segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques*

“Na verdade, a contrarrevolução política e cultural a que fomos submetidos desde 2019 – e a que, em certa medida, assistimos “bestializados” – teve mais de uma vertente. Desde logo, vimo-nos arrastados pela grande crise das democracias contemporâneas, que está longe de ter se esgotado e parece renovar-se em cada eleição e em cada momento. 

Uma crise estrutural, certamente, com aspectos até bizarros. Não é comum que alguém como Viktor Orban, autocrata de um país distante e pequeno (ainda que culturalmente muito relevante), torne-se uma espécie de ídolo global dos “revolucionários” da extrema-direita, inclusive no país-chave do Ocidente, os Estados Unidos. Mais do que ídolo, um modelo para o programa de corrosão das democracias aplicado em várias realidades nacionais. Pois a Viktor Orban fomos também apresentados na posse mesma do presidente Bolsonaro, sinalizando uma aliança e uma afinidade que até então inocentemente ignorávamos.   

Há também uma dimensão propriamente interna – ou, mais do que isto, um emaranhado de contradições que são coisas nossas e nos levaram à beira do precipício. A exasperação do conflito político, especialmente a partir de 2013, teve efeitos desastrosos, cuja enumeração exaustiva não cabe aqui.”

*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil. “Breve notícia da terra devastada”. Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022). Blog Democracia Política e novo Reformismo, 4.12.22.

Marcus André Melo - Mudanças nos partidos

Folha de S. Paulo

Fragmentação diminuiu, mas enraizamento social dos partidos é pífio

No auge de sua fase mais jacobina, o moderado Joaquim Nabuco referiu-se aos partidos políticos como "sociedades cooperativas de colocação ou de seguro contra a miséria" ("O Abolicionismo", 1883).

Os mais pessimistas dirão que pouco ou quase nada mudou; há sim mudanças, mas em outras dimensões. Uma delas acaba de ocorrer: uma reversão da hiperfragmentação que está presente há duas décadas.

Produto da reforma de 2017, ela se manifesta em vários níveis. Em primeiro lugar, na redução no número de partidos representados na Câmara de Deputados. O número efetivo de partidos políticos (métrica que leva em conta a dispersão das cadeiras) caiu 40%, de 16.4 —o escore mais elevado já observado nas democracias— para 9.9. Queda esperada considerando as novas regras adotadas em 2017 quanto às cláusulas de desempenho. Em 2022, 23 partidos elegeram ao menos um deputado federal, mas só 16 superaram a cláusula; ocorreram sete fusões ou incorporações partidárias.

Fernando Gabeira - Polícia da moralidade, tão longe e tão perto

O Globo

Há milhares de patrulhas digitais, vasculhando o mundo de ideias e atos, acusando, julgando

A polícia da moralidade no Irã é um dos temas internacionais mais noticiados no momento. Ficou mais conhecida após a morte da jovem Mahsa Amini, levada para um centro de reeducação pelos agentes da ditadura religiosa.

A revolta das mulheres iranianas cresceu e está sendo punida com pena de morte. Minha filha tem vizinhos iranianos em Portugal e se interessou pela história desse fascinante país. Sugeri que lesse o livro de memórias de Azar Nafisi, “O que eu não contei”.

Nafisi foi professora de literatura ocidental em Teerã e escreveu também o best-seller “Lendo Lolita em Teerã”. A história dela e de sua família de intelectuais dá uma boa visão do vigor iraniano sufocado pela teocracia.

Um dia desses, volto ao tema Irã. Não posso fugir do Brasil. Acabamos de passar por um processo eleitoral em que se falava de uma guerra santa, o presidente gritava “Deus acima de todos”, sua mulher demonizava os adversários. Parecia que caminhávamos para uma teocracia, porque Bolsonaro já avisara que escolheria ministros do Supremo terrivelmente evangélicos.

Celso Rocha de Barros - Haddad pode dar certo

Folha de S. Paulo

Vida do futuro ministro da Fazenda deve piorar nos próximos anos, mas a do Brasil talvez melhore

Não entendo a resistência de setores do mercado à indicação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda. Escrevi um livro sobre a história do PT e não faço ideia do que, na biografia do ex-prefeito, indique que o novo ministro seja gastador, populista, o que seja.

Não foi assim quando trabalhou na gestão de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo, não foi assim quando foi prefeito. Se fosse populista, Haddad provavelmente teria entregado tudo que os diversos e conflitantes movimentos de 2013 queriam e teria sido reeleito prefeito de uma cidade quebrada em 2016.

Além do mais, a indicação do outro grande nome petista no ministério de Lula, o ex-governador Rui Costa na Casa Civil, claramente sugere a predominância da ala moderada do Partido dos Trabalhadores do governo.

Costa fez uma gestão bastante responsável na Bahia, ao mesmo tempo em que o PT no Congresso Nacional se opunha a reformas de caráter "fiscalista".

Ruy Castro - Liberdade consentida

Folha de S. Paulo

Com o povo na horizontal ou no maior barato, era mais fácil passar a boiada

Ouvi essa história em primeira mão. Em 1972, um colegial matando aula na praia de Ipanema tocava em sua flautinha doce, moda na época, uma música que estava estudando: o Hino Nacional. Às primeiras notas, uma sombra surgiu ao seu lado. Era um homem de certa idade, óculos Ray-Ban, cabelo à escovinha e cara fechada. "Por que está tocando o Hino, garoto?", rugiu. "Está querendo provocar?". Militar, claro. Em plenos anos Médici, o Hino Nacional, tocado obrigatoriamente nas escolas e repartições, era sagrado. Um garoto ensaiando-o baixinho na praia só podia ser provocação.

Ana Cristina Rosa - Mistura pacífica?

Folha de S. Paulo

Inúmeros indicadores dão provas de que a cor da pele nos distingue no dia a dia

Uma inquietação acrescida de desconforto costuma se apossar de mim toda vez que uma sentença supostamente proferida com a melhor das intenções soa fora de contexto.

Foi assim quando ouvi um futuro ministro de Estado falar sobre pobreza e exclusão social e afirmar que "somos uma mistura pacífica", mas ele tem "medo que esse tempo de paz esteja se exaurindo".

O fato de o racismo no Brasil por muito tempo ter sido velado não significa que a convivência interracial tenha sido pacífica em algum momento da nossa história. Da abolição (quando os ex-escravizados começaram a viver na mendicância), passando pela Lei da Vadiagem (que incriminou "negros desocupados"), até a oposição às cotas raciais, sobram exemplos de violência, opressão e desrespeito a direitos dos afrodescendentes.

Bruno Carazza* - Qual o preço de uma maioria no Congresso?

Valor Econômico

Para atrair MDB, PSD e União, Lula terá que ceder pontos de sua agenda

Eliminados da Copa, voltamos à programação normal da política brasileira. Minutos antes do confronto com a Croácia, Lula anunciou o nome dos primeiros cinco ministros escalados para o seu time. Na próxima semana, enquanto Argentina, Croácia, França e Marrocos disputam as semifinais, a PEC da Transição deverá ser aprovada na Câmara dos Deputados.

Na tradição anglo-saxônica, referências a animais são muito comuns para descrever situações e atitudes. Bull (touro) indica o mercado em alta, enquanto bear (urso) é usada para indicar pessimismo; diretores do Banco Central que colocam o controle da inflação acima de todas as outras prioridades são considerados hawks (falcões); já os mais preocupados com os efeitos da política monetária sobre o crescimento econômico são os doves (pombos).

Foi também na bolsa de valores que surgiu a expressão lame duck (pato manco). No início ela foi empregada para descrever um investidor atolado em dívidas. Como a ave com a pata machucada, ele não conseguiria mais acompanhar a manada - outro termo do mundo animal utilizado nas finanças.

Sergio Lamucci - O papel do BNDES e da Petrobras no governo Lula

Valor Econômico

Diretrizes para o banco e para a empresa serão essenciais para a economia

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva começou a ganhar alguns contornos na sexta-feira, com a indicação dos cinco primeiros ministros. Na área econômica, a cara da nova administração vai ficar mais clara não apenas quando forem conhecidos os secretários do Ministério da Fazenda, a ser comandado pelo ex-prefeito Fernando Haddad, e o nome de quem vai ocupar o Planejamento, mas também pelos indicados - e pelas diretrizes - para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e para a Petrobras. As orientações para a economia dependem obviamente em grande parte das decisões da Fazenda e do Planejamento, mas a atuação do banco de fomento e a política de preços e de investimentos da Petrobras e também terão bastante importância nesse campo.

Demétrio Magnoli - Restauração

O Globo

Mensagem central do petista na campanha foi voltar à idade de ouro

Restauração — o retorno à “idade de ouro”. Na campanha eleitoral, foi essa a mensagem central de Lula. O Brasil embarcaria numa máquina do tempo, voltando à era supostamente gloriosa dos mandatos lulistas anteriores. A nomeação de Mauro Vieira para o Itamaraty indica que o discurso era para valer.

O martelo, porém, só foi batido após uma disputa subterrânea no círculo mais próximo do presidente eleito. Vieira, último ministro de Relações Exteriores de Dilma Rousseff, pertence à facção liderada por Celso Amorim, o chanceler de Lula 1 e Lula 2. Amorim preferia voltar à cadeira que ocupou entre 2003 e 2010 ou, ao menos, entregá-la à embaixadora Maria Laura Rocha, sua subordinada direta entre 2008 e 2010. Mas a escolha de Lula, um insucesso tático, evitou-lhe uma derrota estratégica.

Carlos Pereira - Escolhas ruins custam caro

O Estado de S. Paulo

Lula errou diante de alternativas melhores e menos custosas à PEC da Transição

Baseado no empenho de Lula para aprovar a PEC da transição, parece que resolveu governar antes mesmo de tomar posse. A PEC libera R$ 145 bilhões para o novo governo, fora do Teto de Gastos, pelo prazo de dois anos. A justificativa seria a necessidade de ser fiel à promessa de campanha de manter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600.

O risco de uma perda de popularidade no início de mandato, especialmente diante de uma eleição vencida com margem de votos tão reduzida, justificaria os custos políticos de apoiar a reeleição de rivais, como Arthur Lira e Rodrigo Pacheco à presidência das casas legislativas, via manutenção do orçamento secreto?

Governar é fazer escolhas diante de restrições. Não existe escolha ótima. É preciso saber identificar se tais escolhas geram retornos suficientes que compensem os custos.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Jovens querem deixar o País

O Estado de S. Paulo

É interessante que muitos que desejam ir embora do Brasil aqui deveriam ficar, acima de tudo, porque a ele muito devem

Recentemente eu li que um significativo número de jovens quer deixar o País (76% dos pesquisados). Uma notícia alarmante. Duas razões para o alarme. Em primeiro lugar, com o êxodo da juventude haverá carência em todos os campos das atividades. Não teremos novos quadros para impulsionar os setores produtivos, culturais, científicos e no setor público inexistirão novas lideranças políticas e administrativas para ocupar os cargos de administração da Nação. As carências já existentes de homens aptos para gerir a política e a coisa pública será agravada pela debandada.

Entendo que sair do País, especialmente no caso daqueles que têm condições de contribuir para o seu aprimoramento, representa uma incompreensível falta de estima pelo Brasil e por seu povo.

Sabe-se ter havido na História inúmeros exemplos de imigrações que atingiram inúmeros países. O Brasil mesmo, desde o século 19, acolheu imigrantes de inúmeras nações. Os estrangeiros que para cá vieram e seus descendentes se integram em nossa vida social e cultural, assim como nos legaram positivas influências de suas origens.

Sérgio Augusto - O mundo paralelo dos que não respeitam a própria bandeira que vestem

Aliás / O Estado de S. Paulo

Culto a líderes populistas repete retórica de Nero, Hitler e cia.

Seria cômico se não fosse tão patético. Mas nem patético mais é, só despudoradamente ridículo, grotesco; pior: sem graça alguma.

Nunca se viu algo igual às micaretas bolsonaristas dispersas há mais de mês pelo Sul-Sudeste do País: chacrinhas sebastianistas, a clamar pela volta da ditadura militar, entre outras quimeras abomináveis, como a anulação do pleito que levou o ídolo da seita à derrocada nas urnas, a prisão de ministros, e até mesmo o impedimento da posse de Lula.

Vi a pantomima dos patriotários neofascistas apenas pela internet. Onde eu circulo elas não acampam, e portanto não se expõem a chacotas, aguaceiros e outras doenças além do fanatismo. Nossos telenoticiosos, sabiamente, não lhes dão bola. Estrangeiros ainda riram de algumas imagens inusitadamente absurdas, com os bozoloides implorando a pneus, ETs e às forças armadas que nos livrem de imaginários demônios e recuperem o que afinal já temos – liberdade e democracia – e eles, paradoxalmente, almejam destruir.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Brasil terá de saber usar a lei europeia antidesmatamento

O Globo

Ainda que a motivação da UE possa ser protecionista, também interessa ao país deter devastação de seus biomas

Líderes europeus veem com alívio as promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na área ambiental, em especial o resgate do combate à devastação da Amazônia. Isso não impede que avance na União Europeia (UE) uma legislação dura para barrar a importação de produtos oriundos de áreas de desmatamento ilegal, cujo maior alvo é o Brasil.

Na última terça-feira, representantes da Comissão Europeia, do Conselho e do Parlamento europeus chegaram a um acordo sobre a nova lei, que parece talhada sob medida para atingir produtos brasileiros. Ela afetará apenas a produção de áreas desmatadas a partir de 2020, segundo ano do governo Jair Bolsonaro, quando a devastação amazônica ganhou velocidade. Não haverá, porém, como contornar a investida europeia, que mistura a preocupação genuína com o meio ambiente ao conhecido protecionismo.

Poesia | Graziela Melo - Olhares

Olhares,
tristes,
sombrios,
lacrimosos,

meditativos,
receosos,
dão sinais
de alegria
reflexos
da fantasia

e podem ser
duvidosos!

Olhares
infinitamente
bondosos,

repletos
de compaixão
denotam
as dores
da alma
e segredos
no coração!!!

Vislumbram
o sentir
alheio

discretos
e sensatos
entre a dúvida
e o receio!!!

Olhares que
vão distantes,
muito além
do além mar!!!

Olhares
me fazem
chorar!!!

Música | Roberta Sá - Alegria / O Sol Nascerá