quinta-feira, 17 de março de 2022

Merval Pereira: Ciclo de negócios

O Globo

A batalha do presidente Bolsonaro com a Petrobras pelo preço da gasolina, do diesel e do gás resume o que historicamente acontece no Brasil em anos eleitorais. Também a distribuição de verba pública para a população, como o repasse do dinheiro do FGTS e o novo Bolsa Família turbinado, está incluída em estudos que mostram quão poderoso é o efeito de políticas de rendas nos períodos eleitorais.

As maiores quedas de pobreza acontecidas no Brasil nos últimos anos se deram em anos eleitorais. São planos, porém, que geram custos sociais traduzidos em desemprego mais alto e renda mais baixa. Historicamente, nos últimos 40 anos pelo menos, a utilização de políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros objetivos político-eleitorais gera “Ciclos Políticos de Negócios” (CPNs), cuja principal característica é a redução do desemprego em períodos pré-eleitorais, resultante de políticas cujo objetivo seria proporcionar um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado eleitoral.

Malu Gaspar: Populismo na largada

O Globo

Todo mundo sabia que a economia seria o tema central da eleição de 2022. Mas quiseram a subida do dólar, a guerra na Ucrânia e a consequente alta na inflação que os dois principais candidatos à Presidência da República fossem confrontados já sobre temas centrais como a política de preços para os combustíveis ou a importância das reformas em seus futuros governos.

Estamos atravessando uma quadra capaz de delimitar os rumos da campanha. Se a cotação do petróleo escalar demais, será impossível conter o preço dos combustíveis e o efeito cascata sobre a inflação, o que favoreceria Lula e sepultaria as chances de Bolsonaro.

Do contrário, se o valor do barril de petróleo parar de subir, e o governo conseguir estabilizar os preços dos combustíveis sem quebrar as contas públicas, o presidente ganha um respiro. Todos os movimentos têm sido feitos de olho nesse cenário, e o que se tem visto até agora é puro populismo.

Míriam Leitão: Juros em alta e economia fraca

O Globo

Os juros subiram aqui e nos Estados Unidos. E vão continuar subindo. Nos dois países, as taxas foram elevadas não por causa da guerra, mas para combater a inflação que já estava alta, antes de o primeiro tanque russo tomar a estrada para Kiev. Contudo, aqui e lá a pressão inflacionária e o cenário econômico pioram muito com a guerra. O Fed deixou claro que este é o início do ciclo que pode incluir mais outras seis elevações com movimentos mais fortes do que o 0,25 ponto percentual aprovado desta vez. O Copom subiu a taxa em um ponto percentual, avisou de uma próxima alta da mesma magnitude e alertou que tudo piorou na economia internacional.

Há diferenças importantes. O Brasil está estagnado, e os Estados Unidos, crescendo. O Brasil tem alto desemprego e os Estados Unidos estão com o mercado de trabalho aquecido. Tanto que esse foi um dos motivos alegados pelo próprio presidente do Fed, Jerome Powell, para elevar os juros. Lá a taxa estava próxima de zero, e aqui já subiu muito e agora foi para 11,75%. Para um país, como o Brasil, cuja previsão de crescimento não passa de meio por cento é uma enormidade.

Luiz Carlos Azedo: Conspiração e desespero na terceira via

Correio Braziliense

Apesar das adversidades eleitorais e da conspiração dos aliados, Doria não dá, até agora, nenhum sinal de que pretende desistir. Pelo contrário, aposta na saída de Eduardo Leite do PSDB

Uma operação de cerco e aniquilamento da pré-candidatura do governador de São Paulo, João Doria, como havíamos antecipado, está em pleno curso. Praticamente todas as lideranças da chamada terceira via se articulam para substituí-lo pelo governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, como o candidato unificado da terceira via. As conversas de bastidores no Congresso incluem, também, os deputados da bancada paulista aliados do vice Rodrigo Garcia.

Derrotado por Doria nas prévias do PSDB, Eduardo Leite acredita que o cavalo está passando arreado para sua candidatura à Presidência, desta vez, para valer. Na primeira oportunidade, quem montou foi o governador paulista, que não está conseguindo bom desempenho na corrida presidencial. Doria empacou nas pesquisas. No levantamento do instituto Quaest/Genial, divulgado, ontem, pela CNN, Doria aparece empatado com o deputado André Janones (Avante), ambos em quinto lugar, com 2% de intenções de votos.

Bruno Boghossian: O domínio da direita

Folha de S. Paulo

Presidente busca posto de candidato dominante na direita, apesar de ameaça da inflação

Jair Bolsonaro sentiu em 2020 um primeiro aperto em sua eterna campanha pela reeleição. A demissão de Sergio Moro e a gestão mortífera da pandemia desorganizaram seu campo político. Em abril, o presidente caiu para 20% das intenções de voto numa pesquisa Ipespe, enquanto o ex-juiz e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta somavam quase 30%.

A ideia de fabricar uma direita não bolsonarista para a sucessão do presidente tomou fôlego naquele momento, mas não chegou inteira ao ano da eleição. Números recentes de diversos institutos sugerem que o próprio Bolsonaro reconquistou parte dos eleitores que flertavam com outros candidatos que correm (ou já correram) em sua raia.

Ruy Castro: Não perca: debates sem Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Para não comparecer, ele estará em viagem oficial ao exterior ou internado com nó nas tripas

Nas brechas do noticiário sobre a Ucrânia, os jornais e TVs tentam cobrir as manobras dos políticos brasileiros rumo às eleições —a luta para conquistar aliados, garantir apoios e assegurar votos nos redutos deste ou daquele líder. O objetivo de qualquer político é o poder, e o de Jair Bolsonaro é o poder absoluto. Ele sabe que, sem a imunidade do trono, pegará 600 anos. Daí estarem todos em campanha. Menos Bolsonaro. Apenas finge estar.

No fundo, sua preocupação com as eleições sempre foi superficial. Se não fosse, não teria ficado sem partido pela maior parte do mandato e se dedicado a, dia sim, dia não, ofender enormes massas de eleitores, como gays, mulheres, negros, artistas e estudantes. Há pouco, cuspiu em milhões de católicos ao dizer para os suspeitos evangélicos de sempre que levará o país "para onde eles quiserem". Mesmo sua preocupação com o preço da gasolina é perfunctória. É jogo para a galera, por causa da crise internacional —se colar, colou. Votos não contam.

Maria Hermínia Tavares: Palavras de mulher

Folha de S. Paulo

Oito em cada dez estão insatisfeitas com o tratamento que recebem da população

Na semana passada, pelo transcurso do Dia Internacional da Mulher, o Brasil teve de se haver de novo com manifestações patéticas, típicas do clamoroso reacionarismo do presidente, dessa vez secundado pelo procurador-geral da República. Um e outro incapazes de entender o valor da igualdade de direitos entre mulheres e homens numa sociedade civilizada, muito menos os avanços na matéria nas últimas décadas.

Eis por que merece leitura atenta o "Observatório Febraban 2022 – mulheres, preconceito e violência", que apresenta os resultados de uma sondagem com 3.000 brasileiras, esmiuçando seus pontos de vista sobre diferentes dimensões das iniquidades de gênero no país.

Vinicius Torres Freire: Arrocho dos juros vai mais longe

Folha de S. Paulo

Em ritmo mais lento, Selic vai subir mais; BC manda recado para Bolsonaro

A dose do remédio vai ser menor, mas o tratamento vai mais longe. O Banco Central aumentou a taxa básica de juros de 10,75% ao ano para 11,75% ao ano, mas quase prometeu que a Selic vai a 12,75% em maio. Afora milagres na política e na economia do Brasil e do mundo, não vai parar aí: 13% é um piso. O arrocho monetário se aproxima daquele que se viu em 2015, na Grande Recessão.

Pode ser ainda pior, a depender do que vai ser da guerra, do nível de maluquices da campanha eleitoral e do que vai fazer Jair Bolsonaro com o gasto público.

O BC sempre faz alertas "fiscais". Isto é: diz que mais despesa e dívida crescendo sem limite implicam juros mais altos. Mas deu um recadinho extra no comunicado desta quarta-feira.

William Waack: A guerra da Ucrânia e as ideias

O Estado de S. Paulo.

O conflito significa muito mais para o Brasil do que preço de combustíveis

Quando se trata das decisões de Vladimir Putin a questão não é de geopolítica, argumenta o historiador Timothy Snyder (bestsellers no Brasil: Terras de Sangue e Na Contramão da Liberdade). Pois, em termos geopolíticos, diz ele, tudo o que Putin conseguiu invadindo a Ucrânia foi acelerar a vassalagem da Rússia diante da China.

A guerra lançada por Putin é em torno de uma ideia nascida de interpretação errônea de “fatos” históricos, enfileirados para satisfazer as convicções místicas do chefe oligarca em Moscou. Nesse sentido, Snyder lança um grande desafio para a escola do “realismo” na interpretação das relações entre as potências, segundo a qual os únicos fatores que realmente importam são poder e segurança.

Celso Ming: Mais um aperto nos juros

O Estado de S. Paulo.

O Banco Central se conteve em aumentar os juros básicos (Selic) em apenas um ponto porcentual, de 10,75 % para 11,75% ao ano, apesar da nova disparada da inflação, que levou muitos analistas a apostar em aperto mais forte. São os juros mais altos desde fevereiro de 2017.

Preferiu se ater à indicação adiantada em fevereiro, bem antes do início da guerra, que puxou para o alto os preços do petróleo, das matérias-primas e que recomeça a atrapalhar os fluxos de produção e distribuição. Em compensação, o Banco Central avisou que poderá aumentar mais na próxima reunião.

A inflação é mundial e preponderantemente de custos.

Não é provocada por aumento de emissões de moeda nem pelo aumento da demanda.

Adriana Fernandes: Fritura a gasolina

O Estado de S. Paulo.

Silva e Luna deve cair porque é improvável que a Petrobras recue do aumento

Jair Bolsonaro foi aconselhado pelos seus principais ministros a manter o general Joaquim Silva e Luna à frente da Petrobras, mas segue o mesmo roteiro que levou à demissão de Roberto Castelo Branco em fevereiro de 2021, após o quarto aumento no preço dos combustíveis anunciado pela estatal, o que na época irritou imensamente o presidente.

Bolsonaro frita Silva e Luna num caldo quente feito à base de gasolina. É questão de tempo a queda do general, que o presidente colocou há um ano no comando da Petrobras acreditando que iria resolver o problema da alta dos combustíveis na marra. Já naquele momento, o presidente era alvo das críticas de apoiadores pela alta dos preços.

Maria Cristina Fernandes: Movimento do eu-sozinho

Valor Econômico

Para ampliar, não basta a Lula colocar Alckmin de vice e prometer um bis no legado

O conjunto das pesquisas publicadas nas últimas semanas demonstrou que a terceira via tornou-se uma questão de dogma ou fé. Cristalizada, a polarização mostra, por um lado, um governo mobilizando o tesouroduto a serviço da reeleição. E, por outro, um ex-presidente que sustenta o favoritismo no gogó do legado. Arrisca dar sorte ao azar.

A formulação que agregou o ex-governador Geraldo Alckmin foi a que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está à frente de um movimento e não de um partido. A ideia é reproduzir o apelo à democracia que moveu Tancredo Neves na abertura.

Naquele momento mobilizaram-se lideranças, partidos, movimentos sociais, sindicatos, empresários e banqueiros para levar para dentro do colégio eleitoral o desejo de mudança da campanha pelas eleições diretas. Por isso, quando Tancredo morreu, não houve retrocesso.

Cristiano Romero: Democracia exige fim do racismo e da desigualdade

Valor Econômico

Brasil flerta com ditaduras porque não cuida de seu povo

Em 1953, apenas 25, de cada cem crianças brasileiras, estavam na escola. Nossos pais contavam que naquela época a escola pública era “muito boa”. Não se conhece ninguém que tenha desmentido essa afirmação porque seria chato confrontar os próprios pais com um argumento irretorquível: como pode ser qualificado de bom um sistema de ensino que atende a demanda de apenas 25% dos estudantes do ensino básico?

Brasileiros, temos o péssimo defeito de tomar como certo o que é profundamente errado. E, assim, vamos nos iludindo a serviço de grupos de interesse específico numa sociedade onde o país é rico, mas a riqueza é concentrada nas mãos de pouquíssimos. Em pleno século XXI, cidadãos pertencentes à elite cultural do país defendem como verdadeiro, por exemplo, o pior dos mitos disseminados neste canto do planeta: o de que somos uma democracia racial.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Ocidente deve apostar no caminho da paz

O Globo

A guerra na Ucrânia já mudou o mundo. Antes, a União Europeia acreditava ser possível manter uma relação pacífica com a Rússia baseada na interdependência econômica; havia décadas, os alemães mantinham gastos militares num patamar baixo; existiam dúvidas sobre o futuro da cooperação militar entre americanos e europeus. Passadas três semanas da invasão russa, tudo isso caiu por terra.

Não se sabe como o conflito terminará. Vladimir Putin esperava ganhar com rapidez. Pelo plano original, suas tropas seriam recebidas como libertadoras, e Volodomyr Zelensky, o presidente ucraniano, fugiria para o exílio. Não deu muito certo. As Forças Armadas russas mostraram ser menos eficientes do que se imaginava. Foram registrados problemas de planejamento, logística e equipamentos. Os ucranianos têm — até aqui — resistido. Mas a disparidade militar é tão grande que, mesmo com dificuldades, as tropas russas avançam, provocando mais mortes de civis e mais destruição.

Para deter isso, é preciso apoiar possíveis alternativas para Putin assinar um tratado de paz quanto antes. O rascunho de acordo, em 15 pontos, sobre o qual os negociadores se debruçavam ontem parecia apontar uma saída.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Discurso do Capibaribe

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

Música | Escola de Samba Mangueira 2022