quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Vera Magalhães – Três homens e o duelo de uma era

O Globo

Enquanto os tucanos batem cabeça, e demais postulantes à terceira, quarta ou décima via tentam se posicionar num grid cada vez mais apertado, as atenções do eleitorado, da imprensa e da política se voltam para três personagens das eleições de 2022: Luiz Inácio Lula da Silva, Jair Bolsonaro e Sergio Moro.

Cada um desses pré-candidatos foi protagonista, a sua maneira, dos últimos sete anos da política brasileira, que configuram um período que poderia, grosso modo, ser chamado de Era da Lava-Jato, com tudo o que significou em múltiplos campos.

Moro e Lula foram os antagonistas dessa peleja. O ex-juiz com características de justiceiro dominou a narrativa e a ação no tabuleiro entre 2014 e 2018, mas foi Bolsonaro quem correu por fora e se elegeu na esteira do efeito que a operação provocou na cena política.

Lula experimentou um renascimento nos últimos dois anos, recuperando-se, graças à tragédia que é o governo Bolsonaro e às revelações da Vaza-Jato, bem como ao rearranjo da política tradicional, dos reveses que colhera até 2018 e que tiveram como consequência o encolhimento político do PT em 2016, 2018 e 2020.

Bernardo Mello Franco – Lula e o espantalho

O Globo

Lula marcou um gol em sua viagem à Europa. O ex-presidente se reuniu com líderes relevantes, recebeu homenagens e mostrou que ainda tem prestígio no exterior. Ao contrário de Jair Bolsonaro, esnobado no G20 e visto como pária na comunidade internacional.

Na última escala do roteiro, o petista pisou na bola. Em entrevista ao jornal El País, relativizou o autoritarismo na Nicarágua. “Por que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e o Daniel Ortega não?”, questionou. A jornalista Pepa Bueno desmontou a conversa com uma observação singela: Merkel nunca mandou prender opositores.

Após a correção, Lula admitiu que Ortega estaria “totalmente errado” se tiver prendido rivais. A ressalva não anula o fato de que ele tentou equiparar um autocrata a uma governante que sempre respeitou a democracia. Só em 2018, a repressão política na Nicarágua deixou 355 mortos e 100 mil exilados.

Há duas semanas, o PT festejou a eleição de fachada que validou o quarto mandato de Ortega como uma “grande manifestação popular e democrática”. A nota foi apagada do site do partido, mas Lula reincidiu no erro para defender o velho aliado.

Elio Gaspari - O Bicentenário do blá-blá-blá

O Globo / Folha de S. Paulo

Trabalhar que é bom, nada

O capitão não quer que se trate o 31 de março de 1964 como golpe militar. Prefere falar em revolução. O senador Paulo Paim (PT-RS) quer colocar o nome do marinheiro João Cândido no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria pelo seu papel na Revolta da Chibata, de 1910, mas os comandantes da Marinha objetam. Argumentam que nada justifica uma insurreição.

Os intolerantes de 2021 militam em conflitos do passado, expondo a má qualidade do debate em torno da bela História do Brasil. Até aí, tudo não passaria de um exercício de autoritarismo em torno da memória, mas vai-se aos fatos e se vê que, só na semana passada, a Secretaria de Cultura anunciou a criação de uma linha de crédito de R$ 600 milhões para as comemorações do Bicentenário da Independência. Desde julho, o cineasta Josias Teófilo vinha reclamando dessa inação. Afinal, sabia-se há 199 anos que, no dia 7 de setembro do ano que vem, o Brasil comemoraria seus dois séculos de existência.

Luiz Carlos Azedo - Um samba antológico pode servir de conselho ao PSDB

Correio Braziliense

Disputa entre tucanos, nas prévias tumultuadas do PSDB, parece reproduzir a crise dos partidos da República Velha

Impactado pela vitória do MDB em 1974, o presidente Ernesto Geisel iniciou a grande manobra de retirada dos militares da cena política com a chamada “distensão lenta e gradual”. O partido de oposição à Arena (governista) conseguira expressiva vitória nas eleições gerais de novembro daquele ano, conquistando 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados, além da maioria das prefeituras das grandes cidades. A sociedade se mobilizava geral: operários, estudantes, artistas, classe média, empresários, profissionais liberais.

Houve uma explosão cultural. O teatro, o cinema, a televisão e a música popular faziam a crônica da mudança de costumes e protagonizavam os gritos de liberdade. É nesse ambiente, em 1976, que o sambista Candeia compôs um dos mais belos sambas de sua geração, gravado inicialmente por Cartola, naquele mesmo ano, mas cujo estrondoso sucesso viria mais tarde, na voz de Marisa Monte, em 1989, que não chegou a conhecer. Candeia morreu muito jovem, aos 43 anos, dois anos depois de sua composição.

Antônio Candeia Filho fora um policial truculento, que ficara paraplégico, após levar cinco tiros de um motorista numa batida policial. A limitação física, inimaginável para um capoeirista, levou-o à profunda depressão. Foi salvo, espiritualmente, pelo candomblé. E pelas rodas de samba da Portela, nas quais se destacou como líder da oposição ao “bicheiro” Carlinhos Maracanã. Dissidente, com Paulinho da Viola e outras bambas, criaria a legendária Quilombo. Seu álbum Axé é um manifesto de negritude, contra o racismo estrutural.

José Nêumanne* - Privilégios de classe e casta na educação

O Estado de S. Paulo

Abandono da instrução básica e prioridade para ensino superior são práticas de exclusão no reino dos desiguais

Educação não é privilégio é o título da obra mais importante do fundador do conceito de escola pública em tempo integral no Brasil, o baiano de Caetité Anísio Teixeira, que, não por homenagem vazia, mas por mérito incontestável, completa o nome do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Ou seja, a repartição pública que administra o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), no centro das atenções no momento. Aliás, Enem e Inep são os dois piores exemplos de como a teoria no nome é invertida: entre os privilégios de classe e de casta no País destaca-se o elitista vezo histórico, oposto à intenção benemérita do formulador dos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps), no Rio, e dos Centros Educacionais Unificados (Ceus), em São Paulo.

Zeina Latif - Construindo a herança maldita

O Globo

O próximo presidente encontrará um país desarrumado, com retrocessos institucionais na política econômica e mais frágil estruturalmente

A economia brasileira exibe sinais precoces de estagnação; e isso sem ter sentido ainda a força contracionista da alta de juros do Banco Central, contratada para 2022. Contrariando a visão de muitos de que o avanço da vacinação, bem como a alta de preços de commodities, traria ímpeto à atividade econômica, a medida de PIB mensal do BC (IBC-Br) está praticamente estável desde março.

Como já discutido neste espaço, esse quadro não surpreende, tendo em vista os erros de política econômica que alimentam a inflação. Esta chegou mais cedo e mais forte ao Brasil: em meados do ano passado, a taxa estava próxima da média de Chile, Colômbia, México e Peru, na casa de 2,5% na variação anual, mas em outubro atingiu 10,7%, ante média de 6% nesses países. Não surpreendem as previsões tão distantes para a taxa de juros no final de 2022: 11,25% ao ano no Brasil e cerca de 5% na média do grupo.

Somam-se a isso as incertezas políticas. Sabe-se lá qual será a agenda econômica deste fim de governo e do próximo presidente, e sua força política. As incertezas vão além de temas mais elaborados, como as reformas estruturais. Há dúvidas sobre assuntos que deveriam estar mais consolidados, como a política de preços da Petrobras e o compromisso com a disciplina fiscal.

Fábio Alves - Investidor vê bagunça estrutural na economia

O Estado de S. Paulo

Sem credibilidade fiscal e com inflação em alta, País terá de conviver com juros reais bem mais altos

As projeções de inflação em 2021 ultrapassaram os dois dígitos pela primeira vez na mais recente pesquisa Focus e as estimativas para 2022 já estão batendo quase o teto da meta, mas são as expectativas inflacionárias de prazos mais longos – 2023 e 2024 – que preocupam, pois começam a se distanciar dos objetivos do Banco Central.

Esse é um sinal claro de que os investidores enxergam uma desorganização mais estrutural da economia brasileira. Tal percepção negativa foi agravada desde que o governo decidiu abandonar as regras do teto de gastos, a única âncora fiscal do País.

Para 2021, os analistas ouvidos na pesquisa Focus passaram a projetar uma inflação de 10,12%, enquanto para 2022 o consenso das previsões aponta para uma alta de 4,96% do IPCA, quase no teto da meta do ano que vem, de 5,0%.

A disparada na inflação deste ano pode ser atribuída, em grande parte, à crise hídrica, que resultou em forte aumento das tarifas de energia elétrica, e à alta nos preços dos combustíveis, além de choques de curto prazo na oferta de produtos causados pela pandemia de covid.

Quanto ao aumento nas projeções de inflação em 2022, a culpa pode ser atribuída aos ruídos causados pelo início da corrida para a eleição presidencial do ano que vem e até mesmo ao BC, que, na visão de muitos analistas, estaria atrasado no ritmo atual do aperto monetário. Também a inércia inflacionária, com o índice em dois dígitos em 2021, afetará os preços no ano que vem.

Bruno Boghossian - O abacaxi da Nicarágua

Folha de S. Paulo

Petistas insistem no erro de declarações generosas sobre Cuba, Venezuela e Nicarágua

Se a Alemanha não fosse uma democracia, o grupo de Angela Merkel não teria sido derrotado nas eleições, após 16 anos no poder. Também não teria ocorrido o recente encontro entre Lula e o futuro chanceler alemão, de um partido adversário.

Se a Nicarágua fosse uma democracia, Lula não teria dito, há poucos meses, que as coisas "não andam nada bem por lá". Além disso, o ex-presidente não teria aconselhado Daniel Ortega a defender a liberdade no país, e o PT não teria apagado uma nota que celebrava a vitória governista numa eleição marcada pela prisão de opositores do regime.

Mariliz Pereira Jorge - Vida de gado

Folha de S. Paulo

Por que petistas acreditam que Lula e o PT não podem ser cobrados por suas declarações?

Por que petistas acreditam que Lula e o PT não podem ser cobrados por suas declarações quando relativizam ou enaltecem ditaduras? O ex-presidente deve ser um dos protagonistas da eleição que tem a missão de recuperar a esfacelada democracia no Brasil. O declínio foi também identificado por um levantamento da organização International Idea.

Não é opcional que Lula, além de todos os partidos e políticos de esquerda, se posicione sem titubear em relação a governos autoritários. É assim que já são listados Nicarágua, Venezuela e Cuba no relatório em que o Brasil é apontado como o que mais perdeu atributos democráticos em 2022.

Vinicius Torres Freire – O Natal e o Carnaval da Covid

Folha de S. Paulo

Número de mortes por Covid volta a aumentar no estado de SP, no Brasil, é quase estável

Não é um repique, não é uma onda, mas o número de mortes por Covid em São Paulo voltou a aumentar. Não se dá muita atenção porque se trata de um alta da casa de 60 vítimas por dia para a casa dos 70. No restante do Brasil, a melhoria perdeu força. O ritmo do morticínio está entre queda ligeira e quase estabilidade.

A situação paulista é pior, segundo os registros oficiais (isto é, se a subnotificação não aumentou em outros estados). Desde fins de outubro, parou de despiorar. Fica agora ainda mais evidente a ficção do dia de "morte zero", alardeada faz umas duas semanas. Era bobagem propagandística precipitada, um erro estatístico e uma interpretação errada dos registros administrativos.

O número de mortes em São Paulo ainda era de 300 por dia no final de julho, havia sido de 800 por dia em abril. Entende-se, portanto, que pouca gente preste atenção ao problema recente, ainda mais porque faz tempo há saturação com o assunto e porque a vacina dá uma sensação maior de segurança. Mas entende-se também o motivo de um em cada nove municípios paulistas terem cancelado também o Carnaval de rua de 2022. A epidemia ainda não acabou.

Fernando Exman - Falha na identificação da nova face tucana

Valor Econômico

Diálogo e ponderação devem começar na pré-campanha

Simbólico o erro na função de autenticação facial do aplicativo das prévias tucanas.

O PSDB enfrenta dificuldades para apresentar ao eleitor a sua nova cara. Tornou-se uma legenda em que alguns de seus integrantes não se identificam mais e tampouco se reconhecem.

E não foi só o aplicativo. O partido também entrou em pane, mas não uma pane tecnológica. Travou porque há uma disputa política pelo seu sistema operacional.

De um lado, está um grupo considerável de técnicos mais antigos, representado por aqueles que formataram o sistema por muito tempo, e, portanto, possui mais força entre votos com maior peso relativo na disputa interna. Eles estão com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. E do outro lado se apresenta uma ala que tem grande capacidade de processamento e demonstrou força na campanha. Ela aposta na capilaridade proporcionada pelo aplicativo de votação. É o grupo do governador de São Paulo, João Doria.

Hoje, os problemas técnico e político dividem as atenções. E ambos acabam por atrapalhar os planos do partido de transformar as prévias em uma grande vitrine.

Daniel Rittner - Uma conversa com Celso Amorim

Valor Econômico

Ex-ministro simpatiza com a ideia de incluir compromissos adicionais em meio ambiente e direitos humanos no acordo com a UE

Já passava da meia-noite de sexta-feira para sábado, em Madri, quando Celso Amorim voltou para o quarto do hotel, depois de um dos seus últimos compromissos acompanhando o ex-presidente Lula no périplo pela Europa, e aceitou conversar com a coluna para fazer balanço da visita, além de oferecer pistas do que poderia ser a política externa do eventual governo 3.0 do petista.

A conversa com Amorim ocorreu antes da entrevista dada por Lula a “El País”. Nesta, o ex-presidente comparou Daniel Ortega, ditador nicaraguense que pôs oposicionistas na prisão, com Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha, que ficou no poder por 16 anos, eleita democraticamente. O comentário veio dias depois de uma já desastrada nota do PT sobre a eleição na Nicarágua.

Primeiro, o ex-chanceler quis pontuar como gestos e formas, na diplomacia, são relevantes. Pedro Sánchez, na Espanha, recebeu Lula por uma hora e meia. Josep Borrell, o alto representante da União Europeia para Negócios Estrangeiros, suspendeu a folga e foi para o gabinete em pleno domingo só para encontrar-se com o brasileiro. Em Paris, uma audiência de 45 minutos estava prevista com Emmanuel Macron.

Surpreendentemente, o cerimonial do Palácio do Eliseu lhe avisou que os planos haviam sido alterados. “Em 60 anos de diplomacia, quase isso, nunca vi - ou não me lembro de ter visto - um ex-presidente e potencial candidato ser recebido assim em algum país do mundo.” Em seguida, Amorim desfez a suspeita de que Lula e os líderes europeus gastaram saliva para falar mal de Jair Bolsonaro, de sua postura anti-máscara e pró-atraso na vacinação, do fracasso de sua política ambiental. “Não foi esse o tom. Se havia queixas, elas foram implícitas. Não foi conversa miúda. Conversaram só sobre assuntos substantivos.”

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Inflação dá lucro para o governo

O Estado de S. Paulo

Alta de preços engorda a arrecadação e amplia o espaço para gastos federais em ano de eleição.

Cruel para os trabalhadores, especialmente para os mais de 13 milhões de desempregados, a inflação tem sido grande colaboradora do Tesouro Nacional, importante fonte de arrecadação mesmo em tempo de economia emperrada. Pela nova estimativa, incluída no quinto relatório bimestral de receitas e despesas, o poder federal deve arrecadar neste ano R$ 1,913 trilhão, R$ 57 bilhões a mais que o valor projetado em abril, R$ 1,856 trilhão. Vinte bilhões, mais que um terço desse acréscimo, devem provir da combinação de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e inflação superior à prevista no início do ano.

A receita da União normalmente cresce mais que o produto. Esse é um dado conhecido há muito tempo. Neste ano, a arrecadação recebe também o impulso especial de um dos maiores surtos inflacionários já registrados, no Brasil, no século 21. Em 12 meses a alta de preços ao consumidor já ultrapassou 10%. A variação prevista no mercado para o período de janeiro a dezembro chegou a 10,12%, segundo a última pesquisa Focus.

A arrecadação tende a engordar, portanto, mesmo com negócios em marcha muito lenta, desemprego elevado e consumidores empobrecidos. Neste ano, a produção da indústria recuou em sete dos nove meses de janeiro a setembro, na comparação de cada mês com o imediatamente anterior. O consumo também tem oscilado, assim como a atividade do setor de serviços. No terceiro trimestre o desempenho econômico foi muito fraco, a julgar pelos números já publicados, e no segundo o PIB foi inferior ao do primeiro.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

Música | Paulinho Da Viola - Foi um rio que passou em minha vida