• Número de correntistas cresceu 47% desde 2007. Para analistas, arrecadação será maior
A CPMF, se aprovada pelo Congresso, vai tributar mais 29 milhões de pessoas. Esse é o número de brasileiros que passaram a ter contas-correntes desde 2007, quando o tributo foi extinto. É uma expansão de 47% e, por isso, analistas acreditam que a arrecadação do governo será de R$ 50 bilhões, maior, portanto, que os R$ 32 bilhões previstos pela Fazenda, informa Ronaldo D’Ercole.
Mais ‘clientes’ para CPMF
• Desde 2007, há mais 29 milhões com contas bancárias. Arrecadação deve ser maior
Ronaldo D’Ercole - O Globo
-SÃO PAULO- Se a volta da Contribuição sobre Movimentações Financeiras (CPMF) for aprovada pelo Congresso, o imposto vai atingir um número muito maior de brasileiros do que em 2007, último ano em que foi cobrada. E, por isso mesmo, de acordo com especialistas, pode render ao governo cifra bem maior que os R$ 32 bilhões previstos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como receita anual. Isso mesmo considerando que, agora, a alíquota será menor, de 0,2%, e não de 0,38% como era em 2007.
Segundo o Banco Central, o país conta hoje com 91,3 milhões de pessoas com saldo em conta-corrente bancária, 47,5% mais que os 61,8 milhões de correntistas existentes no fim de 2007. São 29,4 milhões a mais. Muitos passaram a ter conta em banco nos últimos anos, graças aos ganhos de renda dos brasileiros, à formalização do mercado de trabalho e ao crescimento da classe C. E, também por isso, o saldo dos depósitos à vista no sistema bancário aumentou. A expansão foi de 16,2%, chegando hoje a R$ 188,1 bilhões.
Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating, destaca que, o volume de recursos em circulação na economia via sistema bancário é muito maior hoje do que há oito anos. De acordo com os dados do BC, há no sistema financeiro — em depósitos à vista, aplicações a prazo, caderneta de poupança e outros ativos, como letras de câmbio e letras imobiliárias — R$ 1,77 trilhão, mais que o dobro do fim de 2007, quando esse montante era de R$ 740 bilhões.
— A tendência é arrecadar mais com a CPMF, mesmo com a alíquota menor, porque o volume de dinheiro que circula na economia hoje é muito maior — diz.
Perto dos R$ 50 bilhões
No último ano da CPMF, o governo arrecadou R$ 36,4 bilhões. Em valores atuais, corrigidos pelo IPCA até dezembro do ano passado, a cifra chega a R$ 54,25 bilhões. Para Fernando Zilvetti, professor de Tributação e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), esse é um valor aproximado do que deve ser arrecadado agora com a volta do imposto, mesmo considerando que a alíquota será menor, já que o número de pessoas tributadas e o volume de recursos sobre os quais vai incidir a CPMF cresceram muito.
Para Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac (entidade que reúne os executivos de finanças e contabilidade), há um aspecto positivo e outro negativo para a intenção do governo de aumentar a arrecadação via CPMF.
— O dado a favor é uma base maior de clientes bancarizados, quase 30 milhões a mais. O lado negativo, porém, é que diferentemente de 2007, quando a economia crescia e gerava mais negócios, agora há um cenário recessivo, com empresas demitindo e a atividade econômica retraída, o que pode significar um freio na arrecadação — afirma.
De fato, o número de brasileiros com conta-corrente em junho é menor do que os 96,7 milhões registrados em dezembro de 2014. Significa que 5,5 milhões de pessoas fecharam suas contas nos primeiros seis meses deste ano. O total de recursos depositados também encolheu no mesmo período. Passou de R$ 188,4 bilhões para R$ 166,4 bilhões.
Apesar disso, observa Oliveira, a maior formalização da economia joga a favor de uma arrecadação maior do chamado imposto do cheque.
— A economia hoje está mais formalizada, e os micro e pequenos empresários estão pagando os salários em bancos. Lá atrás, como não tinha conta, muita gente recebia o salário em dinheiro. Com a bancarização, sempre que movimentar a conta, o trabalhador terá de pagar o tributo — diz Oliveira.
Se a diferença do saldo das contas correntes não é muito expressiva, os depósitos a prazo (CDBs e fundos de renda fixa) e nas cadernetas de poupança cresceram muito nesses quase oito anos. Em junho, a poupança tinha R$ 642,2 bilhões, bem mais que o dobro dos R$ 234,2 bilhões de 2007. E o saldo de depósitos a prazo (CDBs e fundos de renda fixa) passou de R$ 313,7 bilhões para R$ 544,6 bilhões.
— A probabilidade é que, com a recessão se aprofundando, a queda da renda e o desemprego maior, boa parte desses recursos sejam resgatados para as pessoas pagarem suas contas, e haverá a tributação se a CPMF voltar. Lá atrás, em 2007, com a economia e os empregos bombando, o dinheiro ficava aplicado por mais tempo — diz o executivo da Anefac.
Mudança de hábitos
Além disso, lembra Zilvetti, da FGV, houve uma mudança muito grande de hábitos com o avanço da tecnologia digital e, consequentemente, no uso das transações eletrônicas e dos cartões de débitos.
Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) revela que em 2014 foram realizadas 47 bilhões de transações bancárias no país, metade por meio da internet ( 39%) e do celular (11%).
— O crescimento das transações eletrônicas foi enorme, o que favorece uma arrecadação maior com a CPMF — diz Zilvetti.
Erivelto Rodrigues, da Austin Rating, lembra ainda que, apesar do agravamento da crise econômica, nos últimos anos houve um significativo ganho de renda, e hoje o consumo é muito maior.
— O nível de renda das famílias aumentou nos últimos anos, e não importa se elas hoje estão mais endividadas. Elas terão de pagar essas dívidas, e isso movimenta mais dinheiro que vai alimentar a CPMF — afirma.
A despeito da maior sofisticação e da popularização do uso de operações eletrônicas no sistema bancário, os especialistas não descartam que a volta do imposto leve a alguns retrocessos nos hábitos das pessoas.
Mesmo porque, como observa Ricardo Humberto Rocha , professor do MBA do Insper, a implementação do tributo seria fácil e rápida, uma vez que os bancos, responsáveis pelo recolhimento da CPMF, já possuem os sistemas prontos:
— Isso vai dar margem para alguns setores migrarem para a informalidade.
A consultora da Órama Investimentos Sandra Blanco afirma que o consumidor e as empresas tendem a ficar mais atentos ao gerenciamento das contas, para serem menos atingidos pelo imposto. Depósitos para saque posterior, se evitados, por exemplo, vão resultar em pagamento de menos CPMF.
— Não vai mais ser possível ficar colocando e tirando dinheiro da conta a toda hora — diz Sandra.
(Colaborou Ana Paula Ribeiro)