídas numa esfera pública paralela, à margem dos partidos e das organizações formais, mas, ao contrário das gregas e espanholas, nelas não se delibera e não se procura produzir autoesclarecimento sobre o que, afinal, nos aflige na hora presente.

De fato, não há por que tergiversar com a gravidade da situação, nem se pode contar com a garantia de que o caráter pacífico dessa leva de manifestações dos idos de março será preservado, pois a cólera e as paixões irracionais, se não contidas por ações responsáveis, trazem o risco de converter disputas políticas em guerra entre facções. Não se pode ignorar que a sociedade, independentemente de suas clivagens partidárias, sente que seus sonhos foram roubados. O principal deles é o de que estaríamos em marcha batida para a afluência, com o bilhete premiado do pré-sal, cornucópia que nos permitiria o acesso a recursos abundantes para a modernização do nosso parque industrial e para políticas afirmativas de inclusão social.

A descoberta de uma sinistra trama a envolver a Petrobrás numa rede de relações corruptas com empresas e partidos da base governamental, inclusive com o hegemônico, afetando suas atividades e a própria credibilidade da empresa, não só posterga a concretização desses legítimos anseios, como já deixa em seus rastros o desemprego de milhares de trabalhadores e a ruína de cidades que prosperaram em torno dos seus negócios. Mas como tudo o que é ruim pode piorar, mal saído de uma eleição presidencial o País é advertido pela presidente Dilma de que, ao contrário do que sustentou quando candidata, seria necessária uma mudança de rumos: um severo ajuste fiscal tomaria o lugar da aceleração do crescimento.

Trocar sonhos por pesadelos não é uma boa experiência. Chamada à realidade por eles, a sociedade defronta-se com um mundo para o qual não tem referências para se situar diante dos novos desafios a que está exposta. Sem confiar nos partidos, descrente do governo, faz das ruas um tribunal, pondo a política no pelourinho. Perigosamente, o demos se dissocia da República, abrindo passagem para soluções salvacionistas e homens providenciais, dos quais temos a infausta memória do regime militar e da eleição de Collor na sucessão presidencial de 1989.

A sinalização está feita - esta é uma hora que demanda com urgência a ação dos Poderes republicanos a fim de preservarmos e aprimorarmos as instituições conquistadas com a democratização do País.

As reformas políticas têm de ser feitas e os crimes contra o patrimônio público ser apurados e punidos. Mas essas tarefas, embora necessárias e ingentes, não nos bastam. A emergência às ruas das multidões, em si auspiciosa, também tem revelado a rusticidade da nossa cultura política. A desinstalação do capitalismo de Estado como ideologia reinante nos chega por imperativos sistêmicos, e não pela ação autocrítica do governo, que não reconhece os seus erros.

Décadas de passividade, de empobrecimento do debate público, sob o obscurantismo de concepções anacrônicas sobre os poderes demiúrgicos de um Estado tutelar e de heróis providenciais nos apresentam, agora, a sua conta: o maniqueísmo é a marca dominante da nossa cultura de massas.

Saudáveis como são, essas manifestações de 2015, além de erráticas - quem defende o governo discorda de sua política econômica, quem o ataca a defende -, vêm à luz, contudo, condenadas ao efêmero, não nos deixando em seus rastros ideias novas. Nada nelas evoca os movimentos que deram partida ao Syriza, na Grécia, nem os que, na Espanha, serviram de base para a organização do Podemos e dos Cidadãos.

Elas são apenas especulares da miséria intelectual - sintomático o "nós contra eles" - a que nos condenou uma política realizada em nome de uma esquerda que, mesmo diante das inúmeras oportunidades que se apresentaram para abrir caminho em direção ao moderno, optou, com um pragmatismo sem alma, pela caixa de ferramentas e pelo repertório herdados do nosso passado, concedendo vida nova ao nacional-desenvolvimentismo e à estatolatria, sempre presente em nossa História.

Não se vive um fim do mundo, mas desse mundo aí. A crise que o anuncia é a hora de oportunidade para a afirmação dos Poderes republicanos, em particular do Judiciário e do Legislativo, este último a se desprender - não importando as motivações de algumas de suas lideranças - da sua gravitação em torno do Executivo. Sob a modalidade bastarda como o conhecemos, soou a hora final para o nosso presidencialismo de coalizão, forma velada com que o autoritarismo político encontrou passagem para se reproduzir no cenário da Carta de 88.

Em meio a um cenário de escombros, com o que ainda resta de pé dá para entrever que um outro mundo é possível.

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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo (PUC-Rio)

Merval Pereira – Os três pilares

- O Globo 

O economista Cláudio Frischtak, da Inter.B Consultoria Internacional de Negócios, está distribuindo um trabalho que propõe uma agenda de reformas da indústria da construção pesada, que está em risco por força da Operação Lava-Jato, da crise da Petrobras e do enorme dano à reputação da indústria e das empresas.

O documento "A Crise na Indústria de Construção: um Chamado à Ação Coletiva" propõe um novo modelo para a atuação das empreiteiras de grandes obras públicas que se assentaria em três pilares.

1 - Autorregulação: segundo o documento, a indústria necessita de um Código de Conduta que garanta um comportamento ético e íntegro das empresas; que seja seguido por todas as suas instâncias e todos os funcionários, e sujeito à fiscalização.

O Código necessita ter força - uma autorregulação com garras, ressalta o estudo. Aderir ao Código - e ter mecanismos auditados de compliance - será condição necessária para as empresas acessarem recursos públicos de qualquer natureza. Toda empresa que venha a aderir ao Código abre mão de seu sigilo contratual para transações que envolvam equity do setor público, empréstimos e avais.

O Código deverá ser preparado por representantes de instituições de notória integridade, a exemplo de OAB, Transparência Internacional e Banco Mundial ou BID, e submetido à apreciação do governo, empresas e sociedade. Para Cláudio Frischtak, "é essencial que seja debatido amplamente pela sociedade e nas mídias, pelos órgãos de controle e pelas empresas e suas representações".

2 - Diferenciação de funções: em anos recentes, analisa o estudo, observa-se um movimento de empresas construtoras para a prestação de serviços sob a forma de concessões. Comumente, fazem parte da mesma Sociedade de Propósito Específico (SPE) concessionárias, construtoras, fundos de pensão de empresas públicas, fundos de investimento públicos aportando capital de risco (FI-FGTS, BNDESPar), assim como empresas públicas aportando capital de risco (Eletrobras, Petrobras, Infraero).

Essas SPEs são em geral irrigadas com financiamento público do BNDES, Banco do Brasil e CEF, principalmente. Este modelo tem sérios problemas de governança e gera claros conflitos de interesse, adverte o estudo.

O novo Código de Conduta da indústria deve se refletir não apenas numa nova legislação regulando as licitações públicas, mas a contratação de serviços teria por precondição a adesão ao Código.

A resolução desse conflito teria dois pontos angulares: a separação entre EPCista (detentor de contratos de grande porte) e investidor, sempre que recursos públicos estiverem envolvidos no financiamento das obras e da operação; e a abertura ao escrutínio da sociedade e aos órgãos de estado das SPEs já constituídas, de modo a garantir que transações passadas foram realizadas a preços de mercado, e, caso não o tenham sido, que medidas corretivas sejam tomadas, com ressarcimento aos investidores dos sobrepreços cobrados.

3 - Competição entre ofertantes: na opinião de Frischtak, a sociedade brasileira não irá mais tolerar barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes ou arranjos que inflem preços ou restrinjam a qualidade dos serviços. As barreiras à entrada de empresas no mercado de projetos e serviços de engenharia, assim como velhas práticas cartoriais, necessitam ser identificadas e avaliadas para serem removidas.

Porém, é necessário ir além, diz o estudo, e permitir às empresas enfrentar um ambiente mais aberto e competitivo, trazendo tecnologia e pessoal especializado de outros países, se necessário, e a critério das empresas, e sem maiores óbices.

O processo de ampliar a competição em bases equitativas e atendendo a normas técnicas universais, que garantam a qualidade da obra, tem por premissa que as empresas que queiram operar no Brasil possam fazê-lo usando recursos domésticos e externos, e sob a responsabilidade da empresa. A necessária abertura de mercado com as mudanças nas regras de concorrência do setor público deve ser acompanhada por uma reforma mais ampla, que possibilite às empresas do país se modernizar, acessar os recursos técnicos de fronteira e competir de igual com suas congêneres internacionais.

Eliane Cantanhêde - Fim de um ciclo

O Estado de S. Paulo

Se ninguém vê saídas imediatas para crise, uma percepção vai se cristalizando sobre o médio e longo prazo: a política brasileira está encerrando um ciclo e vem aí um novo que ainda é uma grande interrogação. Ou melhor, contém várias interrogações.

Uma delas é o que vai acontecer com a "esquerda", atingida por mensalão, petrolão e deterioração da economia depois de 12 anos do PT no poder. Outra é o que, e principalmente quem, vai representar a "direita", rótulo sempre rejeitado por partidos e políticos, mas que tende a encorpar: quanto mais baixo o apoio ao PT e ao governo Dilma Rousseff, mais alta é a busca pelo campo oposto.

Contraponto direto ao PT, o PSDB é equivocadamente, ou maliciosamente, tratado como partido de direita. Não pode ser de fato de direita uma sigla que foi idealizada e fundada por Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e José Serra, dentro dos princípios da social-democracia.

Os demais partidos estão divididos em grupos. Exemplos: os satélites do PT, como o PC do B; a centro-esquerda que tenta ser independente, como o PSB; os que tentaram se afirmar como a direita moderna, liberal, mas morreram na praia, caso do PFL e seu sucedâneo DEM; a direita pasteurizada, não ideológica, que está na política para devorar nacos de poder e riqueza, caso do PP.

E o PMDB? O PMDB é o PMDB, assume uma cor em cada Estado, uma fantasia a cada governo, e assim vai se tornando indispensável à esquerda, ao centro e à direita, sempre de prontidão, para eventualidades.

Vejamos o vice-presidente Michel Temer. Faz todos os gestos de lealdade a Dilma, mantém canais com o PSDB e nem estimula nem contém Renan Calheiros e Eduardo Cunha, mas se beneficia indiretamente da ação de ambos no Congresso.

Logo, quem e o quê vai entrar no vácuo deixado pela esquerda? Como a direita vai tentar tirar proveito da desgraça do PT e emergir dessa crise e desse ciclo?

Com a redemocratização, há 30 anos, todo o ciclo faz sentido: José Sarney, velho aliado dos militares, mas de temperamento negociador; Fernando Collor, o "caçador de marajás" que significava uma ruptura; Itamar Franco, a transição pacífica, sem lado e sem ambições; Fernando Henrique, o sociólogo e professor pragmático; depois Lula, migrante nordestino, sindicalista, líder de massas; e, enfim, Dilma Rousseff, mulher, ex-presa política, uma "gerentona".

A roda girou 360 graus e cá estamos no fim de um ciclo e quebrando a cabeça para prever qual será, e como começará, o próximo. As Forças Armadas estão fora, a direita não produziu nenhuma cara, nenhum nome, e caçador de marajás não cola mais, Temer só faria sentido numa transição à la Itamar. E não só pode estar cedo demais para se voltar a um Fernando Henrique ou a um novo líder carismático como Lula como simplesmente não há nenhum FHC e nenhum Lula à disposição nas prateleiras da política.

A demanda do eleitorado vai estar mais e mais à direita, mas os partidos de direita não se consolidaram como opção, os Bolsonaros não podem pôr o pé fora de casa sem serem vaiados e a oferta de partidos e de candidatos não mudará muito em relação ao que se tem neste momento. Apesar do grande cansaço da opinião pública, a polarização entre PT e PSDB tende a se manter, com um arrivista correndo por fora.

Os dois partidos têm de buscar um equilíbrio muito delicado. O PT tem de reanimar a esquerda e ao mesmo tempo recuperar a massa de eleitores não ideológicos que ganhou a partir de 2002, mas perdeu. E o PSDB tem de manter o seu eleitor tradicional, fisgar o eleitorado que se desencantou com o PT e agasalhar o eleitor de direita que tem uma só prioridade: derrotar a esquerda.

Moral da história: o processo político, que tem lá suas manhas, empurra o PT ainda mais para a esquerda, e o PSDB, para a direita. Ambos, a contragosto. E olhando de soslaio para não se surpreenderem com os arrivistas.

Ranier Bragon - Vem aí o voto inútil

- Folha de S. Paulo

Há hoje em dia três modelos de voto disponíveis na cabine eleitoral, a rigor: o válido, que é quando se escolhe um candidato ou partido, o branco e o nulo.

Mas vem aí uma quarta possibilidade, apenas com o inconveniente de ser involuntária. Trata-se do voto inútil, que não valerá nem mesmo o proverbial tostão furado.

Ele já existe, é fato, mas é muito residual. O que se tenta agora é torná-lo a estrela do processo eleitoral.

A novidade deriva do carro-chefe da reforma política que o PMDB de Michel Temer e Eduardo Cunha quer aprovar no Congresso --o distritão, que muda a complexa forma de escolha dos deputados federais.

Hoje, os votos dados a quem perdeu ou a quem ganhou ajudam quase sempre o partido ou a sua coligação a emplacar mais gente na Câmara, nem sempre os mais votados.

Busca-se atender de forma proporcional a vontade de toda a sociedade, mesmo daquelas parcelas que não elegeram seus candidatos.

Como de hábito, a prática de vez em quando humilha a teoria. A consequência dos milhões de votos dados a Tiririca (2010 e 2014) e a Enéas (2002), que tiraram do oblívio próceres da República como Vanderlei Assis (Prona) e seus 275 votos, são distorções sempre lembradas.

Já o distritão é de uma singeleza tocante. São eleitos os deputados mais votados do Estado. Ponto.

Mas imagine-se o seguinte: se uma legião de eleitores se unir em prol de um único político, terá um só representante mesmo que o torne o deputado mais votado da galáxia.

Em 2014, o distritão jogaria no lixo, só em São Paulo, no mínimo 60% dos votos válidos --de 12,7 milhões de eleitores que escolheram ou derrotados ou candidatos apoiados em excesso. Celso Russomanno (PRB), por exemplo, só precisaria de 5% do 1,5 milhão de votos que teve.

Espera-se que o PMDB explique --não lhe faltará oportunidade-- por que considera essa ideia a panaceia das nossas deficiências políticas.

Luiz Carlos Azedo - O voo da galinha e o pato manco

• A esperta estratégia de deixar o câmbio e a inflação fazerem o serviço sujo do ajuste fiscal tem seu preço

- Correio Braziliense

Sabe o que significa lame duck? Na gíria política norte-americana, é o político em fim de mandato, em minoria no parlamento, sem poder ou influência, que apenas aguarda a posse do sucessor. A expressão surgiu de um velho provébio de caçadores que diz: Never waste powder on a dead duck, isto é, “nunca desperdice pólvora com pato morto”.

Ocorre que um prefeito, governador ou presidente da República jamais será um pato morto, sempre terá algum poder para ajudar os aliados ou prejudicar os adversários. Ou seja, é melhor chamá-lo de “pato manco”. Se essa prudência serve para um político em fim de mandato, o que dirá então para uma presidente da República que acaba de ser reeleita, como é o caso de Dilma Rousseff.

E o “voo da galinha”? É uma gíria de economistas, que tem a ver com certa característica da economia brasileira, incapz de ter um crescimento sustentável. Galinhas são animais que ainda encontramos vivos em sítios e quintais de subúrbios; nos grandes centros urbanos, hoje, só abatidas, depenadas e congeladas, no freezer do supermercado. Raramente podemos vê-las voando. Ela precisa de espaço para ganhar impulso e dar seu voo curto.

Dilma venceu as eleições em 2010 graças a um voo de galinha da economia, cujo PIB cresceu 7,5% naquele ano e 3,9%, em 2011. Mas aterrissou em 2012, com um crescimento do PIB de 1,8% — em valores revisados pelo IBGE no mês passado. Como uma czarina da economia, a presidente da República tentou fazê-la voar novamente, com anabolizantes, mas a galinha não aguentou o tranco.

Com a queda forçada dos juros e expansão do crédito ao consumidor, desonerações fiscais e contenção artificial das tarifas públicas, o Brasil cresceu 2,7% em 2013. No ano passado, como o governo maquiou as contas públicas, “pedalou” parte das dívidas para este ano e gastou muito mais do que arrecadou. Resultado: o país parou. O crescimento do PIB de 2014 foi de apenas 0,1%, ou seja, quase nada. Tudo isso foi mascarado pela maciça propaganda oficial e, nas eleições, pelos programas eleitorais do PT.

O ajuste fiscal
Em começo de mandato, a presidente Dilma, porém, ainda sonha com um novo voo de galinha. Esse é o discurso oficial para aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso. Ou seja, a promessa de que após os sacrifícios que estão sendo impostos ao país, haverá um novo ciclo de crescimento.

O discurso do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai na mesma direção, com objetivo de acalmar a base do governo e agradar a presidente da República. Mas ele sabe que as contas da equipe econômica não fecham, que a recuperação da economia não está garantida para 2016 e que o ajuste fiscal, politicamente, é uma negociação na qual terá que fazer mais concessões. Além disso, a esperta estratégia de deixar o câmbio e a inflação fazerem o serviço sujo do ajuste tem seu preço.

Vejamos o caso das dívidas dos estados e municípios, cuja votação foi adiada para esta semana. A federalização das dívidas estaduais, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi um dos pilares do Plano Real. Mas os juros cobrados pelo Ministério da Fazenda na renegociação foram elevados demais, o que fez com que os saldos devedores das novas dívidas dos estados, mesmo com os pagamentos anuais realizados, crescessem de forma insuportável.

A renegociação das condições pactuadas em 1997 é uma reivindicação antiga de governadores e prefeitos. Agora, com o cobertor curto, o estresse acumulado ao longo dos anos pelo custo excessivo da dívida federalizada resultou num projeto de lei aprovado pela Câmara e na pauta do Senado que corrige seu saldo devedor. O Tesouro Nacional terá uma perda estimada de R$ 3 bilhões nas receitas com essa mudança de indexador. O que Levy negocia é o adiamento da mudança do indicador para 2016 porque conta com esses recursos para o ajuste fiscal. Bom, se for bem-sucedido, o problema estará apenas adiado por um ano.

Vamos supor, porém, que o ajuste seja feito com pleno êxito e venha mais um voo de galinha no fim de 2016. Mesmo assim a presidente Dilma Rousseff não ficará livre da síndrome do pato manco. A pesquisa Ibope/CNI, realizada entre 21 e 25 de março, mostra que sua gestão é considerada ruim ou péssima por 64% dos brasileiros, índice igual ao do presidente José Sarney em julho de 1989, no auge da hiperinflação e no fim de seu mandato. Apenas 12% dos entrevistados a consideram boa ou ótima.

Dilma perdeu a principal base eleitoral do governo, desde a eleição de Lula em 2002: 60% dos mais pobres, 56% dos menos escolarizados e 55% dos eleitores do Nordeste consideram o governo ruim ou péssimo. Além disso, 76% da população avaliam que o segundo mandato de Dilma está pior do que o primeiro; e 55% acreditam que o restante do mandato será ruim ou péssimo. Para muitos analistas, essa fratura na base social é irreversível.

O governo reprovado – Editorial/ Zero Hora (RS)

Por mais que imponha um custo alto e contrarie o discurso de campanha da presidente, o ajuste fiscal ainda é a alternativa mais concreta para reconduzir o país ao equilíbrio e ao crescimento.

A maciça reprovação do governo da presidente Dilma Rousseff, que, antes mesmo de completar três meses de seu segundo período de gestão, já registrava uma rejeição só comparável à do período José Sarney em 1989, é o reflexo da degradação da economia, da corrupção, da brusca mudança de discurso da presidente depois das eleições e de uma percepção crescente de ineficiência gerencial. Os 64% de desaprovação apontados na mais recente pesquisa Ibope, divulgada na quarta-feira pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), são a expressão de políticas públicas equivocadas, especialmente dos gastos desmesurados do último ano eleitoral, que levaram o país a conviver novamente com a inflação, com tarifaços e elevação de preços, com a estagnação econômica e com indícios fortes de desemprego. Um aspecto particularmente inquietante é que nada menos de 55% dos entrevistados preveem tempos difíceis até o final do mandato, faltando ainda três anos e nove meses.

As reiteradas tentativas de integrantes do governo de explicar o que ocorre como uma situação momentânea, potencializada pelas mobilizações populares de março e que prometem se repetir neste mês, não se sustentam. Os indícios de insatisfação já são visíveis até em parcelas da sociedade que apoiavam a administração, até mesmo por terem registrado ascensão social e econômica nos últimos anos. É natural que, agora, temam perder conquistas por culpa da má gestão, indissociável da origem da crise, e de escândalos financeiros que subtraem volumes elevados de recursos, limitando a atuação do poder público em áreas apontadas como essenciais pela sociedade, como vem sendo cobrado desde os protestos de 2013.

Diante desse grau de dificuldade, não bastam, para tranquilizar o país, manifestações como a do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, de que a foto atual pode ser "ruim", mas que o filme do segundo mandato será "muito bom". A presidente da República precisa encontrar formas de convencer os brasileiros de que tem condições políticas e gerenciais de reverter esse cenário de desalento, mesmo sem contar com uma base de apoio parlamentar estruturada, inclusive entre integrantes do PT, pelo qual se elegeu.

Nesse contexto, o rigor nas contas públicas anunciado pelo ministro Joaquim Levy, da Fazenda, ainda pendente de aprovação pelo Congresso, aparece como tênue alternativa para a reversão do desânimo em que o país se encontra. Ainda assim, por mais que imponha um custo alto para os brasileiros e contrarie o discurso de campanha da presidente, o ajuste fiscal é a alternativa mais concreta para reconduzir o país ao equilíbrio e ao crescimento.

A farsa do PT no campo social – Editorial / O Estado de S. Paulo

O Partido dos Trabalhadores (PT) tem sido motivo de profundas e amargas decepções para quem acreditou em seus propósitos iniciais. Criado há 35 anos por um grupo heterogêneo composto por acadêmicos de esquerda, líderes sindicais e católicos identificados com a Teologia da Libertação, levantou a bandeira da justiça social e da moralização da vida pública e se propôs a lutar contra "tudo o que está aí", para garantir os direitos dos trabalhadores e a inclusão na vida econômica dos miseráveis abandonados na periferia das metrópoles e nos grotões do interior. Depois de mais de 20 anos, ao custo de renegar fundamentos de seu ideário, conquistou o poder e ali permanece até hoje, de braços dados com as lideranças políticas mais retrógradas que antes combatia. Hoje, o PT "ou muda ou acaba", segundo anátema lançado por um de seus muitos militantes desiludidos, a senadora Marta Suplicy.

Outro contundente depoimento sobre os descaminhos do PT foi prestado por um de seus apoiadores de primeira hora, o dominicano Frei Betto, que no primeiro mandato de Lula, em 2003, coordenou a implantação do programa Fome Zero, logo substituído pelo Bolsa Família. Substituição que, aliás, motivou o afastamento voluntário de Frei Betto do governo, pelas razões que deixa claras na longa entrevista concedida à coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy, publicada no Estado de 30 de março.

Afirma o religioso dominicano que hoje se assiste ao "começo do fim" do PT. Mas, provável e compreensivelmente levado pela memória afetiva que o liga a líderes e à história do PT e "apesar de todos os pesares", Frei Betto entende que os 12 anos de governo do PT até agora "foram os melhores de nossa história republicana". O que não o impede de botar o dedo na ferida, indo diretamente à questão central que provoca sua desilusão com o partido de Lula: "O PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder". E isso se reflete no fato de que não se concretizou até hoje "nenhuma reforma de estrutura, nenhuma daquelas prometidas nos documentos originais do PT". E cita: "Nem a (reforma) agrária, nem a tributária, nem a política. E aí poderíamos acrescentar: nem a da educação, nem a urbana. Em suma, o que falta ao governo - e desde 2003 - é planejamento estratégico". Em outras palavras, um projeto de País.

Para Frei Betto, os governos do PT facilitaram "o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens sociais". E explica: "Se vamos em um barraco de favela, lá dentro tem TV a cores, micro-ondas, máquina de lavar" e muitos outros bens de consumo. "Porém, essa família continua no barraco, sem saneamento, em um emprego precário, sem acesso à saúde, educação, transporte público e segurança de qualidade. O governo facilitou o acesso dos brasileiros aos bens pessoais, mas não aos bens sociais."

Essa colocação explicita o espírito das "políticas sociais" dos governos petistas, sempre de caráter pontual, feitas para atingir objetivos de curto prazo e, de preferência, eleitorais. Foi o que ocorreu com a substituição do Fome Zero pelo Bolsa Família. O primeiro, muito mais complexo e, consequentemente, preso a possibilidades de ampliação mais lentas, não se limitava a proporcionar às pessoas excluídas da vida econômica uma contribuição financeira mensal para a sobrevivência, mas oferecia um conjunto de possibilidades e impunha obrigações, de modo a criar condições para a inserção do beneficiado na atividade produtiva. É o que Frei Betto chama de programa de "caráter emancipatório". Ao contrário, o Bolsa Família, muito mais facilmente implantável e ampliável, acaba tornando seus beneficiários dependentes financeiros do poder público. Cria e alimenta, em português claro, verdadeiros currais eleitorais.

Essa evidência se confirma com o testemunho de outro desiludido com o PT, o jurista Hélio Bicudo, que relatou em entrevista gravada a um programa de televisão o seguinte episódio: em 2003, numa reunião de membros do governo sobre a implantação do Bolsa Família, questionado sobre os objetivos e benefícios do programa, o então ministro José Dirceu, chefe da Casa Civil, respondeu sem pestanejar: "Quarenta milhões de votos". Dá para entender por que o PT acabou se transformando numa farsa até para muitos antigos e fiéis militantes e apoiadores.

Fernando Gabeira - O partido dos últimos dias

• Colunista acha que compreendeu melhor o rumo das coisas no Brasil

- O Globo / Segundo Caderno

Rodando quase 1500 km no estado do Piauí, nem sempre com internet, vivi, como grande parte do planeta, o assombro da queda do avião nos Alpes. Um amigo mostrou um desenho circulando na internet: Lula batendo na porta da cabine de um avião, gritando: “Abra essa maldita porta!” É apenas um dos centenas de memes que circulam na rede. Mas impreciso. Dilma não quer se suicidar, nem deseja nossa morte. Lula, se entrasse na cabine, não teria mais condições de controlar o avião. Os tempos mudaram, e, parcialmente, a crise brasileira é também produto de sua política.

Numa pausa no Hotel Nobre (R$20 a diária com ventilador e R$40 com ar condicionado) abri a janela para noite da cidade de Castelo do Piauí e acho que compreendi melhor o rumo das coisas no Brasil.

Dilma perdeu a iniciativa na política. Quem impõe sua agenda é o PMDB. Pragmático, confuso, controlando o Congresso, o PMDB dá as cartas. Não sabemos aonde quer chegar. Percebemos apenas que marca Dilma para não deixá-la andar.

Dilma perdeu a iniciativa na economia. Foi necessário chamar um técnico, como somos obrigados a fazer quando máquinas e conexões desandam em nossa casa. Joaquim Levy conduz a política econômica, dialoga com o Congresso e, de vez em quando, inadvertidamente, critica a própria Dilma. O programa de isenção para estimular as empresas foi chamado de brincadeira que custou caro.

Numa palestra em inglês, Levy disse que Dilma nem sempre toma o caminho mais fácil para realizar as coisas e, às vezes, não é eficaz. A primeira etapa da frase parece-me até elogiosa: nem sempre escolhe o caminho mais fácil. Esse traço está presente em muitas pessoas que venceram adversidades, ou recusaram caminhos eticamente condenáveis.

Nem sempre somos eficazes como queríamos. Isto é válido para todos, de uma certa forma. O problema é que Dilma é presidente, e Levy, seu ministro.

Ministros não falam assim de seus presidentes, sobretudo quando se encontram isolados, são recebidos com batidas de caçarola ou perdem, vertiginosamente, a aprovação popular, ao cabo de uma eleição cheia de falsas promessas.

Domingo que vem haverá novas manifestações. O tema será “Fora Dilma”. Possivelmente, os manifestantes pedirão que leve o PT com ela.

Na minha análise, Dilma está saindo de forma lenta e gradual. Ao perder terreno para o PMDB, deixa, discretamente a política, onde nunca entrou com os dois pés.

Ao escolher Joaquim Levy e definir um necessário ajuste econômico, perde terreno para o PSDB, que defendia uma correção de rumos.

Resta o campo social, área muito difícil de fazer avançar em tempos de crise econômica. Seu único trunfo é o PT, que combate a nova política e já está pronto a atribuí-la ao adversário, caso fracasse.

Dilma escolheu um novo secretario de comunicação. Ouço alguém dizer na rádio que uma das qualidades de Edinho Silva é acordar cedo e ler todos os jornais. A entrevista não esclarece se ele entende o que lê. Talvez tenha um pouco de resistência a políticos tratados no diminutivo. No entanto, nunca soube dos conhecimentos de Edinho na comunicação. Se as tivesse, já teria sido chamado, pois a crise já dura meses.

Creio que todos esses fatores fazem com que Dilma vá deixando lentamente a cena política, como a luz de um navio visto do cais, distanciando-se num oceano escuro. O partido dela acha, no meu entender com razão, que os mais vulneráveis devem sofrer menos, ganhar um tempo de adaptação à crise.

Mas o PT não faz nenhum gesto para reduzir ministérios e demitir os milhares de companheiros que se acomodaram na máquina do governo. Nem tem a mínima ideia de por onde começar a cortar os gastos oficiais. O PT apenas defende os pobres, mas se dedica radicalmente a ampliar a própria riqueza.

Leio que numa recente reunião, no mesmo tom militar, o PT afirmou que estava diante de uma campanha de cerco e aniquilamento. Simples assim: estavam marchando pela floresta e, repente, os adversários armaram um cerco de vários anéis. Jamais se perguntam como entraram nessa enrascada. Lula se diz o brasileiro mais indignado com a corrupção que ele mesmo comandou, ao montar o esquema político na Petrobras.

Já não são muitos os que levam Lula ao pé da letra. Alguns petistas bem-intencionados falam que a saída é voltar às origens. No passado, quando nos estrepávamos, sempre surgia alguém dizendo: “Precisamos voltar às origens, reler Marx”.

É uma saída com tintas religiosas. Muitas novas seitas surgiram assim: é preciso reler a Bíblia e dar a ela uma verdadeira interpretação.

Não há livro que salve quando não se examina nem se assume em profundidade os erros cometidos. A história não se explica com categorias religiosas, por mais respeitáveis que sejam os impulsos místicos.

A chamada volta às origens criaria apenas o PT do reino de Deus, o PT dos últimos dias, o PT quadrangular.

Vinicius Torres Freire Vigiar e punir não basta

• Mesmo após mensalão, bandalha floresce; é preciso lidar com corrupção essencial na economia

- Folha de S. Paulo

Petrolão. Trensalão paulista. O propinaço para sonegar impostos federais, pura iniciativa privada de corrupção. A propina das construtoras para sonegar imposto na cidade de São Paulo. O eletrolão, que está para estourar.

Essas e outras pororocas excrementícias ainda se desenrolavam enquanto corria o processo do mensalão; mesmo depois que o Supremo aceitou a denúncia dos mensaleiros (2007) ou depois das ordens de prisão (2013).

Apesar do ineditismo de condenar autoridades federais de primeiro escalão e até gente de banco (menor), o processo do mensalão parece não ter sido dissuasivo suficiente.

Talvez em parte porque seja recente. Talvez porque tenha se concentrado em gente que, em perspectiva histórica, fosse até faz pouco tempo "outsider" (petistas e agregados, gentes com "cara de pobre"). Talvez porque ainda seja exceção. Há dúzias de casos com gente graúda que não deram em nada, como no trensalão: um petrolão paulista que rolou por pelo menos 13 anos de governos tucanos, quando cartéis de múltis subornaram autoridades e dirigentes de estatais.

Mais preparo técnico, a experiência de erros em outras investigações e mais esperteza política de policiais federais e procuradores podem mudar o jogo, em especial no petrolão e no propinaço do tribunal dos impostos federais, que pode encanar muito figurante de coluna social. Além do mais, leis e instituições de controle e punição são mais e melhores. Há pressão na rua e aprendizado democrático.

Também endureceram as leis contra corrupção, sonegação e lavagem na Europa e nos EUA, o que fura algumas tentativas de acordão corrupto por aqui. Uma múlti delatou o trensalão tucano; o caso da Petrobras ferveu ainda mais por causa de leis americanas; agora, até os suíços colaboram.

Apesar da roubança dentro de governo e partido, os governos do PT não conspiraram para barrar investigações e solapar instituições de controle, pelo menos não tanto quanto se fazia até 2003, o que dá a pensar sobre o passo de bolero das melhorias institucionais e sobre desacertos e diversificação de interesses na elite.

Mas vigiar e punir é apenas parte da solução e do problema. Há um sistema que produz corrupções, ineficiências e proteções de interesses que está para ser desmantelado.

Um Estado que gasta de modo destrambelhado cria impostos "ad hoc", confusos e complexos, inseguranças jurídicas e econômicas e, pois, zonas de sombra propícias à propinagem. Remendos grosseiros de políticas e de problemas econômicos do país criam miríades de regras especiais de proteção de empresas, que têm ainda mais incentivo para comprar favores, com lobby, dinheiro de campanha ou suborno.

Políticas industriais equivocadas, como as de reserva de mercado (vide o petrolão), criam mais pantanal. A associação do capital de empresas e bancos estatais ao da grande empresa privada, seja nas privatizações ou nas "campeãs nacionais", estimula o tráfico de influência.

Tudo isso deriva em parte de falta de concorrência e solapa ainda mais a competição e a eficiência, para nem falar de opressão política e social. Perto disso, o custo financeiro da roubança talvez seja café pequeno.

Celso Ming - A defesa da Petrobrás

- O Estado de S. Paulo

Difícil de entender essas manifestações de sindicalistas e petistas "em defesa da Petrobrás", como se houvesse predadores mais destruidores da Petrobrás do que esses que agiram ao longo dos governos Lula e Dilma.

Nada foi mais destrutivo para a empresa do que os esquemas de aparelhamento que a roubaram em bilhões de dólares ou do que a política anterior que represou os preços dos combustíveis e ralou o caixa da Petrobrás em pelo menos R$ 20 bilhões.

Em nenhum momento esses manifestantes reivindicaram o fim dessas políticas nocivas. Falam de inimigos abstratos e não desses que produziram os estragos.

Mas os ataques predatórios à Petrobrás não se limitam à roubalheira exposta agora pela Operação Lava Jato da Polícia Federal e à hemorragia produzida pela política de represamento das tarifas dos combustíveis. Tem a ver com o marco regulatório do pré-sal (Lei 12.351 de 2010).

Aos poucos, lá dentro mesmo da Petrobrás, técnicos e profissionais identificados com o interesse da empresa começam a perceber que essas regras a prejudicam.

Ela não consegue dar conta de ser a operadora única de todos os projetos do pré-sal, nos quais tem obrigatoriamente de participar com 30% dos investimentos. Por conta disso, em março, a Agência Nacional do Petróleo decidiu adiar novo leilão de área de exploração e de outros leilões mais terá de desistir, porque a Petrobrás está asfixiada pelo seu atual programa de investimentos.

Além de dispensável, o regime de partilha trabalha mais contra do que a favor. O atraso na exploração de petróleo não vai apenas reduzir a produção de riquezas no Brasil. Vai, também, derrubar a arrecadação de royalties pelos Estados e municípios.

O desemprego que tomou o polo produtor de petróleo de Macaé, o cancelamento de encomendas, a paralisação da produção de sondas e plataformas, o risco de falência que atinge centenas de fornecedores em todo o Brasil e a revisão do plano de negócios não são efeito de uma suposta conspiração internacional contra a Petrobrás. São o resultado do conjunto de políticas equivocadas adotado nos dez últimos anos.

O que a presidente Dilma entendeu que fosse uma abençoada fartura de recursos que deveriam ser canalizados para a educação, a ser proporcionada pelos ganhos do petróleo, está agora ameaçada pela quebra do ritmo de produção - agravada pela derrubada dos preços internacionais do petróleo. O parâmetro que serve de base para o cálculo dos royalties e das contribuições especiais é o das cotações internacionais convertidas em reais pelo câmbio do dia.

O novo marco regulatório, o mesmo que impôs essas exigências impraticáveis e obrigou a Petrobrás a afundar em custos para cumprir cláusulas de conteúdo nacional mínimo, teve por objetivo trazer de volta condições de monopólio, que se supunham altamente benéficas à empresa e ao interesse público. Mas produziram o contrário.

Se as centrais sindicais, os movimentos sociais ligados ao PT e o próprio PT querem mesmo salvar a Petrobrás e defendê-la contra os ataques à sua sobrevivência, terão de trabalhar não apenas para livrá-la dos corruptos, mas, também, para devolver saúde financeira, agilidade e capacidade de produção.