terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Merval Pereira - Ainda dá tempo

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro tem um projeto de poder muito perigoso. Ele, que cultiva desde o início de sua carreira os grupos militares, e sempre foi representante corporativo deles, como tenho debatido aqui nos últimos dias, tem marcado presença em várias formaturas, não apenas das três Armas - Exército, Marinha e da Aeronáutica -, mas também das polícias Militar, Federal, e Rodoviária Federal.

Dois projetos de lei que estão na Câmara, de autoria de deputados bolsonaristas, revelados pelo jornal Estado de S. Paulo, restringem o poder dos governadores sobre braços armados do estado, com mudanças na estrutura das polícias Civil e Militar, certamente saíram dessa tentativa de Bolsonaro de cooptar as Forças Armadas e as forças policiais auxiliares, que fazem parte do sistema de defesa nacional, mas não têm nenhum tipo de autonomia funcional, que sempre quiseram. Ainda dá tempo de pará-lo. 

Transformar a PM numa polícia independente, que não seja uma força auxiliar, acaba criando uma quarta força armada, o que é temerário. Já há uma preocupação muito grande com essa bolsonarização dos quartéis e da Polícia Militar, com mais de quatro mil militares em diversos escalões no governo, da ativa e da reserva, inclusive no ministério, numa tentativa de influenciar ideologicamente as forças auxiliares e as baixas patentes das Forças Armadas.

O primeiro levante de uma PM na Nova República aconteceu em 1997 em Minas, e o ex-deputado Marcus Pestana, que era secretário do governo, lembra que o Estado Maior perdeu totalmente o controle da tropa. “Como se falava na época, os coronéis começaram a obedecer ao cabo (Cabo Júlio foi o líder simbólico na época)”. Conquistaram espaços parlamentares corporativos, e nunca mais os princípios da hierarquia e disciplina foram os mesmos.

Os projetos de seus aliados criam ainda uma nova estrutura na organização das Polícias Militares, com cargos de oficiais superiores. Teríamos, pois não creio que os projetos sejam aprovados, generais de quatro, três e duas estrelas nas Polícias Militares. Vários governadores estaduais, que perderiam na prática o comando das polícias militares e civis, estão se movimentando, e o de São Paulo, João Doria reagiu: “Não há nenhuma razão que justifique, exceto a militarização desejada pelo presidente Jair Bolsonaro para intimidar governadores através de força policial militar”.

Carlos Andreazza - O ano da desigualdade

- O Globo

A pobreza aumentará. A miséria se radicalizará

O sarrafo deixado por 2020 é baixíssimo. Foi um ano contudo em que — como resposta à peste — criaram-se soluções para proteger a sociedade. Estado de calamidade. Orçamento de Guerra. Auxílio emergencial. Uma cadeia de calor. Ante exigências de exceção, respostas excepcionais rapidamente formuladas e viabilizadas por meio da atividade legislativa. Dois mil e vinte acabou. Levou consigo, formalmente, o estado de calamidade. Parece ter levado também o bom senso, já que se fala, como se o vírus não mais houvesse, em retomada da agenda de austeridade fiscal; e sobre nós baixa novamente o teto de gastos.

O vírus permanece, no entanto. O estado de calamidade na vida dos brasileiros permanece. Tudo indica que se alargará, sem o auxílio emergencial; cujo fim terá por efeito empurrar as pessoas à busca de emprego. Não há emprego. Há a segunda onda.

A fotografia perversa não nos autoriza ao otimismo: temos um estado de calamidade de súbito sem reconhecimento oficial, um encilhamento fiscal num país que precisa de indução da economia popular (ou será a fome), um vírus de circulação recrudescente, um Parlamento paralisado por disputa interna de poder e um governo calamitoso, cujo líder populista-autoritário — a só pensar em reeleição — fortalece-se no caos.

Eliane Cantanhêde - ‘Dia D e hora H’

- O Estado de S. Paulo

Como Dilma, Pazuello não tem meta nem vacina, mas vai dobrar meta e vacina, um dia, talvez

papa Francisco, o próximo presidente americano, Joe Biden, a rainha da Inglaterra, Elizabeth II, o seu marido, príncipe Phillips, e até o vice-presidente brasileiro, Hamilton Mourão, que já teve a doença, estão se vacinando ou já anunciaram que vão se vacinar contra a covid-19, dando exemplo para os cidadãos de seus países e para o mundo. E o presidente Jair Bolsonaro?

A pandemia não está no “finalzinho”, como ele chegou a dizer quando o vírus voltou a disparar em dezembro, e as vacinas são a única salvação contra seus efeitos assustadores no número de mortos, contaminados, desempregados e empresas quebradas. A última vítima, muito doída, foi a montadora norte-americana Ford, que foi a primeira indústria automobilística a se instalar no Brasil, em 1919, e abandona o País depois de mais de cem anos.

Em comunicado, a empresa alegou que a covid-19 “amplia a persistente capacidade ociosa da indústria e a redução das vendas, resultando em anos de perdas significativas”. Ou seja: a covid-19 não é a única causa da debandada, mas potencializa o custo Brasil, a falta de segurança jurídica, a desordem tributária, as reformas estruturais que nunca vêm, a crise fiscal que se eterniza, as promessas que não são cumpridas e, como frisou o deputado Rodrigo Maia pelas redes, “a falta de credibilidade do governo brasileiro”. E a Ford joga a toalha justamente quando o Brasil se debate na turbulência das vacinas.

Luiz Carlos Azedo - No dia D, na hora H

- Correio Braziliense

Historicamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) tem condições de vacinar 10 milhões de pessoas por dia, mas passa por um de seus piores momentos

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, evita cravar uma data de início para a vacinação contra a covid-19 no país. Disse ontem, em Manaus, que a imunização vai começar “no dia D e hora H”. Parece piada pronta: o começo da vacinação está sendo tratado como um segredo militar. O mais provável, porém, é que o Ministério da Saúde não saiba mesmo quando terá vacinas, seringas e agulhas disponíveis. Desculpem-me o trocadilho, o Dia D é um agá.

Na História, o chamado Dia D foi um segredo guardado a sete chaves pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial. No dia 6 de junho de 1944, a Operação Overlord iniciou o desembarque das tropas aliadas na Normandia, no norte da França. A Alemanha passava por um momento delicado na guerra. A força do exército alemão havia sido contida pelos soviéticos a partir de 1942. Os desgastes que o fronte na União Soviética geraram foram muito altos, principalmente em Stalingrado e Kursk, e a Alemanha carecia de recursos para manter a guerra no nível necessário.

Os objetivos dos Aliados, ao planejar a invasão da Normandia, foram: (1) libertar a França do controle nazista, ao qual estava submetida desde 1940 e, ao criar uma nova frente de batalha (a oeste), (2) aumentar a pressão sobre a Alemanha, atacada ao leste pela União Soviética e ao sul (na Itália) por americanos e britânicos. A Operação Overlord foi vista com desconfiança pelos britânicos, ainda traumatizados pela dramática retirada de Dunquerque, no começo da invasão da França, quando foram encurralados na praia pelos alemães. Temiam um fracasso, ainda mais em razão das ofensivas desastradas no Mar Mediterrâneo e na costa italiana, onde faltou apoio aéreo.

Ricardo Noblat - O Dia D e a Hora H do impeachment de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

O que é certo deve ser feito

Em uma democracia, um chefe de Estado só cai quando as ruas se voltam contra ele. Então os partidos o abandonam, ele perde as condições de governar, e acabou. É assim mais no presidencialismo do que no parlamentarismo.

Eleito em 1989, Fernando Collor de Mello foi à lona no final de 1992, acusado de corrupção. Dinheiro sujo pagou a compra de um Fiat Elba para uso dele e a reforma da Casa da Dinda, residência oficial de Collor enquanto ele foi presidente.

Eleita em 2010 e reeleita dali a quatro anos, Dilma Rousseff terminou deposta porque gastou mais do que o Congresso autorizara, desrespeitando assim a Lei de Responsabilidade Fiscal. A isso se deu o nome de “pedaladas”.

Por duas vezes, Temer, o vice que substituiu Dilma, escapou de ser denunciado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal, o que o afastaria do cargo enquanto durasse o processo. A Câmara negou licença para a apresentação das denúncias.

Derrubar um presidente não é fácil. Requer dois terços de um total de 513 votos de deputados e dois terços dos votos de 81 senadores. A insatisfação popular está na raiz de qualquer tentativa bem-sucedida de tirar um presidente.

As pesquisas de opinião pública ainda conferem a Jair Bolsonaro um elevado grau de apoio dos brasileiros. As pessoas se mostram dispostas a desrespeitar as regras de isolamento social para se divertirem, mas não para comparecer a protestos.

Andrea Jubé - “Fúria de titãs” na tela do Senado

- Valor Econômico

“Erro do MDB é não descer do altar da maior bancada”

”Não tem clima para um nome do MDB [na presidência do Senado]”, sentenciou à coluna um influente dirigente partidário na última semana.

Ressalto que este cacique atirou às cordas a maior bancada da Casa num cenário ainda menos adverso do que o de hoje, quando os seis senadores do PT se perfilaram ao postulante do DEM, Rodrigo Pacheco (MG) - candidato do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Pacheco também é o escolhido do presidente Jair Bolsonaro, que está em campo na figura do filho, Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). O PP do senador Ciro Nogueira (PI) também já teria selado apoio a Pacheco, mas ainda não tornou pública a aliança.

É com esse enredo que, pela primeira vez em 20 anos, o MDB lança-se na disputa pela presidência do Senado sem o favoritismo histórico. Até a surpreendente vitória de Alcolumbre sobre Renan Calheiros (AL) em 2019, foram 18 anos sucessivos de hegemonia do partido na Casa.

A era emedebista teve início em 2001, com a acachapante vitória de Jáder Barbalho (PA) sobre o senador Arlindo Porto (PTB-MG), o inexpressivo candidato improvisado pelo todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães (BA), do então PFL.

A partir de Jáder, sete emedebistas revezaram-se, sucessivamente, na cadeira da presidência, amparados pela “regra da proporcionalidade”, a tradição de que a maior bancada elege o presidente.

Depois do ex-governador do Pará, vieram: Edison Lobão (MA), Ramez Tebet (MS), José Sarney (AP), Renan Calheiros, Garibaldi Alves (RN), Eunício Oliveira (CE).

Cristina Serra - A ultradireita se prepara para 2022

- Folha de S. Paulo

Mudanças nas estruturas das polícias preparam terreno para radicalização em 2022

Reportagem de Felipe Frazão em "O Estado de S. Paulo" revelou que tramitam na Câmara dos Deputados projetos para diminuir o poder e o controle dos governadores dos estados e do Distrito Federal sobre as polícias civis e militares.

São várias propostas de mudança na estrutura desses aparatos policiais. Uma delas é a criação da patente de general para os policiais militares, nível hierárquico exclusivo das Forças Armadas. Hoje, os PMs chegam, no máximo, a coronel. Os comandantes-gerais também seriam nomeados a partir de uma lista tríplice formulada pelos oficiais.

Os chefes das duas polícias passariam a ter mandato de dois anos e haveria regras estritas para suas exonerações. O governador só poderia destituir o comandante da PM por motivo "relevante" e "devidamente comprovado". Já o chefe da Civil só perderá o cargo se a dispensa for aprovada pelo Legislativo estadual, "por maioria absoluta" de votos. E as polícias civis seriam ligadas a um certo Conselho Nacional da Polícia Civil, no âmbito do governo federal.

Hélio Schwartsman - O impeachment como dever

- Folha de S. Paulo

O processo não avançaria, mas temos obrigação moral de tentar

Na atual conjuntura política, um processo de impeachment de Jair Bolsonaro seria derrotado, mas daí não decorre que não tenhamos a obrigação moral de tentar.

Dilma Rousseff buliu com as contas públicas e foi corretamente afastada pelo Congresso. Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade muito mais graves, mas nada acontece com ele. Por quê?

Isso se deve à natureza meio capciosa do instituto do impeachment e, principalmente, à complacência da sociedade. Processos de afastamento de presidentes exigem uma base jurídica, que não é difícil de conseguir —"proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" vale para qualquer coisa—, e a quase inviabilidade política, já que o titular só é de fato destituído se mobilizar contra si 2/3 dos parlamentares.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Quem dita as regras das redes

- Folha de S. Paulo

Redes Sociais aceitaram sua responsabilidade, mas precisam de critérios mais claros

invasão do Capitólio por extremistas, apesar de sem precedentes, não foi inesperada. É resultado preparado por anos de fake news, desinformação, discurso de ódio e teorias de conspiração nas redes sociais. Depois da longa negligência, a resposta das redes foi rápida. Donald Trump está banido da maioria delas, assim como, aparentemente, centenas de outros influenciadores de extrema direita.

Com a consolidação de um oligopólio nas redes —Google, Facebook e Twitter controlam todas as principais— essas empresas passam a ter um poder similar ao de grandes grupos de mídia no passado: o poder de varrer uma opinião ou pessoa do debate público pelo mero silêncio. Basta não dar espaço para alguém se expressar que essa pessoa desaparecerá da discussão e das mentes do público. Sem Twitter e fora da presidência, o dano que Trump pode causar é drasticamente reduzido. Quanto a influenciadores que nunca tiveram altos postos na política ou na mídia, sua capacidade de influenciar o debate cai a próximo de zero quando são banidos das redes.

Míriam Leitão - Visão de quem já liderou o PNI

- O Globo

Há um risco de que as pessoas se vacinem e não voltem para a segunda dose, tomem várias vacinas ou tomem vacinas diferentes. Nunca foi feita uma imunização em duas etapas. Quem aponta esses riscos é a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Carla Magda Domingues. O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, deu ontem mais uma das suas respostas inaceitáveis. “Vai ser no dia D, na hora H”. Como sempre ele zomba da natural ansiedade do país.

O PNI sempre foi reconhecido pela excelência e capacidade aqui e no mundo, mas o governo Bolsonaro criou o Plano Nacional da Vacinação contra a Covid, um braço dentro do PNI. E o que está sendo divulgado até agora é insuficiente para entender o que o governo pretende, e como evitar os riscos, na opinião da Carla Magda, que teve a responsabilidade de comandar o Programa:

— O que temos hoje do plano é uma definição de vacinação dos primeiros grupos, os prioritários, mas acho que a gente para por aí. Não temos um detalhamento claro de como vai ser feita a vacinação e esta é uma realidade nova, nunca fizemos campanhas em massa de duas doses.

Francisco Góes - Ano Novo, velhos dilemas para o Rio

- Valor Econômico

Estado entra 2021 com pendências como manutenção no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) e discussão sobre royalties

O ano começa para o Rio de forma semelhante ao que foi 2020: cercado de incertezas. O Estado ainda busca saídas para a crise econômica que enfrenta há anos e que o levou, em 2017, a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), no qual tenta se manter. 2021 também deve trazer de volta à pauta a redistribuição dos royalties de petróleo entre Estados e municípios, tema caro ao Rio e pendente de solução há mais de sete anos no Supremo Tribunal Federal (STF). Isso tudo em um cenário de indicadores preocupantes na pandemia, com os fluminenses, assim como o Brasil de forma geral, na expectativa do início da vacinação contra a covid-19.

Em meio às dúvidas sobre o futuro, há também expectativa de avanços. O principal deles se relaciona ao leilão de concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), previsto para 30 de abril, que pode garantir investimentos de R$ 30 bilhões em obras de saneamento no Estado por 35 anos, sendo R$ 12 bilhões nos cinco primeiros anos. As obras e os serviços ligados à Cedae - a principal concessão em curso no país - têm potencial de criar até 46 mil postos de trabalho, entre vagas diretas e indiretas, segundo o próprio Estado.

Fontes ligadas ao Palácio Guanabara, sede do Executivo fluminense, acreditam que a concessão da Cedae pode criar as condições para mudar o ambiente negativo que tomou conta do Rio nos últimos anos, marcado pela “quebra” financeira do Estado e por denúncias de corrupção que levaram à prisão ou afastamento dos últimos cinco governadores. 2020 marcou não só o afastamento do governador Wilson Witzel, alvo de processo de impeachment na Assembleia Legislativa do Estado, como também do então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que não conseguiu terminar o mandato.

Ana Carla Abrão* - Antes tarde

- O Estado de S. Paulo

Além da autorregulação é preciso regras que inibam lá e cá atitudes como as de Trump

Numa decisão polêmica, mas acertada, o Twitter decidiu encerrar em caráter definitivo a conta do presidente americano Donald Trump. O motivo alegado foi o risco potencial de incitamento à violência dado o uso da plataforma pelo presidente para disseminar falsas notícias (fake news) e promover as mobilizações que levaram à invasão do Capitólio por manifestantes pró-Trump. Tardia, a decisão reflete uma reação que deverá aquecer as discussões já em curso sobre a necessidade de se regular as grandes empresas de tecnologia, em particular as plataformas de mídias sociais e seus algoritmos de curadoria.

Ao contrário do que querem fazer crer os defensores do presidente americano ou os críticos às ações do Twitter – e também do FacebookSnapchat e Instagram – lá e aqui, é a defesa da democracia o pano de fundo nessa discussão. Muito além das questões antitruste ou dos temores legítimos em relação ao tamanho (e ao poder de mercado) que as plataformas digitais adquiriram ao longo do tempo, é a capacidade de desinformar e de serem usadas como ferramenta de manipulação em massa a grande preocupação. 

Andrew Higgins - A mentira como ferramenta política

O entusiasmo da audiência para ser enganada se tornou uma força motriz de alguns governos, como o dos Estados Unidos 

- The New York Times / O Estado de S. Paulo

Em um telegrama para Washington em 1944, George F. Kennan, conselheiro da Embaixada dos EUA na Moscou de Stalin, alertou sobre o poder oculto mantido por mentiras, observando que o governo soviético "tinha comprovado algumas coisas estranhas e perturbadoras sobre a natureza humana."

A mais importante entre elas, escreveu ele, é que, no caso de muitas pessoas, “é possível fazê-las sentir e acreditar em praticamente qualquer coisa”. Não importa o quão falso algo possa ser, ele escreveu, “para as pessoas que acreditam nisso, torna-se verdade. Ela conquista a validade e todos os poderes da verdade.”

A visão de Kennan, gerada por sua experiência na União Soviética, agora tem uma ressonância assustadora para os EUA, onde dezenas de milhões acreditam em uma "verdade" inventada pelo presidente Donald Trump: que Joe Biden perdeu a eleição de novembro e tornou-se presidente eleito apenas por meio de fraude.

Mentir como ferramenta política não é novidade. Nicolau Maquiavel, escrevendo no século 16, recomendou que um líder tentasse ser honesto, mas mentir ao dizer a verdade “o colocaria em desvantagem”. As pessoas não gostam de ser enganadas, observou Maquiavel, mas "aquele que engana sempre encontrará aqueles que se permitem ser enganados.”

A disposição, e até mesmo o entusiasmo, de ser enganado tornou-se nos últimos anos uma força motriz na política em todo o mundo, principalmente em países como HungriaPolôniaTurquia e Filipinas, todos governados por líderes populistas adeptos a contar meias verdades ou inventá-las completamente .

Janez Jansa, um populista de direita que em 2018 tornou-se primeiro-ministro da Eslovênia - o país natal de Melania Trump - foi rápido em abraçar a mentira de Trump de que ele venceu. Jansa o parabenizou após a eleição de novembro, dizendo "está muito claro que o povo americano elegeu" Trump e lamentando "fatos negados" pela grande imprensa.

Até o Reino Unido, que se considera um bastião da democracia, foi vítima de mentiras evidentes, mas amplamente aceitas, votando em 2016 para deixar a União Europeia após alegações do lado pró-Brexit de que sair do bloco significaria 350 milhões de libras a mais, ou US$ 440 milhões, todas as semanas para o serviço de saúde do país.

Aqueles que propuseram essa mentira, incluindo o político do Partido Conservador que desde então se tornou o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, mais tarde admitiram que ela havia sido um "erro" - embora só depois de terem vencido a votação.

Morre Alencar Furtado, ex-deputado federal do MDB cassado pela ditadura

Ex-parlamentar fez discurso na TV em que denunciou o desaparecimento de quem se opusesse ao regime militar brasileiro

Por Carolina Freitas — Valor Econômico

SÃO PAULO - Morreu na madrugada de ontem em Brasília o advogado e ex-deputado federal José Alencar Furtado, aos 95 anos. Alencar Furtado teve o mandato parlamentar cassado pelo governo militar, em 1977, com base no Ato Institucional nº 5 (AI-5). A justificativa da ditadura para cassar o então líder do MDB na Câmara foi um pronunciamento de Furtado em programa de rádio e TV do partido, em que o político homenageou parlamentares cassados, presos e exilados pelo regime.

“O programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos. Filhos órfãos de pais vivos - quem sabe - mortos, talvez. Órfãos do talvez ou do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez, ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez”, disse, na ocasião, Furtado. A expressão “viúvas do quem sabe e do talvez” seria depois usada na luta pela anistia. “Órfãos do Talvez” é título de um livro publicado por Furtado, em 1979.

De acordo com a família, o político morreu em casa, em decorrência de insuficiência renal. Ele foi velado e sepultado ontem no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, na capital federal. Deixa a mulher, Míriam Cavalcanti Alencar, que conheceu nos anos 1950 na Faculdade de Direito do Ceará, em Fortaleza. Furtado nasceu em Araripe (CE). Após o casamento, o casal mudou-se para Paranavaí (PR). Ele foi militante da Esquerda Democrática, dissidência da UDN, e um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro (PSB) no Ceará.

Na época da cassação de Alencar Furtado, o presidente era o general Ernesto Geisel, e o governo dizia estar em um momento de “distensão lenta, gradual e segura”. O discurso do líder do MDB, no entanto, não foi tolerado. Participaram do programa de rádio e TV o presidente do partido, Ulysses Guimarães, o líder no Senado, Franco Montoro (SP), e o presidente do Instituto Pedroso Horta, deputado Alceu Colares (RS). Os quatro criticaram o AI-5, o alto custo de vida e o arrocho salarial. Eles formavam um grupo que se denominava o MDB “autêntico”.

Ao longo de seu mandato de deputado, Alencar Furtado fez 40 discursos com denúncias de torturas e críticas à condução da economia pelo governo federal. Após a anistia, Furtado se elegeu deputado federal em 1982. Ele ocuparia o mandato até o fim, em 1987. Há 25 anos, deixou a política e passou a se dedicar à literatura.

Vice-presidente do Cidadania lamenta morte de Alencar Furtado, grande opositor da ditadura

- Portal do Cidadania

O vice-presidente nacional do Cidadania e presidente estadual do partido no Paraná, deputado federal Rubens Bueno, lamentou a morte, na madrugada desta segunda-feira (11), em Brasília, do ex-deputado José Alencar Furtado, que faleceu aos 95 anos em decorrência de problemas renais e cardíacos. Com atuação marcante na oposição contra a ditadura, o advogado e político exerceu três mandatos de deputado federal pelo Paraná e foi cassado pelo regime militar em 1977.

“Alencar Furtado foi, no Paraná e no Brasil, um grande aliado no combate ao regime nefasto que restringia liberdades e perseguia, cassava, torturava e assassinava adversários políticos. Sua atuação firme ajudou de forma decisiva em nossa luta pela abertura política e serviu de exemplo para vários jovens que lutavam por liberdade e democracia”, disse Rubens Bueno, que também fez parte do MDB, partido que Alencar Furtado chegou a liderar no Paraná.

Rubens Bueno lembra ainda que Alencar Furtado fazia parte do grupo dos chamados “autênticos” do MDB. “Sua perda entristece a todos nós que combatemos a ditadura e nesse momento manifestamos nossa solidariedade aos familiares e amigos”.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Vacinar para crescer – Opinião | O Estado de S. Paulo

Só Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer que vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global.

Vacinação é dado essencial para qualquer previsão econômica, nacional ou global, neste momento, e só o presidente Jair Bolsonaro e seus ajudantes de ordens parecem desconhecer esse fato. “A vacinação vai começar no dia D e na hora H”, disse na segunda-feira o ministro da Saúde, intendente Eduardo Pazuello, recusando-se mais uma vez a falar seriamente sobre datas e critérios de um suposto plano federal de imunização contra a covid-19. Seu chefe continua a representar dois papéis. Um dia depois de assinar medida provisória para flexibilizar normas de aquisição de vacinas e insumos, o presidente reapareceu com sua face mais natural. “Vacina, sendo emergencial, não tem segurança ainda. Ninguém pode obrigar ninguém a tomar algo que (sic) você não tem certeza das consequências.” Esse mesmo presidente havia sido, como seu líder Donald Trump, um entusiasmado propagandista da cloroquina.

Dirigentes e economistas de instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), analistas do mercado financeiro e técnicos de grandes consultorias condicionam suas projeções para 2021 – e para os três ou quatro anos seguintes – à evolução das condições sanitárias. A maior ameaça à recuperação econômica, por enquanto, é o surgimento de novas ondas de contaminação pelo coronavírus, já observado nos Estados Unidos e em vários países da Europa Ocidental. Em contrapartida, a esperança de uma retomada veloz e firme é relacionada a avanços médicos, especialmente ao rápido progresso da vacinação.

“Progressos com vacinas e tratamentos, além de mudanças para reduzir a transmissão, nos locais de trabalho e no comportamento dos consumidores, poderão permitir um retorno aos níveis pré-pandêmicos mais veloz do que se havia projetado, sem deflagrar novas ondas de infecção”, de acordo com o FMI. “Pela primeira vez desde o início da pandemia, há esperança de um futuro mais brilhante”, segundo comentário divulgado pela Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE). As avaliações do FMI e da OCDE surgiram, em dezembro, depois de notícias sobre avanços na elaboração de vacinas.

Música | Choro das 3 - Agoniza mas não morre (Nelson Sargento)

 

Poesia | João Guimarães Rosa - Gargalhada

Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias…
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós, desde a treva das épocas,
quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo…