quinta-feira, 12 de setembro de 2013

OPINIÃO DO DIA- Fernando Henrique Cardoso: a alma democrática

O Brasil construiu o arcabouço da democracia, mas falta lhe dar conteúdo. A arquitetura é vistosa: independência entre os Poderes, eleições regulares, alternância no poder, liberdade de imprensa. Falta, entretanto, o essencial: a alma democrática. A pedra fundamental da cultura democrática, que é a crença, e a efetividade, de todos sermos iguais perante a lei, ainda está por se completar. Falta-nos o sentimento igualitário que dá fundamento moral à democracia.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República. In. Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras, Rio, 10/9/2013

STF tem 4 votos a favor e 2 contra novo julgamento

No primeiro dia de análise dos embargos infringentes de 12 dos 25 condenados do mensalão, quatro ministros do STF - Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli - votaram a favor da possibilidade de que as penas sejam revistas. Joaquim Barbosa e Luiz Fux rejeitaram os embargos. Os outros cinco ministros se pronunciarão hoje com mais dois votos favoráveis, o julgamento poderá recomeçar. A reabertura do processo, caso se confirme, ocorrerá em crimes específicos, nos quais a definição de sentença se deu em votações apertadas. A admissão dos novos recursos iniciaria um roteiro legal e burocrático extenso e praticamente adiaria para 2014 a definição das penas. Para o ex-ministro José Dirceu e o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), seria a possibilidade de escapar da prisão em regime fechado.

Novo julgamento para condenados no mensalão recebe voto de 4 ministros

Felipe Recondo, Mariângela Gallucci

BRASÍLIA - Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal votaram ontem, pela realização de um novo julgamento para parte dos envolvidos no escândalo do mensalão. Dois, incluíndo o presidente do STF, Joaquim Barbosa, que votou na semana passada, disseram-se contrários. A definição sobre a reabertura da análise de crimes específicos, nos quais a definição de sentença se deu em votações apertadas, ocorrerá hoje, com a posição dos cinco ministros restantes.

Doze dos 25 condenados em dezembro do ano passado terão direito a novo julgamento caso o Supremo aceite os embargos infringentes (veja quadro ao lado").

Dos ministros que faltam dar sua posição, Ricardo Lewandowski é voto ceito pela aceitação dos embargos infringentes. Celso de Mello, que já defendeu esse tipo de recurso em outras ocasiões, será o último a votar, por ser o ministro mais antigo na Casa. Com apenas esses dois votos, os embargos já serão aceitos.

A decisão da maioria dos ministros nesse sentido praticamente adia para 2014, ano eleitoral, a prisão dos condenados e abre a possibilidade de reversão de absolvições, redução de penas e, para personagens centrais, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), a chance de não ficarem presos em regime fechado.

As chances de absolvição ou de redução das penas são reais, especialmente pela chegada à Corte de dois ministros que não participaram do julgamento no ano passado - Luís Roberto Barroso e Tcori Zavascki. Os dois votaram ontem pelo acolhimento de embargos infringentes. Nessa nova análise do processo, os votos de Barroso e Teori beneficiarão os réus.

Nas últimas semanas, quando o tribunal julgava os primeiros recursos dos réus, Barroso criticou as elevadas penas impostas, por exemplo, a Simone Vasconcelos, ex-diretora da empresa de Marcos Valério, operador do mensalão. Zavascld, na semana passada, votou pela redução das penas definidas para os condenados pelo crime de formação de quadrilha, incluindo nessa lista Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, Marcos Valério e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.

Roteiro. A admissão dos novos recursos iniciaria um roteiro legal e burocrático extenso. O tribunal terá de publicar o acórdão do julgamento dos embargos de declaração, encerrado apenas na semana passada. Depois disso, os advogados de 12 condenados terão prazo para apresentar seus recursos. Um novo ministro será sorteado para relatar esses embargos infringentes, excluindo dessa escolha o relator da ação penal, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Dependerá desse novo ministro a definição da data desse novo julgamento.

Ontem, depois do voto proferido por Rosa Weber, ministros e advogadosjá davam como consumado o resultado. A posição da ministra era uma incógnita e, depois de revelada, fez pender a balança em favor da admissão dos embargos infringentes e do novo julgamento para os réus que foram condenados, mas que tiveram a seu favor os votos de quatro ministros.

Votos. Primeiro a votar ontem, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que negar o recurso, alterando agora o que está escrito no regimento, seria um casuísmo. "Mesmo que se queira cogitar da supressão dos infringentes, penso que seria imprópria uma mudança da regra do jogo quando ele se encontra quase no final. Não há porque sujeitar um processo tão emblemático a uma decisão casuística, de última hora", afirmou o ministro em seu voto. "Nunca houve uma manifestação (no STF) antes da ação penal 470 (mensalão) no sentido da revogação (do recurso)", acrescentou Barroso, que citou vários posicionamentos de ex-ministros da Corte no sentido de aceitar a existência dos infringentes.

Joaquim Barbosa, primeiro a votar contra os recursos, afirmou ontem que os recursos que levariam o mesmo STF a julgar novamente o caso é uma "jabuticaba", ou seja, só existe no Brasil. Além disso, questionou se a decisão do tribunal no novo julgamento será melhor do que a proferida pelos mesmos ministros no ano passado. "Talvez porque o Supremo de 2014 ou 2015 será melhor do que o de 2012", ironizou ontem.

O julgamento do mensalão teve início em 2 de agosto do ano passado. A primeira fase foi concluída em dezembro. Neste ano, o ministros retomaram o caso para discutir os recursos.

Nas sessões do ano passado, o Supremo concluiu que Dirceu comandou um esquema de pagamento de parlamentares a fim engrossar a base de apoio do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os pagamentos, segundo a Corte, foram feitos entre 2003 e 2005, com dinheiro desviado de contratos públicos ou obtidos por meio de empréstimos fraudulentos.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Dia decisivo - Petistas já temem julgamento do mensalão em ano eleitoral

Sessão termina com 4 votos a 2 pela aceitação de recurso que pode rever condenações

Planalto receia aumento do desgaste do partido em meio à campanha de reeleição da presidente Dilma; votação no STF será retomada hoje, quando deverão ser conhecidos os votos dos últimos cinco ministros

Depois que os ministros do Supremo Tribunal Federal indicaram na sessão de ontem que podem aceitar os embargos infringentes — recursos que levarão à revisão do julgamento do mensalão —, o Palácio do Planalto e dirigentes petistas mostraram-se preocupados com a possibilidade de o julgamento se arrastar até o ano que vem, aumentando o desgaste do partido em meio à campanha pela reeleição da presidente Dilma. Uma ala do PT já contava com o encerramento do processo, embora outra ainda esteja solidária com o ex-ministro José Dirceu e outros líderes do partido que podem ter a pena reduzida, caso os recursos infringentes sejam aceitos. Ontem, o placar terminou em 4 votos a 2 a favor da aceitação dos recursos. Hoje, outros cinco ministros vão decidir a questão. Cautelosos, advogados dos réus evitaram comemorar em público, mas reservadamente já comentam que sairão vitoriosos. Se o julgamento for prorrogado, será aberto prazo para 11 réus entrarem com os embargos infringentes.

A nova preocupação do PT

Votação sobre embargos é interrompída em 4 a 2 em favor de mensaleiros; julgamento pode ir até 2014

Fernanda Krakovics, André de Souza e Carolina Brígido

BRASÍLIA- A perspectiva de que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça, na sessão de hoje, a validade dos embargos infringentes, recurso que dará a 11 réus do mensalão o direito à revisão do julgamento, pegou de surpresa o PT e o Palácio do Planalto, que já contavam com o encerramento imediato do caso.

Entre os petistas, reservadamente, um grupo mostrou preocupação com a possibilidade de o julgamento se arrastar e coincidir com as eleições do ano que vem, aumentando o desgaste do partido em meio à campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff. Mas outra ala do partido, solidária aos correligionários, mostrou-se aliviada com o andamento da votação. — Se o Supremo reabrir a discussão, tem o lado de esse julgamento se arrastar e acontecer junto com as eleições do ano que vem — ponderou um petista, no início da sessão do STF.

Mas para o deputado Ricardo Berzoini (SP), ex-presidente do PT, é um erro achar que o término imediato do julgamento signifique menos desgaste na campanha do ano que vem: — A oposição vai usar (o resultado do julgamento), de uma forma ou de outra. O PT tem que enfrentar essa questão sem constrangimentos. Não pode ficar na defensiva, senão perde.

Hoje, o STF conclui julgamento sobre a aceitação de embargos infringentes. Se eles forem aceitos, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu pode ser um dos beneficiados. Até agora, quatro ministros votaram pela validade desse tipo de recurso; dois discordaram. Cinco ministros ainda vão se manifestar. Os advogados evitam comemorar, mas já comentam reservadamente que os embargos infringentes serão aceitos.

Dirceu pode passar ao regime semiaberto

Em tese, têm direito ao recurso condenados que obtiveram ao menos quatro votos pela absolvição de algum crime. Apontado como chefe da quadrilha do mensalão, Dirceu pode ter sua pena, atualmente em dez anos e dez meses, diminuída para sete anos e 11 meses, deixando de cumprir a pena em regime inicialmente fechado e passando ao regime semiaberto. No ano passado, Dirceu foi condenado por formação de quadrilha por seis votos a quatro.

Por outro lado, não há como revisar a pena de corrupção ativa, crime pelo qual Dirceu foi condenado por oito votos a dois. Na semana passada, o relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, votou contra a validade dos embargos infringentes em ação penal que tenha origem na própria Corte. A polêmica existe porque os infringentes foram previstos no Regimento Interno do STF, mas não na lei 8.038 de 1990, que regula as ações no STF. Ontem, apenas o ministro Luiz Fux acompanhou Barbosa.

Os outros quatro que já votaram — Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli — deram votos em sentido contrário. Hoje, pela ordem, votam Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Quando o placar estava 3 a 1 ontem, o ex-deputado Paulo Rocha (PT-PA), que foi absolvido no mensalão, mostrou-se otimista: — É a chance de um segundo julgamento. No plenário da Câmara, deputados petistas não se contiveram e faziam comentários sobre o placar, em clima de torcida.

Eles também faziam contas e especulavam sobre possíveis votos, como o da ministra Cármen Lúcia. Além de ansiedade, demonstravam otimismo com a possibilidade de os embargos infringentes serem aceitos. — Se estamos ganhando no Supremo, isso é bom. Somos solidários aos nossos companheiros.

O desgaste que tínhamos que ter já tivemos — disse o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Todos os oito réus condenados por formação de quadrilha tiveram pelo menos quatro votos pela absolvição: Dirceu; o ex-presidente do PT José Genoino; o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares; o operador do esquema, Marcos Valério, e seus ex-sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz; e os ex-executivos do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado.

Eles têm a chance de serem absolvidos do crime. Isso porque a formação da Corte mudou, com a substituição de dois ministros que se aposentaram. Recentemente, o STF absolveu o senador Ivo Cassol (PP-RO) da acusação de formação de quadrilha, mudando a jurisprudência do tribunal.

Outros três réus condenados por lavagem de dinheiro também tiveram votos suficientes para apresentar embargos infringentes: o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP); o ex-assessor parlamentar do PP João Cláudio Genu; e o doleiro Breno Fischberg. Como os dois últimos foram condenados apenas por lavagem, em tese podem ser absolvidos de todos os crimes dos quais foram acusados.

Barroso, o primeiro a discordar de Barbosa

Ontem, o primeiro ministro a votar — e a discordar de Barbosa — foi Roberto Barroso. Ele reconheceu que o caso, que começou a tramitar no Supremo em 2005, arrasta-se há vários anos e precisa ser concluído. Mas afirmou que a lei de 1990 foi apenas omissa em relação aos embargos infringentes, não revogando o Regimento Interno.

Zavascki questionou o argumento de Barbosa de que os embargos infringentes não podem servir para contestar uma ação penal julgada apenas pelo STF.

Argumentou que não há outra corte de apelação às decisões da Suprema Corte, daí a importância do recurso. Rosa Weber e Dias Toffoli ressaltaram que a lei 8.038 não revogou o artigo do Regimento Interno que trata de recursos, portanto, os embargos infringentes ainda seriam válidos no STF.

Fonte: O Globo

Denúncias derrubam cúpula da Fundação BB

Denúncias de corrupção reveladas pelo Estado resultaram na queda do presidente da Fundação Banco do Brasil, Jorge Alfredo Streit, e do diretor executivo de Desenvolvimento Social, Éder Marcelo de Melo, ambos ligados ao PT. Streit é investigado em operação que apura desvio de recursos. Os dois entraram com pedido de aposentadoria, o que vai lhes garantir salário de R$ 25 mil, e ingressaram no programa de ajuda a ex-executivos do BB - o bônus pode ser de R$ 1 milhão.

Denúncias derrubam cúpula da Fundação Banco do Brasil

Após "Estado" revelar que Polícia Civil do DF apura desvio de recursos do órgão, presidente e diretor deixam os cargos

Andreza Matais

BRASÍLIA - O presidente da Fundação Banco do Brasil, Jorge Alfredo Streit, e o diretor executivo de Desenvolvimento Social, Éder Marcelo de Melo, ambos ligados ao PT, entregaram ontem seus cargos após denúncias de corrupção na instituição.

Streit é investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal numa operação que apura desvio de recursos do órgão, conforme revelou o Estado na quinta-feira passada. Os dois entraram com pedidos de aposentadoria, o que vai lhes garantir um salário de R$ 25 mil, e ingressaram no programa de ajuda a ex-executivos do Banco do Brasil - o que significa que poderão receber um bônus de cerca de R$ 1 milhão cada.

Ambos foram indicados para os cargos pelo PT, com apoio do ex-presidente da Fundação Jacques Pena, também investigado, Streit é filiado ao PT e foi candidato pelo partido ao governo de Rondônia.

Procurados ontem, os dois executivos não quiseram falar.

A Delegacia de Combate ao Ciime Organizado (Deco) do Distrito Federal já apreendeu documentos e computadores na sede da fundação, em Brasília. Dois DVDs e um CD foram retirados do gabinete do então presidente. A polícia se surpreendeu como fato de Streit não utilizar o computador da fundação, mas um notebook. A polícia copiou todas as informações de uma central dos computadores na expectativa de acessar troca de informações por e-mail e dados. Também foram feitas escutas telefônicas. O caso é apurado pela Polícia Civil porque a fundação recebe recursos do Banco do Brasil, uma instituição de economia mista.

A Fundação, vinculada ao Ministério da Fazenda, firmou de 2010 ate agora convênios dc R$ 36 milhões com entidades ligadas ao PT e familiares de seus dirigentes. As organizações não governamentais, associações e prefeituras beneficiadas estão sendo investigadas no inquérito. O banco faz auditoria nos contratos e parcerias. A Fundação repassou R$ 223,9 milhões para 937 convênios ou contratos com outras entidades. Em 2013, ela tem 11$ 180,2 milhões para aplicar.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Esquema usou ONGs em outras pastas

Entidades "filhotes" do grupo suspeito de desviar recursos na área do Trabalho receberam R$ 7 mi do Turismo e da Ciência e Tecnologia

Fábio Fabrini Andreza Matais

BRASÍLIA - Duas instituições apontadas pela Polícia Federal como de fachada pela Operação Esopo - que apura desvio de dinheiro do Ministério do Trabalho - receberam R$ 7 milhões dos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Turismo. As investigações indicam que o Instituto Sul-Americano de Cidadania e Sustentabilidade e a empresa LMV Produções e Eventos, ambas do Estado de Minas Gerais, são "filhotes" do Instituto Mundial de Desenvolvimento e Cidadania (IMDC) para a prática de fraudes.Segundo a PF, a entidade pode ter desviado R$ 400 milhões do Trabalho.

"Não bastassem as irregularidades praticadas pelo IMDC, ele tornou-se verdadeiro disseminador do modus de operar fraudes na contratação e execução de projetos públicos", diz o relatório da PF, ao qual o Estado teve acesso. E o texto prossegue: "Antigos e atuais funcionários aprendem o funcionamento deste nefasto mecanismo, estabelecem os contatos com potenciais colaboradores, desligam-se do IMDC e abrem sua própria Oscip".
O Instituto Sul Americano (ISDES) está registrado em nome de Andrea Magnavaca e Geraldine de Lima Revoredo, ex- funcionários do IMDC. A LMV é de Cristiano Lissaraca de Lacerda. A empresa dele, segundo a PF, fornece notas frias para as empresas dos investigados, além de servir de laranja para contratos com órgãos públicos.

Convênios. De 2008 a 2010, o Instituto Sul Americano recebeu do Turismo R$ 5,1 milhões por convênios para qualificar profissionais. Com a Ciência e Tecnologia os contratos somaram R$ 2 milhões em 2010.

Em 2011, apedido da presidente Dilma Rousseff, a Controladoria-Geral da União fez uma auditoria nos contratos do Ministério do Turismo, depois de a PF apontar desvio de recursos na pasta. Na época, o Instituto Sul Americano tinha ali dois convênios, no valor de R$ 4,1 milhões. A CGU identificou sobrepreço de R$ 1,5 milhão - 37,4% a mais.

A entidade foi investigada na auditoria porque a Câmara de Vereadores de Contagem (MG) informou à CGU que não conseguia localizar o instituto, que não repassava informações aos vereadores para controle.

Procurado, o Ministério do Trabalho não informou se tem convênio com o Instituto Sul Americano. O Ministério da Ciência e Tecnologia disse que não haveria tempo de apurar as informações sobre convênio ontem. O Turismo informou que os convênios com o instituto foram firmados em 2008 e 2009.

Ontem, o Ministério do Trabalho anunciou que um mutirão fará uma auditoria em todos os convênios com a pasta. "As prioridades serão os convênios alvos de investigação pela Polícia Federal e aqueles sob análise dos órgãos de auditoria (TCU, CGU e MPU)."

O Estado não conseguiu contato com representantes das duas instituições. O site do Instituto Sul Americano estava ontem "em reparo". A LMV não foi encontrada.

Outras pastas. O IMDC firmou também convênios de R$ 9 milhões com outras quatro pastas: Ciência e Tecnologia, Turismo, Cultura e Desenvolvimento Agrário. Segundo a Polícia Federal,a entidade funcionava como uma central de fraudes em parcerias com governos. O Turismo informou que, diante das irregularidades, está tentando receber de volta seus recursos - cerca de R$ 3,7 milhões.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Marina Silva confirma interesse do Rede em filiação de Eliana Calmon

Por Rodrigo Pedroso

SÃO PAULO - A ex-ministra Marina Silva confirmou ontem o interesse de contar com a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon no Rede Sustentabilidade, partido que está em processo de registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ex- ministra, no entanto, negou que tenha convidado Carlos Ayres Britto, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para integrar a nova legenda.

Marina disse não saber se foi feito algum convite formal para Eliana Calmon, considerada por ela "uma pessoa muito respeitada pela sociedade." Se houve, afirmou, ele partiu do diretório baiano do Rede. "O Rede da Bahia tem sonhos... Não sei se eles formalizaram algum convite concreto, mas não posso negar que os baianos são sonhadores. Também não sei se há algo concreto por parte dela. Os baianos tem o direito de sonhar, por quê não?", disse.

Em relação a Ayres Britto, Marina disse que apenas pediu auxílio para os trâmites de criação do Rede. Segundo ela, não houve conversa sobre política com o ex-presidente do STF: "Respeito a posição dele de não tratar de assuntos de militância partidária, pelo menos neste momento. Não criaria a ele nenhum tipo de constrangimento."

O Rede Solidariedade protocola hoje mais 100 mil assinaturas de filiação ao futuro partido. Marina se mostrou tranquila quanto à possibilidade de a legenda não ser validada a tempo para disputar as eleições do ano que vem, e criticou o que chamou de "exacerbação de anulação de registros" por parte da Justiça.

Marina, que participou ontem de um debate sobre controle social do gasto público organizado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em São Paulo, disse que atualmente o Rede tem 12 diretórios regionais, devendo alcançar 16 até o fim do ano. "O mínimo necessário são nove."

Com as assinaturas de hoje, o Rede vai chegar a 400 mil registros. Quando deu entrada no TSE, 72 mil foram invalidados por serem consideradas fora dos parâmetros. "Quanto a essas anulações a Justiça há de fazer alguma reparação, porque os idosos estão aptos a votar, mesmo que não haja obrigatoriedade. Eles são cidadãos também. Assim como os jovens que votam pela primeira vez e que não possuem histórico da votação anterior. A mesma anulação aconteceu com mulheres que casaram e mudaram de nome. Continuaremos as buscas nos cartórios para viabilizar as assinaturas já protocoladas", afirmou Marina.

Fonte: Valor Econômico

O legado eterno de Tancredo

Autoridades inauguram, no Panteão da Pátria, exposição permanente sobre o primeiro presidente eleito após a ditadura

Étore Medeiros

O Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves recebeu políticos e autoridades, em uma rápida cerimônia na noite de ontem, para a abertura da exposição permanente sobre a trajetória do primeiro presidente eleito após a ditadura militar no Brasil. Em 1985, aos 75 anos, Tancredo já havia sido deputado, governador e primeiro-ministro, quando foi indicado para a Presidência da República pelo Colégio Eleitoral formado por parlamentares. Morreu um dia antes de tomar posse, em decorrência de uma diverticulite (inflamação no intestino), causando comoção generalizada no país. Como legado maior, ressaltaram os presentes no evento, Tancredo deixou aos brasileiros a sólida democracia, iniciada em 1985 e vigente até hoje.

Ao lado do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), e do senador Aécio Neves (PSDB-MG), neto de Tancredo, parlamentares e ministros viram, em primeira mão, o que o público poderá conferir gratuitamente a partir de hoje: fotos e vídeos que contam a história do político mineiro, além de documentos que vão desde a Certidão de Nascimento, em São João del-Rei (MG), até o diploma de presidente da República, que ele jamais chegou a receber. Ao lado de correligionários, como o ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), e o senador Pedro Simon (PMDB-RS), Aécio percorreu a exposição, dando atenção especial ao diploma.

“Gostaria que ele tivesse a oportunidade de receber o diploma, pois se preparou a vida toda para aquele momento”, lamentou Aécio, complementando que “a história do presidente Tancredo Neves se confunde com a democracia, em todos os momentos, desde o apoio a Vargas, quando defendia a preservação da Constituição”. “Como o Brasil seria diferente se ele tivesse sido presidente”, resumiu Pedro Simon, emocionado.

“Espírito público”
Na exposição, uma grande linha do tempo mostra o passo a passo da trajetória de Tancredo, conhecido por ter sido um dos articuladores da saída dos militares do poder. “As pessoas não conhecem a história de quando o Brasil se uniu para se reencontrar com a democracia. Eu me animo em saber que as novas gerações estarão aqui, conhecendo que a política não é incompatível com o espírito público e com a ética. Esse espaço simboliza a importância não só dele, mas de todos aqueles que construíram o caminho para a democracia”, comemorou Aécio.

O governador Agnelo Queiroz elogiou a habilidade política de Tancredo, sempre aberto ao diálogo, assim como o protagonismo no fim da ditadura. “Um grande brasileiro, sobretudo na construção da democracia. A história de Tancredo significa muito para o país e para a democracia brasileira. As novas gerações precisam conhecer essa história, protagonizada por ele”, disse o governador. Agnelo também lembrou que, com a exposição, o Panteão faz justiça a Tancredo, pois o monumento foi construído em 1986, como uma homenagem póstuma a ele. “Aqui se preserva a imagem dos construtores da pátria. Hoje, abrimos uma exposição sobre uma figura notável, indispensável da democracia brasileira”, complementou o secretário de Cultura do Distrito Federal, Hamilton Pereira.

Entre o farto material, agora acessível aos visitantes, estão diversas capas do Correio Braziliense sobre momentos importantes da história de Tancredo e do Brasil. “Essas homenagens deveriam se repetir por inúmeras vezes”, ressaltou o diretor presidente do jornal, Álvaro Teixeira da Costa, classificando o homenageado como “o grande baluarte da redemocratização do país”. “A gente fala muito da importância da memória cívica e histórica, mas existe outra dimensão, muitas vezes esquecida: a afetiva”, lembrou Andreia Neves, neta de Tancredo e irmã de Aécio. Em poucas palavras, ela fez questão de demonstrar o “reconhecimento da família” pela homenagem.

"Eu me animo em saber que as novas gerações estarão aqui, conhecendo que a política não é incompatível com o espírito público e com a ética. Esse espaço simboliza a importância não só dele, mas de todos aqueles que construíram o caminho para a democracia”

Aécio Neves, senador por Minas Gerais e neto de Tancredo

Fonte: Correio Braziliense

PSDB aciona TSE

No esforço para se consolidar como principal representante da oposição, o PSDB protocolou ontem no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma representação contra a presidente Dilma Rousseff por propaganda eleitoral antecipada. O motivo foi o discurso feito em cadeia de rádio e tevê em razão do Dia da Independência.

Os tucanos acusam Dilma de ter usado o pronunciamento, veiculado no último dia 6, para fazer propaganda. “Desrespeitando o cargo que ocupa, a presidente Dilma Rousseff transformou o espaço republicano de rede nacional de rádio e tevê, prevista para finalidades específicas, em acintosa ferramenta eleitoral”, afirma, em nota no site do PSDB, o presidente do partido, senador Aécio Neves (MG), provável adversário de Dilma na corrida presidencial de 2014.

O partido ainda destacou pontos do discurso em que a presidente fala da superação de problemas na economia e a citação ao 10º ano do governo federal sob o comando do PT para caracterizar o pronunciamento como propaganda eleitoral antecipada.

Em sua fala, Dilma fez um balanço dos pactos do governo como resposta às manifestações que tomaram as ruas em junho. “É sabido que a popularidade da presidente da República, como futura candidata à reeleição, sofre duro golpe no presente ano, especialmente após as recentes manifestações”, diz a representação.

Fonte: Correio Braziliense

Eduardo monta linhas de ação

SÃO PAULO - O governador Eduardo Campos (PSB) escolheu ao menos duas linhas de atuação para tentar transformar o discurso crítico à política econômica do governo federal em um trunfo para se viabilizar como alternativa na sucessão da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2014. A primeira linha visa desmontar a tese de que o perfil gerencial de Dilma facilitaria o crescimento do País e a segunda é apostar na expectativa de crescimento baixo da economia brasileira para se posicionar como candidato a presidente.

"Quando economia anda bem, é difícil se colocar como uma alternativa eleitoral. Mas os números disponíveis estão muito ruins", afirmou o presidente do PSB de São Paulo, deputado Márcio França, defensor da candidatura. "Se a expectativa da economia está baixa agora é porque ela vai continuar mal no próximo ano", projetou.

Aos poucos, Eduardo amplia as críticas ao perfil de boa gestora da presidente. O viés gerencial foi utilizado pelo ex-presidente Lula para eleger Dilma como sua sucessora, em 2010, sem ela ter disputado uma única eleição antes. No dia 26 de agosto, em reunião fechada em São Paulo, o governador falou que Dilma não é a líder que aponta caminhos para o País.

Para o vice-presidente nacional do PSB, Roberto Amaral, Eduardo cobra nas palestras a empresários ações do governo para restabelecer a confiança do empresariado. "No Brasil ainda não se despertou o ânimo animal de investimentos dos empresários, apesar das concessões feitas".

Análise
Eduardo atribuiu ao ex-ministro da Fazenda e agora secretário de Saúde do Ceará, Ciro Gomes (PSB) a missão de elaborar um estudo analítico da economia brasileira para municiá-lo nos próximos passos. Além disso, o socialista já teria em seu poder ampla avaliação da situação financeira da Petrobras, feita por funcionários da estatal próximos ao PSB.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Com Dilma, Cabral é vaiado e culpa oposição

Governador é hostilizado por plateia em São Gonçalo, comandada por aliado de Garotinho; presidente faz apelo por "cooperação" entre governos

Luciana Nunes Leal, Sabrina Valle

RIO - Ao lado da presidente Dilma Rousseff, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), foi vaiado ontein durante evento em São Gonçalo, segundo maior colégio eleitoral do Estado. Cabral culpou o prefeito Neilton Mulim (PR), ligado ao ex-governador Anthony Garotinho, sugerindo que ele teria sido o responsável pela claque opositora.

A cerimônia oficial foi organizada para que Dilma anunciasse investimentos de R$ 2,57 bilhões na construção de um monotrilho até a vizinha Niterói.

Quando Cabral tomou a palavra, passou a ser alvo da plateia. Em resposta, o governador pediu "educação" e acusou o PR de estar por trás dos protestos que ocorrem desde junho.

"Neilton, treina a sua turma para ser mais educada", disse Cabral, que, para enfrentar a hostilidade, apertou a mão do prefeito, citou Mulim várias vezes e enumerou investimentos estaduais em São Gonçalo. "Aqui não tem diferença partidária, o prefeito é de um partido adversário que às vezes organiza manifestações contra, mas o povo está em primeiro lugar."

À tarde, Garotinho, que deverá disputar o governo do Estado no ano que vem contra o vice de Cabral, Luiz Fernando Pezão, respondeu à acusação. "Cabral é um cidadão que vive em um mundo de bipolaridade. Ora está consciente, ora em delírio", disse o ex-governador e líder do PR na Câmara dos Deputados.

"Cooperação". Após seguidas vaias a Cabral no evento em São Gonçalo, Dilma discursou. Um pequeno grupo tentou vaiá-la, mas foi logo ofuscado por aplausos de pé. "Governo coopera, disputa", disse a presidenta, tentando contemporizar.

Num discurso cheio de improvisos, Dilma afirmou que "durante a eleição pode haver disputa, mas na hora do governo tem que haver cooperação" e afirmou que a população está acima "de partido político, de time de futebol, de religião".

A presidente destacou os investimentos de seu governo em áreas pobres e anunciou que a União vai investir na elaboração de projetos viários na capital e região metropolitana do Rio. "Aqui hoje nós estamos colocando mais um pedaço do pacto da mobilidade em pé", disse, citando o pacote de investimentos anunciado em resposta à onda de protestos de junho.

A presidente criticou governos passados por darem prioridade aos ônibus como transporte de massa. "Estamos correndo atrás da decisão errada de não investir em metrô nos anos 80 e 90. Essa visão errada levou cidades a uma situação muito difícil, é só olhar São Paulo, Rio e Belo Horizonte, as três maiores", disse. Embora o tema da solenidade fosse mobilidade, ela dedicou parte do discurso à defesa do programa Mais Médicos, q ne tenta levar atendimento a regiões periféricas do País.

Dilma fez uma referência especial ao vice-governador Luiz Fernando Pezão, provável candidato do PMDB ao governo do Estado. A presidente disse que Pezão é "parceiro estratégico das obras". Um pequeno grupo puxou o coro "União, união, Dilma, Cabral e Pezão". A presidente encerrou a visita a São Gonçalo se aproximando do público que encheu o ginásio de um clube no centro da cidade. Abraçou moradores, posou para fotos e recebeu um grupo que exibia um cartaz de agradecimento pe-h construção do monotrilho.

Outra vai. A tarde, foi a vez de operários do estaleiro Inhaúma, na região portuária da capital, fazerem uma longa vaia quando a presidente citou Cabral, Pezão e o prefeito da capital, Eduardo Paes, todos do PMDB.

"Vou pedir a vocês que a gente tenha um comportamento civilizado, educado", repreendem Dilma. As vaias cessaram é ela continuou, fazendo referência ao aumento dos empregos na indústria naval. "Quando eu voltar aqui, serão mais de 70 mil empregos", disse a presidente.

Assim como boa parte dos governantes, Cabral amargou queda de popularidade após os primeiros protestos de junho. O governador, porém, continua sendo alvo constante dos manifestantes no Estado.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Justiça terá de reparar não validação de apoios da Rede, afirma Marina

SÃO PAULO - A ex-senadora Marina Silva cobrou ontem que a Justiça Eleitoral faça "alguma forma de reparação" em relação às assinaturas que foram apresentadas pela Rede Sustentabilidade aos cartórios, mas que não foram certificadas por "falta de parâmetros" para validação. "Essa é uma preocupação que a Justiça haverá de fazer alguma forma de reparação", afirmou.

Para ser oficializada como partido político, a Rede precisa apresentar 492 mil fichas de apoio certificadas por cartórios eleitorais. O grupo tem cerca de 300 mil apoios validados entregues ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e hoje promete levar ao órgão outros 100 mil.

Ontem, o processo seguiu para a Procuradoria-Geral Eleitoral, que tem um prazo de dez dias para emitir seu parecer sobre a criação da sigla.

A Rede se queixa de que parte das fichas tem sido recusada indevidamente. Diz que cartórios recusaram fichas de pessoas que não compareceram à última eleição porque elas não têm a assinatura registrada na folha de votação --uma das possibilidades previstas pela legislação para a conferência da ficha de apoio.

Também reclama de que cartórios invalidaram fichas de mulheres que assinaram o nome de casada, mas têm registrado na Justiça Eleitoral o nome de solteira.

Fonte: Folha de S. Paulo

Roberto Freire homenageia Allende

Para o presidente do PPS, busca permanente pela transformação social deve caminhar ao lado da preocupação inegociável dos valores democráticos

Por: Valéria de Oliveira

O presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), homenageou, em discurso no plenário da Câmara, na tarde desta quarta-feira (11), o ex-presidente do Chile, o socialista Salvador Allende, cuja morte, ocorrida com o golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, completa exatos 40 anos. Freire ressaltou que a data lembra também outra grande tragédia, os sequestros de aviões e subsequentes ataques terroristas às torres do World Trade Center, em Nova Iorque, que mataram cerca de 3 mil pessoas.

Allende foi eleito democraticamente e governou o Chile por três anos, numa coalizão de forças de esquerda e de centro-esquerda, com viés socialista. Após derrubá-lo, Pinochet mergulhou o Chile numa ditadura que durou 20 anos. Segundo Freire, “os ideais de Allende devem nortear os partidos e atores do campo progressista, cuja busca permanente pela transformação social deve caminhar ao lado da preocupação inegociável dos valores democráticos”.

Esquerdas

Na avaliação de Roberto Freire, as esquerdas que não têm na democracia um valor universal, “que ameaçam a independência entre os poderes constituídos ou tentam restringir a liberdade de imprensa, cujos exemplos mais contemporâneos podem ser encontrados no Brasil e em alguns vizinhos latino-americanos, não são herdeiras legítimas do pensamento político de Allende”. Essas forças representam, segundo o deputado, “uma contrafação ao que pregava o presidente deposto do Chile que, em nenhum momento, atentou contra as instituições democráticas e garantiu, até o derradeiro momento, que a democracia funcionasse a pleno vapor”.

A experiência vivenciada pelo Chile com Allende no início dos anos 70 pode render frutos até hoje, afirmou Freire. “A cobrança por educação de qualidade, melhores serviços de saúde, ética na política, dentre muitas outras demandas da sociedade tão atuais resgatam a memória do sonho chileno que, golpeado pela barbárie, terminou como pesadelo, mas permanecerá vivo em nossos corações”.

O presidente do PPS lembrou que o governo Allende teve “a ousadia” de apresentar à sociedade de seu país um plano que continha medidas como atendimento gratuito nos hospitais públicos, aprofundamento da reforma agrária, bolsa para estudantes de ensino básico, médio e universitário, criação de um sistema de previdência universal, dentre outras medidas. “Tudo isso, sem qualquer tergiversação quanto à importância de se preservar a ordem democrática e institucional”.

Leia abaixo íntegra do discurso

Discurso do deputado Roberto Freire – Quarenta anos do golpe no Chile e o legado de Allende

Quarenta anos após o fim trágico da experiência de um governo socialista eleito democraticamente no Chile, com o golpe que depôs o presidente Salvador Allende e sua morte em pleno palácio presidencial de La Moneda, as forças democráticas de esquerda se veem diante de um desafio do qual não devem abrir mão. As lições que devem ser tiradas daquele período, observadas hoje à luz de um maior distanciamento histórico, podem contribuir decisivamente para entendermos de que forma o socialismo se faz presente no cenário político atual e em que medida o pensamento progressista encontra ressonância diante das novas demandas do século XXI.

Derrubado, em 11 de setembro de 1973, por um golpe de estado liderado pelo chefe das Forças Armadas, general Augusto Pinochet, que mergulharia o Chile em um período sombrio e sanguinário pelas duas décadas seguintes, o governo Allende representou a inédita ascensão ao poder de uma coalizão de viés socialista. Denominado Unidade Popular, esse grupo reunia forças do campo político de esquerda e centro-esquerda e apresentava um programa de governo que defendia importantes transformações nas estruturas econômicas e sociais do país, sem que a ordem democrática e as instituições fossem violadas.

Reside justamente nesta preocupação com as balizas democráticas vigentes um dos compromissos básicos que deve ser seguido pelas forças de esquerda nos dias hoje. Allende e seu grupo de sustentação tiveram a ousadia de apresentar à sociedade chilena um plano que continha medidas como atendimento gratuito nos hospitais públicos, aprofundamento da reforma agrária, bolsas para estudantes dos ensinos básico, médio e universitário, criação de um sistema de previdência universal, entre várias outras. Mas sem qualquer tergiversação quanto à importância de se preservar a ordem democrática e institucional do país.

Entre os inúmeros obstáculos enfrentados por Allende para levar adiante seu projeto de governo, estavam setores da própria Unidade Popular refratários ao processo gradual de transformações sociais, considerado obediente aos marcos do que chamavam de “institucionalidade burguesa”, além dos agrupamentos tradicionalmente conservadores que se opunham frontalmente aos socialistas.

O desfecho trágico da experiência de um governo de esquerda no Chile, com o golpe militar e a morte de Allende após três anos no comando do país, não deve ser interpretado como uma prova cabal de que socialismo e democracia não podem caminhar juntos. Ao contrário: este talvez seja o maior legado que o episódio chileno tenha nos deixado. Preservar e fortalecer esse legado, 40 anos depois da queda de Allende, é uma obrigação moral de todos os democratas de esquerda.

No livro “Democracia e Socialismo”, de Alberto Aggio, publicado há 20 anos, curiosamente no momento em que o Chile dava os primeiros passos democráticos após a longa e nefasta ditadura de Pinochet, a discussão sobre a derrota da chamada Via Chilena se dá sob o enfoque da aparente oposição entre democracia e socialismo. O autor investiga os fatores que levaram à queda do governo Allende e analisa suas dificuldades internas, ao mesmo tempo em que esclarece que se tratou de uma experiência específica, com características e contexto histórico próprios, que não se aplica necessariamente ao conjunto das experiências envolvendo a esquerda no próprio Chile e em outros países.

Dada a realidade dos dias atuais, é evidente que a experiência chilena não se aplica mais. Entretanto, entre os pontos mais inovadores que podem ser aproveitados como legado daquele período, talvez o mais importante seja o conceito do reformismo forte, ideia que passou a ser defendida pelo Partido Comunista Italiano (PCI). Secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer propôs, logo após o golpe que derrubou o então presidente do Chile em 1973, o compromisso histórico entre as forças majoritárias (democratas-cristãos, socialistas e comunistas), com o intuito de “modificar gradualmente as orientações de base de tais forças políticas e, muito particularmente, da Democracia Cristã, para impulsioná-las de encontro com os comunistas, evitando, assim, o risco de uma reação direitista que, inclusive, poderia ter o apoio das massas”, como escreveu a jornalista Maria José Orbegozo, especialista em política italiana, em texto publicado em 1981.

Quatro décadas se passaram desde o golpe, mas os ideais de Allende devem nortear os partidos e atores políticos do campo progressista, cuja busca permanente pela transformação social deve caminhar ao lado da preocupação inegociável com os valores democráticos. Nós, do PPS, oriundos do Partido Comunista Brasileiro (PCB), acreditamos na construção de uma sociedade mais justa e menos desigual. Para tanto é fundamental que se continue buscando maior igualdade e se preze a democracia como valor inviolável e universal.

As esquerdas que não têm a democracia como valor universal, que ameaçam a independência entre os poderes constituídos ou tentam restringir a liberdade de imprensa, cujos exemplos mais contemporâneos podem ser encontrados em alguns de nossos vizinhos latino-americanos e, por que não, aqui entre nós, no Brasil, não podem ser consideradas herdeiras legítimas do pensamento político de Allende. Representam, na realidade, uma contrafação ao que pregava o presidente deposto do Chile, que em nenhum momento atentou contra as instituições democráticas e garantiu, até o derradeiro momento, que a democracia chilena funcionasse a pleno vigor.

A curta experiência socialista vivenciada por nossos irmãos chilenos no início dos anos 1970 pode render bons frutos até hoje. A cobrança por educação de qualidade, melhores serviços de saúde, ética na política, entre muitas outras reivindicações tão atuais, resgatam a memória do sonho chileno que, golpeado pela barbárie, terminou como pesadelo. Mas que sempre permanecerá vivo em nossos corações e mentes.

Fonte: Portal PPS

Cidadãos não são representados na política – Fernando Henrique Cardoso

Final do discurso de FHC, na ABL, em 10/9/2013

"As condições favoráveis da economia mundial e o empenho dos governos que sucederam ao meu ampliaram a inclusão social, inclusive dos negros, a partir das bases que lancei em meu governo. Seria preciso dizer algo mais para justificar minha fidelidade ao propósito da erradicação da pobreza no país?

Reitero: estamos longe de ficar tranqüilos com o já feito. Vou concentrar-me, para finalizar, em um só ponto: quanto avançamos na democracia?

A pergunta não se compagina com respostas simples. São inegáveis os avanços na arquitetura política institucional a partir da Constituição de 1988. Houve avanços se dermos o significado de democrático a um governo submetido às leis, cujos mandantes dependem do sufrágio popular majoritário e cujo vigor deriva do respeito às minorias e de um jogo de equilíbrios entre os poderes. Tudo isso em um clima de liberdade de organização, de crenças, de opiniões e com todas as demais garantias que asseguram as liberdades “dos antigos”, as públicas. Mesmo a liberdade moderna, das pessoas, de igualdade de gênero e de respeito às inclinações sexuais vêm ganhando terreno.

Resumo o sentimento de incompletude que tenho com respeito à nossa democracia, dizendo que se a arquitetura institucional está quase acabada (ainda se vêem andaimes), falta o essencial: a alma democrática. Nossa cultura de favores e privilégios, nosso amor à burocracia, à pompa dos poderosos e ricos, de retraimento da responsabilidade pessoal e atribuição de culpa aos outros, principalmente ao governo e às coletividades, desobriga o cidadão a fazer sua parte, a sentir-se comprometido. O corporativismo que renasce e passa do plano político ao social levando de roldão sindicatos e até igrejas, e se encastela nos partidos, mesmo nos que nasceram com o propósito de combatê-lo, é o cupim de nossa democracia. Se à tentação corporativista somarmos os impulsos populistas, que não lhe são incompatíveis, temos a descrição de um sistema político enfermo.

A cultura democrática se baseia no sentimento da igualdade, pelo menos perante a lei -- posto que as desigualdades de nascimento sejam congênitas ao DNA e as de riqueza ao sistema econômico prevalecente. Como, então, falar de igualdade de oportunidades em sentido próprio?

No plano das instituições político-partidárias e do Congresso Nacional, para ater-me só a este aspecto, que tipo de representação política nos é assegurada e como se dá o equilíbrio entre os poderes? Para começar, temos uma democracia na qual os verdadeiros representados não são os cidadãos, mas as organizações intermediárias (uma prefeitura, uma empresa, uma igreja, um clube de futebol, etc.) que financiam as campanhas e colhem em suas malhas o indivíduo eleitor. É àqueles, os “eleitores de fato”, que o representante serve, mantendo tênue a relação com a massa do eleitorado, salvo no caso dos poucos parlamentares eleitos por correntes de opinião.

Dos partidos que dizer? Mesmo sendo injusto: se acomodaram às práticas, desdenham da relação direta com as comunidades, preferem não tomar partido diante de questões controversas na sociedade e abdicam crescentemente da função fiscalizadora do executivo, que a Constituição lhes garante, e mesmo da iniciativa na legislação. Abrem, assim, espaço às ações de tipo “rolo compressor” do executivo. Preferem barganhar com ele os benefícios para as entidades intermediárias que lhes garantem o voto. A agenda pública, nestas circunstâncias, se encolhe. A discussão fenece nos parlamentos e as ruas sequer são ouvidas.

A tal ponto chegou a distorção da idéia de representação entre nós que os interesses e os valores se vêem mais “espelhados” no Congresso do que nele são representados. Os setores organizados da sociedade esperam os resultados das eleições para, post factum, identificar seus representantes. Os candidatos mais comumente calam durante a campanha eleitoral sobre suas convicções e interesses; repetem o que é agradável ao eleitor distante. Depois de eleitos buscam ou reatam conexões com aqueles cujos valores e interesses lhes são mais afins. Na ação legislativa, organizam-se em frentes suprapartidárias (da educação, dos donos de hospital, da saúde, dos bancos, dos ruralistas e por aí afora), para defender valores ou interesses. Não é de estranhar, portanto, a distância crescente entre Congresso e opinião pública, entre elite política e povo.

Até pouco essas fragilidades da República, das instituições, embora percebidas, não encontravam contestação mais ampla. Os setores politizados da sociedade criticavam-nas, mas na medida em que os governos ampliavam os mecanismos de integração social e que os interesses organizados conseguiam ser corporativamente atendidos, a crise institucional limitava-se aos círculos do poder. A própria dinâmica da sociedade, a urbanização abrangente, o aumento no fluxo de rendas e a mobilidade social por ele gerada e, principalmente, as novas tecnologias de comunicação que conectam as pessoas dispensando organizações e lideranças formais, estão dando os primeiros sinais de que há algo mais grave do que as crises habituais entre Congresso, Executivo e sociedade. Essas até agora eram circunscritas ao que chamamos de “opinião pública”, que desde o Império funcionava separada da “opinião nacional”. Estamos assistindo aos primórdios da fusão entre uma e outra opinião. A ampliação da democracia e da liberdade de informação choca-se com as insuficiências da República. À inadequação das instituições acrescenta-se sua desmoralização, agravada por episódios de corrupção. Produz-se assim uma conjuntura em que demos e res publica se desencontram. Não se vê lideranças que falem forte e sejam ouvidas para evitar recaídas nos tormentos da incerteza quanto a nosso destino nacional.

Dito noutras palavras, esboça-se entre nós, como em outros países, uma crise da democracia representativa. Não faltarão forças que desejem dela se aproveitar para proclamar a morte de Locke, de Montesquieu, dos federalistas e de todos os que sonharam em buscar caminhos de maior igualdade sem matar as liberdades nem compactuar com formas plebiscitárias de mando que, sob o pretexto de voltarem a Rousseau, se esquecem das recomendações de Marx que desejava o socialismo como herdeiro das conquistas liberais do Século das Luzes e não como seu coveiro.

Não obstante, é insuficiente proclamar os valores morais da liberdade individual e coletiva. Ou bem reinventamos a democracia contemporânea, salvaguardando a idéia de representação legítima, mas tornando-a transparente e responsável e a ampliamos para incorporar novos segmentos e novas demandas da sociedade ou a pressão “de baixo” poderá ser manipulada por formas disfarçadas de autocracia. As pressões não procedem mais de uma massa informe e desinformada. Existe um novo tipo de participante nas mobilizações. Já não é só o oprimido que se manifesta. As organizações políticas e sociais que representaram até o pouco as camadas menos favorecidas – os sindicatos e movimentos organizados -- quando aparecem, vêem na rabeira dos novos movimentos de protesto. Como essas organizações foram em parte cooptadas pelas forças políticas tradicionais, o desprestígio delas abala a confiança daqueles.

Este novo tipo de pressão existe no Brasil e no exterior. Quando as instituições sufocam a liberdade e a economia não oferece oportunidades à maioria, os movimentos espontâneos, interconectando milhares e mesmo milhões de pessoas pela internet, são capazes de desencadear rebeliões que derrubam governos. Ainda não vimos a força desses movimentos ser capaz de reconstruir as instituições do poder, alçando-as a outro para patamar. Até agora às explosões eventualmente vitoriosas, como no mundo árabe, têm-se seguido novas formas repressivas. E sem instituições que canalizem as forças de renovação estas podem morrer no ato de se expressar.

No caso das sociedades abertas, como a nossa, por enquanto a cada surto popular, não se derrubam governos, mas recai-se no desencanto com a política e com as instituições. Até quando?

Ou nos conformamos com a ideia de que formas de autogoverno brotarão ocasionalmente e conviveremos com grupos anárquicos que predicam a violência, arriscando-nos à ruptura da convivência democrática, ou nos pomos humildemente a dialogar com os vastos setores da sociedade que só formalmente pertencem à pólis. Eles estão, na maioria das vezes, economicamente integrados, politicamente insatisfeitos e possuem identidades culturais diferentes do que até hoje parecia, equivocadamente, ser o mainstream. É só conhecer a realidade das “comunidades” que pontilham nossas cidades ou as periferias infindáveis de seus contornos para sentir a força dessas presenças. Tecnicamente é possível aumentar os mecanismos de escuta e de participação ampliada no processo deliberativo e nas instituições executivas. Politicamente o avanço tem sido muito lento.

Numa palavra: não há tempo a perder para reconstruir a democracia nos moldes das realidades atuais. Neste esforço, a educação e a cultura continuam fundamentais. O momento não é de simples “pregação democrática”, como se este credo construído a duras penas nos últimos séculos fosse o anelo da maioria. Não se trata só de “ensinar”, mas de “aprender” Não estamos diante de uma elite que sabe e de um povo que desconhece. O momento é de respeito à pluralidade das identidades culturais e de reconstrução das instituições para que elas captem e representem o sentimento e os novos interesses da população. Só assim poderemos manter acesa a chama da liberdade, do respeito à representação e da autoridade legítima e evitar que formas abertas ou disfarçadas de autoritarismo e violência ocupem a cena.

Como no passado dos oráculos, a história nos pregou uma peça: “decifra-me ou te devoro!” é o enigma que as ruas, sem o proclamar, deixam entredito sobre a democracia atual. Cabe a todos nós, políticos, artistas, escritores, cientistas ou, simplesmente, cidadãos que prezam a liberdade, passarmos da escuta à ação, para tecer os fios institucionais pelos quais possam fluir os anseios de liberdade, participação e maior igualdade dos que clamam nas ruas."

Tempos brutos, tempos sórdidos -José Serra

Ao dar entrevistas sobre o 40.° aniversário do golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende, no Chile, em 11 de setembro de 1973, fui indagado sobre minha experiência pessoal. Eu morava em Santiago havia mais de oito anos, exilado do Brasil. Lá estudei Economia e me tomei professor da Universidade do Chile. Trabalhei na Comissão Econômica para a América Latina da ONU e na Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, a FLACSO.

Nunca deixei de acompanhar o que acontecia no Brasil e fui um dos principais organizadores de um comitê que divulgava as denúncias de torturas e assassinatos cometidos em nosso país. Fizemos um livro sobre o assunto e obtivemos a convocação do Tribunal Bertrand Russell para julgar as violências da ditadura. Com frequência eu recebia novos exilados, ajudando-os a entrosar-se na vida estudantil e profissional, por vezes hospedando-os em casa. Betinho foi um deles. Cesar Maia, outro, a quem recomendei o curso da Escola de Economia e ajudei a conseguir a matrícula. Apesar de distante do dia a dia da Ação Popular e de suas ações no Brasil, avistava-me com dirigentes que passavam por lá, vários deles posteriormente presos, torturados e assassinados.

No ano anterior ao golpe assessorei o ministro da Fazenda chileno, sem me afastar da FLACSO, onde eu era funcionário internacional. Coordenei uma espécie de reforma tributária, uma lei orçamentária e redigi um plano, que nunca saiu do papel, de estabilização da economia chilena, à época com inflação superior a 20% ao mês, desabastecimento, mercado negro generalizado, estrangulamento externo brutal, produção em queda, microeconomia desorganizada no campo e nas cidades, acirramento dos conflitos sociais e políticos. O espectro já fazia sua sombra.

Sem dispor da maioria dos chilenos nem do Congresso, a Unidad Popular havia tentado implantar o socialismo pela via democrática. Socialismo de verdade, com estatização dos grandes meios de produção, das finanças e do comércio e uma reforma agrária radical, que desapropriava fazendas acima de 40 hectares. O intento se frustrara. Era preciso, então, encontrar uma saída política que preservasse a democracia e permitisse consertar a economia. Mas, como diria São Lucas, a porta era estreita.

O golpe começou de manhã, com o bombardeio aéreo ao palácio presidencial e posterior invasão, seguidos do suicídio de Allende. No fim da tarde soubemos que o comandante do Exército, general Augusto Pinochet, até então considerado legalista, assumira a chefia. Na televisão, mostrou sua cara de buldogue enfezado, voz desafinada e espanhol rudimentar. Na mesma TV, outro general delirava, afirmando que havia no Chile um exército comunista de 10 mil estrangeiros. Estimulava a população a denunciá-los.

Passei a atuar como elo entre, de um lado, as organizações internacionais que lá operavam - a maioria ligada à ONU, as quais tiveram papel admirável naqueles dias de loucura assassina - e, do outro, estrangeiros refugiados, que eram muitos. Cheguei a negociar a abertura da pequena Embaixada do Panamá para receber asilados brasileiros. Logo eram mais de uma centena. Levava alguns no meu carro e deixava lá alimentos e remédios.

No fim de setembro, uma patrulha militar foi prender-me na FLACSO. Ante a informação de que eu não estava (embora estivesse) e da reação indignada do nosso diretor, pois o prédio era legalmente território estrangeiro, os soldados se foram. Passei, então, sem asilo formal, a dormir na casa do embaixador da Itália. Diante do protesto pela tentativa de prisão, pois eu tinha imunidade diplomática, a Chancelaria chilena acabou pedindo desculpas e renovou meu visto oficial, com a garantia de que não haveria problemas. Por isso, em 14 de outubro rumei para o aeroporto com a minha família. Estava claro que o mais prudente era sair do Chile. Apri-são era questão de tempo - e não de muito tempo.

Nasala de embarque, já carimbados os passaportes, em companhia de minha mulher, carregava no colo meu filho de 3 meses e falava com minha filha de 4 anos, apontando o avião que nos esperava na pista. Subitamente fomos interrompidos por um policial civil, que anunciou minha prisão. Caíra numa armadilha.
Levaram-me para a ala de desembarque, algemado. Sentado numa cadeira no corredor, trocava olhares furtivos com os passageiros que chegavam. Aprendi na hora que, quando se mexem os pulsos, as algemas apertam ainda mais, machucam. Passei a noite na sede da polícia civil, no sofá de plástico de uma sala, onde os detetives jogavam ludo e conversavam aos gritos. Gentilmente me ofereceram um cobertor. Enquanto eu falava com eles sobre futebol e o Palmeiras, a fim de disfarçar a angústia. No final consegui cochilar.

De manhã, num interrogatório algo idiota, percebi que a prisão se deveria à interferência do governo brasileiro. Cresceu minha inquietação. Fui então levado para o Estádio Nacional, transformado em presídio e lugar de torturas e assassinatos. Deveria ser interrogado pelo Exército, mas acabei saindo de lá antes disso, por autorização de um major chamado Mario Lavanderos, sob o compromisso de que voltaria no dia seguinte, o que, obviamente, não fiz. A experiência do estádio estáa merecer outro artigo.

Fiquei na Embaixada da Itália quase 200 dias, sem salvo-conduto. O general Herman Brady, comandante de Santiago e brucutu emergente, dizia não se conformar com o fato de eu não ter sido "interrogado". E o relatório manuscrito de um agente brasileiro dizia que o governo chileno estava à minha procura e assegurava, com o peculiar humor dos torturadores, que eu seria "bem tratado". O major Lavanderos, que autorizou a minha saída do estádio, foi morto a tiros dois dias depois, num quartel do Exército. A perícia demonstrou que não foi suicídio.

Eram tempos brutos. Eram tempos sórdidos. A defesa da democracia me levou ao duplo exílio, ao duplo desterro, do Brasil e do Chile. Os valores que me fizeram resistir estão vivos em mim e definiram para sempre a minha vida de homem público.

*Ex-governador e ex-prefeito de São Paulo

Fonte: O Estado de S. Paulo

20 dias importantes para definição do tabuleiro da disputa presidencial - Jarbas de Holanda

Até o dia 4 de outubro, a Justiça Eleitoral (o TSE) terá tomado decisões significativas para a configuração desse tabuleiro: a principal delas relativa à Rede Sustentabilidade, deferindo ou não o pedido de registro da nova legenda da pré-candidata Marina Silva. E duas outras do gênero – o reconhecimento do Solidariedade (SDD), liderado pelo sindicalista Paulinho da Força, e do PROS (Partido Republicano da Ordem Social), os dois também com potencial de expressivo rearranjo do peso das bancadas parlamentares federais na partilha do tempo de propaganda eleitoral “gratuita”, bem como no uso de recursos do Fundo Partidário. Os três recebendo adesões de deputados (e até de um ou outro senador) de siglas existentes, entre elas o PSD, o PDT e o PPS. O Solidariedade emergindo como provável aliado da candidatura oposicionista de Aécio Neves, enquanto o PROS tem a criação estimulada pelo PT.

Até o dia 4, também, intensifica-se a presença na mídia da presidente e candidata Dilma Rousseff, por meio de pronunciamentos em rede obrigatória de rádio e televisão e de múltiplos eventos para anúncio de medidas e planos, usados na campanha para a reeleição e para a montagem de palanques em vários estados. Esse esforço duplo (administrativo e dos marqueteiros da reeleição) tem vários ingredientes (e objetivos) políticos e econômicos. Está sendo favorecido pelas denúncias de espionagem de agência norte-americana contra a presidente e, por último, envolvendo a Petrobras, repelidas com estridentes reações dela em defesa da soberania nacional, destinadas a sensibilizar a classe média. Está enfatizando as concessões à iniciativa privada na área de infraestrutura (com a troca dessa expressão por leilões, mais palatáveis aos petistas), como argumento para reduzir as restrições do empresariado ao intervencionismo estatal e à qualidade de gestão do conjunto da economia. E o debate em torno desses dois temas tem mais uma utilidade: distanciar a presidente da fase final do processo do mensalão.

No outro polo político, ao longo das próximas semanas o oposicionista Aécio Neves – por meio do protagonismo que terá em inserções curtas, a partir de ontem, e no programa partidário em rede nacional de rádio e TV no dia 19 – vai buscar superar a principal debilidade da sua candidatura: os baixos índices de conhecimento e apoio nas pesquisas. O fortalecimento do consenso dos tucanos em favor dele parece já ter superado a contestação tentada por José Serra (que, além de desistir disso, sinaliza que permanecerá no PSDB e se prepara para disputa da vaga paulista ao senado ou de mandato na Câmara dos Deputados). Um avanço nas pesquisas reforçaria as articulações suprapartidárias de Aécio.

Quanto à pré-candidatura de Eduardo Campos, poderá ser afetada por possível troca de partido pelos irmãos Ferreira Gomes, do Ceará, o que, porém, não ameaçará seu controle sobre o PSB e tampouco o desviará do preparo da campanha presidencial.

Restando, assim, como incerteza importante no tabuleiro da disputa maior de 2014 a confirmação até 4 de outubro da candidatura de Marina Silva. Que segue pontificando nas pesquisas como principal adversária da postulante à reeleição, e cuja presença na disputa é vista agora como garantia mais consistente de um 2º turno.

Jarbas de Holanda é jornalista

Decisão política - Merval Pereira

Acusado pelos petistas e por seus seguidores de ter agido como um tribunal de exceção, que teria condenado os mensaleiros em um processo político, o Supremo Tribunal Federal (STF), com sua nova composição, caminha para tomar hoje uma decisão que tem um viés claramente político, mas a favor dos mesmos condenados, pondo assim em xeque a credibilidade da Corte.

O provável resultado final da votação sobre os embargos infringentes, placar de 6 a 5 ou 7 a 4 a favor de eles serem reconhecidos pelo STF como recursos válidos em uma sentença em que o condenado receba ao menos quatro votos a favor, mostra como a questão não é pacífica nos meios jurídicos.

Alguns dos ministros que votaram a favor do reconhecimento dos embargos infringentes sugeriram mesmo que eles poderão ser revogados mais adiante pelo STF, como fez Luís Roberto Barroso, ou que são instrumentos anacrônicos, como Rosa Weber. E até mesmo o duplo grau de jurisdição, que seria a garantia do devido processo legal para os condenados, foi tratado por Dias Toffoli como elemento secundário, quase nulo, na defesa dos infringentes.

O ministro Luiz Fux comentara que "a adoção do duplo grau de jurisdição é uma escolha política. E a Lei 8.038 não fez a opção política para tratar dos embargos infringentes" e Toffolli teve que admitir que a Constituição não trata da questão.

Três dos quatro ministros que votaram ontem a favor dos embargos infringentes o fizeram por uma interpretação estrita da letra da lei, recusando-se a olhar o conjunto da legislação para interpretar os objetivos da Lei 8.038. De fato, essa lei de 1990 não revogou explicitamente os embargos infringentes, mas, como salienta o ministro Marco Aurélio Mello, "o sistema não fecha" se verificarmos que os réus condenados pelo Superior Tribunal de Justiça não terão direito aos embargos infringentes, e os do STF, sim.

Para Fux, é ilógico que em nenhum outro tribunal caibam os embargos infringentes para ação penal originária e questiona: "Por que no Supremo caberia? O segundo julgamento seria melhor?" Para ele, se o Supremo aceitar os embargos infringentes, o mesmo plenário se debruçará sobre as mesmas provas, o que caracterizaria uma revisão criminal disfarçada.

Nesse caso, porém, há um detalhe politicamente relevante: o plenário que reveria aspectos do julgamento do mensalão seria diferente daquele que condenou os réus, com a entrada de Barroso e Zavascki no lugar de Ayres Britto e Cezar Peluso. O que dará à opinião pública a percepção de que a presença dos dois novos ministros do STF facilitou a vida dos mensaleiros.

O que fez com que o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, comentasse com sarcasmo: "O plenário de 2015 será melhor que o de 2014 e assim por diante." E Marco Aurélio fez outra intervenção: "Talvez por sermos pessoas menos experientes" disse ironicamente.

Entre as muitas incongruência registradas na sessão de ontem, o ministro Barroso, que já fizera um pronunciamento em sessões anteriores contra o prolongamento dos julgamento, afirmando que era preciso acabar com a ideia de que o devido processo legal é aquele em que o julgamento não acaba nunca, ontem aceitou os embargos infringentes mesmo dizendo que estava farto desse julgamento, que precisava terminar. E propôs que os ministros fizessem um compromisso de dar ao julgamento dos embargos infringentes a celeridade compatível com o devido processo legal.

Fux reclamou do prolongamento do caso, que até aqui teve, segundo ressaltou, todas as garantias constitucionais preservadas.

Sabendo-se da tendência do ministro Ricardo Lewandowski de votar a favor dos infringentes, e da dos ministro Marco Aurélio e Gilmar Mendes de rejeitá-los, a decisão do julgamento está nas mãos de dois ministros: Cármen Lúcia e Celso de Mello. Se Cármen Lúcia for contra os embargos infringentes, a votação chegará empatada ao último voto do decano, que já se mostrou favorável aos embargos infringentes no início do julgamento, depois declarou-se "reflexivo" diante das graves conseqüências da decisão, e nos últimos apartes parece estar mesmo decidido a aceitá-los.

Por mais que queiram definir como técnica a decisão, os ministros que estão escolhendo aceitar os embargos infringentes estão deixando claro que a decisão é política, já que eles próprios admitem que há argumentos ponderáveis para os dois lados.

Fonte: O Globo

Expectativas & direitos - Denise Rothenburg

No PT, há quem considere a suspensão da sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal um movimento proposital no sentido de usar a repercussão de hoje como um empurrãozinho para que os ministros restantes acompanhem o voto do relator

A alegria de petistas ilustres ontem no Congresso Nacional nada tinha a ver com as votações ou com a perspectiva de acordo para a manutenção de alguns vetos que entram em pauta na semana que vem. Os sorrisos estavam diretamente relacionados aos quatro votos a dois obtidos no Supremo Tribunal Federal (STF) em favor de uma reanálise do processo do mensalão, naqueles julgamentos em que os réus tiveram quatro votos pela absolvição. Há, no partido, esperanças renovadas, em especial, nos casos de José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, que tiveram seis a quatro nos respectivos julgamentos por formação de quadrilha; e ainda no de João Paulo Cunha, que também obteve o mesmo placar quando condenado por lavagem de dinheiro.

O difícil, entretanto, é explicar ao cidadão comum que esses crimes serão julgados novamente. Conforme comentava ontem um deputado, há, no imaginário popular, aquela sensação de que esses ilustres personagens vão para a cadeia. Mas, se os embargos forem aceitos, o caso não terminará este ano.

A fisionomia alegre dos petistas com a nova chance mudou quando o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, encerrou a sessão de ontem. No partido, há quem considere que, nas entrelinhas daquela decisão (de encerrar a sessão), houve o propósito de aproveitar a repercussão de hoje para ajudar os ministros restantes a acompanharem o voto do relator, pelo não acolhimento dos embargos. Assim, o julgamento acaba mais cedo e o cumprimento das penas pode sair ainda este ano. Entretanto, esse palpite dos petistas não tem muito sentido, uma vez que os ministros que faltam voltar são os mais experientes da Casa e não costumam se deixar levar apenas por barulho. O melhor que se faz é aguardar o resultado. Afinal, como diz o velho ditado popular, cabeça de juiz e barriga de mulher...

Enquanto isso, no Poder Legislativo...
O ex-deputado Vivaldo Barbosa, do PDT do Rio de Janeiro, acompanhava ontem um grupo de engenheiros da Petrobras no Congresso. O objetivo da visita era tentar obter com as excelências um decreto legislativo para suspender o leilão do poço de Libra, na camada pré-sal. “Libra é o maior poço de petróleo do mundo. Foi cedido à Petrobras para que a empresa fosse capitalizada. A nossa empresa tem condições de explorar a área. Não faz sentido o governo agora querer leiloar, uma vez que a legislação diz que reservas estratégicas podem ser negociadas sem leilão. Agora, a presidente quer abrir aos estrangeiros US$ 1 trilhão. Não se leiloa campo já descoberto”, comentou Fernando Siqueira, da Associação dos Engenheiros da companhia.

Siqueira conseguiu convencer muitos senadores da base na primeira conversa. Dilma, que defendeu tanto a riqueza nacional para os brasileiros, terá, daqui a pouco, mais esse pacote para desembrulhar.

E no Panteão da Pátria...
A homenagem a Tancredo Neves ontem, no Panteão da Pátria, em Brasília, foi mais um movimento do PSDB no sentido de reunir antigos aliados, no caso, integrantes do PMDB, hoje insatisfeitos com Dilma. Há muita gente na torcida para que as recordações de ontem sirvam para embalar alguns peemedebistas rumo ao projeto tucano de 2014.

E no Ceará...
Ali, também se comentou que o governador do Ceará, Cid Gomes (PSB) ouviu do governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos, o desejo de ser candidato a presidente no ano que vem, mas não retribuiu com uma declaração de apoio. Hoje, estão todos jogando. Cid acena para Dilma, enquanto o PMDB fica com a presidente, mas não deixa de fazer sua fezinha em outras praças. Mas essa é outra história.

Fonte: Correio Braziliense

Aquecendo o forno - Igor Gielow

Oito anos depois de ter sido revelado e quase um após sua dura sentença em julgamento no Supremo, o caso do mensalão ainda suscita emoções e reviravoltas.

Como já escrevi aqui, bola de cristal deveria ser item proibido na corte. O dia de ontem está aí para provar. Paradoxalmente, o de hoje talvez também traga surpresas.

O STF poderá ratificar nesta tarde o que parecia ser a tendência de ontem: acatar um novo julgamento para alguns dos réus. Decisão excêntrica, mas para a qual se encontraram argumentos, como tudo na vida.

Chamou a atenção o surpreendente voto de Rosa Weber, dado até então como certo pela rejeição dos chamados embargos infringentes.

Destacou-se, nesta fase de recursos, o comportamento da dupla de ministros indicados por Dilma Rousseff após a sentença do caso: Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso.

Ao começar a discutir os embargos iniciais, declaratórios, ambos disseram que não mudariam decisões que tomaram tanta energia da corte. Zavascki mudou de ideia depois, mas não comoveu o plenário.

Já Barroso manteve a pose, e mesmo enaltecendo José Genoino como um "freedom fighter" brazuca e criticando sentenças, não buscou alterá-las. Isso acabou ontem.

Sempre haverá insinuações de que os novatos jogaram afinados com quem os indicou. Sem prova é leviandade, mas é um veneno de aspersão inevitável, ainda que seja má notícia para Dilma ver mensaleiros na agenda política em 2014, com campanha, Copa e talvez protestos nas ruas.

A bola agora está, a confiar nas videntes que dão Cármen Lúcia e Marco Aurélio Mello como contrários aos recursos, com Celso de Mello. As mesmas adivinhas creem que ele se manterá a favor do novo julgamento. Eu é que não arrisco palpite.

A seguir esse roteiro, a barafunda processual se instalará, com possível revisão de penas que apoiará prescrições. E a pizza ruma ao forno.

Fonte: Folha de S. Paulo

A oração de FH - Tereza Cruvinel

A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença

Da fala do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao tomar posse anteontem como membro da Academia Brasileira de Letras, o que mais ecoou nas mídias foi a parte final, em que louvou a ainda nascente democracia, mas fez advertências graves sobre suas disfuncionalidades, que vêm frustrando uma sociedade civil mais exigente, beneficiada pelo novo acesso à informação, levando às ruas cidadãos “economicamente integrados, mas politicamente insatisfeitos” com governos e instituições. Destaque natural, por conta da trajetória política dele e do momento singular que vivemos. Mas o todo, foi além.

À vontade dentro do fardão, admitindo certo estranhamento com os ritos, mas destacando a importância deles na Cultura — o que teria aprendido com a “ilustre antropóloga” com quem foi casado, Ruth Cardoso —, FH fez um discurso monumental, erudito, mas não pernóstico, que não deixou dúvidas sobre as razões de sua escolha. A Academia, dizia Joaquim Nabuco em carta a Machado de Assis, segundo contou o acadêmico Celso Lafer em sua afetuosa, mas densa saudação, não devia abrigar apenas grandes nomes da literatura em seus diversos gêneros, mas também os maiores de seu tempo, em diferentes áreas do pensamento e da ciência.

Algo que o próprio FH realçou, ao começar falando dos que o antecederam na cadeira 36: Afonso Celso (intelectual, poeta e político), Clementino Fraga (médico), Paulo Carneiro (químico e diplomata), José Guilherme Merquior (filósofo) e João Scatimburgo (escritor). De seu perfil político e intelectual, mas não artístico, ele mesmo falou no início, revelando, talvez, um imperceptível incômodo com registros a este respeito, pelos que entendem a Academia apenas como casa de literatos. Revisitou brevemente suas raízes familiares, mencionando o pai, tios, avô e bisavô que, desde o Império, atuaram na vida militar e política do país em construção.

Discorreu depois, mais longamente, sobre suas duas vidas mais reluzentes, a de sociólogo e a de político. À primeira, foi levado pelo desejo de compreender e ajudar a mudar o Brasil. Falou dos autores que o influenciaram (tantos, além de Marx e Weber) e dos mestre que teve na USP, como Florestan Fernandes, Antonio Cândido e Roger Bastide. Não fez lista de seus 23 livros, mas contextualizou a produção dos principais trabalhos, como Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridicional e o clássico Dependência e Desenvolvimento na América Latina, com Enzo Faleto. Como intelectual, reiterou, buscou aliar conhecimento à prática, fiel ao binômio igualdade e liberdade. Esta busca o fez senador, ministro, presidente. “Desenvolvimento, democracia, liberdade e igualdade foram minha obsessão. A esses objetivos dediquei meus esforços como intelectual e tentei alcançá-los em minha prática política.” Defendeu a livre iniciativa, mas também a atuação do Estado na questões que o mercado não resolverá.

Elegante, tangenciou a luta política, mesmo contra a ditadura, mas lançou algumas farpas. Falou do Real como primeiro passo civilizatório e das políticas sociais iniciadas em seu governo. Reconheceu que foram ampliadas “por governos que me sucederam”, com aumentos contínuos para o salário mínimo e políticas compensatórias, “as famosas bolsas”, permitindo avanços na redução da desigualdade. “Isso não começou há 10 ou 20 anos, começou muito antes”, disse em clara referência ao discurso do PT sobre seus feitos no poder. Só então, falou dos perigos que rondam democracia, como a apropriação da insatisfação por grupos violentos por autocracias falsamente democráticas. Uma aula, reverencialmente ouvida. A Academia deve propiciar momentos de deleite intelectual a seu novo membro, mas ganhará muito mais com sua presença.

Suspense no STF
Ficou para hoje a decisão crucial do Supremo, no julgamento do mensalão, sobre a pertinência dos embargos infringentes, que poderão permitir, se acolhidos, a reconsideração das penas dos réus absolvidos, em alguns crimes, por pelo menos quatro ministros. O placar provisório de ontem, de 4 a 2 a favor da validade dos recursos, dá a medida do dilema da Corte. Rejeitando-os, contentará os que cobram a consumação do julgamento, ansiosos por ver punhos ilustres algemados. Admitindo-os, atenuará o estigma de ter realizado um julgamento excepcional, como disseram em carta aberta lançada ontem alguns luminares do meio jurídico. Negando os recursos, disseram eles, o tribunal “não fará história pela exemplaridade no combate à corrupção, mas, sim, coroando um julgamento marcado pelo tratamento diferenciado e suscetível a pressões políticas e midiáticas”.

Mas, no plenário, as armas continuarão sendo os argumentos técnicos sobre a prevalência do regimento, onde tais embargos estão previstos, ou da posterior Lei nº 8.030, que instituiu procedimentos para o STF e o STJ, calando-se sobre eles. A omissão revogou ou manteve a norma regimental? Teria o regimento força de lei, como pensam Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber e Dias Toffoli, os que votaram pelo acolhimento? Mas, ao abrir a dissidência em relação a voto contrário do relator Joaquim Barbosa, o que disse Barroso, de mais eloquente, foi que não encontrou nos anais questionamento anterior sobre a validade de tais recursos, só agora levantada, provocando uma crispação facial em Barbosa.

Na véspera, os conhecedores da Corte diziam que tudo dependeria do voto dos dois ministros recentes, Barroso e Teori, e das duas ministras, Rosa Weber e Cármen Lúcia, que têm grande afinidade jurídica. Os dois votaram a favor, seguidos por Rosa. Cármem ainda não se posicionou. Como o ministro Ricardo Lewandowski já externou posição favorável, e o ministro Gilmar Mendes, posição contrária, as grandes especulações são em relação a Celso de Mello e Marco Aurélio. O decano Celso já expressou entendimento de que os infringentes vigoram, durante o julgamento. Mas como tem sido especialmente duro, afastando-se de sua histórica posição “garantista”, vai negar o que já disse? Marco Aurélio fez um aparte aparentemente restritivo ao voto de Barroso, mas é certo seu incômodo com a dosimetria adotada em alguns casos, produzindo penas que considera exorbitantes.

Fonte: Correio Braziliense