quinta-feira, 18 de maio de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (a força das ideias)

“A força das religiões, e notadamente da Igreja Católica, consistiu e consiste no seguinte: elas sentem intensamente a necessidade de união doutrinária de toda a massa “religiosa” e lutam para que os estratos intelectualmente superiores não se destaquem dos inferiores. A Igreja romana foi sempre a mais tenaz na luta para impedir que se formassem “oficialmente” duas religiões, a dos “intelectuais” e a das “almas simples”. Esta luta não foi travada sem que ocorressem graves inconvenientes para a própria Igreja, mas estes inconvenientes estão ligados ao processo histórico que transforma a totalidade da sociedade civil e que contém, em bloco, uma crítica corrosiva das religiões. E isto faz ressaltar ainda mais a capacidade organizativa do clero na esfera da cultura, bem como a relação abstratamente racional e justa que a Igreja, em seu âmbito, soube estabelecer entre intelectuais e pessoas simples. Os jesuítas foram, indubitavelmente, os maiores artífices deste equilíbrio e, para conservá-lo, eles imprimiram à Igreja um movimento progressivo que tende a satisfazer parcialmente as exigências da ciência e da filosofia, mas com um ritmo tão lento e metódico que as modificações não são percebidas pela massa dos simples, embora apareçam como “revolucionárias” e demagógicas aos olhos dos “integristas”.”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p. 99. Civilização Brasileira, 2006.

Malu Gaspar - Cassar Dallagnol foi pouco

O Globo

Se houvesse um censo para esse tipo de coisa, provavelmente se constataria um recorde de taças tilintando em Brasília logo após a cassação de Deltan Dallagnol. Sem contar as mensagens, ligações e memes entre autoridades se congratulando por extirpar da política o ex-procurador da Lava-Jato de Curitiba.

Em meio à celebração, houve quem disputasse o pioneirismo na luta contra a operação que, segundo seus críticos, “criminalizou a política” e deu asas ao bolsonarismo. Para os mais ambiciosos, cassar Dallagnol foi pouco. "Só comemoro mesmo quando expulsar o Moro", me disse uma parruda autoridade da República.

Por mais insaciável que seja o desejo de vingança, porém, o “sistema” não tem do que reclamar. Nesta semana, mais um passo foi dado contra a “criminalização da política”. Foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados a anistia para todas as irregularidades nas prestações de contas dos partidos sobre o uso do fundo eleitoral.

Merval Pereira - O sistema é f*#@

O Globo

TSE usou uma interpretação premonitória para cassar a candidatura de Dallagnol

Continuamos a fase mediúnica da Justiça brasileira, quando se arquiva um processo porque ele certamente prescreverá no seu decorrer e se condena alguém pelo que poderia fazer caso acontecesse isso ou aquilo. Tudo faz parte, no entanto, de um esquema organizado para liberar condenados e condenar os que os condenaram. E tudo dentro da lei, “com Supremo, com tudo”, como previa o ex-deputado Romero Jucá. Ele, por sinal, anda livre, leve e solto fazendo política em Brasília, embora tenha sido derrotado mais uma vez na eleição de seu estado. A Justiça não o apanhou, mas o eleitor sim.

No primeiro caso, a título de exemplo, Lula não pode mais ser punido pelo caso do tríplex do Guarujá, pois o Ministério Público Federal alegou que, com os prazos prescricionais reduzidos pela metade, já que ele tem mais de 70 anos, os crimes de que é acusado — lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva — já estariam prescritos se um novo julgamento ocorresse. O processo foi arquivado, e Lula considera-se inocentado nesse e noutros casos.

Luiz Carlos Azedo - Cassação de Dallagnol é a volta do cipó de aroeira

Correio Braziliense

Ex-chefe da força-tarefa de Curitiba, algoz do presidente Lula, que ousou estender suas investigações contra a corrupção aos tribunais superiores, acabou defenestrado pelo TSE

Gravado em 1968, o ano da Passeata dos 100 Mil e do Ato Institucional nº 5, a letra da música Cipó de Aroeira, de Geraldo Vandré, que empresta seus versos à coluna, fez muito sucesso à época. Era uma alusão à Revolta da Chibata (1910) e ao passado escravagista da Colônia e do Império, cujos castigos físicos impostos aos escravos indisciplinados e rebeldes continuaram praticados após a abolição, pela Marinha de Guerra: “Marinheiro, marinheiro/ Quero ver você no mar/ Eu também sou marinheiro/ Eu também sei governar/ Madeira de dar em doido/ Vai descer até quebrar/ É a volta do cipó de aroeira/ No lombo de quem mandou dar/ É a volta do cipó de aroeira/ No lombo de quem mandou dar”.

Também foi uma espécie de prenúncio da opção pela luta armada que uma parte da oposição ao regime militar viria a adotar, sob a liderança principal do comunista Carlos Marighella. Havia um evidente voluntarismo na ideia de que seria possível combater o regime militar recorrendo à força das armas, o que resultou no fracasso dos grupos guerrilheiros urbanos e rurais constituídos sob a inspiração, principalmente, da Revolução Cubana. Nunca houve a volta do cipó de aroeira. O regime militar seria derrotado nos marcos de suas próprias regras eleitorais.

Maria Cristina Fernandes - Ao cassar Dallagnol, TSE aduba lavajatismo

Valor Econômico

Cassação de Dallagnol mostrou que lavajatismo não morreu

Deltan Dallagnol colocou o Ministério Público Federal no modo guerrilha e o país num frenesi jurídico-político do qual não saiu até hoje. Transformou-se, assim, num dos principais cabos eleitorais do ex-presidente Jair Bolsonaro. Apesar disso, ou melhor, em grande parte por causa disso, recebeu o voto de 344 mil paranaenses para chegar à Câmara dos Deputados e se dedicar à política, vocação que não foi capaz de sublimar durante seu mandato como procurador da República.

O TSE foi o grande dique de contenção do golpismo que ameaçou inundar a democracia, mas, ao cassar o mandato de Dallagnol, não contribui para devolver o país à normalidade institucional. O lavajatismo de Dallagnol ajudou a derrubar Dilma Rousseff. Com o lavajatismo que tem guiado decisões como a da noite desta terça-feira, o TSE, supostamente, sai em socorro ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas pode ajudar a minar sua legitimidade.

Maria Hermínia Tavares* - O ambiente no governo

Folha de S. Paulo

Não faltará ocasião para testar a firmeza dos compromissos ambientais

A ministra Marina Silva tem insistido no que considera a principal diferença entre os dois períodos em que comandou o Ministério do Meio Ambiente. O primeiro, entre 2003 e 2008, ao ocupar um nicho no governo, a partir do qual construiu boa parte das instituições que regem a proteção de nossas florestas e a biodiversidade.

Hoje a questão ambiental se destaca entre os compromissos do governo Lula, com espaço próprio em distintas áreas da administração, entre elas nada menos de 19 ministérios e bancos públicos, assegurando-lhe fortes ferramentas de ação.

Bruno Boghossian - Os custos de uma CPI

Folha de S. Paulo

Comissão será presente para bolsonaristas, mas deve fazer poucos estragos sobre Lula

O deputado Luciano Zucco já se referiu a Lula como ex-presidiário e comparou a ocupação de terras pelo MST ao terrorismo. Ricardo Salles disse que gestões petistas são lenientes com invasões. Kim Kataguiri sentenciou, aos 100 dias de mandato, que o atual governo é desastroso.

Presidente, relator e vice-presidente terão palco livre na CPI que foi instalada para investigar a atuação do MST, mas tem o governo como alvo principal. A comissão dificilmente conseguirá fôlego suficiente para atrapalhar Lula, mas deve manter os oposicionistas agitados e exigir uma dose extra de mobilização política do Planalto.

Vinicius Torres Freire - Haddad e Lira vencem, PT perde

Folha de S. Paulo

Comando da Câmara indica os termos de um acordo entre a direita parlamentar e Lula

Câmara aprovou a tramitação urgente do teto móvel de gastos Lula-Haddad, o dito "arcabouço fiscal". Foi uma vitória por 367 votos a 102, com uma abstenção —presença de 91,6% dos deputados.

Foi uma vitória de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Derrota do comando do PT, que não engole o "arcabouço fiscal" e ainda menos o ligeiro aperto que a Câmara deu na regra de gasto. Essa tramitação também tem um recado para o presidente da República.

Nada foi aprovado. O projeto será votado na semana que vem, dia 24. Os números da votação, porém, foram expressivos. A tramitação com urgência reduziu a possibilidade de haver emendas importantes ao projeto. O que importa aqui é menos política econômica e mais a política-politiqueira.

William Waack - O preço da vontade

O Estado de S. Paulo

As principais diretrizes do governo são as vontades do presidente Lula

Seja feita a vontade do chefe é um problema difícil em qualquer governo mesmo quando o chefe manda sozinho. Não é o caso do presidente Lula. Ele está muito longe de governar sozinho, mas insiste para que suas vontades sejam feitas.

A lista de vontades do chefe é longa e apoiada em inabaláveis convicções próprias. Seus subordinados estão suando sangue, e algumas das vontades ainda não passaram pelo teste da realidade.

Eugênio Bucci* - O inexorável

O Estado de S. Paulo

Trégua de seis meses nas pesquisas sobre IA não vai resolver nada. Olhe com ternura e compaixão para o mundo à sua volta, pois ele vai desaparecer num suspiro

De umas poucas semanas para cá, o historiador israelense Yuval Harari escreveu um par de artigos afirmando que a inteligência artificial (IA) “hackeou” o “sistema operacional” da espécie humana. Tratase de uma metáfora: “sistema operacional”, aqui, significa linguagem. A máquina finalmente dominou nossas formas de expressão e comunicação – e o perigo que isso representa é inédito, colossal, maior do que qualquer outro que tenhamos conhecido antes.

Harari tece raciocínios com uma limpidez irresistível. Autor de best-sellers mundiais, como Homo Sapiens (publicado no Brasil pela Companhia das Letras), tem o dom de tornar palatáveis, acessíveis e até mesmo envolventes alguns dos mais excruciantes dilemas do nosso tempo. O primeiro dos artigos, originalmente publicado no The New York Times, foi traduzido em jornais brasileiros. O Estadão o estampou em suas páginas no dia 28 de março, com o título de O domínio da inteligência artificial sobre a linguagem é uma ameaça à civilização.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Petrobras joga fora o mecanismo que a fez sobreviver

O Globo

Teste da nova política de preços acontecerá quando barril de petróleo e dólar voltarem a subir

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a cumprir a promessa de “abrasileirar” o preço dos combustíveis. Se o significado da expressão era uma incógnita na campanha eleitoral, continua sendo depois do anúncio de que a Petrobras abandonará a política de Preço de Paridade de Importação (PPI) para estabelecer quanto cobra por gasolina, diesel e gás de cozinha. “Nos alforriamos do PPI para executar uma política de preços a partir das nossas capacidades competitivas”, disse o presidente da estatal, Jean Paul Prates.

Apesar de as ações da Petrobras terem subido, ninguém entendeu direito a nova política. O certo é que ela procura não transferir a volatilidade das cotações internacionais do petróleo aos preços internos. Em termos vagos, a estatal informou que seus preços variarão de acordo com as condições locais de cada refinaria, para oferecer “a melhor alternativa acessível aos clientes”. De imediato, Prates anunciou a queda dos preços cobrados nas refinarias pela gasolina, pelo diesel e pelo botijão de gás. O governo celebrou, mas as ameaças para o futuro são evidentes.

Poesia | Fernando Pessoa - Aproveitar o tempo

 

Música | Roberta Sá - Maneiras