Se a nota dos
partidos aliados do governo petista fosse para repudiar as acusações feitas ao
ex-presidente Lula atribuídas pela revista "Veja" ao lobista Marcos
Valério, estaria tudo certo, agiriam dentro do limite de suas responsabilidades
e direitos.
Mas quando partem
para a insinuação de que o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal
é parte de uma manobra da oposição, que quer fazer da ação penal 470 "um
julgamento político, para golpear a democracia e reverter as conquistas que
marcaram a gestão do presidente Lula", aí sim eles jogam contra a
democracia, colocando em discussão os resultados do julgamento que está sendo
realizado dentro das melhores práticas do Direito e da democracia.
Seria cômico, se não
fosse a revelação de uma situação política trágica, a tentativa de comparar o
quadro atual com os golpes contra os governos populares de Getúlio Vargas ou
Jango. Como se o julgamento do mensalão fosse uma conspiração da "elite
conservadora" contra o governo popular de Lula.
Se não fosse pelo
fato de que oito dos 11 ministros do STF foram nomeados por governos petistas,
já não é possível vender a fantasiosa versão de que o mensalão não existiu, até
porque em muitos casos, como salientou ontem o presidente do STF, ministro
Ayres Britto, os pagamentos foram realmente feitos mensalmente.
Além disso, já está
provado que foi montado um esquema sofisticado de compra de apoio político,
descrito com detalhes pelo relator Joaquim Barbosa.
Mesmo que seja
possível provar que algumas votações coincidiram com os pagamentos, e que, num
belo trabalho de reconstituição, o relator tenha recuperado o ambiente político
no início do primeiro governo de Lula, demonstrando que muitos partidos alvos
do assédio governamental haviam apoiado o candidato da oposição na eleição
presidencial, nada disso seria necessário.
Todos os réus, com
uma ou outra exceção, já confessaram em juízo terem recebido dinheiro através
de Marcos Valério, por recomendação de Delúbio Soares, o que, para o
entendimento majoritário do Supremo, caracteriza a corrupção passiva, não
importando se de fato cumpriram o que prometeram ao venderem seu apoio
político.
Como também não
importa se gastaram o dinheiro em farras ou em pagamentos de gastos de
campanha, e até mesmo se doaram para obras de caridade. A corrupção passiva não
se apaga com o destino dado ao dinheiro.
Soou estranho,
portanto, o revisor Lewandowski dizer que não havia provas de que os políticos
recebedores de dinheiro sabiam da sua origem criminosa.
Ora, se pegavam
dinheiro na boca do caixa sem os documentos bancários oficiais, e alguns
recebiam até mesmo pelo sistema de delivery, em malas ou pacotes em casa e em
hotéis, como não saber que o dinheiro tinha origem duvidosa?
Outra discussão que
deve tomar conta do plenário quando chegar a hora de os ministros votarem, e
que já foi antecipada ontem pelo ministro Marco Aurélio Mello, é a lavagem de
dinheiro.
O ministro Joaquim
Barbosa condenou todos os políticos até agora por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro, mas Lewandowski e Marco Aurélio discordaram, alegando que uma
mesma pessoa não pode ser acusada por dois crimes pelo mesmo ato, que seria a
corrupção passiva.
Até o momento não há
novidade na disputa, pois, quando do julgamento do deputado João Paulo Cunha, a
maioria do plenário já havia se posicionado a favor da tese de Barbosa.
Ontem mesmo, o
ministro Ayres Britto fez uma intervenção no sentido de apoiar o relator. Com o
revisor, ficaram anteriormente os ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Cezar
Peluso e Marco Aurélio Mello.
Com a saída de
Peluso, o plenário está com o placar de 6 a 4 a favor da tese do relator, a não
ser que algum ministro mude de posição durante o julgamento.
Esse será um tema
que, ao que tudo indica, poderá gerar embargos infringentes mais adiante, na
tentativa das defesas de mudar o entendimento do STF, aproveitando-se inclusive
da nova formação, pois também o ministro Ayres Britto será substituído em
novembro, fazendo com que o placar fique em 5 a 4.
Os dois novos
ministros podem teoricamente reverter a situação dos réus condenados por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro, retirando da pena final de três a dez
anos de cadeia.
FONTE: O GLOBO