- O Estado de S. Paulo
Está na Câmara dos Deputados mais uma ameaça à democracia brasileira, ainda em construção, voltada para uns de seus pilares, o sistema eleitoral para escolha de deputados e vereadores. Vem do maestro Michel Temer, vice-presidente da República, tendo como primeiro-violino o presidente daquela Casa do Congresso, Eduardo Cunha, ambos do PMDB.
Na orquestra predominam parlamentares preocupados unicamente em preservar seus mandatos. Há simulações, com base nos resultados da eleição de 2014, de que pelo “distritão” a grande maioria dos deputados federais seria constituída dos mesmos eleitos pelo atual sistema, o proporcional.
Neste, a soma dos votos dados a um partido ou coligação, a chamada legenda, determina o número de seus eleitos proporcionalmente ao total de votos numa dada eleição. Recebem o mandato os candidatos mais votados da legenda.
Por sua vez, o “distritão” elegeria os candidatos que individualmente tivessem o maior número de votos, independentemente do obtido por sua legenda. Quem defende o “distritão” argumenta principalmente que ele evitaria que candidatos menos votados que outros recebessem mandatos, “puxados” pelos “campeões de votos” – como o deputado federal Tiririca (PR-SP) –, por força da enorme quantidade de sufrágios que conseguem para sua legenda. Mas, o “distritão” pode também trazer uma inflação de Tiriricas e outros de vocação parlamentar oportunista.
Li que esse sistema é adotado somente na Jordânia e no Afeganistão. Sua marca principal é o voto personalizado, jogando em segundo plano as ideias e os partidos. Seus defensores chegam até a argumentar que os partidos já não representam nada. Que absurdo! A solução não está em adotar essa proposta, mas em que eles voltem a ser autênticas agremiações partidárias. E, ainda, que os legisladores eleitos passem a efetivamente representar o povo, algo que ainda está por ocorrer no Brasil.
Tomando os deputados, no sistema atual há candidatos que se elegem com votos concentrados num único município ou numa região. No “distritão” todos teriam de buscar mais votos em todo o Estado, encarecendo as campanhas eleitorais. E acompanha essa ideia a de constitucionalizar as doações empresariais, contrariando o que o Supremo Tribunal Federal pensa a respeito, só faltando formalizar sua decisão. Tais doações abrem espaço para a corrupção explícita e para a implícita. Esta quando, em retribuição ao financiamento, o eleito se empenha na defesa de interesses empresariais, ainda que sem propina.
O debate sobre o “distritão” aqueceu com a perspectiva de que o presidente da Câmara quer pôr a proposta em votação até junho. Mas essa discussão maior está mostrando mais claramente as fragilidades do “distritão”. No âmbito da comissão parlamentar que examina o assunto já há divergências, até mesmo da parte do próprio relator, deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), que discorda da ideia. E, conforme noticiou este jornal, o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) passou a atuar em sentido contrário, buscando apoio de outros partidos.
A mesma matéria diz que Eduardo Cunha já admite que pode não conseguir levar adiante qualquer alteração no sistema eleitoral. Mas essa também não é uma boa opção, pois esse sistema carece de vários aperfeiçoamentos, particularmente dos voltados para combater a fraca representatividade dos eleitos e para reduzir o custo das campanhas.
Assim, em lugar do “distritão”, que também poderia ser chamado de “piorão”, uma das alternativas, proposta por um dos seus críticos mais atuantes, o cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, seria a de aprimorar o sistema proporcional, acabando com as coligações e adotando uma nova e mais restritiva lei de financiamento, entre outras medidas. Conforme disse numa entrevista, coisas pequenas poderiam melhorar muito mais do que os céticos acreditam.
Mas é preciso também um ataque contundente à falta de representatividade dos eleitos, o que o “distritão” também piora, pois, como disse ainda o mesmo analista, seriam simplesmente jogados fora os votos de milhões de eleitores que votaram em candidatos que não se elegeram. E, acrescento, permaneceria a imensa distância entre os eleitos e seus eleitores e cidadãos em geral.
Levando em conta esses aspectos, o sistema distrital é o que mais se recomenda, pois o eleito passaria a representar todos os cidadãos de seu distrito, e não apenas seus eleitores. Além disso, esse sistema cria um vínculo permanente entre os cidadãos distritais e seus representantes, pois impõe a estes últimos, caso queiram ser reeleitos, a necessidade de prestar contas do que fazem. Isso ao mesmo tempo que esse vínculo entre representante e cidadão, fortalecido no âmbito do distrito, cria condições para cobrar desempenho do eleito. Ademais, no sistema distrital o representante reside no distrito, torna-se muito conhecido nele e é sabido onde pode ser encontrado, visto ou acessado mediante mensagens eletrônicas e outras formas de comunicação.
Por falar em comunicação, uma dificuldade do sistema distrital seria a de explicá-lo aos eleitores, como argumentado pelos defensores do “distritão”, que apontam este como de fácil de entendimento, bastando dizer que nele os mais votados se elegem.
Há décadas defensor do sistema distrital, venho insistindo numa forma simples de comunicação para seus pregadores. Trata-se de apresentá-lo como eleição direta de deputados e vereadores. Realizada num distrito, haveria nele uma meia dúzia de candidatos viáveis e seria eleito o mais votado.
Para começar a mudança deveria ser referendado pela Câmara o projeto do senador José Serra, já aprovado no Senado, instituindo o voto distrital simples nos municípios com mais de 200 mil eleitores.
*Roberto Macedo é economista (UFMG. USP e Harvard) e consultor econômico e de ensino superior