segunda-feira, 7 de novembro de 2011

OPINIÃO DO DIA – Luiz Sérgio Henriques – um novo ciclo

"Uma das profecias mais frágeis de que se tem notícia foi aquela que anunciou há pouco mais de 20 anos, com a implosão do comunismo "realmente existente", o fim de toda a História. Teríamos chegado a uma forma política definitiva - uma versão débil da democracia liberal, concebida como mero rodízio de elites incapazes de visões alternativas -, homóloga do funcionamento de certo tipo de mercado, com crescente dominância financeira, livre das regulações social-democratas do pós-guerra ou mesmo, um pouco antes, da época do reformismo rooseveltiano.

É provável que estejamos no limiar de um ciclo de grandes esperanças. A nova esquerda dos anos 60, portadora de instâncias antiautoritárias que em parte se cumpriram, em algum momento se deixou levar pela tentação da violência, favorecendo a grande maré conservadora que se seguiria. Hoje, a indignação dos jovens - e não tão jovens - merece tornar-se força transformadora e capacidade hegemônica, o que só é possível por meio de uma democracia renovada por atores comprometidos com um explícito regime de liberdades."

Luiz Sérgio Henriques, ensaísta e editor do site Gramsci e o Brasil. Indignação e política. O Estado de S. Paulo, 5/11/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
TCU identifica 500 contratos sem fiscalização no Trabalho
Tiro de fuzil mata cinegrafista em favela
Premier grego aceita renunciar

FOLHA DE S. PAULO
Premiê sai para a Grécia formar governo de União
Cinegrafista da Band é morto em operação policial no Rio
Atraso em obra da Copa vai custar ao menos R$ 720 mi
Governo diz ter alertado Lupi sobre denúncias

O ESTADO DE S. PAULO
Primeiro-ministro cai e abre espaço para resgate da Grécia
Presidente da Câmara manobra e barra CPIS
Cinegrafista é morto pelo tráfico no Rio

VALOR ECONÔMICO
Comércio na internet gera disputa judicial e política
Governo corta verba para o Proex
Natal aquecido, mas sem euforia
País terá lista de 'grandes demais para quebrar"

CORREIO BRAZILIENSE
Morte de cinegrafista põe o Brasil na linha de tiro
País gasta R$ 100 bi com acidentes de trabalho
Abstenção no Enade chega a 19% no país
Primeiro-ministro grego sai de cena

ESTADO DE MINAS
Além da miséria, o crack
Liberdade na terra sem lei
Cinegrafista morre durante ação policial

ZERO HORA (RS)
Crack invadiu 90% dos municípios gaúchos
Crise grega: Premier não resiste a pressões

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Repórter é morto em conflito no Rio

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www.politicademocratica.com.br/editoriais.html

TCU identifica 500 contratos sem fiscalização no Trabalho

Um relatório aprovado pelo plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) em 19 de outubro diz que "a situação é crítica" no Ministério do Trabalho: mais de 500 relatórios de prestação de contas apresentados por ONGs e outras entidades que receberam verbas públicas estão engavetados no ministério, sem fiscalização. Metade deles corre o risco de completar cinco anos no fundo dos armários. "Reiteradas auditorias apontaram irregularidades. Esta Corte não pode ser tolerante com a situação", critica o ministro Weder de Oliveira, do TCU. A falta de fiscalização facilita o trabalho dos fraudadores. Como o Globo revelou ontem, só em Sergipe a Policia Federal abriu 20 inquéritos para apurar desvios de verbas cometidos por ONGs. O ministro Carlos Lupi negou envolvimento com as irregularidades e disse que vai lutar para não ter o mesmo destino de outros cinco ministros exonerados após denúncias de irregularidades. "Vou nesta luta até o fim. Morro, mas não jogo a toalha", disse. Mas até parlamentares do PDT cobram investigações

TCU: "Situação é crítica" no Trabalho

Auditoria revela que ministério de Lupi engavetou mais de 500 prestações de contas de ONGs

Chico de Gois e Roberto Maltchik

Exposto por centenas de convênios mal gerenciados, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) analisa precariamente a prestação de contas de seus parceiros públicos e privados. A "situação é crítica", definiu o Tribunal de Contas da União (TCU) em acórdão aprovado pelo plenário no último dia 19 de outubro, após análise dos contratos da pasta. Mais de 500 relatórios de prestação de contas apresentados por entidades que receberam dinheiro público estão nas gavetas do ministério e metade deles corre o risco de ficar sem análise por mais de cinco anos, segundo o TCU.

Em 2010, auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) já alertava que a falta de controle e as falhas no processo de escolha de entidades que fazem convênios para qualificação profissional são uma porta aberta para os desvios - ainda assim, o ministério não analisou as prestações de contas.

Desde 2007, quando Carlos Lupi (PDT) assumiu o ministério, a pasta já firmou R$1,55 bilhão em convênios, dos quais quase um terço (R$448,8 mil) abasteceu instituições privadas sem fins lucrativos, as ONGs. Antes mesmo de a presidente Dilma Rousseff determinar a suspensão de todos os convênios federais com ONGs, semana passada, o TCU já recomendava, em outubro, que o Trabalho não firmasse novos contratos por 60 dias. O TCU pede que "a Casa Civil e o Ministério do Planejamento sejam informados da situação crítica vivida pelo ministério".

No parecer aprovado em plenário, o TCU cobra mais eficácia do ministério: "Deve o MTE enfrentar a questão com mais intensidade, tanto em razão do dever e da inexorável necessidade de avaliar a eficiência das transferências realizadas e de zelar pelo adequado uso dos recursos públicos, quanto da obrigação de observar os prazos prescritos para apreciação das prestações de contas (90 dias)".

Muitas falhas na gestão de convênios

O relatório, de autoria do ministro Weder de Oliveira, lembra de outras irregularidades já apontadas pelo tribunal: "Razões específicas e contingências também recomendam celeridade e acuidade no exame das prestações de contas em estoque. Reiteradas auditorias realizadas por este tribunal apontaram irregularidades na aplicação de recursos transferidos pelo MTE e falhas na gestão dos convênios, e novos casos estão sendo denunciados e publicizados pelos veículos de comunicação."

O relator diz ainda, sobre o papel do TCU: "Esta Corte não pode ser tolerante com essa situação. (...) A excessiva demora na apreciação das prestações de contas, ou mesmo de cobrança de sua apresentação (...) é uma das causas mais relevantes de impunidade e do baixo nível de recuperação dos prejuízos causados ao erário federal."

Ontem, O GLOBO mostrou que as irregularidades em convênios do MTE com entidades em Sergipe já resultaram em 20 inquéritos na Polícia Federal. Ao todo, a CGU aponta irregularidades em convênios com 26 organizações, em vários estados. Os desvios levaram o ministro Carlos Lupi a afastar do cargo o coordenador-geral de Qualificação Profissional, Anderson Alexandre dos Santos, filiado ao PDT no Rio. Reportagem da revista "Veja" diz que Anderson teria envolvimento em um suposto esquema de cobrança de propina das ONGs com problemas, com a promessa de resolvê-los. Ele coordenava uma das ações nas quais as irregularidades prosperam com mais vigor: o Plano Setorial de Qualificação (PlanSeq), vinculado à Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE).

Relatório da CGU, finalizado em 2010, faz ressalvas ao trabalho dos dirigentes da SPPE/MTE ao apontar "acompanhamento intempestivo dos convênios do PlanSeq, falta de providências por parte do MTE para sanar falhas detectadas em supervisões e permanência das pendências em inserções/aprovações de planos de trabalho no PlanSeq".

A CGU afirma que foram observadas falhas no processo de seleção das ONGs, por meio das chamadas públicas no âmbito do Planseq, alertando que podem resultar na baixa qualidade dos cursos e em desvio de recursos públicos. O relatório da CGU lista os problemas encontrados, entre eles, "a falta de habilitação legal e pedagógica; a aprovação de entidades com situação patrimonial negativa; sem corpo docente qualificado e sem estrutura física compatível com as ações de qualificação acordadas".

Procurado, o Ministério do Trabalho não comentou o resultado das auditorias do TCU e da CGU. No site, a pasta informa que a auditoria da CGU é de "inteira responsabilidade e representa a opinião daquela Controladoria", não caracterizando imputação de responsabilidade aos gestores, tendo em vista que as contas não foram julgadas pelo Tribunal de Contas da União.

FONTE: O GLOBO

Tiro de fuzil mata cinegrafista em favela

O cinegrafista da Bandeirantes, Gelson Domingos, de 46 anos, foi morto ontem com um tiro de fuzil que o atingiu no peito, durante uma operação policial na Zona Oeste, embora ele usasse colete à prova de balas. É o primeiro jornalista a morrer em confronto no Rio. A Presidência da República destacou a importância do trabalho da imprensa e o Sindicato dos Jornalistas criticou a falta de segurança

Abatido no front

Cinegrafista é atingido por tiro no peito durante confronto em favela na Zona Oeste

Pela primeira vez, um jornalista morreu durante um confronto no Rio. O cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos, de 46 anos, foi atingido ontem no peito por um tiro de fuzil, que atravessou o colete à prova de balas que ele usava quando fazia imagens de uma operação policial contra o tráfico na Favela de Antares, em Santa Cruz, na Zona Oeste. Segundo a polícia, o local está ocupado por traficantes da facção criminosa que já dominou o Complexo do Alemão, desde novembro do ano passado ocupado por militares da Força de Pacificação. Gelson deixa mulher, três filhos e dois netos. Além dele, quatro pessoas, que seriam traficantes, segundo a polícia, foram mortas e nove, presas.

Os momentos que antecederam a morte do cinegrafista foram de grande tensão. Equipes de jornais e TV acompanhavam policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque desde a saída deles do Centro. Havia uma mobilização da imprensa por conta de boatos sobre uma possível ocupação da Rocinha. Mas o comboio policial seguiu para a Zona Oeste, causando surpresa. Assim que os policiais se aproximaram do acesso à favela, na Avenida Antares, traficantes começaram a lançar rojões. Por volta das 6h, cerca de cem policiais entraram na comunidade, por uma área de lazer da Comlurb. Enquanto uma parte dos repórteres buscava abrigo, outra, em que estava Gelson, decidiu seguir a polícia.

O tiroteio começou quase imediatamente. Os policiais davam ordens para que todos se jogassem no chão para sair da linha de tiro.

O fotógrafo Fernando Quevedo, do GLOBO, contou que alguns policiais do Choque acreditavam que o Bope já tinha a favela sob controle:

- Mas, como o tiroteio era intenso, decidi não seguir e me abriguei.

Na verdade, o Bope entrou pelas avenidas Urucânia, Antares e Cesário de Melo. Acuados no interior da favela, os traficantes reagiram.

A Divisão de Homicídios já está com as imagens feitas pelo próprio Gelson, que estava com o repórter Ernani Alves. No grupo com cerca de dez policiais, estavam ainda três funcionários da TV Record e dois da TV Globo. Nas cenas, é possível ver Gelson - que teria dito ter avistado um traficante armado - e um cabo do Choque atrás de uma árvore e bandidos num poste, a 50 metros. Um traficante atirou, atingindo a árvore, e o policial se abaixou. Em seguida, um novo disparo acertou Gelson, que deixou cair a câmera.

- O tiro que pegou no Gelson era para bater em mim - disse o policial que estava com ele.

Os PMs tiveram que sustentar uma troca de tiros com os criminosos para que Gelson fosse socorrido. Os outros jornalistas também só conseguiram sair com a ajuda de policiais.

- Peguei o cinegrafista debaixo de tiros. Disseram que um disparo passou a meio metro das minhas costas - contou um PM.

Gelson já estava morto quando chegou às 7h40m à UPA do Cesarão, em Santa Cruz.

Dois dos bandidos mortos seriam um "gerente" do tráfico, conhecido como BBC, e seu braço direito, China.

Em nota, a Rede Bandeirantes lamentou a morte do cinegrafista, informando que adota precauções nesse tipo de cobertura, como o uso de coletes à prova de balas nível 3-A (proteção máxima permitida pela Forças Armadas para civis). Também por nota, a PM afirmou que o objetivo da ação era checar informações de que havia no local chefes do tráfico fortemente armados. A Polícia Militar disse que as operações na favela ocorrerão por tempo indeterminado.

O ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel disse que, em operações como a de ontem, o procedimento correto é que dois policiais sigam na frente, ficando um deles na retaguarda:

- Se o repórter não estiver colado nesses policiais, ele se encontra relativamente seguro. A prova disso é que não perdemos nenhum soldado em favela este ano e, só na última semana, morreram dez bandidos.

Mas Pimentel afirmou que o colete de Gelson era de nível 2 e o protegia apenas contra tiros de pistola e revólver. Somente os modelos de nível 3 são capazes de deter um tiro de fuzil.

- Esse tipo de colete pesa uns 12 quilos e possui placas de cerâmica na parte da frente e de trás, além de proteções para o pescoço e outras partes do corpo - afirmou.

O sociólogo e professor da Uerj Ignácio Cano questionou a lógica militar adotada nas ações contra o crime.

- Tratar dessa questão como se fosse uma guerra acaba provocando a morte de inocentes - criticou Cano.

Para o coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos da UFF, Eurico de Lima Figueiredo, é preciso haver uma regulamentação da participação de jornalistas em conflitos armados.

- A regra principal que deveria ser seguida pela polícia não é atacar os criminosos, mas proteger os cidadãos. O bandido não tem compromisso com a vida, o policial, sim.

Em 2002, o jornalista Tim Lopes, da TV Globo, foi executado por traficantes do Complexo do Alemão, quando trabalhava numa reportagem sobre bailes funk.

Participaram da cobertura: Elenilce Bottari, Érica Magni, Leonardo Cazes, Pablo Rebello, Rafael Galdo, Ronaldo Braga e Waleska Borges

FONTE: O GLOBO

Primeiro-ministro cai e abre espaço para resgate da Grécia

Líderes políticos gregos chegaram a um acordo ontem para a formação de um governo de união nacional na esperança de aprovar o pacote de resgate de € 130 bilhões da União Europeia (UE) e impedir um calote, informa o enviado especial Jamil Chade. O premiê George Papandreou confirmou que não fará parte do novo governo e entregará seu cargo hoje. Segundo a imprensa local, o mais cotado para substituí-lo é Lucas Papademos, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu. Outros três nomes permaneciam, porém, na mesa de negociações

Primeiro-ministro cai e abre espaço para resgate da Grécia

Até acordo entre partidos segue exigências da UE e eleições vão ocorrer só após país aprovar plano de austeridade para obter resgate

Jamil Chade

ATENAS - A Europa exigiu e o governo de George Papandreou na Grécia caiu. Líderes políticos gregos chegaram a um acordo na tarde de domingo para a formação de um governo de união nacional na esperança de aprovar o pacote de resgate da UE, impedir um calote total e evitar o caos financeiro no continente.

O governo grego é o quinto a ser derrubado pela crise na Europa. Mas, dessa vez, o novo chefe de governo, as condições para assumir o poder e até a data de novas eleições foram determinados por Bruxelas.

Papandreou confirmou que não fará parte do novo governo e oficialmente entregará seu cargo nesta segunda-feira. Durante o dia, a imprensa local indicava que o substituto seria Lucas Papademos, ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE), um tecnocrata capaz de estar acima da disputa política grega e o nome é apoiado pelos principais bancos europeus. Outros três nomes estavam na mesa de negociações. Oficialmente, porém, o indicado será conhecido apenas nesta segunda-feira.

O acordo ainda segue outra exigência da UE. Eleições serão convocadas, mas só depois de a Grécia aprovar no Parlamento seus compromissos de reformas exigidos pela UE para que € 130 bilhões sejam liberados para o país pagar suas contas. Essa era uma exigência da Alemanha e França, que se recusavam a voltar a negociar com os gregos as condições de resgate. Vários partidos gregos insistiam que queriam rever os termos do acordo.

Se Papandreou cai, o ministro grego das Finanças, Evangelos Venizelos, pode permanecer em seu cargo. Ele é considerado a pessoa de confiança da UE e hoje vai a Bruxelas entregar aos demais ministros da zona do euro o compromisso de aprovação do pacote. "Temos de demonstrar que temos credibilidade", disse. Sem mostrar o compromisso em cortar gastos, salários e pensões, a Grécia não receberá nem a parcela de € 8 bilhões prevista para pagar as contas até o fim do ano nem o pacote de € 130 bilhões para 2012.

Tensão

O dia tenso em Atenas começou com políticos fazendo declarações de guerra. Fontes no Parlamento grego revelaram ao Estado que entrou em ação uma ofensiva das capitais europeias, que exigiam um acordo antes da abertura dos mercados nesta segundah e da reunião de ministros de Finanças da UE em Bruxelas. A turbulência da semana passada já havia deixado as lideranças europeias enfurecidas com Papandreou.

Depois de fecharem um acordo no dia 26 de outubro, que incluía o perdão de € 100 bilhões da dívida grega, a UE e o mercado mundial foram surpreendidos com o anúncio de Papandreou que queria a realização de um referendo sobre o acordo. Paris e Berlim chegaram a um entendimento de que a Grécia teria de ser colocada em vigilância total da UE.

O recado foi reforçado neste domingo pelo comissário de Economia da UE, Olli Rehn. "Pedimos um governo de união e estamos convencidos de que essa é a única forma de restaurar a confiança", disse.

Papandreou acabou desistindo da ideia do referendo. Mas Rehn deixou claro que a confiança já não existia entre ele e a UE e que os canais de comunicação haviam sido queimados. Assim, a manobra de Papandreou, que tinha como meta salvar seu governo e evitar eleições antecipadas, se transformou no último prego de seu caixão.

Líderes europeus dispararam ligações para Papandreou exigindo um acordo. Mas ele não seria o único a sofrer a pressão. Antonis Samaras, líder do partido Nova Democracia, foi alvo de ameaças por parte de outros partidos conservadores europeus que alertaram que, se ele não chegasse a um acordo, sua formação seria expulsa da aliança de partidos conservadores.

Tanto Samaras, que queria eleições imediatas, como Papandreou acabaram cedendo. O primeiro-ministro só não aceitaria deixar o cargo sem antes saber qual seria o governo, o calendário e o estabelecimento de uma data para as eleições. "Não posso sair e deixar um vácuo", disse.

A pressão era também interna. Uma pesquisa mostrou que a maioria dos gregos queria o estabelecimento de um governo de união nacional e não novas eleições. A Igreja Ortodoxa e empresários apelaram para que os políticos "assumissem suas responsabilidades históricas".

A corrida contra o relógio era evidente. Os políticos alertavam que, sem um acordo, esta segunda-feira seria um "inferno" nos mercados mundiais. "Essa incerteza está torturando o povo e precisa acabar", declarou o presidente grego, Karolos Papoulias.

De fato, coube justamente a ele a última reunião do dia. Papoulias convocou Papandreou e Samaras e um acordo acabou sendo fechado no início da noite para o alívio de Bruxelas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Marco Maia recorre à burocracia e barra instalação de CPIs na Câmara

Pela primeira vez, em 36 anos, não há uma única comissão parlamentar de inquérito funcionando no início do mandato

Denise Madueño

BRASÍLIA - Sem alarde, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), tem tomado decisões, em seus nove meses do mandato, que esvaziam o poder constitucional dos deputados de fiscalizar as ações do governo. Ele não permitiu a instalação de nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e vem dificultando as iniciativas de investigação das comissões e a busca de informações dos parlamentares junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), órgão auxiliar da Câmara responsável por auditorias em programas e gastos públicos.

Ao retirar prerrogativas dos parlamentares, Maia beneficia diretamente o governo. As CPIs são instrumentos de investigação parlamentar com poderes de quebrar sigilos fiscais, telefônicos e convocar qualquer pessoa. Por isso, o Executivo, que nem sempre consegue controlar os trabalhos das comissões, sempre viu as CPIs com desconfiança, como uma "arma perigosa" nas mãos dos parlamentares.

A estratégia de Maia levou a um significativo recorde na história do Legislativo: esta é a primeira vez, nos últimos 36 anos, que não há uma única CPI funcionando na Câmara no início de um período legislativo. Os precedentes apontam exatamente o contrário. Desde 1975, os deputados começaram seus trabalhos com propostas de investigação. A explicação é que Maia, de forma unilateral, barrou os sete requerimentos já protocolados na Casa desde fevereiro passado, quando os deputados tomaram posse e ele foi eleito para presidi-la no biênio 2011/2012.

As normas regimentais permitem o funcionamento de até cinco CPIs ao mesmo tempo na Câmara. No entanto, Maia enviou o primeiro requerimento ao arquivo e simplesmente ignorou os outros seis - ou seja, até hoje não deu parecer favorável nem contrário a eles, independentemente do assunto que o parlamentar se propõe investigar - e mesmo com as assinaturas de apoio suficientes e confirmadas pela Secretaria Geral da Mesa.

Único pedido

Garantida pela Constituição, uma CPI precisa de um fato a ser investigado e o mínimo de 171 assinaturas para ser criada - o que não é fácil de se obter atualmente, levando-se em conta a confortável maioria de que dispõe o governo na coalizão entre PT e seus aliados.

A partir daí, determina o regimento, o presidente da Câmara tem a obrigação de mandar instalá-la. O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem decisão reafirmando esse procedimento.

"O presidente não despacha e não cumpre o regimento. Ele está suprimindo a competência que os parlamentares têm de fiscalizar o Executivo", reclamou o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM). O político amazonense protocolou, no dia 5 de abril, um requerimento com 194 assinaturas confirmadas, para criar um a CPI destinada a apurar irregularidades na instalação de barreiras eletrônicas de velocidade, além de eventuais direcionamentos de licitações e pagamentos de propina a agentes públicos.

Cansado de esperar, vendo que o pedido não avançava, Pauderney entrou no final de outubro com um mandado de segurança no STF, esperando que a corte consiga fazer andar a fila de CPIs.

Transferência

Avelino não foi o primeiro a agir. Antes dele, o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) protocolou um requerimento de CPI para investigar as razões do crescimento do consumo de álcool no País e as suas consequências. Foi o único pedido que mereceu decisão de Maia - e mesmo assim, para rejeitá-la com o argumentou que não havia um fato determinado que justificasse a investigação.

Outra decisão, dessa vez de natureza administrativa, tomada pela Mesa Diretora presidida por Maia, na véspera de Finados, vai no mesmo sentido de diminuir a importância das investigações na Casa. O presidente da Câmara transferiu os cargos ocupados pelo corpo técnico das comissões de inquérito para as comissões permanentes da Câmara, reduzindo a estrutura dos trabalhos.

Os arquivos da Câmara mostram que, no período iniciado com a democratização do País em 1946 - o fim da ditadura de Getúlio Vargas - até agora, foram realizadas 363 CPIs na Casa.

Sem resposta

O Estado tentou ouvir o presidente da Câmara sobre o esvaziamento dos poderes de investigação dos deputados. Seus assessores de imprensa foram informados do teor da reportagem e ficaram de responder aos questionamentos do jornal, mas isso não foi feito até o fechamento desta edição. O Estado esperou pelas respostas ao longo das duas últimas semanas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Câmara esvaziada

Como o presidente da Câmara controla o poder de investigação da oposição e impede e fiscalização dos atos do governo

PROPOSTA DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE (PFC)

O que é: esse tipo de proposta é encaminhada às comissões pelos deputados para apurar determinado fato considerado suspeito. Cabe à presidência apenas receber a proposta, numerá-la para que a comissão vote e decida se aprova ou não a fiscalização proposta pelo parlamentar

O que tem feito Marco Maia:

Três pedidos de fiscalização sobre a gestão de contratos de obras realizadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) e Valec Engenharia apresentados em julho e agosto aguardam despacho de Marco Maia para as comissões até hoje

Duas propostas propondo que a Comissão de Fiscalização e Controle e a Comissão de Turismo e Desporto executem fiscalização financeira, orçamentária e patrimonial no Ministério do Esporte sobre o programa Segundo Tempo e outros convênios ficaram parados por 40 dias. Os pedidos apresentados em 15 e 17 de março só receberam encaminhamento às comissões em 25 de abril. Atualmente, os pedidos esperam o parecer dos relatores das comissões

Marco Maia segurou as duas propostas de fiscalização por possível crime de responsabilidade praticado pelo então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, protocolados em 20 de maio pelo líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA). Só neste mês, depois que Palocci não era mais ministro, o presidente mandou arquivar os pedidos porque não havia mais sentido em levar adiante a investigação

SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÃO AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (SIT)

O que é: o deputado pode pedir informações ao Tribunal de Constas da União, que é um órgão auxiliar da Câmara, sobre diversos assuntos. Mas as solicitações precisam ser encaminhadas formalmente ao tribunal pelo presidente da Câmara

O que tem feito Marco Maia:

Como a experiência tem mostrado, Maia só encaminha o pedido se achar conveniente e na data que quiser. Das 16 solicitações apresentadas neste ano, seis esperam por sua decisão. A mais antiga é de 16 de março. Ou seja, já está há sete meses parada, à espera de encaminhamento por parte do presidente. O requerimento pede informações sobre gastos com passagens áreas, feitos pelos ministros do próprio tribunal

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Trâmites internos dão lugar a ‘filtro político’

Maia usa regimento da Câmara para impedir avanço de pedidos de informações ao TCU e propostas de fiscalização

Denise Madueño

BRASÍLIA - O controle do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), sobre as iniciativas dos deputados não se restringe a paralisar as comissões de inquérito (CPIs). Outros instrumentos de fiscalização permitidos aos parlamentares só andam de acordo com o tempo e a conveniência de Maia.

O presidente transformou simples procedimentos burocráticos em filtros políticos ao deixar de enviar às comissões as propostas de fiscalização e controle dos deputados para apurar determinado fato ou ao segurar os pedidos de informação dirigidos ao Tribunal de Contas da União (TCU).

Por questão formal, a chamada Solicitação de Informação ao TCU (SIT) passa pelo presidente antes de ser encaminhada ao tribunal, órgão auxiliar do Legislativo. Das 19 solicitações apresentadas neste ano, nove esperam a decisão da Maia. A mais antiga é de 16 de março, ou seja, está há sete meses à espera de encaminhamento do presidente. O requerimento pede informações sobre gastos dos ministros do próprio tribunal.

Segurador. "Ele (Marco Maia) segura tudo. Eu tive de ir para cima dele até que o despacho para o TCU saiu", comentou o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), sobre um pedido de informação ao tribunal sobre a evolução de despesas e de investimentos da Eletrobrás Amazonas de Energia que ficou parado nas mãos do presidente de abril a junho deste ano.

O mesmo acontece com as propostas de fiscalização e controle (PFC), tipo de projeto votado e decidido no âmbito das comissões. Maia, no entanto, a pretexto de numerar os pedidos como prevê o regimento, mantém o documento em suas mãos por tempo indeterminado. Ele não despachou para as comissões as duas propostas de fiscalização por possível crime de responsabilidade praticado pelo então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, protocolados em 19 de maio pelo líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA). Cinco meses depois, com Palocci demitido, Maia deu um parecer enviando-a ao arquivo.

"O Poder Legislativo deixou de ser protagonista e passou a ser coadjuvante", analisa o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), parlamentar veterano já em seu décimo mandato. Ele considera que o esvaziamento do poder de fiscalizar da Câmara coloca sob suspeita o gestor objeto de investigação. "Passa a ideia de que a autoridade teme a apuração e, o que é pior, causa um dano irreparável à credibilidade de parlamento", disse Miro.

Deputados de partidos governistas avaliam que a atuação de Marco Maia tem respaldo na ampla maioria do governo na Casa. Ele barra a fiscalização por saber que a força da oposição é mínima na Câmara. O deputado Chico Alencar (RJ), líder do PSOL, considera que a perda de poderes da Câmara é consequência do comportamento dos deputados e da maioria que o governo tem na Casa e que pertence ao mesmo partido da presidente da República. "Não atribuo ao Marco Maia como postura individual. É a soma da inércia do parlamento, que abre mão, sem nenhuma indignação, de suas principais prerrogativas", avaliou.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Estamos cansados de crises, diz auxiliar de Dilma

Gilberto Carvalho desabafa depois da divulgação de nova denúncia de corrupção, desta vez contra o Ministério do Trabalho, comandado pelo PDT

João Domingos

BRASÍLIA - O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral da Presidência) disse ontem ao Estado que "já está ficando cansado" de administrar crises envolvendo colegas do primeiro escalão. Ele se referia às notícias de que o PDT montou um esquema de achaque para aprovar convênios firmados entre o Ministério do Trabalho e ONGs. Sua declaração foi feita em tom de desabafo.

"Teremos de ver isso amanhã (hoje). Se bem que o ministro Carlos Lupi (Trabalho) tomou providências imediatas e afastou dois assessores", ponderou Carvalho. Lupi exonerou os dois servidores no sábado, mesmo dia em que circulou a edição da revista Veja com a notícia de que os auxiliares tinham montado um esquema de cobrança de propina contra ONGs que têm convênio com o ministério.

De junho até agora, coube a Gilberto Carvalho negociar a queda de cinco ministros envolvidos em escândalos, que vão desde as suspeitas de enriquecimento ilícito - caso de Antonio Palocci (Casa Civil) - a suposto desvio de dinheiro e cobrança de propinas, que atingiu Alfredo Nascimento (Transportes), Pedro Novais (Turismo), Wagner Rossi (Agricultura) e Orlando Silva (Esporte).

Entre as tarefas do ministro Carvalho está a de manter contato com os partidos dos ministros que são obrigados a se afastar. A habilidade dele tem conseguido evitar que as crises levem ao rompimento das legendas com o governo.

Fator PR. A única exceção, até agora, ocorreu com o PR. Apesar do empenho de Carvalho, que ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a lutar pela permanência de Luiz Antonio Pagot na diretoria-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), não houve como resolver os problemas. Pagot é filiado ao PR. O ex-ministro Alfredo Nascimento, que teve de sair do Ministério dos Transportes, é o presidente da legenda.

O partido declarou-se independente desde então. Deve voltar à base do governo a partir de hoje, quando participa da reunião dos líderes aliados com a presidente Dilma Rousseff para tratar da votação nesta semana pela Câmara do projeto que prorroga a Desvinculação de Receitas da União .

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Oposição critica doação maquiada de banco a Lula

PanAmericano deu R$ 500 mil em 2006

BRASÍLIA - A oposição criticou ontem as doações feitas de forma disfarçada pelo banco PanAmericano à campanha presidencial de Lula em 2006.

Para líderes oposicionistas, os R$ 500 mil dados pelo banco de Silvio Santos explicam o empenho do governo em salvar a instituição financeira, que tem um rombo estimado em R$ 4,3 bilhões.

"Lula usou a estrutura do Estado para retribuir um favor do passado, o financiamento de sua campanha", disse o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR).

A Folha revelou ontem que o PanAmericano doou R$ 500 mil para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006, e que usou empresas de dirigentes da instituição financeira para disfarçar a origem das contribuições.

Para o líder do DEM, deputado ACM Neto (BA), as doações mostram que a compra de parte do banco pela Caixa, por R$ 739 milhões, não foi feita por motivos técnicos.

"Esses R$ 500 mil maquiados comprovam que a relação entre o PanAmericano e PT é muito além do que há de conhecimento público. O salvamento feito pelo governo foi descabido, com justificativas econômicas frágeis", disse o deputado.

Segundo ACM Neto, a oposição fará nesta semana um levantamento de todos os requerimentos já apresentados para pedir esclarecimentos sobre a operação financeira.

"O governo e os dirigentes do banco que fizeram a doação têm que vir a público dar explicações", afirmou.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

STF decide validade definitiva da Ficha Limpa nesta quarta

BRASÍLIA - O STF (Supremo Tribunal Federal) deve discutir na quarta-feira a validade definitiva da Lei da Ficha Limpa. Pelo menos dois aspectos polêmicos da regra podem causar um novo impasse na corte.

Os ministros estão divididos sobre a retroatividade da lei para crimes cometidos antes da vigência da lei e a possibilidade de punir políticos ainda não condenados em definitivo.

A expectativa é que a maioria dos ministros vote pela constitucionalidade da lei, permitindo que ela seja aplicada para futuras eleições, inclusive na disputa municipal de 2012.

Sancionada em junho de 2010, a lei prevê que políticos condenados em julgamentos realizados por mais de um juiz, cassados ou que tenham renunciado sejam impedidos de assumir cargos eletivos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Por royalties, Cabral mobiliza políticos e população do Rio

Encontro com prefeitos e congressistas inicia semana na qual governador pretende levar 100 mil às ruas

Peemedebista tenta convencer governo a mudar de posição, mas, se plano falhar, Estado prepara recurso ao STF

Rodrigo Rötzsch

RIO - Cada vez mais isolado, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), tentará dar duas demonstrações de força para convencer o governo federal de que é um erro permitir que o Estado perca dinheiro na mudança da distribuição de receitas do petróleo.

Cabral convidou para encontro hoje no Palácio Guanabara os prefeitos do Estado e membros da bancada do Rio no Congresso -inclusive seu maior rival, o ex-governador Anthony Garotinho (PR).

A ideia é mostrar unidade política contra as mudanças em discussão no Congresso.

Garotinho tem base eleitoral em Campos, que seria o município mais prejudicado pela alteração e é administrado por sua mulher, Rosinha.

Na quinta, Cabral conta com ao menos 100 mil pessoas numa passeata pela manutenção da atual distribuição das receitas do petróleo.

Para isso, deve mobilizar servidores, como fez em 2010. Funcionários de Estado e prefeitura, comandada pelo aliado Eduardo Paes (PMDB), serão liberados às 14h.

A manifestação está marcada para as 15h, e vem sendo convocada por faixas e até por propaganda na TV.

Não serão cobradas passagens de trem e metrô em horários próximos ao ato. Estão previstas caravanas vindas do interior, mobilizadas por políticos aliados de Cabral.

Caso não consiga sensibilizar o governo, ele estará ao menos escudado para rebater críticas de que não se empenhou o suficiente para impedir que o Rio saísse prejudicado da discussão.

O Estado prepara recurso ao Supremo Tribunal Federal para questionar o novo marco regulatório tão logo ele seja aprovado pela Câmara e sancionado pela presidente.

Advogados usarão como argumento o fato de uma lei que altere a distribuição de receita de campos já licitados supostamente violar a cláusula pétrea da Constituição que garante que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Cesaria Evora - Um Pincelada

Até certo ponto:: Wilson Figueiredo

A acreditar (por que não?) na 16ª. Pesquisa Latinoamericna, a confiança dos brasileiros na democracia despencou nove pontos percentuais do ano passado para este, sem que se tenha sentido a diferença no comportamento dos cidadãos. Ainda bem. Tudo que se passou nos últimos anos por aqui pode ser entendido também como acomodação, senão no subsolo, na superfície mesmo. Objetivamente, tudo se passa como não ocorria quando as dificuldades exteriores nos reservavam papel secundário e nos brindavam apenas com as conseqüências.

A divulgação da notícia não teve maior destaque nos meios de comunicação, nem qualquer efeito num país em que a democracia - está implícito na expectativa social - já preserva a diferença entre ela e as formas de governo que abrem mão das liberdades, a começar da relativa à opinião e à informação. Pode ser pouco, mas é melhor do que era. Vivam as diferenças.

O levantamento anual feito por uma ONG chilena em 18 países da América Latina, e divulgado em Santiago, registrou a queda de 61% para 58% na confiança que a democracia já alcançou no nível continental..No que diz respeito ao Brasil, a confiança recuou de 54% para 45%, mais acentuada do que a média continental. A economista Marta Lagos, presidente do instituto chileno, entreviu na mudança do discurso entre a presidente Dilma e o seu antecessor a razão política do problema. Nada digno de apreensão. O tempo dirá se existe mais do que parece na diferença dos discursos de Dilma Rousseff e Luiz Inácio.

No ano passado, a corrupção foi apontada por 64% dos brasileiros como em alta nos três anos anteriores (no segundo mandato do PT/Lula), Ficou suficientemente claro que o brasileiro considera e trata o Legislativo e os partidos políticos como instituições que não resistem à sedução do dinheiro nas relações funcionais, nem respeitam a linha divisória entre o que é público e o que é privado. O efeito restritivo não passa, porém, da ênfase oral. Ainda não chega ao voto do cidadão, movido por outros motivos de natureza pessoal e de fundo social. Fica por aí a questão.

Em época de eleição, aí sim, pesquisas de opinião já mobilizam atenção nas faixas sociais da classe média para cima. Os boatos perderam prestígio e eficácia com a multiplicação dos recursos técnicos postos a serviço da opinião pública, na mesma faixa de mobilização em que as pesquisas exercem função ainda por ser devidamente decifrada.

A etapa de consolidação democrática em curso tem lastro na continuidade que já parece exercer mais sedução do que as variantes ilusórias que a comprometeram no passado. A democracia comporta oscilações de opinião pública e já não têm efeito político as estridências retóricas diante da estatística da normalidade. Altos e baixos no registro da opinião pública, em questões de natureza ética ou de baixa moralidade na vida pública, fazem parte da evolução natural que deixa episódios marcantes pelo caminho. Foi certamente a falta de apoio na opinião pública que levou o ex-presidente Lula a desistir em tempo da sedução que o terceiro mandato exerceu sobre ele e o cercou de ingênuos e espertalhões. Salvou a biografia.

Há na opinião pública uma saturação crítica em relação à maneira como se apresenta a vida política. A classe média, que dá a impressão de usufruir surto novo rico como estado de espírito, ainda não sabe, mas não vai demorar a perceber que a expansão do mundo da comunicação cairá no seu colo. O resto será conseqüência, no bom sentido que faz parte da alma dessa gente disposta a entrar na História.

FONTE: JORNAL DO BRASIL ONLINE

Aécio Neves: O paradoxo feminino

No país de Fernanda Montenegro, das saudosas Zilda Arns e Ruth Cardoso, das ministras Ellen Gracie e Carmem Lúcia, de Marina, Marta, Erundina, Benedita, da presidenta Dilma Rousseff e de tantas brasileiras que são referências na nossa sociedade, ainda é demasiadamente dura a vida das mulheres.

Para cada dado que suscita esperança -como a expectativa de vida, que entre elas subiu para 77 anos-, surgem indicadores que reiteram que os espasmos de prosperidade continuam a distribuir benefícios desiguais por escala de gênero, assim como de cor/raça e de instrução.

São desoladores os desequilíbrios no universo feminino radiografados no Anuário das Mulheres Brasileiras (do Dieese) e confirmados agora pelo Fórum Econômico Mundial, cujo ranking de desigualdade entre os sexos mostrou o Brasil em 82ª posição no mundo. Atrás da Albânia, Gâmbia, Vietnã e República Dominicana. Ocupamos a pior posição na América do Sul.

Nos lares brasileiros, 35,2% das mulheres são provedoras (chega a 40,6% nas zonas metropolitanas). O salário delas é 20% menor, em média (R$ 1.423/mês, contra R$ 1.718 do homem). A maioria ainda cumpre a jornada não remunerada das tarefas domésticas.

E foi dentro de sua própria casa que 43,1% das mulheres vítimas de agressão física a sofreram. Em 25,9% dos registros, os cônjuges ou ex-cônjuges são os agressores. A boa notícia é que cresceu o inconformismo: em 2006, a Central de Atendimento à Mulher registrou 46.423 atendimentos. Em 2010, 734.416.

As dificuldades e conflitos enfrentados pelas mulheres vão muito além dos revelados por estatísticas. Termina século, começa século e elas continuam com suas duplas, triplas jornadas como profissionais, donas de casa, mães, companheiras, ativistas.

É conhecido o quanto são reféns do velho dilema entre a qualidade versus a quantidade do tempo a ser dedicado aos filhos, já que intimidade e confiança requerem convivência e, portanto, disponibilidade para serem construídas. Essa realidade é ainda mais grave para as chefes de família que vivem sob o jugo da pobreza. A esses desafios se somam lutas diárias por assistência médica, moradia digna, boa escola e emprego para os filhos.

Por mais diferentes que sejam entre si, essas, entre tantas, são questões do universo feminino ainda longe de serem superadas e que precisam ser solidariamente acolhidas.

Grande parte das desigualdades enfrentadas pelas mulheres depende diretamente de políticas públicas eficientes, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança. Outras relacionam-se com cada um de nós.

Até porque os desafios que erroneamente colocamos no campo feminino dizem respeito na verdade à sociedade como um todo.

Aécio Neves, senador (PSDB-MG)

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Há algo novo em curso :: Denis Lerrer Rosenfield

Uma avaliação isenta do governo da presidente Dilma Rousseff mostra resultados inegáveis no que diz respeito às relações entre moral e política. A denominada faxina ética tem dado mostras de eficácia com cinco ministros forçados a renunciar em dez meses de governo. E os cinco ministros em questão abandonaram o governo por razões éticas e, mesmo, legais, com suspeitas, em alguns casos bastante graves, de desvios de recursos públicos e/ou de corrupção.

Neste sentido, não deixa de causar espanto que muitos formadores de opinião ainda sustentem que nada mudou entre o governo anterior e o atual, sendo esse último uma mera prolongação do anterior. Basta comparar o que foi feito em relação a essa questão nos dois governos. Em um caso, foram cinco ministros em dez meses, no outro nenhum em oito anos. Pelo contrário, o ex-presidente Lula ainda afagava infratores e os instigava a resistir. Os fatos são eloquentes.

Não se trata, gostaria de salientar, de criar zizanha entre os dois presidentes, mas tão simplesmente ressaltar um fato de ordem empírico, que, enquanto tal, não deveria deixar lugar a dúvidas. Juízos morais e políticos se formam a partir de uma percepção verdadeira dos fatos. A nova presidente, de fato, neste domínio, está inovando, não pactuando com o desvio de recursos públicos e a corrupção. Só não vê quem não quer.

Ao fazê-lo, ela está dando um exemplo para o país. E exemplos são fundamentais na estruturação de uma nação, no modo mediante o qual ela se pensa e se representa. Se um governante dá como exemplo a leniência com a corrupção, torna-se, de certa maneira, "natural" que os cidadãos em geral se tornem também lenientes com os mais diferentes tipos de ilícito e de crime. Alguns passam a achar que é normal roubar, pois se os grandes o fazem é porque é permitido. A impunidade torna-se a regra. Se os governantes apresentam um outro tipo de exemplo, o freio, por assim dizer, vem de cima, mostrando que os infratores serão punidos.

Neste contexto, o exemplo da nova presidente, sim, deveria ser objeto de elogio e não de crítica, nem de reservas. Aliás, uma das reservas mais constantemente apresentadas é a de que, sendo criatura de Lula, não poderia fazer algo distinto. Não são poucos os casos históricos em que criaturas se distanciam de seu criador. No entanto, a questão é também outra, a de que uma pessoa nascida em um meio determinado não poderia dele livrar-se ou afastar-se.

Ora, se tal colocação fosse verdadeira, não poderíamos explicar como o Brasil saiu da ditadura militar por obra dos próprios militares. Não foi a esquerda armada que vez a transição, mas foram os próprios militares que criam as condições e foram, inclusive, os garantes da entrada do Brasil na democracia. Foram militares que tinham precisamente uma outra visão daquilo que tinha germinado em seu próprio meio. Ou seja, muitas vezes são aquelas próprias pessoas oriundas de um meio determinado que criam condições de saída deste.

Nesta última substituição ministerial, a do Esporte, teve-se, ademais, um ganho adicional, que também funciona a modo de exemplo, no que diz respeito ao financiamento público de ONGs. O novo ministro, Aldo Rebelo, já se manifestou contra esse financiamento público em sua pasta e, dado ser uma pessoa reconhecidamente proba e idônea, há que conceder-lhe crédito. A própria presidente, por sua vez, ordenou a suspensão de pagamentos a ONGs por 60 dias, tempo necessário para que um pente-fino seja passado nos convênios em vigor.

É bem verdade que há ONGs e ONGs, sérias e não sérias. Não é menos verdadeiro que se torna necessária uma avaliação mais criteriosa de suas formas públicas de financiamento, pois o dinheiro dos impostos, já bastante elevados em nosso país, deveria ser objeto de um emprego extremamente criterioso. De fato, é inadmissível que ONGs sejam utilizadas para o desvio de recursos dos contribuintes, em nome precisamente da causa pública. A perversão é total. A palavra "público" é apropriada para usos indevidos e ilícitos de alguns particulares.

Se, então, observarmos mais atentamente o que está ocorrendo, também poderemos verificar que estamos diante de uma reforma ministerial, que se está fazendo aos poucos, não sendo necessário aguardar por uma grande mudança. Foram seis ministros já substituídos, acrescentando o ex-ministro Jobim, que saiu por razões alheias a problemas de ordem ética.

Talvez possamos dizer que se trata do jeito dilmista de governar, com mudanças progressivas, aproveitando as ocasiões conforme vão sendo apresentadas. Poder-se-ia inclusive aventar a hipótese de que o próprio Palácio do Planalto estivesse sendo conivente com a publicização dessas denúncias, na medida em que vão sendo divulgadas pela grande mídia.

Pode-se suspeitar que a nova presidente não seja somente refém da mídia, como muitos têm destacado, mas seja ela mesma agente desse processo. Já há mesmo todo um ritual estabelecido de queda de ministros, em um cronograma preestabelecido que se desenvolve em pouquíssimas semanas, algo politicamente inaudito em nossa história recente. Aliás, o Palácio do Planalto tem ganhado, e não perdido tempo.

Claro que se pode sempre dizer que não há uma mudança estrutural, com vários esquemas sendo mantidos, com a substituição de certos personagens. Contudo, convém também esclarecer que mudanças políticas, principalmente em nosso país, são feitas gradativamente e não de uma forma abrupta. Nada se muda de um só golpe. Tudo dependerá da evolução dos acontecimentos, desta lógica da política, e de como os diferentes partidos, também os de oposição, vão se portar. O próprio PT está tendo de assimilar essas mudanças, porque elas não correspondiam ao modo lulista de governar.

Entretanto, há algo novo em curso, que deveria ser mais bem avaliado pelos distintos atores políticos.

Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

FONTE: O GLOBO

De cargo em cargo :: Renato Janine Ribeiro

Uma coisa que me surpreendeu, quando trabalhei em Brasília num cargo de confiança bastante técnico e nada partidário (como diretor de avaliação, na Capes, incumbido de avaliar os milhares de doutorados e mestrados brasileiros), foi ver como é difícil a situação de quem assume tais cargos. Esse assunto costuma ser tratado politicamente, sob a forma de críticas ao número de cargos de confiança. Mas nunca o vi ser tratado humanamente, vendo a dificuldade que acarreta para quem se muda para a capital por um período, em princípio, provisório. Esse lado "humano", obviamente, tem consequências políticas.

Explicando os cargos de confiança: eles incluem, além dos ministros e secretários executivos, uma hierarquia de DAS, que vão de 1, o mais baixo, até 6, diretamente subordinado ao ministro. Cada nível de DAS tem remuneração e prerrogativas próprias. Por exemplo, só os DAS 4 e superiores têm direito a auxílio-residência, necessário para quem vem de fora da cidade em que vai trabalhar. Isso vale para Brasília, onde está a maioria dos dirigentes federais, mas também para outras cidades. Por exemplo, o diretor da Biblioteca Nacional, que fica no Rio de Janeiro, tem seu DAS (ou, como se diz, "é um DAS") e, se vier de fora do Rio, receberá auxílio para a moradia. Este valia 2100 reais por mês em 2008 e é apenas suficiente para pagar as despesas de residência, até porque é prudente o DAS evitar um compromisso de longo prazo (o aluguel de um apartamento por tempo fixo), dado que pode ser demitido ou demitir-se a qualquer momento.

Outra prerrogativa: os DAS 5 e 6 têm direito a usar carro oficial (a serviço, obviamente), enquanto os outros DAS só podem utilizá-los acompanhando os primeiros. Uma curiosidade é que o DAS-5 usa carro oficial branco, com logotipo enorme do órgão em que trabalha, enquanto o DAS-6 utiliza carro oficial preto, com discreto logotipo genérico anunciando tratar-se de serviço público federal. Há um curioso dégradé que vai do lógico (o pagamento diferenciado, certos direitos hierarquizados) ao risível (a cor do carro e, pior, as formas de tratamento que o dirigente tem de usar). Certa vez, tive de responder ao mais importante dos senadores. Era uma formalidade qualquer, mas disse à minha secretária que subscreveria "atenciosamente" sem nenhum problema mas me recusava a dar, àquele prócer, a fórmula "respeitosamente". Veio então uma funcionária categorizada com um manual, que mandava autoridades de meu nível usar o "respeitosamente" com os membros do Senado Federal. Lembrei um livro que escrevi sobre a etiqueta nas cortes do Antigo Regime...

Um depoimento de cinco anos na ponte aérea

Voltando ao que é sério, bastante sério: numa Federação, é preciso que um número razoável de DAS-4 a 6 venham de fora da capital. Compreende-se que os DAS-1 até 3, que não têm auxílio para morar, sejam sobretudo de carreira e/ou já morem em Brasília. Contudo, quem sai de seu Estado para viver no Distrito Federal enfrenta escolhas difíceis. Precisa decidir se muda mesmo, ou se mantém casa e família no Estado de origem. Se voltar para casa toda semana, a passagem sai do seu bolso. Este é um ônus financeiro alto. Há também o ônus afetivo de estar longe dos entes queridos. A alternativa é mudarem todos para a capital. Isso implica conseguir um emprego para o cônjuge e transferir os filhos de escola, com as rupturas de vínculos que isso requer. Evidentemente, em especial ante os riscos de apagão aéreo, humanamente falando a solução menos ruim é a segunda, mas notem os custos. Evita-se o desgaste do alto funcionário, porém seu cônjuge precisará de um emprego, geralmente no governo, mas em outro ministério, recendendo um tanto a favor, e os filhos mudarão toda a sua rede de relações, numa fase delicada da vida. Mudam amigos, sotaque, hábitos.

Dá para entender que quem se transfere mesmo para Brasília dificilmente queira sair de lá? Delfim Neto disse certa vez que camadas geológicas vão se depositando no DF, cada uma legada por um governo. Porque quem pagou tanto para se mudar dificilmente vai querer, desde que se adapte, voltar para seu Estado. Daí que muitos procurem se manter lá, seja no governo, seja em entidades não governamentais mas que com frequência têm contatos com o poder público.

Daí, também, outra consequência. Se é natural supor que, ao fim de quatro ou oito anos, isto é, de um mandato presidencial, mudem os detentores dos cargos - o que em tese permitiria prever o retorno, não fosse o enorme custo afetivo, de que falei - também sucede muita demissão e nomeação ao longo do mandato. Chefes e subordinados se indispõem. Vi ministros realocarem DAS que eles mesmos haviam demitido. Porque há o lado humano. Imaginem que em maio, na metade do ano escolar, alguém deixe o cargo e, com ele, Brasília; como ficam o cônjuge e os filhos? Em dinheiro, o custo de voltarem todos para seu Estado já é alto. Em termos humanos, o preço sobe exponencialmente. Daí que não se queira largar o cargo. Por isso, ou as pessoas se apegam a eles e fazem de tudo para os manter, ou procuram ir de cargo em cargo, governo após governo. Daí, finalmente, as camadas geológicas...

O que fazer para melhorar essa situação? Não sei. A solução que eu e vários adotamos foi a de pagar passagens para nossos Estados, onde continuamos vivendo, mesmo trabalhando a semana toda em Brasília. Não aconselho, porém; você fica sem raiz. Passei quase cinco anos sem saber onde vivia. Deve haver uma solução para isso, mas ignoro. Creio que deveria, pelo menos, levantar um problema que afeta muitos quadros graúdos do país, mas passa sem comentários na discussão politica.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Mau cheiro:: Ricardo Noblat

"Eu vim para a Terra para lutar e melhorar a vida de todo mundo". (Lula, em mensagem gravada ao saber que tem câncer)

Somente os muito ingênuos acreditam que os partidos brigam por cargos interessados em ajudar o governo a fazer o bem do país — e nada mais. Nunca foi assim. E pelo jeito jamais será. Os partidos ambicionam cargos para roubar. O dinheiro enche os bolsos dos seus dirigentes e financia campanhas que custam cada vez mais caro. É simples assim.

Candidato rico pode até gastar parte do seu dinheiro para se eleger. São raros. O senador Blairo Maggi (PR-MT) talvez seja um deles. Sua fortuna cresceu 356% entre 2006 e 2010 quando governou Mato Grosso pela segunda vez consecutiva. É o rei da soja. E a soja, sabe como é...

De remediado para baixo, candidato usa o dinheiro dos outros para se eleger. E fica devendo favores que depois tenta pagar no exercício do mandato. Emplacar um protegido em cargo de relevo é meio caminho andado para pagar o que deve e sair com lucro. Perguntem ao experiente senador José Sarney se não é...

Há uma secretária de empresa estatal da área de energia que só faz uma coisa durante o expediente: cuidar dos interesses do senador. Ora ela atende o próprio, ora algum dos filhos dele. Antes que passe pela cabeça de Sarney a ideia de me processar, adianto logo: tudo o que ele faz, tudo mesmo, é legal. Fui claro? Fui convincente?

Estamos conversados. Adiante. O PT só chegou ao poder que de fato importa quando resolveu se comportar como os demais partidos. Lula cansara de perder. Então arquivou a vergonha. Certo dia, entre 1998 e 2002, chamou José Dirceu e disse mais ou menos isto: "Só serei candidato pela quarta vez se for para ganhar. E para ganhar vale tudo".

Valeu, por exemplo, comprar o passe do Partido Liberal (PL) de Valdemar Costa Neto por pouco mais de R$ 6 milhões. Lula assistiu à compra em Brasília. Parte do dinheiro foi doada pelo seu então candidato a vice, José Alencar. O apoio do PL resultou em mais tempo de televisão e de rádio para Lula. Apoio de partido vale por isso.

No primeiro mandato, Lula recusou-se a pagar o preço pedido pelo PMDB para apoiá-lo. O PMDB queria cargos, muitos cargos. E autonomia para tirar proveito deles. Contrariando José Dirceu, Lula imaginou que poderia governar comprando apoios a cada votação importante no Congresso. O mensalão derivou disso. E deu no que deu.

O loteamento do governo consumou-se no segundo mandato. E foi responsável pela montagem da coligação de 11 partidos que apoiou Lula e que depois apoiaria Dilma. Pergunte a qualquer ex-presidente da República se os partidos que governaram junto com ele não se aproveitaram de cargos para roubar. Pensando melhor, não pergunte.

Todos negarão que isso tenha ocorrido. Há assuntos sobre os quais não se fala. Na vida real, os governantes admitem uma cer ta margem de roubo. Caso o roubo vire um escândalo e o ameace, ele é obrigado a limpar a área. Os partidos e eventuais ocupantes de cargos públicos concordam que ele proceda assim. Desde que ninguém vá preso.

No programa "Zorra Total", da Rede Globo de Televisão, no último sábado, ouvi o comentário de um personagem cínico: "Voltar? Dinheiro de corrupção? Não volta. Volta vestido tubinho. Volta pantalona. Mas dinheiro de corrupção não volta". Bingo! É da regra do jogo. Sem prisão — salvo se temporária e curta. Sem devolução.

A verdade é relativa em países considerados livres. Em países dotados de regimes autoritários, existem verdades absolutas. Posso dizer, por exemplo, que Dilma tem-se mostrado mais intolerante do que Lula com a corrupção. Ou posso dizer que Dilma não tem o cacife que Lula tinha para tolerar a corrupção. Assim será se lhe parecer.

Uma vez denunciados pela imprensa, Dilma livrou-se em 11 meses de governo de cinco ministros suspeitos de envolvimento com irregularidades. Tem um sexto aí na bica. Em qualquer outro lugar já se teria dito com todas as letras e a ênfase necessária que o governo apodreceu. Pois, sim. Apodreceu.

FONTE: O GLOBO

Percepção e realidade:: José Roberto de Toledo

O ser humano é especialmente mal equipado quando se trata de calcular riscos. Ele tende a exagerar tudo o que parece comprometer sua segurança pessoal. Afinal, segunda vida só existe em videogame. Por isso, levanta muros, instala câmeras de segurança, prefere carros com airbag e compra armas, muitas armas.

Talvez seja a consequência de um processo de seleção natural: os precavidos foram bem sucedidos na sobrevivência e se reproduziram mais do que os espécimes com especial gosto por se arriscarem. Há 7 bilhões de razões a confirmar essa hipótese. Até por serem minoria, os valentes são motivo de admiração, tema de filme e objeto de homenagens póstumas.

Mas esse defeito de fabricação também leva o ser humano a minimizar perigos reais e a maximizar outros riscos nem tão prováveis assim. O fenômeno é especialmente complicado quando envolve a opinião pública. Dependendo de sua repercussão, um fato isolado pode desencadear um comportamento de manada que beira a histeria coletiva.

Desde a metade dos anos 90, os Estados Unidos vêm experimentando uma queda rápida e consistente na taxa de crimes violentos. A despeito dos filmes policiais de Hollywood, a percepção dos norte-americanos sobre o tema acompanhava o ritmo de queda das estatísticas criminais.

De 1992 até 2001, o porcentual daqueles que diziam que estavam acontecendo mais crimes violentos do que no ano anterior despencou de 89% para 43% da população, segundo o Gallup. Os EUA estavam ficando mais seguros e seus habitantes percebiam isso. Aí veio o 11/9.

Após os atentados terroristas, a sensação de insegurança dos norte-americanos se espalhou como gripe. E reverteu a percepção da opinião pública sobre a criminalidade no país. A partir de 2002, a cada ano mais norte-americanos começaram a dizer que os crimes violentos haviam aumentado em comparação ao ano anterior. Em 2010, essa parcela chegou a 74% da população. Ao mesmo tempo, a taxa de criminalidade violenta caiu quase pela metade.

A esse crescimento irracional de 72% na percepção da violência pelos norte-americanos, completamente desvinculado dos fatos, se pode chamar de medo genérico. Ele molda a opinião pública dos EUA não apenas na percepção da violência, mas nas consequências dessa mudança de atitude.

Entre os atentados terroristas de 11 de setembro e este ano, aumentou de 39% para 53% o porcentual dos norte-americanos que se dizem contra uma lei que proíba a venda e posse de armas semiautomáticas conhecidas como fuzis de assalto - aqueles usados por franco-atiradores malucos. A fatia dos contrários à proibição chega a 73% quando se trata da posse de armas de mão, como revólveres e pistolas. Ou seja, os fabricantes de armas lucram com o medo.

Amor e ódio. Como se vê, a realidade e sua percepção são coisas distintas. Vivem uma relação de amor e ódio, alternando momentos de união com grandes hiatos de separação. E é mais fácil dissociar uma da outra quando o assunto é segurança. Quem já passou pela experiência sabe que a percepção individual de risco aumenta enormemente após um assalto. A sensação de perigo iminente nos dias posteriores pode ser avassaladora. Uma notícia de grande impacto, ou uma sucessão delas, tem o efeito de um assalto sobre a opinião pública. Pode mudá-la profundamente.

À época da eleição de governador, a percepção era que, com as UPPs (a polícia dita pacificadora), o Estado havia retomado o controle de porções do território do Rio antes dominadas pelo crime. A imagem simbólica dessa percepção foi a cena de dezenas de traficantes em fuga na operação policial-militar de 2010. As estatísticas apontando queda dos homicídios complementaram essa percepção.

Desde então, uma juíza que punia com rigor o crime organizado no Rio de Janeiro foi assassinada por uma quadrilha de policiais, um deputado estadual ameaçado de morte dezenas de vezes anunciou que iria deixar o país e mais um jornalista foi morto enquanto retratava a violência do narcotráfico numa favela carioca.

Publicou-se também que as estatísticas policiais escondiam centenas de mortes violentas na rubrica "intenção indeterminada", na qual cadáveres com múltiplas perfurações a bala não eram classificados como vítima de homicídio porque não se podia descartar a possibilidade de a pessoa ter cometido suicídio.

Na política, a percepção é a realidade. Se um político parece honesto e competente, aumentam suas chances de se eleger - independentemente de ele ser de fato honesto e competente. Mas, às vezes, a percepção se reconcilia com a realidade. Difícil é o casamento ocorrer em ano eleitoral.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

A catástrofe abortada :: Paulo Brossard

Qualquer pessoa pode discretear sobre problemas internacionais sem causar prejuízo a ninguém, diga tolices ou coisas judiciosas. Embora desnecessário, confesso minha ignorância a respeito desse mundo. Complexo, dia a dia mutável e eriçado de escabrosidades. Sob essa imunidade vou permitir-me algumas reflexões acerca da Grécia em relação à Europa e desta em relação àquela, embora se pudesse trocar a Europa pelo universo. Suponho, contudo, não exceder o permissível e na certeza de não gerar lesões a quem quer que seja.

É que sempre me perguntei apresilhar a Grécia ao mercado comum, quando seus templos e teatros faz muito deixaram de ser frequentados por Homero ou Péricles, Ésquilo ou Sófocles, Aristófanes ou Fídias, ou Demóstenes, nem ser propriamente uma potência econômica, ao lado da França e da Alemanha, por exemplo. E não me esqueço, foi a Grécia que condenou Sócrates à morte bebendo cicuta...

Vale lembrar que as grandes nações sentaram lado a lado no alto conselho europeu, em 1870, 1914 e 1939, lutaram entre si até caírem exangues, e, anos passados, graças ao talento inspirador de Jean Monnet, foi concebida a comunidade do carvão e do aço, e à parte dele, superando em século de luta e de ódios, Charles de Gaulle e Konrad Adenauer apertam as mãos sobre o Reno, abrindo um capítulo na história europeia, antes inimaginável e que, passado algum tempo, permitiu começasse a materializar-se o sonho do mercado comum ou esboço da União da Europa...

A inclusão da Grécia e de outros Estados menos significativos ampliava o número de acionistas na nascente sociedade pluriestatal, não deixava de lembrar a junção da panela de ferro com a panela de barro... Fujo deliberadamente dos anos iniciais vividos pela comunidade e me ponho a refletir a respeito das consequências imensuráveis de uma pequena parcela dos Estados associados que, insulada, pode dizer-se miúda, e, no entanto, pode bulir a montagem de aço da Europa unida e fortificada!

O fato é que a Grécia (como outros países associados) entrou a enfrentar dificuldades econômicas e não lhe faltou a assistência da União Europeia, mas esta logo se revelou insuficiente e, o que é mais, talvez tenha deixado de avaliar na devida medida os incômodos sociais acumulados, como o desemprego, fator que haveria de mostrar-se incendiário no tocante ao cumprimento de medidas saneadoras tidas e havidas como necessárias. E a delicada emergência se agravou em vez de aliviar-se. E, outra vez, as maiores competências na matéria queimaram as pestanas no sentido de impedir que o incêndio de uma borda queimasse o prédio inteiro. As bolsas tremeram e houve suspiros por todos os cantos do mundo.

Enfim, o presidente francês, justamente alarmado, chegou a dizer que era a maior crise desde a de 1929, que devastou o mundo. Não preciso dizer mais para debuxar o fenômeno que, mal começou, não se sabe os rumos que pode tomar, onde, como e quando vai acabar. Por fim, as sumidades da União Europeia, em decisão unânime, levaram-na a abrir os cofres e, além de reduzir a dívida em 50%, a injetar na Grécia a ninharia de 100 bilhões de euros. A meu juízo, a União cuidava de estancar a sangria e quiçá de demonstrar a disposição de enfrentar as emergências. Houve quem indagasse se a medida heroica resolvia em definitivo o problema e, de modo geral, os opinantes foram discretos e cautelosos.

Eis senão quando, dois dias depois da exaustiva composição, o chefe de governo da Grécia, seu primeiro-ministro, convocou a nação para que referendasse o pacto que, ao lado das vantagens outorgadas, levara-o a assumir encargos, obviamente, repugnavam mais da metade da população, ao que se diz.

A medida do governo grego teve o efeito de um terremoto. Não podia ser por menos. Meia dúzia de horas da solução bilionária, o assunto tomava um caminho assaz perigoso, mas inevitável, ouvir a voz da nação, que já vinha sofrendo duros flagelos, a começar pelo alto desemprego. O resultado foi que os líderes da União Europeia, justamente alarmados, convocaram o chefe do governo grego para uma conferência urgente, a realizar-se em Cannes.

A resposta da União Europeia foi breve e clara, ou a Grécia acolhia as cláusulas pactuadas ou seria excluída da sociedade. O incêndio, a tempestade, o ciclone, diga-se o que se quiser, entrava em declínio quando o chefe do governo grego revogou a realização do plebiscito. Parece que, desta vez, o terremoto ficou adiado e Deus, louvado, pois a catástrofe seria graudaça e para todos os lados.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Os tempos anormais da Europa :: Luiz Carlos Bresser Pereira

A melhor solução para a Grécia e para a zona do euro é uma saída negociada e ordenada do país do grupo

Poderia ter dado certo a convocação de referendo feita pelo primeiro ministro da Grécia, Georges Papandreou? Nunca saberemos, porque o primeiro ministro grego confirmou sua fraqueza e recuou rapidamente diante da reação violenta dos dirigentes da zona do euro.

O que significaria "dar certo" nesse caso? Significaria encontrar uma solução decente para uma crise tão grave.

O desconto de 50% da dívida pública que foi decidido na última semana foi um avanço, mas não resolve o problema maior que é o do desequilíbrio da conta corrente da Grécia, ou seja, a sobreapreciação implícita do euro grego.

Os líderes europeus ofereceram uma "solução" também para esse problema. É o plano de austeridade, medidas de contenção de despesas por meio das quais se provoca o desemprego e se reduzem os salários e os preços, e assim se deprecia a taxa de câmbio implícita da Grécia.

Mas essa solução é muito cara para o país. A Grécia já está há 18 meses em recessão, e ninguém sabe quanto tempo ainda levará para o país corrigir seus preços em relação aos da Alemanha e da Holanda.

Ao propor o referendo, Papandreou estava abrindo o caminho para a saída da Grécia do euro, e para a desvalorização da sua moeda. Dessa forma, os salários seriam também reduzidos, mas de uma só vez, e sem o custo de mais desemprego.

Para a Grécia, essa é a melhor solução. Ela não sai da União Europeia, sai apenas do euro, e volta a ter sua própria moeda, depreciada em relação ao euro.

Há riscos nessa mudança para os bancos gregos e em relação à possível inflação na nova moeda. Mas ambos os riscos são provavelmente menores do que o custo de ficar no euro e tentar realizar um plano de austeridade que é grande demais e que não tem apoio popular.

Para diminuir esses riscos é importante que a saída da zona do euro seja acordada, como já está sendo acordada a restruturação da sua dívida pública.

Para a zona do euro será bom que um país que se desequilibrou estruturalmente deixe de a ela pertencer. O desequilíbrio é grande demais, e não é apenas fiscal mas também cambial. E é melhor que se pense em uma saída negociada e ordenada do euro.

Ao invés, Papandreou curvou-se, e a Europa voltou para a alternativa das restruturações, mais a austeridade, mais o aumento do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira.

Se os agentes financeiros estivessem mais calmos e mais seguros, se não estivessem tão preocupados com o alto endividamento dos países da zona do euro, o caminho poderia ser mesmo esse, desde que a ele se somasse uma ação mais ativa do Banco Central Europeu de apoio a seus membros.

Entretanto, a Europa vive tempos anormais, o medo de novas crises deixa os mercados financeiros ainda mais instáveis do que já são, e, em tempos anormais, são necessárias soluções anormais.

Como foi o Plano Real, no caso do Brasil. Como foi a atuação do Federal Reserve Bank nos Estados Unidos depois da crise de 2008. Como precisam ser as políticas da zona do euro e do seu banco central, incluindo-se entre elas a saída de alguns de seus membros.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO