- Folha de S. Paulo / Ilustríssima
Economista defende que retomar o crescimento demandará não apenas medidas de efeito de médio ou longo prazo, como a reforma da Previdência, mas também estratégias criativas e ousadas com resultados mais imediatos, que atendam aos desempregados e vitimados pela desigualdade.
Somos peritos em crises, nossa experiência é vasta. Já passamos por hiperinflações, moratória de dívida externa, crises bancárias, crises cambiais —à exceção da moratória, o resto merece o tratamento no plural, pois as vivemos em diversos momentos, às vezes até simultaneamente. Contudo, mesmo com nossa vasta experiência em matéria de crises econômicas, jamais passamos pelo que testemunhamos hoje, espécie de crise sem crise.
Temos uma crise, pois a economia brasileira não cresce, ou cresce pouco. Não temos uma crise tradicional, pois a armadilha de crescimento baixo não é acompanhada ou mesmo causada por uma crise financeira, como no passado. O freio brasileiro está engatado há muito tempo e não resulta somente da grande recessão de 2015-2016.
Como analisei em meu livro, “Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma” (Intrínseca, 2016), a tragédia do crescimento baixo reflete anos de descaso com os efeitos de contas públicas desarranjadas, de políticas insustentáveis de crédito para aumentar o consumo, do protagonismo indevido do BNDES, responsável por grandes distorções financeiras, da ausência de medidas para aumentar a competitividade do país.
Tais erros na condução da economia começaram no segundo mandato de Lula e continuaram com Dilma. Para resolver o acúmulo de entraves ao crescimento, não bastará a reforma da Previdência. Ela abrirá um importante espaço fiscal no médio prazo, é claro, mas isso é insuficiente. No ritmo atual de crescimento, não conseguiremos reduzir o desemprego e a desigualdade e flertaremos com o risco crescente de uma grave crise social.
Penso que, como ocorre em vários países avançados, o Brasil padece da chamada estagnação secular. O termo foi originalmente concebido em 1938 pelo economista e ex-professor da Universidade Harvard Alvin Hansen, para descrever o que ele acreditava ser o destino da economia norte-americana após a grande recessão dos anos 1930: um freio sustentado do crescimento econômico causado por uma demanda agregada deprimida e tendências demográficas adversas.
Em versão atualizada pelo economista Larry Summers, outro ex-professor de Harvard, a estagnação secular ocorre quando a produtividade para de crescer, a demografia passa a ser um ônus e a demanda agregada perde fôlego de forma sustentada.
No Brasil, a produtividade —seja a que conhecemos por produtividade total dos fatores ou a produtividade dos trabalhadores— está estagnada há décadas. Nossa taxa de crescimento populacional é hoje menor que a dos EUA e a da França, igualando-se à da Bélgica. Todos esses países estão sob risco de contrair a estagnação secular.
O crescimento da população é importante para as tendências de longo prazo das economias, pois garante que, no futuro, haverá gente suficiente para formar a força de trabalho sem a qual os países não crescem, por mais que existam robôs. Os robôs, afinal, não só são confeccionados por alguém, como também são operados por gente.
Por fim, a demanda no Brasil está inequivocamente deprimida. Basta observar o ritmo médio de expansão do consumo nos últimos anos —pouco mais de 1%— e a trajetória periclitante do investimento. A taxa de investimento brasileira fixou-se há tempos em pouco mais de 15%, patamar bem mais baixo do que o observado em nossos pares latino-americanos. A urgente reforma da Previdência não irá alterar esse quadro.
Se o Brasil preenche as condições para a estagnação secular nos quesitos acima, outro critério também é atendido: a taxa de juros real está em nível historicamente baixo e não dá sinais de que irá subir. Hoje, tomando a inflação 12 meses à frente projetada pelo mercado, ela está em cerca de 2,5%.
Diante do quadro econômico decepcionante e da ausência de pressões inflacionárias no horizonte, há quem defenda a redução da Selic pelo Banco Central, o que parece razoável, sobretudo após a aprovação das novas regras da Previdência. Nesse caso, e supondo que a inflação se mantenha ao redor dos 4% projetados pelo mercado, a taxa de juros real poderia ser ainda mais baixa.
Por que é possível projetar uma taxa de juros real permanentemente baixa à frente, sobretudo em comparação com a média de cerca de 3,5% nos últimos dois anos do primeiro mandato de Dilma?