domingo, 8 de abril de 2018

Opinião do dia: Italo Calvino

A memória conta realmente – para os indivíduos, as coletividades, as civilizações – só se mantiver junto a marca do passado e o projeto do futuro; se permitir fazer sem esquecer aquilo que se pretendia fazer; tornar-se sem deixar de ser; ser sem deixar de tornar-se.


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Italo Calvino (15/10/1923-19/9/1985) foi um dos mais importantes escritores italianos do século XX. Frase do artigo de Pedro S. Malan: “Disputar é uma coisa, governar é outra”, O Estado de S. Paulo, 8/4/2018.

Eliane Cantanhêde: Produto de exportação

- O Estado de S.Paulo

Condenação de Lula é pelo triplex, mas longe de ser só pelo apartamento

Na missa para Marisa Letícia, que virou comício para Lula, o ex-presidente usou de toda a emoção e de todo vigor retórico para clamar que seu grande crime foi dar comida, escola e universidade para pobre. Porém, assim como o impeachment de Dilma Rousseff foi pelas pedaladas, mas não só por elas, a prisão de Lula foi pelo triplex no Guarujá, mas não só por ele. Tanto as pedaladas como o triplex estão inseridos num contexto muito mais amplo, são peças de um todo.

O que as investigações desvendaram, e as fotos no triplex confirmam, é a íntima relação de Lula não apenas com uma empreiteira, a OAS de Léo Pinheiro, mas com as grandes empreiteiras, conhecidas compradoras de políticos. No topo, a Odebrecht.

Os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht sobre as contas secretas mantidas para o ex-presidente e geridas por Antonio Palocci, antes e depois da Fazenda, são uma aula de como Lula foi afundando nos braços pródigos, mas gulosos, das empreiteiras.

E foi nessa simbiose entre Lula e elas que o Brasil virou um exportador de corrupção para América Latina, Caribe, África e Europa. Começou na Venezuela de Hugo Chávez e se expandiu para Peru, Colômbia, Equador, Angola... com régios financiamentos do nosso BNDES e uma cereja do bolo: os marqueteiros de Lula incluídos no pacote.

Para Fernando Gabeira, há uma estratégia nas investidas do triângulo Lula-Odebrecht-BNDES em tantos países: a mistificação de Lula, sua transformação em líder mundial de massas. Mas o revertério pega de jeito não só ele, mas também os aliados que entraram no esquema internacional. Ou seria pura coincidência que Lula esteja às voltas com a Justiça ao mesmo tempo que outros ex-presidentes, como o do Peru.

Vera Magalhães: Que as instituições falem

- O Estado de S.Paulo

Preso político? Onde? Em que mundo vive quem repete tal estultice?

Condenado com prisão decretada que descumpre decisão judicial por 26 horas. Ministro do Supremo que diz que os colegas não têm pedigree. Senadores da República que incitam militantes a reagirem à polícia. A semana terminou em clima de histeria e de perigoso flerte do Brasil com a desinstitucionalização. E não, isso não foi obra do juiz Sérgio Moro, como tentaram fazer crer os personagens envolvidos nas quizilas acima.

A ordem de prisão de Lula foi decretada por Moro em seguida a um ofício do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. Que, por sua vez, se manifestou após decisão por 6 votos a 5 do Supremo Tribunal Federal negando habeas corpus a Lula. Essa decisão veio depois de outras, em caráter unânime, do Superior Tribunal de Justiça e do mesmo TRF-4. Que, por sua vez, confirmou e ampliou sentença de Moro.

De baixo para cima e de cima de novo para baixo, toda a correia de transmissão do Poder Judiciário brasileiro foi acionada mais de uma vez nesse processo. Todos esses gatilhos foram puxados pela defesa de Lula, que por sua vez é exercida por pelo menos três escritórios de advocacia estrelados.

Não há prisão arbitrária por parte de Moro, e a tentativa de transformar o juiz em um vilão, encabeçada por Lula e endossada não só pelos líderes de torcida de Lula no Parlamento, mas, lamentavelmente, por Gilmar Mendes, um representante da mais alta Corte do País, faz parte da narrativa petista de vitimização de um condenado por crimes comuns do colarinho branco. A saber: corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Merval Pereira: Esperteza radical

- O Globo

A esperteza, quando é muita, cresce e come o dono. Essa pode ser a definição do que aconteceu ontem em São Bernardo do Campo. O ex-presidente Lula quebrou todos os acordos feitos com a Polícia Federal desde as 17 horas de sexta-feira para se entregar, e montou uma encenação que só piorou sua situação, política e jurídica.

Os militantes do PT que impediram o expresidente Lula de sair do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em combinação com os líderes petistas — o mais provável — ou não, estavam agindo de acordo com a orientação do ex-presidente que, horas antes, incentivara os integrantes do MST a fazerem invasões; os membros do MTST de Boulos que continuassem a invadir imóveis e terrenos; e os militantes que continuassem a queimar pneus para interromper as estradas como demonstração de protesto contra sua prisão.

Ele exortou seus seguidores contra a Justiça, os promotores e a imprensa, chancelando uma posição radicalizada de atuação política que só poderia resultar nos tumultos acontecidos ontem; no vandalismo que atingiu o edifício, em Belo Horizonte, da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia; e em agressões a jornalistas.

Como se reage a uma confrontação dessas sem perder a credibilidade, e ao mesmo tempo, sem criar um ambiente de confrontação entre militantes e polícia? Esse foi o grande impasse que dominou a Polícia Federal e o próprio juiz Sergio Moro, durante toda a parte da manhã.

Míriam Leitão: À moda Lula

- O Globo

A multidão gritava “não se entregue”, e o ex-presidente Lula diria logo depois que se entregaria. Mas apresentou o ato como se fosse um desafio. “Eu vou enfrentá-los olho no olho.” No discurso, ele radicalizou o tom, costurou a união da esquerda, garantiu inocência, e produziu uma coleção de frases que podem ser usadas na campanha. Lula fez parecer vitória a sua maior derrota.

Nos últimos dias, usou seu velho método de dar a impressão de que endurece, enquanto negocia; de que vence, quando está cedendo. Essa estratégia foi usada em todas as greves que comandou. Ontem, ele voltou ao discurso radical que abandonou ao governar para parecer com o Lula inicial.

O chão do Sindicato dos Metalúrgicos começou a tremer. Era o começo dos anos 1980 e os trabalhadores vibravam pela chegada de Lula. Ele já iniciara a ida para a política, mas estava ali, local do seu pertencimento, para dar apoio a uma greve liderada por Jair Meneguelli. Eu cobria o evento e tive noção, na força da sua chegada, de que aquele líder iria até onde quisesse.

Era fácil prever que ele poderia chegar ao Planalto. Difícil imaginá-lo no caminho para uma cela de Curitiba. Ele explorou politicamente cada minuto da exposição que teve. O tempo dado pelo juiz Sérgio Moro, como sinal de respeito ao cargo que ocupou, foi usado para criar um intenso ato político. Ao se entrincheirar, quis montar uma armadilha para os que o prenderiam. Se a Polícia Federal tivesse sido mais dura, geraria cenas fortes. Tudo serviria ao propósito de outro papel que ele sempre soube fazer: o de vítima.

O que há de fato contra Lula? Essa é a pergunta dos fiéis que o seguem e acreditam na inocência dele contra todas as evidências. As provas são contundentes. No seu governo foi montado um esquema de tirar dinheiro de estatais para as campanhas políticas e isso foi flagrado no Mensalão. A Ação Penal 470, julgada no Supremo Tribunal Federal, teve relatoria de um ministro que havia sido nomeado por ele. Ficaram evidentes as conexões entre marqueteiros, dirigentes do PT, partidos da base, banqueiros e fornecedores públicos. Foram expostos os métodos de entrega de dinheiro em quartos de hotel, em malas, em depósitos camuflados. Houve até o bizarro carregamento em cuecas. Muito se soube, mas ele deu respostas mutantes. Não sabia. Fora traído. Era uma armação das elites. Depois disso, veio o escândalo maior no qual ele está enredado, o que tem sido investigado pela Lava-Jato.

Fernando Canzian: Na despedida, pragmatismo de Lula abre espaço para o atraso

- Folha de S. Paulo

Não é ruim um símbolo popular cair por corrupção, mas rigor precisa chegar aos demais

O ex-presidente Lula saiu de cena em sua despedida histórica em São Bernardo acompanhado de pessoas de um país ultrapassado pelos fatos. Havia um clima de nostalgia e bolor naquela cena.

Lula vendeu como o novo dois presidenciáveis de perfil socialista (Guilherme Boulos, do Psol; e Manuela D’Ávila, do PCdoB) e foi escoltado por uma senadora que defende a ditadura na Venezuela (Gleisi Hoffmann), a presidente que afundou o Brasil com intervenções e opacidade no trato do dinheiro público (Dilma Rousseff) e o líder de um movimento que vandaliza imóvel de juiz do STF (João Pedro Stedile, do MST).

No palco, Lula talvez ainda fosse o mais moderno e pragmático. No livro-entrevista “A Verdade Vencerá”, recém-lançado, diz: “O problema do sistema capitalista é que, se você não ganhar dinheiro, você não sobrevive… Às vezes, as pessoas de esquerda têm um comportamento ideológico, e esse comportamento ideológico não se coaduna com a realidade.”

O pragmatismo de Lula o levou a terminar seu mandato em 2010 como o mais popular do Brasil e com a economia crescendo 7,5%. Acima de tudo, as contas públicas ainda estavam relativamente em ordem.

Foi isso o que permitiu a confiança de empresários a investir e gerar empregos, fazendo com que o trabalho e o aumento da renda transformassem o Brasil e incluíssem os muitos pobres no mercado consumidor.

Bruno Boghossian: Cálculo final

- Folha de S. Paulo

Sob nó jurídico, petista levou resistência política ao limite em busca de fôlego

Lula fez o último cálculo político antes de sua prisão ao entrar na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC na quinta-feira (5). Reconhecendo ter perdido uma batalha, o ex-presidente usou as horas que passou amotinado para colher uma vitória final: desviar os holofotes de seus algozes e estimular a militância a continuar ativa após seu encarceramento.

Ao forçar um acordo sobre os termos de sua apresentação à Polícia Federal, Lula levou a disputa com as autoridades para o terreno político, tomou o controle da própria derrota e transformou o episódio em um ato público a seu favor, com transmissão ao vivo pela TV.

O objetivo do petista é enfatizar, a cada passo, que não aceita nenhum aspecto dos processos que correm contra ele. A rejeição da oferta para que ele se entregasse voluntariamente foi a senha para manter candente entre seus apoiadores um discurso contra arbítrios da Justiça.

O caráter político da resistência de Lula foi potencializado e levado ao limite nos últimos dias porque o ex-presidente passou a se considerar sitiado em todas as instâncias do Judiciário. Os petistas perderam esperanças até no Supremo Tribunal Federal, de onde acreditavam que poderia sair a carta que o livraria da prisão.

Esse ceticismo pautou o abandono dos planos de impor um bloqueio físico à entrada de policiais no sindicato. Seus advogados foram enfáticos ao alertar que o embate provocaria a decretação da prisão preventiva do petista, jogando-o em uma espiral que inviabilizaria os parcos recursos judiciais à sua disposição.

Ricardo Noblat: Triste fim

- Blog do Noblat | Veja

Lugar de ladrão é na cadeia

“É simples, doutor”, me ensinou o motorista do UBER, eleitor de Lula e, mais que isso, seu admirador. “Lula foi um bom presidente. Eu mesmo devo a ele as condições que me permitiram comprar este carro”, aduziu.

Para em seguida arrematar como se desferisse uma série de socos potentes, rápidos e certeiros: “Mas ele roubou, não foi? Quem rouba é ladrão. E lugar de ladrão é na cadeia”. Calou-se pelo resto da viagem.

Sim, é simples. Muito simples. O resto é invenção de gente palavrosa que professa ideologia e gosta de ter razão. Lula não foi o melhor presidente que este país já teve. Mas não se saiu mal.

Foi um prestidigitador. Mas foi também o governante que incluiu os mais pobres na agenda dos problemas nacionais. Fez menos por eles do que pareceu. Nem por isso os próximos presidentes poderão ignorá-los.

Corrompeu-se para ficar rico. Corrompeu para governar. Imaginou-se imune a qualquer suspeita. Acreditou no que diziam dele. Apostou na sua impressionante capacidade de sobreviver. Ao acordar, já era tarde.

Cacá Diegues: Um herói do povo

- O Globo

Apesar de, para mim, ter perdido aquela aura de ‘herói do povo’, não considero e nunca considerei Luiz Inácio Lula da Silva um bandido

Tendo que escrever meu artigo na sextafeira, dia 6 de abril, ignoro se a Federal foi buscar Lula no sindicato dos metalúrgicos, em São Bernardo, ou se ele se entregou em Curitiba. De repente, a história se torna veloz demais, não espera pelo artigo de ninguém, as eras se sucedem em horas. Talvez minutos. Nesse caso, é também difícil dizer alguma coisa que já não tenha sido dita sobre Lula e sua eventual prisão.

Lula foi um sonho que todo brasileiro acalentou um dia. Não quero dizer sonho como quem diz o inalcançável ou o irrealizável. Sonho, aqui, é como quem diz esperança. Uma esperança que começa com um cara muito pobre, vindo do Nordeste faminto, um rapaz retirante, sem eira nem beira, que acaba por nos encantar porque é um gênio político e tem um projeto lindo.

Depois de alguns anos de atividade sindical e campanhas eleitorais meio ingênuas, Luiz Inácio Lula da Silva se reconstruiu para o eleitor, graças sobretudo a uma carta milagrosa destinada ao povo brasileiro, que a leu e gostou, em 2002. Nela, entre sinceras juras de fidelidade e promessas de justiça e progresso para todos, Lula prometia tudo o que mais queríamos naquele momento de raro equilíbrio no país, o momento posterior aos dois mandatos bem-sucedidos de FHC. Paz e amor.

Lula haveria de cumprir o que prometera. Apesar do interregno surpreendente e sórdido do mensalão, em que mal podíamos acreditar na lama que alguns faziam correr por baixo dos avanços do governo, o presidente se impunha e a seu partido, o PT, como responsável pela manutenção da inflação baixa, o significativo crescimento econômico, a dívida externa em dia, o consumo popular generoso, a mobilidade social de boa parte da população. Éramos o centro das atenções do resto do mundo, convencido de que o Brasil encontrara finalmente o seu futuro. E isso o país devia a Lula, the guy (o cara), como o nomeara com admiração Barack Obama, em encontro internacional de cúpula.

Luiz Carlos Azedo: Prisão e isolamento

- Correio Braziliense

As atitudes de Lula foram estudadas para ter um simbolismo político robinwoodiano, inspirado no famoso “bandido social” que tirava dos ricos para dar aos pobres

Foi nostálgico e indignado o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem, sobre o caminhão de som do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, antes de se entregar à Polícia Federal e acatar a ordem para se apresentar voluntariamente e iniciar o cumprimento da pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, à qual foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Uma missa em frente ao sindicato, em memória de Marisa Letícia, sua falecida esposa, serviu para criar o ambiente emocional do ato político no qual Lula reiterou a narrativa de que está sendo “injustiçado” e sofre uma suposta implacável perseguição política dos adversários, entre os quais, a Justiça e a mídia.

Como quem pretende resgatar sua antiga militância, Lula relembrou fatos de sua atuação à frente do sindicato no qual se projetou como líder sindical e alicerçou a construção do PT. Na linha do famoso discurso de Martin Luther King Jr. na marcha em defesa dos direitos civis em Washington, falou dos sonhos dos seus eleitores. Invocou sua atuação como líder de esquerda e na Presidência da República para questionar os processos criminais a que responde. Negou ter cometido atos de corrupção e reafirmou sua intenção de prosseguir lutando pelos mais pobres. “Se foi esse o crime que cometi, eu vou continuar sendo um criminoso”, disse.

Apesar da retórica messiânica e da presença de dirigentes e parlamentares do PT, do PC do B e do Psol, Lula revelou certa desolação e isolamento político. “Os gravatinhas sumiram, estão aqui os verdadeiros companheiros”, disse. Nos dois dias abrigado no Sindicato dos Metalúrgicos, as tentativas de reverter a execução imediata da pena fracassaram. O segundo pedido de habeas corpus apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi rejeitado pelo ministro Félix Fischer, já na sexta-feira. O recurso que apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi indeferido ontem pelo ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin.

Em seu discurso, Lula voltou a atacar o juiz federal Sérgio Moro, os procuradores federais, delegados da PF e até o Supremo. Na vigília na sede do Sindicato, havia demonstrado grande revolta em relação a cinco ministros nomeados por indicação do PT que votaram contra o habeas corpus, rejeitado no Supremo por 6 a 5. Entretanto, comportou-se como aquele sujeito que, para evitar uma briga, procura dar a impressão de que não está com medo, mas também não desafia o adversário. Disse que está sendo preso porque não querem que volte à Presidência, mas anunciou que cumpriria a decisão de Moro e se apresentaria à Polícia Federal.

O ex-presidente da República politiza os processos a que responde na Justiça, na esperança de que isso mantenha agrupada em torno do PT a sua base eleitoral. Novamente, se colocou como um mito político acima do bem e do mal, da lei e das instituições. “Quero saber quantos dias eles vão pensar que estão me prendendo, quanto mais dias eles me deixarem lá mais Lulas surgirão no país”, bradou. Entretanto, revelou certo desespero com a situação, ao reconhecer que existe um ambiente adverso do ponto de vista judicial.

Sérgio Besserman Vianna: Desigualdade

- O Globo

Contraditória a posição da ‘esquerda’ contra a prisão em segunda instância, privilegiando salvar o Lula

Retornando do exílio imposto pela ditadura militar, o professor Darcy Ribeiro caminhava pela Avenida Atlântica com uma amiga norueguesa. Sua amiga, no caminhar, observa: “Olha que homem bonito.” E o professor Darcy: “Onde?” Ela: “Ali.” Ele: “Cadê?” Ela: “Ali, bem na esquina”. Ele: “Não estou vendo...”

E então caiu a ficha: era o sorveteiro da Kibon. Corajosamente, ao contar essa história, Darcy Ribeiro retirava a verdade de debaixo das cobertas. Para um brasileiro da elite, mesmo sendo de esquerda, o sorveteiro não aparecia naturalmente na mente como um candidato a “homem bonito”.

Vivi uma história parecida que marcou para sempre, a ferro quente de afeto, minha alma. Era o réveillon da anistia, 1979. Meus pais resolveram receber muitos que retornavam do exílio e promover o “réveillon da anistia”.

Festa e muita alegria. Papai era um dedicado anfitrião e ficava de lá para cá conversando, contando piadas (bom nisso) e servindo. Basicamente uísque.

No dia seguinte, primeiro do ano, logo antes do almoço, meu pai me chama, sozinho, e me diz: “Senta aí que eu tenho algo sério e importante para te contar”. Segue a história, análoga à do professor Darcy Ribeiro.

A trabalhadora doméstica que estava ajudando era a Luísa, maranhense e já uma amiga. Faltando alguns minutos para a meia-noite, papai vai correndo à cozinha pegar gelo para os muitos scotches sendo bravamente consumidos. Luísa então o encontra e diz:

*Rolf Kuntz: Al Capone, Lula e o preço dos menores pecados

- O Estado de S.Paulo

Para avaliar os danos causados pelo petista é preciso levar em conta seu projeto de poder

Como Al Capone, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado pelo menor de seus crimes. Alphonse Gabriel Capone, uma das figuras mais sanguinárias e mais célebres da história criminal, foi para a cadeia por sonegação de impostos. Lula foi sentenciado por um caso de corrupção vinculado a um apartamento triplex no Guarujá. Seu segundo processo envolve um sítio em Atibaia. As histórias de ambos, muito diferentes em vários outros aspectos, têm uma curiosa semelhança: a enorme desproporção entre os males causados e os delitos imputados formalmente a seus autores.

Alguns poderão julgar um despropósito a comparação entre o bandido americano e o político brasileiro. Podem ter razão, se estiverem considerando as leis violadas em cada caso. Não há homicídio na história de Lula, nem uso da violência, nem prática rotineira da maior parte dos chamados crimes comuns. Mas as façanhas do líder petista são imensamente maiores que as do chefe mafioso, quando se levam em conta o alcance e os efeitos econômicos e sociais de suas ações. As barbaridades de Al Capone, suficientes para uma porção de filmes sensacionais, sempre tiveram caráter microeconômico, mesmo quando envolveram corrupção de autoridades.

Lula assumiu a Presidência em 2003 com um projeto de poder e um plano de governo subordinado a suas enormes ambições políticas. Foi capaz de perceber, ao contrário de muitos outros petistas, a importância política de promover ajustes e de controlar a inflação. Era preciso desarmar a desconfiança do setor privado.

Não havia, de fato, a herança maldita proclamada por petistas. As dificuldades eram explicáveis principalmente pela reação dos mercados a ameaças do PT. Figuras importantes do partido haviam prometido, entre outras bobagens, uma “renegociação” – de fato, um calote – da dívida pública.

Aconselhado por Antônio Palocci, futuro ministro da Fazenda, Lula convidou o presidente do BankBoston, Henrique Meirelles, para dirigir o Banco Central (BC). Seria mais um avalista do governo. Durante o primeiro mandato a promessa de bom comportamento foi em parte cumprida. O BC combateu a inflação com aparente liberdade e a política fiscal foi conduzida com algum cuidado, apesar da expansão da folha de pagamentos. Nos oito anos de Lula, a despesa com pessoal e encargos do Executivo cresceu 135,6%, enquanto a inflação ficou em 56,6%.

*Pedro S. Malan: Disputar é uma coisa, governar é outra

- O Estado de S.Paulo

O Brasil precisa de um candidato reformista de centro, honesto, experiente, sem ilusões

Neste momento especialmente angustiante da História do País, recorro a Ítalo Calvino para comentar a transição do governo atual para aquele que resultará das urnas de outubro: “A memória conta realmente – para os indivíduos, as coletividades, as civilizações – só se mantiver junto a marca do passado e o projeto do futuro; se permitir fazer sem esquecer aquilo que se pretendia fazer; tornar-se sem deixar de ser; ser sem deixar de tornar-se”.

Essa reflexão se presta a ilustrar os desafios que temos para os próximos anos. O chiste de Ivan Lessa é conhecido: “A cada 15 anos o Brasil esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos”. Em 2018 o Brasil vai decidir se esquece o que aconteceu nos últimos 15 anos, desde 2003. Ou se espera até 2033 para esquecer o que terá acontecido desde 2018. Ou ainda se esquece Lessa e decide que não há razão para tão longo período de esquecimento.

Também não há razão para esperar 2019 e só então começar a avaliar o que se proporão a fazer o presidente e o Congresso a serem eleitos em outubro próximo. Os partidos que se julguem competitivos deverão fazer uma inevitável escolha sobre o teor do seu discurso de campanha – e quanto mais cedo, melhor.

No caso do PT, a disjuntiva foi identificada com clareza por Demétrio Magnoli (O PT diante da esfinge, Folha de S.Paulo, 27/1), ao se referir ao enigma existencial (“ordem” ou “ruptura”) que marcou a história do partido e que encontrou até agora apenas em Lula o instável equilíbrio do edifício partidário. O autor escreve: “O manual do marketing eleitoral reza que o nome de Lula deve permanecer numa cédula fictícia, aureolado pela denúncia da ‘farsa judicial’, até o momento derradeiro da substituição inevitável. Mas como fazer a transição do discurso da ruptura ao da ordem (...) sem fragmentar o campo da esquerda?”.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro nas terras do rei Lula

- Folha de S. Paulo

Capitão da extrema direita vai mal no Nordeste, mas causa mais curiosidade que outros candidatos

Com ou sem Lula na disputa, é no Nordeste que Jair Bolsonaro marca seu pior desempenho nas paradas de sucesso eleitoral, uns 8%, segundo o Datafolha do fim de janeiro, o mais recente. Na prática, empata com Geraldo Alckmin. Lula leva cerca de 60% dos votos nordestinos.

Em Garanhuns, terra de Lula, que lhe deu 90% dos votos no segundo turno de 2006, o povo nas ruas reage com um franzir de olhos, uma expressão turva de desconhecimento, ao ouvir o nome de Alckmin. Na pesquisa espontânea do Datafolha, o tucano paulista não chega a 1% das menções dos eleitores nordestinos. Bolsonaro é outra história, mesmo pouco votado.

O capitão da extrema direita era citado em quase metade dos discursos da manifestação de repúdio à prisão de Lula, na tarde de sexta-feira (6), aqui em Garanhuns. Um homem cruel, violento. Que não fala do povo pobre, que desrespeita as mulheres e os seres humanos em geral. Uma desgraça que não
deveria levar o voto nordestino.

Os oradores eram do PT e sindicalistas rurais, gente de prefeituras da região, de movimentos sociais e estudantis. Falavam mal da “mídia”, do Supremo, do “governo usurpador” de Michel Temer, instrumentos da elite odienta. Mas Bolsonaro não entrava nesse balaio.

Um olhar para o futuro: Editorial | O Estado de S. Paulo

O resultado da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de quarta-feira passada, quando a Corte negou a concessão de habeas corpus a Lula da Silva, autorizando sua prisão após a condenação por unanimidade pelo TRF-4 pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, mostrou que, a despeito de sua condição de ex-presidente, à luz da Constituição tratava-se de um cidadão comum. Portanto, submetido às sanções previstas em lei quando dela se desvia, como qualquer outro. É, pois, hora – que já tarda – de o País buscar os meios para construir seu futuro.

O estrito respeito à lei, condição básica da democracia, deveria estar incrustado na consciência coletiva da Nação e aplacar discussões mais alongadas sobre a situação penal do ex-presidente, sobretudo as elucubrações sobre seu futuro eleitoral, já definido cabalmente pela redação clara e inequívoca da Lei da Ficha Limpa.

Se ainda não estava patente a submissão de Lula da Silva à mesma ordem jurídica à qual estão submetidos todos os brasileiros, não foi porque a sociedade assim não quisesse, mas porque o PT e os grupos de apoio ao chefão petista fizeram questão de manter vivas as chamas de uma batalha eminentemente política, dado que a fragilidade dos elementos de defesa do ex-presidente no campo jurídico impunha a seus aliados tal desvio de foco.

Alckmin, o discreto: Editorial | Folha de S. Paulo

Tucano deixa São Paulo em relativo equilíbrio orçamentário, mas seu governo não tem marca clara

Responsável e pragmático ou carente de ousadia e inovação. Há modos diferentes e complementares de descrever o desempenho de Geraldo Alckmin (PSDB) à frente do governo paulista.

No atual quadro deplorável das finanças públicas do país, não se pode menosprezar o relativo equilíbrio orçamentário do estado após os efeitos da profunda recessão de 2014-16 sobre a arrecadação.

Paga-se em dia o funcionalismo; haverá obras a inaugurar neste ano eleitoral, ainda que precárias ou atrasadas como a linha de trem para o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos.

São Paulo, ademais, não precisa sacrificar sua autonomia para mendigar dinheiro da União.

É inevitável a comparação com o Rio de Janeiro sob intervenção federal, com o ex-governador preso e contas em atraso. Ou com o próprio governo federal, que precisa se endividar a cada dia para pagar despesas do custeio rotineiro.

Com isso parece contar o tucano, que se lança pela segunda vez na corrida ao Planalto —na primeira, enfrentou um Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que, embora enfraquecido pelo escândalo do mensalão, dispunha da máquina pública em momento de bonança.

Necessária reciclagem do BNDES: Editorial | O Globo

Os ‘campeões invisíveis’ — projetos de inovação, pequenas e médias empresas, por exemplo — devem substituir os ‘visíveis’, relacionados à corrupção

Não é uma polêmica que valha a pena travar, a não ser por curiosidade acadêmica, saber se o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o BNDE, fundado em 1952 e que recebeu o “S” de social na década de 80, teve peso na montagem de segmentos estratégicos da indústria, no pós-Guerra. Divergências laterais à parte, é evidente que teve, e foi necessário para o país dar sequência à industrialização quase espontânea das fases de estrangulamento cambial em 29/30 e na II Guerra.

O banco de desenvolvimento chegou a ser presidido, em 1958, por um liberal convicto, Roberto Campos. Mas seriam dirigistas e ditos desenvolvimentistas que o BNDE fascinaria. Foi assim no governo militar do presidente Geisel, quando o banco serviu de berçário para subsidiárias que iriam operacionalizar o programa de substituição de importações de bens de capital (máquinas e equipamentos) e insumos básicos (química, petroquímica, fertilizantes). O BNDE serviu de plataforma para a transferência de enorme quantidade de dinheiro do contribuinte para empresas eleitas por Brasília para acabarem com a “dependência externa” nesses segmentos da indústria. Concentrou renda.

Bolsonaro e Marina têm palanques frágeis nos estados

- Folha de S. Paulo

Líderes para o Planalto em cenário sem Lula enfrentam falta de apoio e alianças precárias

Líderes na corrida à Presidência com Lula fora do páreo, Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede) esbarram, até agora, em uma fraca sustentação nos estados, sem perspectiva de alianças ou candidaturas de apoio relevantes.

No sentido inverso, MDB, PSDB, PT e DEM, siglas de maior porte, têm palanques regionais mais competitivos, mas seus pré-candidatos à Presidência ainda aparecerem de forma tímida nos índices de intenção de voto.

Em cenário sem Lula —condenado em segunda instância, o que impede sua candidatura—, Bolsonaro lidera a pesquisa Datafolha de janeiro, com 20% das intenções de voto, tecnicamente empatado com Marina (16%).

Nos estados, as conversas do PSL de Bolsonaro ainda engatinham. O presidente da sigla, Luciano Bivar, diz que os nomes de possíveis candidatos a governador não estão definidos. Ele busca representantes que compartilhem as ideias do partido. “Onde não tiver, paciência”, disse.

No momento, não há definição nem no Rio, estado de Bolsonaro. O mesmo ocorre em São Paulo, maior colégio eleitoral do Brasil. O deputado Major Olímpio (PSL-SP), que vai tentar uma vaga no Senado, indicou que a busca por alianças estaduais não está entre as prioridades da sigla.

“Vale mais lançar uma chapa pura e completa do que eventuais composições”, afirmou o parlamentar.

Como a prisão muda o cenário

PT fica sem opção, Alckmin faz cálculos, e Barbosa ensaia entrada

Catarina Alencastro, Sérgio Roxo, Bruno Góes, Renata Mariz e Eduardo Bresciani | O Globo

A ordem de prisão contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva já faz partidos políticos repensarem suas estratégias para a corrida eleitoral deste ano. No PT, a falta de opções é o principal problema para a candidatura à Presidência.

A sigla pretende insistir na candidatura de Lula. Usará imagens captadas durante sua permanência no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, e do discurso que fez em um carro de som no começo da tarde de ontem. Sem o expresidente Lula, o PT tem pouquíssimas alternativas.

O ex-ministro Jaques Wagner resiste a ser o substituto na disputa pela Presidência. Ele tem todas as razões possíveis para declinar da honra de substituir Lula. Investigado em um inquérito da Lava-Jato, Wagner está em busca de refúgio no foro privilegiado, alternativa que garante um processo mais moroso aos suspeitos de corrupção. E, ao contrário de muitos outros em situação semelhante, ele tem um caminho relativamente fácil até seu objetivo. Pode ser candidato ao Senado pela Bahia, onde terá uma campanha levemente tranquila, ao lado do governador Rui Costa (PT), que aparece como grande favorito nas pesquisas e sem concorrentes à altura até agora.

Em reuniões recentes, Wagner fez oferta diferente aos colegas do PT. Se propôs a viajar por todo o Nordeste para promover a candidatura de Fernando Haddad, que considera o substituto ideal para Lula. Wagner alinha até um raciocínio político coerente. Afirma que sua presença na campanha é capaz de garantir a vitória de um petista na Bahia. Diz que, com a força de Lula, e uma campanha que use o ex-presidente como vítima de complô, um candidato petista terá uma votação significativa no Nordeste inteiro. Acrescenta que Haddad é capaz de angariar boa votação em São Paulo, onde o PT tem dificuldade — o que ele, Wagner, não seria capaz de fazer. O resto do PT, no entanto, tem dúvidas. Haddad é visto como alguém sem traquejo necessário e sem trânsito no partido.

Marina Silva se lança pré-candidata à Presidência

Anúncio foi feito durante discurso no Congresso Nacional da Rede

Débora Bergamasco | O Globo

BRASÍLIA - A ex-senadora Marina Silva lançou ontem sua pré-candidatura à Presidência da República pela Rede Sustentabilidade durante o Congresso Nacional da legenda em Brasília.

Em seu discurso, lamentou a atual situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — que teve a prisão decretada pelo juiz federal Sergio Moro —, mas ressaltou que agora o petista terá que cumprir pena pelo crime que cometeu — Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP).

— Hoje (ontem) é um dia difícil, porque temos uma situação de um ex-presidente da República que está próximo a ter que cumprir a pena pela condenação dos crimes que praticou. Mas isso indica que estamos iniciando processo de mudança da lei que deve ser para todos — disse Marina.

A senadora não poupou adversários de outras legendas. Disse que “a lei será igualmente para todos” para que “os ‘Renans,’ os ‘Aécios,’ os ‘Padilhas’ e o ‘Temers’ não fiquem impunes”.

Em seu discurso e, depois, em entrevista coletiva à imprensa, Marina fez uso do tom que adotará em sua caminhada até a eleição. Defendeu o fim do foro privilegiado, reforçou seu apoio ao cumprimento de pena após a condenação em segunda instância e destacou que se colocará como uma alternativa de ética.

Rede perde 2 deputados e fica fora de debates

Marianna Holanda | O Estado de S. Paulo.

A Rede Sustentabilidade, partido da pré-candidata Marina Silva, sai da janela partidária com dois deputados a menos. O partido tentou trazer para a sigla parlamentares que substituíssem os deputados Aliel Machado (PR) e Alessandro Molon (RJ), que foram para o PSB, mas a falta de estrutura e de fundo partidário não ajudou nas negociações. Foi também o tamanho do fundo da Rede que teria sido determinante para a saída dos deputados.

Na prática, significa que Marina não terá vaga garantida nos debates de televisão. A lei prevê que são necessários cinco parlamentares no Congresso para isso. Dessa forma, sua participação dependerá de um convite da emissora de TV. Filiados à Rede insistem que Marina participará dos debates, porque não convidar uma candidata com os índices de intenção de voto dela – que disputa vaga no segundo turno, de acordo com pesquisas de intenção de voto, na ausência de Lula nas urnas – pegaria muito mal.

Os dois nomes cotados eram os senadores Reguffe (sem partido-DF) e Cristovam Buarque (PPS-DF). O último cortejo foi anteontem, na abertura do Congresso da Rede em Brasília, em que os parlamentares estavam na primeira fileira da plateia, e a militância gritava em uníssono: “Vem pra Rede”.

Apesar dos apelos, os parlamentares não aceitaram o convite. Cristovam disse que vai insistir para que sua sigla apoie Marina. Já Reguffe disse ao Estado que ficará sem partido nessas eleições para apoiar diferentes siglas. “Isso não tira o carinho que eu sinto pela Marina, claro.”

Ontem, a pré-candidata da Rede se lançou à Presidência, em evento do partido. O Congresso da sigla acaba hoje, com a nomeação dos dois novos porta-vozes – Marina deve deixar a vaga para se dedicar exclusivamente à campanha.

16% dos deputados aproveitam ‘janela’

Com a permissão da legislação, ao menos 80 parlamentares mudaram de partido; MDB foi sigla que mais perdeu em número absoluto – 14

Isadora Peron | O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - Pelo menos 80 deputados aproveitaram a chamada janela partidária para mudar de partido, o que equivale a mais de 16% dos 513 parlamentares que compõe a Câmara. Nesse troca-troca, o MDB foi o partido que mais perdeu parlamentares em número absoluto – 14 deixaram a sigla do presidente Michel Temer.

O levantamento foi feito com base em dados oficiais da Câmara e de estimativas dos próprios partidos. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a janela partidária, período de um mês em que os deputados podem trocar de partido sem serem punidos, terminou à meianoite de sexta-feira.

Os dados, ainda parciais, mostram que o PT, que vive o seu pior momento com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve voltar a ser o partido com maior bancada na Câmara, com 55 deputados. Essa posição antes era do MDB, que deve terminar a janela com 54 parlamentares.

As mudanças também beneficiaram o PP, partido do chamado “centrão”, que, apesar de fazer parte do governo Dilma Rousseff, apoiou o impeachment e hoje acumula dois dos maiores ministérios do governo Temer: Saúde e Cidades. A bancada da legenda ganhou dez de deputados e saltou para 54, empatando com o MDB.

LULA PRESO

Primeiro ex-presidente a cumprir pena por corrupção, petista se entrega à PF depois de quase 26 horas

Em discurso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, desafiou autoridades e atacou Judiciário, MP e mídia

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso ontem, depois de se entrincheirar por quase 26 horas após o prazo final dado pelo juiz Sergio Moro para que se entregasse. Exlíder sindical que fundou o Partido dos Trabalhadores e chegou à Presidência, Lula governou por oito anos e deixou o poder como um dos políticos mais populares do país, mas acabou condenado a 12 anos de prisão, tornando-se o primeiro ex-presidente da história do Brasil a cumprir pena por corrupção. Em discurso ontem de manhã, cercado por militantes e líderes da esquerda, desafiou as autoridades, atacou o Judiciário, o MP e a mídia. Às 22h30, chegou à sede da PF, em Curitiba.

Lula se entrega, 26 horas após horário definido por Moro

Petista se torna o primeiro ex-presidente a ser condenado e preso por corrupção no país

Sérgio Roxo, Luís Lima, Cleide Carvalho e Alessandro Giannini | O Globo


SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP) - Vinte e seis horas depois do horário definido pelo juiz Sergio Moro e sua sentença, tempo em que se manteve entrincheirado no Sindicato dos Metalúrgicos, o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a pé o prédio, em São Bernardo do Campo, cercado por apoiadores e se entregou à Polícia Federal. O ex-líder sindical que despontou na ditadura, governou o país duas vezes, atravessou o escândalo do mensalão e foi condenado, este ano, na Lava-Jato, tornou-se o primeiro ex-presidente a ser preso por corrupção.

A prisão ocorreu quando o petista entrou num veículo que o levaria para o aeroporto de Congonhas, de onde partiria para Curitiba. Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP). No fim da noite de ontem, às 22h30m, Lula chegou à superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde ficará preso sozinho num espaço de 15 metros quadrados, separado de outros 20 presos. Apoiadores do petista protestaram em frente à sede da PF, enquanto manifestantes favoráveis à prisão soltaram fogos.

O juiz Sergio Moro determinou que ele se entregasse até as 17h da última sexta-feira, prazo descumprido pelo petista, que ocupou a sede do sindicato, seu berço político, desde quinta-feira. Lula anunciou em um discurso ora emocionado, ora indignado, na tarde de ontem, que se entregaria. Era 16h57m, quando Lula saiu por uma escada alternativa na garagem do sindicato. Cercado por seguranças e vestindo um terno cinza, ele acenou para os seus apoiadores e entrou num Corolla prata da direção do PT. Os manifestantes cercaram o veículo. Diante do impasse, o líder petista acabou descendo do carro e voltando para o prédio do sindicato pela mesma escada. Antes de entrar na escada, acenou e sorriu. Os outros dois portões da garagem também haviam sido trancados pelos apoiadores.

Frei Betto: Minha segunda despedida de Lula

- O Globo

Às 7 da manhã da sexta, 6 de abril, despertei Lula, que dormira em um quarto improvisado, sobre um colchão estendido no chão, na sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Fui me despedir do amigo, já que eu tinha voo marcado para as 10h. Recordamos que há 38 anos, também em abril, eu dormia na casa dele quando os policiais do Dops foram prendê-lo por liderar a greve metalúrgica contra a ditadura militar.

Em tempos de intolerância, guardo sempre a lição de que o ódio é um veneno que você toma esperando que o outro morra... Por formação e princípio cristão, não confundo amizades com divergência de ideias. Em minha família há pessoas de diferentes ideologias e atividades profissionais, inclusive generais e banqueiros. Na Lava-Jato, visito também Otávio Melo Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, meu vizinho na adolescência em Belo Horizonte, e José Carlos Bumlai, que participou ativamente do Fome Zero quando, no início do governo Lula, coordenei com Oded Grajew a mobilização social.

Apesar de minhas críticas aos governos do PT (muito antes de se descobrir o mensalão), contidas nos livros “A mosca azul – Reflexão sobre o poder” e “Calendário do poder”, ambos editados pela Rocco, nunca se quebrou a amizade de 40 anos entre mim e Lula.

Dos valores evangélicos aprendi que pessoas não são discrimináveis, ainda que não se esteja de acordo com suas ideias e atos. Em especial quando se encontram em dificuldades. Esta foi a atitude de Jesus com a mulher adúltera e o rico Zaqueu, a Madalena “possuída por sete demônios” e o centurião romano ocupante da Palestina, entre outros.

Adriana Calcanhotto - Felicidade (Lupicínio Rodrigues)

Fernando Pessoa: Há poetas que são artistas

E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...

Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.

Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
E olho para as flores e sorrio...
Não sei se elas me compreendem
Nem sei eu as compreendo a elas,
Mas sei que a verdade está nelas e em mim
E na nossa comum divindade
De nos deixarmos ir e viver pela Terra
E levar ao solo pelas Estações contentes
E deixar que o vento cante para adormecermos
E não termos sonhos no nosso sono.