sábado, 25 de abril de 2015

Opinião do dia – Roberto Freire

Ao contrário do que os mais afoitos ou ingênuos podem imaginar, a eventual abertura de um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff jamais será imposta por partidos ou lideranças políticas, mas se afirmará, ou não, por fatos concretos e pela pressão da opinião pública. Foi assim com Fernando Collor, em 1992, e não há quem possa garantir ou descartar que uma história semelhante será escrita desta vez. O debate está posto na sociedade de forma irreversível.

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Roberto Freire, deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS, em artigo, Impeachment, um debate a ser enfrentado. Brasília, 24 de abril de 2015.

Itália devolverá ex-diretor do BB condenado no mensalão

• Petista Henrique Pizzolato fugiu do Brasil em 2013 e acabou preso em 2014

• Diplomacia brasileira atuou nos bastidores, em Roma e em Brasília, para convencer governo italiano pela extradição

Graciliano Rocha – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A Itália decidiu extraditar o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. A decisão do ministro da Justiça daquele país, Andrea Orlando --a quem cabia a palavra final sobre o caso-- foi anunciada nesta sexta (24). Não cabe recurso.

Condenado a 12 anos e sete meses de prisão no julgamento do mensalão, o petista fugiu para a Itália em 2013. No início de 2014, foi encontrado vivendo com documentos em nome de um irmão morto. Em fevereiro deste ano, a mais alta corte do país autorizou sua devolução ao Brasil.

É a primeira vez que a Itália, governada pelo premiê Matteo Renzi --um político de centro-esquerda--, decide extraditar um de seus cidadãos nacionais para o Brasil. A Constituição brasileira proíbe expressamente a entrega de brasileiro para cumprir pena em outro país.

Num despacho de quatro páginas, Orlando afirmou que o fato de haver uma condenação definitiva e o compromisso da Itália com o combate global à corrupção prevaleceram sobre a cidadania italiana de Pizzolato.

O ministro considerou mais forte o vínculo do petista com o Brasil do que com a terra de seus avós, da qual se tornou cidadão em 1994: "Além de ter nascido no Brasil, resulta que cometeu os graves crimes pelos quais a sua culpa foi reconhecida".

Em Brasília, autoridades brasileiras comemoraram o fato de o ministro ter reconhecido que o Brasil ofereceu garantias adequadas para o cumprimento da pena --tirando o foco das más condições dos presídios brasileiros, principal tese da defesa.

O Brasil deve concluir a extradição em meados de maio. Uma equipe de policiais federais deverá viajar até Módena (norte da Itália), onde ele está preso, para trazê-lo de volta. O complexo da Papuda, no Distrito Federal, é o provável destino do petista.

Virando a página
Diplomatas ouvidos pela Folha dizem que a extradição de Pizzolato não significa que os italianos esqueceram ou perdoaram a recusa de Lula, em seu último dia como presidente, de devolver o ex-terrorista Cesare Battisti, condenado na Itália por quatro homicídios.

Trata-se, segundo a interpretação destas fontes, de um sinal de pragmatismo do governo Renzi para "virar a página". O gesto político da Itália foi precedido por uma forte ação de bastidores em Roma e em Brasília.

Na operação, reuniões com o próprio ministro da Justiça, Andrea Orlando, foram evitadas. Nas palavras de um dos diplomatas, a estratégia foi procurar pessoas com trânsito na cúpula do governo Renzi "que ajudariam o ministro a nos ajudar".

O embaixador em Roma, Ricardo Neiva Tavares, marcou jantares e almoços com parlamentares influentes, como a presidente da Câmara dos Deputados, Laura Boldrini, e integrantes da comissão de Assuntos Exteriores.

Além de apaziguar as impressões dos italianos com o caso Battisti, o embaixador procurava enfatizar a melhoria das relações bilaterais e relembrar que Pizzolato só se valeu da sua própria identidade italiana após ser preso em 2014.

Numa outra frente, funcionários da embaixada do Brasil na Itália faziam reuniões constantes com técnicos responsáveis pelos pareceres sobre extradições do Ministério da Justiça italiano.

Na semana passada, o assunto foi tratado nos bastidores do encontro entre as duas chancelarias em Brasília.

Colaborou Márcio Falcão, de Brasília

Itália autoriza extradição de condenado no mensalão

• Condenado no processo do mensalão deve retornar na quinta-feira ao Brasil, quase 15 meses depois de deixar o País com passaporte falso; governo de Roma considerou combate à corrupção mais relevante que o princípio de não extraditar um nacional

Jamil Chade, Andrei Netto, Beatriz Bulla e Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

GENEBRA - A Itália autorizou a extradição do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no julgamento do mensalão. A decisão tomada pelo governo de Mateu Renzi, revelada nesta sexta-feira, 24, pelo portal Estadão.com.br, marca o fim de quase dois anos de disputa jurídica e tratativas políticas entre os dois países. O Brasil espera transferir Pizzolato, que está preso em Módena, na próxima quinta-feira, em voo comercial ou em avião fretado, se houver risco de hostilização do condenado.

Segundo autoridades brasileiras, trata-se da primeira vez que um cidadão italiano é entregue a uma nação estrangeira para cumprimento de uma condenação judicial. Pizzolato nasceu no Brasil, mas também tem passaporte italiano. Para Roma, combater a corrupção foi considerado um aspecto mais importante que o princípio de não extraditar um nacional.

“O fato de termos um crime de corrupção como base nos pareceu muito importante na decisão italiana de abrir essa exceção e extraditar um nacional. O compromisso de combate à corrupção foi colocado na decisão”, disse o diretor do Departamento Internacional da Advocacia-Geral da União (AGU), Boni Soares.

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 12 anos e 7 meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato (uso de cargo público para obter vantagem pessoal), Pizzolato será trazido ao País pela Polícia Federal e encaminhado para o Complexo Presidiário da Papuda, em Brasília.

O ex-diretor terá direito a assistência consular - uma das garantias dadas pelo Brasil em resposta enviada este mês ao governo italiano - e poderá descontar o período de 11 meses em que ficou preso no país europeu. Assim, estima-se que em 1 ano e 2 meses de regime fechado no Brasil, ele poderá pedir progressão para o semiaberto.

Essa decisão ficará a cargo do relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, mediante pedido do condenado e parecer do Ministério Público. No entanto, o fato de Pizzolato ter fugido do Brasil com um passaporte falso, em nome de um irmão morto há mais de 30 anos, pode dificultar a progressão de regime. O governo brasileiro não descarta cobrar de Pizzolato o ressarcimento das custas judiciais com o processo de extradição.

‘Escudo’. Ao decidir pelo retorno de Pizzolato ao Brasil, o governo italiano minimizou a dupla cidadania do ex-diretor. Para Roma, ele se utilizou do passaporte do país europeu “apenas como escudo”, pois não tinha residência nem vínculos reais com a Itália. Enquanto esteve foragido, Pizzolato chegou a se hospedar na casa de um sobrinho, onde foi localizado e preso pelos carabinieri, a polícia italiana.

O que foi decisivo, segundo fontes do governo italiano, foi a carta do Brasil às autoridades em Roma dando garantias de que Pizzolato teria tratamento adequado na Papuda ou em uma unidade prisional de Santa Catarina, se ele assim o desejar - todo preso tem direito de pedir para cumprir pena em penitenciária próxima da família. O teor completo do documento não foi divulgado.

A decisão pela extradição havia sido comunicada ao condenado na noite da quarta-feira, mas só chegou à embaixada do Brasil em Roma na manhã de ontem, pouco antes de ser revelada pelo Estadão.com.br. A informação pôs fim aos planos de Pizzolato de evitar ir para uma prisão brasileira.

Ao fugir do País, Pizzolato tinha a esperança de pelo menos convencer as autoridades italianas de que havia sido condenado por um julgamento “político” e de ter sido “uma vítima da má Justiça do Brasil”, como afirmou em entrevista exclusiva ao Estado. O ex-diretor do BB alegava ter fugido para “salvar sua vida” e, depois de preso pela polícia italiana, tentou alegar que o sistema prisional brasileiro não garantiria seus direitos humanos.

Essa argumentação dos advogados italianos de Pizzolato chegaram a fazer eco nos tribunais do país. Ao analisar pedido de extradição do Brasil, a Corte de Bolonha decidiu soltar Pizzolato da prisão, em Módena, sob essa alegação. Essa sentença foi revertida há dois meses pela Corte de Cassação de Roma, instância máxima do Judiciário italiano, que considerou prerrogativa do governo de Roma dar a palavra final sobre a extradição. Ontem, veio a público a decisão do Ministério da Justiça italiano pelo retorno de Pizzolato.

“Sempre confiei na Justiça italiana", afirmou Miqueli Gentiloni, advogado contratado pelo Brasil para defender o caso. Para o defensor de Pizzolato, Alessandro Sivelli, a decisão do governo foi de “caráter político”. “Não foi uma iniciativa corajosa e o Estado italiano preferiu apenas uma avaliação política do caso”, disse a jornais de Módena.

Battisti. Os advogados de Pizzolato chegaram a usar o caso do ex-ativista Cesare Battisti - condenado na Itália por terrorismo que recebeu asilo político no último dia do governo Luiz Inácio Lula da Silva - na argumentação para convencer a Justiça do país europeu a não extraditar o brasileiro. Ao não levar a situação de Battisti em conta, o governo italiano buscaria indicar que a tensão daquele caso é “página virada”.

Em nota conjunta, o Ministério da Justiça e a Procuradoria-Geral da República destacaram o “sucesso da cooperação internacional” envolvendo os órgãos brasileiros e as autoridades italianas.

Ex-servidor do governo é alvo de ação antiterror

• Ex-assistente da Casa Civil é alvo de ação antiterror

• Advogado, que também já trabalhou na PF, é suspeito de vender dados restritos

Fábio Fabrini e Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Um ex-funcionário da Casa Civil e da Polícia Federal foi alvo nesta sexta-feira, 24, de uma operação da instituição em Brasília. Os agentes vasculharam o apartamento do advogado Marcelo Bulhões dos Santos. A suspeita é de que ele produzia e vendia relatórios falsos, com timbre de órgãos oficiais, sobre vários assuntos - alguns versariam sobre terrorismo.

O grupo antibomba da PF e homens encapuzados do Comando de Operações Táticas (COT) fizeram buscas no imóvel de Bulhões. O aparato seguiu protocolo determinado pela corporação para atividades antiterrorismo. As investigações também envolveram agentes do grupo de combate ao terrorismo.

Ao Estado, investigadores explicaram que, ao planejar a ação, considerou-se o risco de o advogado resistir ao mandado de busca e apreensão, daí toda a estrutura envolvida. Ele trabalhou na Coordenação-Geral de Polícia Criminal Internacional, braço da Interpol na PF, e poderia ter conhecimento das táticas usadas em operações dessa natureza.

A PF vai analisar o conteúdo dos relatórios apreendidos no apartamento de Bulhões e tentar identificar para quais clientes ele os teria vendido. Há suspeitas de que o advogado possa ter contato com grupos extremistas. Contudo, está descartado nesta fase da investigação que ele seja um deles.

No Brasil, o terrorismo não é tipificado como crime. O mandado de busca e apreensão, expedido pela Justiça Federal, citava a necessidade de apreender documentos. Os papéis obtidos no apartamento de Bulhões, supostamente vendidos por ele e de cunho privado, continham por exemplo o timbre da PF.
A defesa de Bulhões nega o envolvimento do advogado com extremismo e que as investigações tratem do assunto.

Carreira. Bulhões é ex-servidor do governo federal e atua como consultor jurídico em Brasília desde 2010, quando pediu exoneração do serviço público. Há alguns meses, presta serviços à Embaixada de Omã. O advogado foi nomeado em 2004 agente administrativo da PF, mas, a partir de 2007, serviu a órgãos da Presidência.

Ele trabalhou como assistente da Casa Civil entre maio de 2008 e 2010, quando a presidente Dilma Rousseff chefiava a pasta. No Facebook, Bulhões postou foto ao lado da petista, com o comentário: “Época de trabalho na Casa Civil da Presidência da República... Saudades!”.

Dilma vai leiloar mais 3 aeroportos e 4 rodovias

Novo pacote de privatizações

• Em reunião com ministros, Dilma quer definir leilão de 3 aeroportos, 4 rodovias e ferrovia

Geralda Doca, Danilo Fariello – O Globo

Além do ajuste fiscal

BRASÍLIA - O novo pacote de investimentos em infraestrutura, que será debatido hoje de manhã pela presidente Dilma Rousseff com um grupo de ao menos 14 ministros, além de presidentes de bancos públicos, no Palácio da Alvorada, prevê o leilão de, pelo menos, oito grandes empreendimentos: três aeroportos, quatro trechos de rodovias e uma extensão da ferrovia Norte-Sul. Além desses projetos, a presidente vai pôr em debate o financiamento dessas obras, a viabilidade de outras concessões e demais modelos de Parceria Público-Privada (PPP) - que exigem algum esforço fiscal, mas em prazos mais longos.

De olho no ajuste fiscal, as novas concessões terão um modelo diferente, com redução dos financiamentos do BNDES. Presidentes de bancos públicos federais também deverão participar da reunião de hoje. A ideia, agora, é trazer a iniciativa privada para participar do financiamento desses projetos por meio de debêntures. No Programa de Investimentos em Logística (PIL), lançado há quase três anos, por exemplo, os programas eram amparados em financiamento de 70% dos empreendimentos com recursos subsidiados do BNDES.

A meta do governo é lançar uma agenda positiva, na tentativa de estimular investimentos, aumentar a arrecadação neste ano e promover o desenvolvimento sustentável do país, tirando, assim, o segundo mandato da presidente da letargia econômica. Ou seja, mostrar que a política econômica vai além do ajuste fiscal, que será preservado. Segundo um integrante da equipe econômica, durante a reunião deverá ser batido o martelo sobre os ativos a serem leiloados e os próximos passos, como a data do anúncio oficial e a contratação dos estudos que vão nortear os editais.

Estradas previstas para este ano
No caso das concessões das rodovias, que teve o modelo já testado no mercado e aprovado, na visão do governo, a expectativa é que quatro leilões sejam realizados ainda este ano, porque os estudos conduzidos pelo Ministério dos Transportes já estão adiantados. Uma dessas estradas, no Paraná (BRs-476/153/282/480), já tem projeto entregue pela iniciativa privada que está em fase de ajustes. As outras três rodovias - a BR-364/060 que vai de Mato Grosso a Goiás, a BR-163/230 que liga Mato Grosso ao Pará, e a BR-364 que vai de Goiás a Minas Gerais - terão os estudos concluídos até junho e deverão ser leiloadas também em 2015. Essas concessões já foram anunciadas por Dilma em janeiro. Um novo lote de trechos a ser leiloado já está sendo analisado.

Os aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis e Salvador deverão ter estudos finalizados este ano, e a previsão é que os leilões ocorram no início de 2016, considerando todas as etapas do processo: elaboração dos editais, audiências e consultas públicas e aprovação do Tribunal de Contas da União (TCU). Já está definido que a Infraero terá uma participação inferior aos 49%, percentual estabelecido nas primeiras rodadas de concessão do setor aeroportuário, por conta do ajuste fiscal. Também está em discussão se o ganhador do aeroporto de Porto Alegre terá permissão para construir um novo sítio portuário. Em Florianópolis, será preciso construir um novo terminal de passageiros e em Salvador, uma nova pista de pouso.

No caso da ferrovia Norte-Sul, já foi construído pela Valec o trecho entre Palmas (TO) e Anápolis (GO) e deverá ser concluída até junho do próximo ano a extensão até Estrela D"Oeste (SP). A ideia é fazer esse leilão com cobrança de outorga, para ajudar nos resultados do Tesouro ainda este ano. Novas ferrovias não devem entrar no programa por ora, mas a ideia é debater novos modelos que destravem as construções no setor, por exemplo, via PPPs. Outra discussão é a renovação antecipada de concessões de ferrovias da década de 90 em troca de pagamento de outorga imediata ou condicionando-se investimentos em novas linhas.

Três portos nos planos do governo
O governo deverá debater também a concessão de canal de acesso e dragagem em três portos: Santos, Paranaguá e Rio Grande. O setor privado tem mostrado grande entusiasmo com esses leilões de dragagem e vem propondo também outras opções de concessão nessa linha ao governo.

Já a concessão de hidrovias exige a realização de estudos mais profundos. Mas um cronograma com meta para isso já poderá ser apresentado pelo governo no mês que vem. Há ainda a intenção de apresentar um novo lote de rodovias para análise pelo setor privado, mas o assunto ainda está sendo tratado com reservas.

O governo quer tratar hoje também de novos investimentos em mobilidade urbana e de sistemas de drenagem. Por isso, o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, deverá participar da reunião no Alvorada. Outro que participará é o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, que apresentará projetos de concessões no setor elétrico.

Ontem, o Ministério da Fazenda divulgou um convite ao Banco Mundial para participar de estudos para ampliar a entrada de investidores nacionais e internacionais em financiamento de projetos de infraestrutura no país. Os padrões adotados pelo Banco Mundial para governança e transparência são mundialmente aceitos por financiadores de longo prazo, como fundos de pensão estrangeiros.

"O estoque de debêntures incentivadas para a infraestrutura já ultrapassa R$ 10 bilhões, o que representa uma fração pequena perto das necessidades de financiamento do país, mas é muito significativo para essa incipiente classe de ativos ao redor do mundo", informou ontem o Ministério da Fazenda, na nota em que anunciava a parceria com o Banco Mundial.

Lula cobra ‘agenda positiva’ de Dilma

• Em evento do PT paulistano, ex-presidente fala pela primeira vez em público que sucessora precisa explicitar ações do segundo mandato

Ricardo Galhardo e Elizabeth Lopes - O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou pela primeira vez publicamente, nesta sexta-feira, 24, em um encontro com petistas de São Paulo, que a presidente Dilma Rousseff, sua sucessora, crie fatos positivos em seu governo de forma a abrir uma saída para a crise política que se arrasta desde a posse, em 1.º de janeiro.

“Nós temos de dizer em alto e bom som dentro do PT, para a companheira Dilma ouvir e para os nossos deputados e militantes ouvirem, que nós precisamos começar a dizer o que nós vamos fazer neste segundo mandato, qual é a política de desenvolvimento que nós vamos colocar em prática, qual é o tipo de indústria que nós vamos incentivar”, disse Lula, em um discurso inflamado de mais de 40 minutos, durante a abertura do 3.º Congresso das Direções Zonais do PT São Paulo, na noite de desta sexta na capital.

Em conversas fechadas o ex-presidente tem adotado há algumas semanas o mesmo discurso, com palavras mais diretas. Nestas conversas ele diz que Dilma não pode concentrar os esforços apenas na área econômica e que o governo “precisa governar” para criar notícias positivas que ajudem a reverter o “mau humor” da população.

Tema único. Nesta sexta, Lula reclamou de que o único tema nos últimos cinco meses é o ajuste fiscal. Segundo ele, é preciso dar um assunto aos petistas para que eles possam contrapor, “na mesa do bar”, as críticas ao partido e ao governo.

Além das cobranças, Lula conclamou os militantes presentes a defender Dilma. “Nem o PT sobrevive sem a Dilma nem a Dilma sobrevive sem o PT. Temos que ser unha e carne. Se Dilma fracassar é o PT quem fracassa e, se o PT fracassar, a gente vai contribuir para o fracasso da Dilma. E eu não vim ao mundo para fracassar.”

Disse ainda que, se Dilma está encontrando dificuldades, não é para o partido se afastar. “Temos de chegar juntos e empurrar para que ela continue sendo a Dilma que nós elegemos presidente da República.”

Preocupação. Ao falar sobre o segundo mandato de sua afilhada política, Lula destacou: “Precisamos dizer ao povo porque quisemos o segundo mandato de Dilma. Eu sempre tive preocupação com segundo mandato, porque segundo mandato é como segundo casamento, tem que ser melhor que o primeiro.” E ponderou: “Ninguém pode duvidar da dignidade e caráter da companheira Dilma, comprometida com o povo e com a classe trabalhadora deste país”.

Lula também endereçou uma cobrança ao PT. “O PT precisa errar menos. O PT não pode fazer aquilo que é criticado nos outros, tem que ser exemplo”, defendeu o ex-presidente. E lembrou da construção do partido, quando se vendia esperança e “utopia”. “O PT nunca teve nada de graça. E construímos coisas que nenhum sociólogo poderia imaginar que faríamos." Para Lula, era mais fácil fazer política quando o partido era oposição e pequenino.

Defesa do tesoureiro. No discurso, Lula também cobrou dos militantes a defesa do ex-tesoureiro da legenda João Vaccari Neto, que continua preso, dizendo que o PT tem que defender não apenas o Vaccari, mas o próprio partido. E disse que ninguém pediu desculpar à cunhada de Vaccari, Marice Correa de Lima, que foi presa e depois solta por dúvidas se ela era mesmo quem aparecia no vídeo.
"O PT precisa defender não apenas o Vaccari, mas também o PT das acusações que ele está sendo vítima. Defender os companheiros até que se prove o contrário."

Ao elogiar a decisão da direção do PT em não aceitar mais recursos de empresas privadas, Lula disse parece que o dinheiro do PT é amaldiçoado e o dos outros é abençoado, parece que a campanha dos outros foi feita com dízimos, vendendo churrasco nas quermesses. E voltou a citar o ex-tesoureiro: "Será que o Vaccari pegou dinheiro escrito propina ou a mesma nota que os outros pegaram?"

PSDB na Câmara disposto a dar início ao impeachment

• Carlos Sampaio, líder da bancada, diz que pedido pode ser protocolado já na semana que vem

Maria Lima – O Globo

BRASÍLIA - Causou mal-estar na cúpula do PSDB o tom usado ontem pelo líder do partido na Câmara, Carlos Sampaio (SP), ao anunciar que a bancada poderia se adiantar e apresentar, já na semana que vem, um pedido de abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff por crime de responsabilidade, por conta do escândalo da Petrobras e das pedaladas fiscais. Nos últimos dias, o senador Aécio Neves (MG), presidente da legenda, anunciou que uma decisão nesse sentido só seria tomada com a unidade do partido e com fatos configurados.

- Vamos levar ao Aécio um convencimento - disse Sampaio à rádio CBN: - Entendemos que o partido tem seu tempo, mas a bancada, que deve ser a protagonista desse processo, também tem o seu. E se depender da bancada, protocolamos esse pedido de impeachment entre terça e quarta-feira.

A decisão ocorreu após debate dos deputados na primeira rodada da Oficina de Planejamento Estratégico do partido, em Brasília. Sampaio pretende convencer Aécio de que, para a bancada, já há elementos suficiente para o impeachment e que não será mais necessário esperar parecer jurídico do ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior.

Depois da repercussão negativa de suas declarações, Sampaio disse aos dirigentes tucanos que havia sido mal interpretado e que a intenção era levar a Aécio a posição da bancada na terça-feira - e não o pedido de impeachment. O deputado afirmou ainda que a bancada respeita o posicionamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do senador José Serrá, que acham precipitado o movimento em favor do impeachment de Dilma.

Bancada do PSDB insiste em pedido de impeachment

• Deputado Carlos Sampaio (SP) quer apresentar ação até quarta-feira (29)

• Aécio quer tempo para jurista concluir parecer, mas líder da bancada tucana diz que não há motivos para esperar

Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A bancada do PSDB na Câmara pretende levar na terça-feira (28) ao presidente nacional do partido, Aécio Neves, a defesa de que seja apresentado imediatamente o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

O líder do partido na Câmara, Carlos Sampaio (SP), afirmou nesta sexta (24) que irá dizer a Aécio que não há necessidade de esperar novos fatos ou pareceres jurídicos.

Segundo o deputado, a depender da bancada e do aval de Aécio, o pedido de impedimento será entregue entre terça e quarta (29).

"Na visão da bancada, não tem mais o que aguardar. A Câmara é quem decide sobre a abertura do impeachment, então o protagonismo tem que ser da bancada", afirmou Sampaio no intervalo de uma reunião de treinamento dos deputados tucanos.

Pessoas próximas a Aécio, entretanto, afirmam que o tucano irá orientar a bancada do PSDB a esperar mais.

O senador chegou a subir o tom contra Dilma e a indicar que o partido encabeçaria o impeachment. Mas acabou recuando após o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra (SP), entre outros correligionários, manifestarem opinião contrária ao pedido de impedimento neste momento.

Aécio encomendou uma análise técnica sobre o tema, mas o jurista Miguel Reale Júnior pediu um prazo maior para elaborá-la.

Segundo Carlos Sampaio, a bancada na Câmara já tem pronto o pedido, que é baseado principalmente na suposta responsabilidade de Dilma sobre o escândalo na Petrobras e sobre as chamadas "pedaladas fiscais", as manobras realizadas pelo Tesouro Nacional para fechar as contas públicas.

O líder da bancada tucana também afirmou que irá recorrer ao plenário da Câmara contra eventual recusa ao pedido por parte do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O peemedebista já afirmou não ver razões hoje para dar prosseguimento a eventual processo contra Dilma.

Pelo regimento da Câmara, cabe recurso dessa decisão, o que levaria ao plenário a palavra final. Autorizado, o processo só é aberto caso tenha o apoio de pelo menos dois terços (342) dos 513 deputados.

Líder tucano se enrola com impeachment

• Carlos Sampaio afirma pela manhã que deputados vão pedir afastamento, mas à noite diz que antes precisa ouvir Aécio e cúpula do partido

Daniel Carvalho, Isadora Peron e josé Roberto Castro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Uma declaração na manhã desta sexta-feira, 24, do líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), provocou mal-estar na cúpula do partido a respeito do momento certo para a apresentação de um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. À noite, o deputado precisou retificar seu posicionamento.

Após reunião pela manhã com a bancada do partido na Câmara, Sampaio disse: “Se depender da bancada do PSDB, protocolamos este pedido entre terça e quarta-feira”. A declaração repercutiu mal no comando do partido, que ainda aguarda a avaliação de juristas para se posicionar oficialmente sobre o assunto. O presidente da sigla, senador Aécio Neves (MG), telefonou para Sampaio e exigiu dele um esclarecimento.

À noite, o deputado relativizou a declaração. “Talvez tenha me expressado mal. Vou na terça pela manhã tomar um café com o Aécio para levar a posição da bancada, para ouvi-lo. Ouvi-lo mesmo, porque a decisão tem que ser conjunta. Não faria sentido eu falar: ‘Eu vou na terça ouvir o Aécio’ e na quarta eu entro (com o pedido se houver concordância do partido)”, disse o líder. “Vou levar a posição da bancada. Para a bancada, não tem mais o que aguardar. Já temos os elementos e daí vamos decidir conjuntamente.”

O encontro ontem com a bancada era para discutir a infraestrutura do País, mas o impeachment acabou sendo o tema dominante. Na entrevista, Sampaio afirmou que os deputados tucanos consideram possível pedir o impeachment por crime de responsabilidade com base nas chamadas pedaladas fiscais e por suposta omissão da petista no esquema de corrupção da Petrobrás.

Aécio e parte da bancada no Senado, por sua vez, têm adotado um tom mais cauteloso ao tratar o assunto. O presidente do PSDB, candidato derrotado na corrida pelo Planalto, diz aguardar análise de juristas para que o partido tome uma posição. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse no domingo que pedir o impedimento da presidente neste momento é “precipitação”.

Sampaio discorda, conforme relatou logo após o encontro com deputados. “A decisão (da bancada) foi tomada, o impeachment é cabível e não precisamos aguardar mais nenhum parecer”, disse pela manhã. “Respeitamos a posição do ex-presidente Fernando Henrique e dos senadores que discordam, mas a Casa que decide é a Câmara. A bancada tem clareza de que o momento enseja o impeachment”, afirmou o líder tucano, segundo quem “95% da bancada” apoia essa posição.

Um dos principais aliados de Aécio, o deputado Marcus Pestana (MG) saiu em defesa de Sampaio.
“Não há discordância. Nem Fernando Henrique Cardoso, nem José Serra. Está todo mundo escandalizado com o descalabro. O que há é muito em cima das evidências jurídicas. Só que o Carlão (Sampaio) nos últimos dias avançou.”

Sem base. Líder do governo na Câmara e vice-presidente do PT, o deputado José Guimarães (CE) disse que a posição da bancada tucana é um “despropósito” que “não tem base política ou jurídica” com intenção de “fazer mídia”. “É o 3.º turno, o quanto pior melhor. Ela (oposição) não está preocupada com Petrobrás, não está preocupada com nada. É uma oposição muito pouco responsável com o País.”

José Álvaro Moisés - "O governo está esfarinhando"

• Para o cientista político, a baixa popularidade de Dilma Rousseff e a desconfiança da população nos partidos e no Congresso podem abrir espaço para um "aventureiro" em 2018

- Revista Época

O cientista político José Álvaro Moisés, de 69 anos, é um dos mais duros críticos do PT na academia, onde os simpatizantes do partido detêm a hegemonia, em especial na área de filosofia e ciências humanas. Professor de ciência política e diretor do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), Moisés foi um dos fundadores do PT, em 1980, mas deixou o partido em meados dos anos 1990. A "pá de cal", segundo ele, ocorreu em dois tempos - com a recusa do PT em atender ao chamado do então presidente, Itamar Franco, para um governo de união nacional logo após o impeachment de Fernando Collor, em 1992, e o afastamento da deputada Luiza Erundina (hoje no PSB), por ter aceitado um cargo de ministra no governo."Minha impressão é que, hoje, o PT entrou na fase do declínio", afirma. "Se a oposição for capaz de ocupar o espaço deixado pelo PT, provavelmente vai disputar as eleições de 2018 com muita força, mesmo que o candidato seja o Lula." Em entrevista a ÉPOCA, Moisés fala sobre a crise de legitimidade de Dilma e a desconfiança da população nos partidos e no Congresso Nacional. "A presidente Dilma conseguiu perder seu capital político em apenas três meses", diz. "As pessoas estão cobrando o preço da mentira."

ÉPOCA - O Brasil vive hoje a maior crise política desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992. Como o senhor vê o cenário político?

José Álvaro Moisés - Há uma crise de legitimidade do governo. Ele está esfarinhando, dissolvendo como sorvete na mão de criança no verão. A presidente Dilma conseguiu perder quase todo o seu capital político em apenas três meses, de tal modo que, quando alguém do governo vai falar na televisão, tem panelaço. Nas últimas pesquisas, a aprovação do governo e da presidente Dilma ficou em torno de 10%. Não conheço na história brasileira nenhum governo que, num período tão curto, tenha enfrentado um questionamento desses. Não apenas no que se refere às medidas de ajuste da economia. As dúvidas sobre o governo e as críticas de todos os lados passam pelo questionamento da capacidade de Dilma governar e coordenar sua própria base política. Agora, com a escolha do vice-presidente, Michel Temer, para fazer a articulação política, parece que isso está mudando um pouco. A escolha de Temer não vai resolver tudo, mas aponta a possibilidade de melhoria na relação com o Congresso. Para completar o quadro, uma parte dos eleitores do PT está decepcionada. Você não chega a 78% de rejeição da presidente e 65% da política do governo, como mostrou a pesquisa CNT (Confederação Nacional dos Transportes), no final de março, se não imaginar que, nesse contingente, tem gente que votou no PT.

ÉPOCA - Quais as consequências dessa crise para o país?

Moisés - Se muita gente começa a desacreditar no governo e associa isso ao mau funcionamento de algumas instituições da democracia, como os partidos e o Congresso Nacional, pode levar à formação de uma base potencial para apoiar alternativas não democráticas, como uma intervenção militar. Isso é um horror. Em todas as pesquisas que fiz na USP, essa desconfiança nas instituições aparece. Em 2006,29% diziam que a democracia pode frmcionar sem o Congresso e 31 % sem os partidos. Em 2014, isso foi para 46% no caso dos partidos e para 45% no caso do Congresso. É muito para duas instituições centrais na democracia, cujo papel é trazer os desejos da sociedade, suas preferências, para dentro do sistema político.

ÉPOCA - No dia 12 de abril, milhares de pessoas voltaram às ruas para pedir o impeachment da presidente Dilma e protestar contra o PT e a corrupção no governo. O senhor acredita que o impeachment é possível?

Moisés - A democracia não pode funcionar na base do impeachment. O impeachment é uma solução de emergência, que deve ser usada numa situação de radicalização política, para não aprofundar a crise. Na situação atual, não estão criadas nem as condições políticas, nem as condições que a Constituição assegura, para permitir o impeachment. Agora, eu tenho uma dúvida. Admitindo que, neste mandato, não haja atos de responsabilidade da presidente que justifiquem o impeachment, o que vamos fazer com o que aconteceu no primeiro mandato, quando ela era chefe da Casa Civil, presidente do conselho da Petrobras e ministra de Minas e Energia? Não sei se o sistema político vai tratar disso no fim do mandato dela. Recentemente, vi uma tese que tem de ser considerada. Como o Brasil adotou o sistema de reeleição, o segundo mandato seria uma sequência do primeiro. Embora não esteja claro na Constituição, os crimes de responsabilidade do primeiro mandato se transfeririam para o segundo. Estou tentando entender se isso faz sentido jurídico, porque mudaria minha posição em relação ao impeachment.

ÉPOCA - O PT, Lula e Dilma continuam a negar participação ou conhecimento sobre as propinas na Petrobras. Como o senhor analisa isso?

Moisés - As pesquisas mais recentes mostram que muita gente não apenas está acompanhando as investigações do petrolão, como imagina que tanto Lula como Dilma sabiam o que estava acontecendo e têm responsabilidade pelo que ocorreu. Bem mais que 50% estão dizendo isso. Não é um antipetismo ou uin ódio ao PT, como disse o ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira outro dia num artigo. Em nenhum momento o Bresser fala sobre o direito de as pessoas protestarem e se indignarem com a corrupção. Ele teria de dizer que o PT está dando motivo não só para os ricos, mas também para muitos de seus eleitores começarem a protestar e se colocarem contra o partido e o governo. As pessoas estão cobrando o preço da mentira. Ouvi muito isso nas manifestações da Avenida Paulista. As pessoas não são idiotas. Elas estão percebendo que alguma coisa não está funcionando bem. A minha impressão é que o PT entrou numa fase de decadência.

ÉPOCA - Em sua opinião, esse quadro pode abrir espaço para a ascensão de um "salvador da pátria" em 2018?

Moisés - Num momento em que há muita descrença, se aparecer um aventureiro, as pessoas podem aceitar. Em última instância, foi isso que aconteceu com a eleição do Collor. Mas, naquela época, estávamos em outra fase do processo de democratização brasileiro. É preciso lembrar que, naquele momento, o PT teve um papel importante na mobilização pelo impeachment. Não considerou que fosse golpismo, como agora. Hoje, temos de evitar que essa deterioração do governo se articule com a crítica das instituições. Essa separação precisa ser feita pelo governo, pelos partidos e pelas lideranças políticas. Mas estamos carentes de lideranças democráticas capazes de pensar o momento e os desdobramentos futuros. Sei que teve o Aécio Neves na eleição de 2014. Diria até que ele saiu maior do que entrou na campanha. Só que, nos últimos meses, não estamos vendo a presença dele. Sou crítico também em relação à participação da Marina. Algumas semanas atrás, a Marina disse que estava "ouvindo o silêncio". Eu respeito isso. Mas a sociedade está num momento crítico. Precisa haver vozes de liderança que façam essa separação. O Fernando Henrique tem feito isso, mas não podemos depender só dele.

ÉPOCA - Há uma luz no fim do túnel?

Moisés - Depende do papel que a oposição desempenhar. Estamos vivendo uma crise no Brasil que abre as portas para que as forças políticas se reinventem. Isso significa que precisam agir. Não só o PSDB, mas o DEM, o PPS, o próprio PSB, para não falar do partido da Marina. Precisamos de uma oposição democrática, capaz de falar sobre os temas centrais do momento: ajuste fiscal, para retomar a economia, a reforma política, em especial as questões que dizem respeito à corrupção, a maneira como é feito o financiamento das campanhas eleitorais e medidas para ter mais controle e punição sobre a corrupção. A oposição tem de dizer algo sobre isso. Não apenas um elenco de propostas para se contrapor, mas que faça sentido para a população e mostre que a política é um caminho para melhorar a sociedade. Se a oposição for capaz de ocupar o espaço deixado pelo PT, provavelmente vai disputar as eleições de 2018 com muita força, mesmo que o candidato seja o Lula.

ÉPOCA - Que papel cabe ao PMDB nesse processo?

Moisés - Nos últimos 25 anos, formamos a imagem do PMDB como um partido fisiológico, que aproveita todas as chances de estar no poder e não teria nem projeto para o Brasil. De repente, o PMDB está jogando um alto papel. Não importa se por vias transversas ou por pessoas que nem têm tanto crédito, mas o PMDB está dizendo que, na democracia, a agenda política não pode ser definida só pelo Executivo. O Legislativo tem de participar, ter mais independência para examinar o que o Executivo está propondo. Por mais contraditório que seja, o PMDB está dizendo: "Algum princípio republicano tem de prevalecer" e "Ter 39 ministérios não faz sentido". Alguém sempre vai dizer que é oportunismo. Se você vai na linha do presidencialismo de coalizão, quem faz parte da coalizão tem de participar das decisões. Às vezes, da crise podem emergir mudanças positivas. O espaço da boa política deixado pelo PT e pela oposição, surpreendentemente, começa a ser ocupado pelo PMDB.

As pessoas podem ser adversárias, mas não inimigas

Entrevista - Dom Sérgio da Rocha

• O novo presidente da cnbb vê com preocupação a radicalização no debate político e critica a inclinação fisiologista de algumas legendas

Gustavo Uribe – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com o número de católicos em queda no país e o crescimentos das igrejas evangélicas, o arcebispo de Brasília, dom Sérgio da Rocha, assumiu a presidência da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros) nesta sexta-feira (24) com o desafio de aumentar o rebanho de fieis praticantes.

Paulista nascido na cidade de Dobrada (SP), o religioso aponta a necessidade de uma atuação mais organizada da Igreja Católica em diferentes questões sociais e uma participação mais ativa dos cristãos leigos em assuntos de interesse da sociedade.

"Sentimos uma presença muito tímida do nosso laicado na sociedade. Claro que tem gente que dá testemunhos muito corajosos em diversos campos da vida social, mas temos de crescer nisso."

No documento final da 53ª Assembleia Geral da CNBB, divulgado sexta, a entidade católica posicionou-se contra a redução da maioridade penal e fez críticas ao projeto que regulamenta a terceirização em contratos de trabalho.

O documento avalia ainda que a crise econômica ameaça conquistas sociais das últimas décadas e "coloca em risco a ordem democrática", mas ressaltou que não é o momento de ânimos acirrados ou "de posições revanchistas".

Folha - O senhor pretende seguir a mesma linha consensual e apaziguadora do arcebisparcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno, ex-presidente da CNBB?

Dom Sergio da Rocha - Dizem que é o meu estilo. Na verdade, o meu estilo é buscar o diálogo, não importa com quem seja. Alguns dizem que até por isso eu fui eleito no primeiro escrutínio. Não sei se é verdade, mas, sem dúvida, acredito na abertura de diálogo com todos, sem a identificação com grupos.

Sei que hoje a questão ideológica é muito mais tranquila. Em outros tempos, falava-se de grupos ideológicos. Hoje, pode ter pluralidade de opiniões, mas não embates ideológicos no episcopado.

O senhor vê com preocupação o atual cenário de radicalização no debate político?

Sim, porque o ideal é, em uma sociedade democrática, termos o diálogo. Não só entre os partidos, mas também entre os poderes da República e com a sociedade civil.

E, dentro da sociedade civil, que agora tem se manifestado um pouco mais nas ruas, não pode deixar de haver diálogo e respeito. As pessoas podem até ser adversárias, mas não precisam ser inimigas.

O senhor considera justificáveis os pedidos recentes de impeachment da presidente da Dilma Rousseff (PT)?

Não entro no mérito. Eu entendo que, independentemente qual for a interpretação que se dá a esse pedido, o que há efetivamente é um anseio da população de que as suas causas sejam consideradas. E que de fato a política, os políticos ou o governo cumpram seu papel de estar a serviço mesmo do povo, sobretudo dos mais pobres.

Nós podemos infelizmente correr o risco de uma postura politica corporativista, só em vista de interesses partidários ou de interesses de grupos particulares. Ou então aquela postura mais fisiologista. Temos de nos pautar por valores, princípios e postura. E os partidos por programa político-partidário. Se uma sigla não cumpre o seu papel, ela não está ajudando a democracia.

O Papa Francisco tem se mostrado bem diferente do seu antecessor, Bento XVI, ao adotar uma postura mais liberal. Qual é a opinião do senhor sobre a mudança no comando da Igreja Católica?

O Papa Francisco, na verdade, tem colocado em pauta, não apenas em suas palavras mas também em seus gestos, muita coisa que já estava presente antes no pontificado de Bento XVI e até de outros papas.

Na verdade, ele não está criando uma nova doutrina, mas, no seu modo de ser, ele está ressaltando certos aspectos que sempre acompanharam a vida da Igreja Católica. Como a misericórdia. A misericórdia não é algo novo. O Papa Bento XVI já havia escrito sobre a caridade. A sua primeira encíclica foi "Deus é amor". Na verdade, o Papa Francisco expressa isso por meio de gestos concretos.

As famílias brasileiras não são mais formadas apenas por casais heterossexuais. Há muitas famílias com duas mães e com dois pais. O senhor considera que é o momento também da Igreja Católica se modernizar e acolher também as novas formações familiares?

Nós queremos ser uma Igreja acolhedora de modo muito amplo. Como mãe misericordiosa, a igreja está de portas abertas, como o Papa Francisco tem colocado. Uma pessoa não é acolhida pela sua condição social ou sexual. Ela é acolhida porque é filha de Deus, porque é irmão, porque é cristão, porque é membro da Igreja.

Agora, é claro que a Igreja tem princípios que estão no Evangelho, tem o seu ensinamento já acumulado ao longo da história e um patrimônio imenso. É por isso que a 14ª Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos, que será realizada neste ano no Vaticano, deverá considerar todas essas novas situações.

Zander Navarro – O entardecer da esquerda no Brasil

- O Estado de S. Paulo

Numa de suas peças, 2.500 anos atrás, Eurípides, um dos grandes nomes da tragédia grega clássica, legou-nos a famosa passagem: "Oh, Zeus, o que posso dizer? Que você se interessa e cuida da humanidade? Ou nós, mantendo que os deuses existem, nos iludimos com sonhos vazios e mentiras, enquanto o acaso controla o mundo?".

O trecho tem inspirado incontáveis discussões acerca do papel das contingências e das circunstâncias na aventura humana. O conjunto de sonhos (e mentiras) seria a crença numa ordem moral que conformaria as arquiteturas sociais. Mesmo que ocorram infinitas transgressões, formas de violência ou o império da barbárie, o senso comum insistiria em que esses são desvios fortuitos em relação àquela ordem existente.

A frase propõe um dilema: ou aceitamos a existência daqueles sonhos - sejam as religiões, os valores ou as ideologias, ainda que pouco críveis - ou nos resignaremos às incertezas do acaso. Mas há consequências. De um lado, se nos curvarmos passivamente à ordem moral, desistiremos de nosso arbítrio e do controle sobre a forma como vivemos. De outro, aceitando a prevalência do acaso como o guia da História, abdicaremos da razão ou dos valores e a vida fluirá à deriva movida por contingências.

Em suas múltiplas vertentes, o campo da "esquerda" vem-se deparando com o dilema acima, sem solucioná-lo. Por isso agoniza em todo o mundo. Uma das principais razões é que a narrativa contemporânea da democracia é como se fosse um morro na planície. Excluiu inicialmente as pessoas comuns dos processos decisórios. Depois, elevou-se com as ondas de democratização no pós-guerra europeu, que integraram massas de eleitores em partidos que representavam seus interesses. Nesse ponto mais alto, a prosperidade social e econômica e a satisfação cidadã se encontraram. Os interesses do capital foram forçados a reconhecer seus limites e responderam democraticamente a governos legítimos. Em síntese, os mercados submeteram-se à política. As demais ondas de democratização repetiram desenvolvimentos com alguma similaridade em outras regiões.

Posteriormente, contudo, a linha começou a declinar, definhando a expressão real da democracia, ou seja, as escolhas políticas que correspondem às demandas dos eleitores. É um esvaziamento que vem sendo denunciado em quase todos os países, pois os processos decisórios se distanciaram dos partidos e dos parlamentos. Houve uma inversão e os mercados voltaram a autonomizar-se ante a esfera da política.

Por que tem sido assim? Afirmar somente sobre a espantosa hegemonia do grande capital globalizado simplifica as coisas. A vitória dos mercados, de fato, registra outras vias de desconexão entre a política e os cidadãos. Por exemplo, vai desaparecendo a noção de emprego estável que vigorou no passado. Ou, então, Estados nacionais vão se enfraquecendo com o receituário único, que é repetir no âmbito estatal as práticas das grandes empresas. Adicionalmente, os políticos e seus partidos parecem dispensar os eleitores, pois subsistem sem sua participação. Assim, as eleições tornaram-se meras disputas de slogans vazios.

Diante dessas mudanças, a esquerda foi encurralada, pois seu discurso se encaixava num passado, hoje inexistente. Sua ideologia não seduz mais e, assim, tem apostado apenas no acaso. Seus programas convencionais não têm a menor chance de ser concretizados ante as realidades macroeconômicas. É ilustrativo o caso grego atual, no qual o pior ainda está por vir e logo o eleitorado perceberá que o Syriza prometeu o que jamais entregará. A esquerda amofina, perplexa, em seu labirinto, pois a sua base social se reduz dramaticamente, suas grandiosas propostas não aderem ao mundo real e, finalmente, conta com um Estado hoje sem capacidade operacional. São alguns dos dilemas gerais que a esquerda enfrenta e, por isso, há um recuo generalizado de sua presença política em todo o mundo.

Por sobre esses fatos, somam-se as particularidades da esquerda brasileira e o campo petista no poder. Aqui ressurge vivamente o dilema proposto por Eurípides. Incapaz de oferecer um programa de governo e um projeto de nação, o PT no poder dedicou-se a desenvolver entre nós uma versão deplorável do binário proposto na tragédia ateniense. De um lado, costurou um manto gigantesco de sonhos irrealizáveis, recorrendo continuamente à mentira, enquanto entorpecia os cidadãos. Ao mesmo tempo, ficou torcendo pelo acaso e suas contingências afortunadas, que garantissem a sua manutenção no poder. Mas não deu certo: o repertório abusivo e suas manipulações vinham sendo de tal magnitude que em algum momento a letargia social foi desfeita.

Esse é o sentido manifesto dos protestos que surgiram inesperadamente em 2013 e se vêm mantendo. Sua interpretação gera disputas entre os analistas, mas poucos partem do mais cristalino: há, sobretudo, uma profunda indignação cidadã com o campo petista no poder, em todos os estratos sociais e em todas as regiões brasileiras, mudando apenas a sua magnitude. É um descontentamento catalisado pelos escândalos devidos à corrupção sistêmica, combinados com a crise econômica, o absurdo aparelhamento estatal e a chocante incompetência governamental. Por isso, entre tantas consequências, o campo petista poderá também incluir em sua biografia outro feito: seu fracasso liquidou a esquerda e uma visão mais progressista da política e do Estado no Brasil.

Incapaz de propor novos sonhos aos brasileiros, o campo político que comanda o governo se move agora exclusivamente pelas contingências do acaso. Alguém duvida? Então faça o teste, pois o esfarelamento da esquerda petista pode ser aferido de forma singela: mesmo acompanhado de seguranças, Lula passaria incólume num passeio pelo centro de qualquer capital do País?

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Sociólogo, professor aposentado da UFRGS (Porto Alegre).

Marco Aurélio Nogueira – Quando a política perde a cultura

- O Estado de S. Paulo

Há uma verdade e um dilema no centro da vida nacional.

A verdade pode ser apresentada assim. Na sociedade em que vivemos não há lugar para ignorância e amadorismo: o modo de vida requer qualificação, boa formação e capacidade de manejar os múltiplos recursos que se tem à disposição, ou se pode acessar. Pede que atuemos em rede, organizando informações e buscando convertê-las em conhecimento. Exige, em suma, educação contínua.

Podemos acrescentar: a vida também espera que recusemos a especialização estreita, que abracemos o pensamento complexo e articulemos as atividades práticas com cultura, arte, literatura, música, cinema.

Se é assim nos mais variados setores, não poderia ser diferente na política. Seus protagonistas dedicados - políticos profissionais, governantes, gestores - estão obrigados a fazer o mesmo que as demais pessoas: encharcar-se de informação, cultura e conhecimento, pôr-se de modo ativo diante do mundo real para interrogá-lo e compreendê-lo. Especialmente se desejarem protagonizar a grande política, com os olhos no bem comum, na reforma democrática progressiva e na melhoria das condições de vida de todos, sobretudo dos mais necessitados.

Políticos refratários à formação permanente continuarão a existir, assim como muitas pessoas seguirão alheias às exigências da época ou impossibilitadas de atendê-las. É que a vida, ao mesmo tempo que pede cultura e conhecimento, cria incentivos para uma adaptação passiva. Abre espaços para a racionalidade crítica e a sensibilidade cultural, mas também pressiona em favor de uma racionalidade burocrática, operacional. Divididas entre o atendimento a esses sinais contraditórios, inúmeras pessoas acabam tendo de optar pelo que rende mais frutos no curto prazo.

Acontece o mesmo com os políticos, que talvez estejam ainda mais expostos à racionalidade instrumental: afinal, eles estão em contato direto com o poder e a gestão, setores que são cortados por influxos pragmáticos recorrentes, pela necessidade de apresentar resultados e por uma "urgência" que não concede tempo para reflexões sofisticadas. Além disso, são propensos a uma espécie de arrogância autossuficiente, comportando-se como se não mais necessitassem de esforços educacionais.

Chegamos assim a um dilema, que lateja sem cessar no Brasil. É que estamos assistindo ao empobrecimento acelerado da política, que se divorcia sempre mais da cultura e da intelectualidade. Assim "racionalizada", a política não consegue cumprir o que promete: civilizar os conflitos sociais, processar demandas, contribuir para o governo democrático da sociedade e o fortalecimento da cidadania.

Não estou, evidentemente, me referindo à intelectualidade como professores ou acadêmicos, mas como conjunto de pessoas dotadas de sensibilidade, conhecimentos e habilidades para falar, escrever, argumentar e persuadir. Falo de formuladores e organizadores, gente afinada com a construção de projetos substantivos, o questionamento e a elaboração de ideias, sonhos e utopias.

Hoje, no Brasil, os intelectuais afastaram-se da vida política propriamente dita, aquela materializada em partidos, instituições, cargos e responsabilidades. Talvez não tenha sido muito diferente no passado. Mas antes não se vivia numa "sociedade do conhecimento" e a própria intelectualidade era reduzida. Mesmo assim, a presença dela na vida política se fazia sentir de modo efetivo.

Hoje, ao contrário, nesta época de ideias e conhecimentos, o rebaixamento cultural dos grupos dirigentes surge como um contrassenso.

Se olharmos de relance a história de nossos mais importantes partidos políticos - do PTB, da UDN e do PCB ao MDB, ao PT e ao PSDB -, podemos ver que conheceram seu auge quando foram influenciados por homens de cultura, os quais forjaram as ideias que impulsionaram a atuação e a identidade dos partidos. Por extensão, atraíram outros intelectuais e transferiram qualidade ao conjunto da vida política, produzindo uma cultura que desceu para a sociedade.

O que vemos hoje? Bons políticos existem, com certeza, e muitos deles têm formação intelectual. Mas não temos mais, na política, quadros da estatura intelectual de Julio de Mesquita, Astrojildo Pereira, Alberto Pasqualini, Caio Prado Júnior, Carlos Lacerda, Franco Montoro, Florestan Fernandes, Ulysses Guimarães, para citar alguns grandes, mais partidários ou menos. Dos que estão em ação podemos citar Fernando Henrique Cardoso, mas não muito mais que ele.

Os intelectuais que se aproximam da política corrente pesam pouco como intelectuais, não modulam sua atuação com uma "alma" cultural. Tornam-se "sistêmicos": fazem com que as coisas funcionem.

O efeito é trágico. A linguagem política decaiu a níveis inimagináveis, o debate público é rústico, não há mais dirigentes que organizem bancadas e militantes, a indigência intelectual corrói os jovens líderes, as decisões governamentais têm fundamento técnico, mas tropeçam bisonhamente na comunicação social e não são acompanhadas por uma visão abrangente de País. Para piorar, o modo dominante de fazer política - que ficou imune a ideologias - abre sempre mais espaços para a demagogia, o populismo, o dinheiro, o faz de conta.

Como seriam um freio natural a esses processos, os intelectuais fazem muita falta.

É um sinal dos tempos, um efeito da modernização "líquida" impulsionada pelo capitalismo globalizado. A situação deveria estimular os intelectuais. Eles, porém, parecem bloqueados por suas agendas profissionais, sem força para agir sobre a vida e modificá-la.

O pior é que esta situação cria uma matriz que vai modelando a sociedade e fazendo com que os dirigentes (não só os políticos em sentido estrito) se tornem executores de rotinas ou servos da autoridade formal, deixando assim de liderar e organizar.

Quando a classe política perde a cultura, todos perdem.

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Professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP

Merval Pereira - Tempos de murici

- O Globo

Foi-se o tempo em que o Executivo tinha força para impor suas decisões aos estados e municípios, e, mais que isso, foi-se o tempo em que os aliados políticos aceitavam de bom grado as "pedaladas" do Ministério da Fazenda, temerosos de seu poder.

A tão falada repactuação entre os entes federativos, para equilibrar melhor as relações entre União, estados e municípios, acaba saindo aos poucos, mais devido à necessidade do que a um projeto bem negociado. A decisão do prefeito de São Paulo, o petista Fernando Haddad, de entrar na Justiça para obrigar o governo a cumprir a lei que muda a correção das dívidas de estados e municípios é exemplar nesse sentido. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, já havia tomado o mesmo caminho. O fato de os dois terem avisado antes à própria presidente Dilma que tomariam esse caminho judicial só demonstra o novo estágio na relação do Executivo, fragilizado com governadores e prefeitos.

A alegação de que o governo federal não tem condições, neste momento de ajuste fiscal, de renegociar as dívidas, conforme prevê a lei sancionada no ano passado, não tem obtido receptividade "em tempos de murici, quando cada um cuida de si". Abrindo um parênteses, ando nos últimos dias com mania de citar velhos ditados populares, nem sempre de conhecimento amplo. A uma recente coluna dei o título de "Coisas e Loisas", e houve quem achasse que era um erro de digitação. A expressão popular significa simplesmente "coisas diversas". Já o ditado de hoje é muito usado nos meios políticos de Brasília, onde atuam muitos nordestinos. O muricizeiro é resistente à seca, e representa os que sobrevivem em condições de extrema dificuldade.

Pois, nestes tempos difíceis, não há muita gente disposta a se sacrificar sem justa causa, e um governo frágil quanto o de Dilma não instila receios nem mesmo nos aliados. Haddad contava com a redução da dívida para ganhar um fôlego na disputa que terá pela frente com a dissidente senadora Marta Suplicy, que está de olho no seu lugar na prefeitura, que um dia já foi dela. Paes, que não é do PT, embora seja um aliado de primeira hora, foi mais ágil e conseguiu uma liminar na Justiça para pagar a dívida de acordo com a legislação já aprovada. A dívida do Rio com a União caiu de R$ 60 milhões para R$ 28 milhões, e o prefeito pagou-a em juízo.

Fez até uma bondade, combinada com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy: aceitou depositar a mais, com a garantia de que o governo federal se comprometeria a devolver a parte excedente daqui a um ano, quando entraria em vigor a lei sancionada. Eduardo Paes foi ameno ao dizer que apoia o governo no ajuste fiscal, mas duro ao afirmar que isso não justifica que o governo aja como "agiota", cobrando juro s além do mercado. Até a semana passada, o prefeito Fernando Haddad negociava com o ministro Levy uma alternativa para evitar um embate entre o município e o governo.

Mas até agora o governo não se sente em condições de garantir quando poderá aceitar as novas condições de pagamento, e Haddad perdeu a paciência, dizendo-se sem segurança jurídica para permanecer na inação. Como se sabe, o filho do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi eleito governador de Alagoas, e a redução da dívida dos estados é fundamental para que tenha possibilidade de fazer alguma coisa além de pagar as contas. Este é outro embate entre interesses conflitantes de aliados poderosos que poderá trazer problemas para o governo. O recente protagonismo do Congresso, por bons ou maus motivos, já se reflete nas pesquisas de opinião, e pela primeira vez em muitos anos o Executivo não te m condições políticas para impor seus projetos. É uma mudança fundamental, que pode ter consequências políticas importantes.

Hélio Schwartsman - Ambiguidades do impeachment

- Folha de S. Paulo

Como que para honrar o mito, o PSDB é incapaz de decidir-se. Para a ala fernandista do partido, se o impeachment não é algo inevitável (a consequência direta de alguma descoberta das investigações), não faz sentido persegui-lo. Já para os aecistas, tudo é uma questão de clima político e, se a população deseja tirar a presidente, cabe à oposição liderar o processo.

As ambivalências tucanas não são gratuitas. Elas têm origem na própria ambiguidade do instituto do impeachment, que surgiu na Inglaterra medieval como um mecanismo judiciário que permitia processar autoridades. Como em caso de impeachment elas eram julgadas pelo Parlamento, e não pelas cortes, controladas pela Coroa, havia uma chance de os amigos do rei serem condenados.

À medida, porém, que as instituições evoluíram e se tornaram mais impessoais, o impeachment foi perdendo suas funções originais. Vai evoluindo para um dispositivo emergencial de controle político, uma forma de o Legislativo arrancar do poder governantes que se tornaram maciçamente impopulares. Prova-o a amplitude dos "tipos penais" capazes de sustentar um processo de afastamento. Dois de meus favoritos são "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" (art. 9º, 7 da lei nº 1.079/50) e "negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional" (art. 11, 5).

O impeachment virou a versão presidencialista do voto de desconfiança comum nos regimes parlamentares, só que ainda fantasiado de procedimento jurídico. Penso que a democracia ganharia se aposentássemos esse fóssil institucional e o substituíssemos por um sistema de "recall" de voto, como existe em vários Estados dos EUA e na Venezuela.

Luciano I. de Castro, professor na Universidade de Iowa, tem um esclarecedor artigo acadêmico (bit.ly/1bBvHu5) sobre isso, que recomendo.

José Roberto de Toledo - 'Salamandragem' à vista

- O Estado de S. Paulo

Pouca gente notou, pois a notícia concorreu com o balanço vermelho da Petrobrás, mas o Senado aprovou esta semana lei que introduz o voto distrital no Brasil, começando pela eleição de vereador nos municípios com mais de 200 mil eleitores. Se a Câmara ratificar o texto, será uma revolução. Raros dos atuais edis manterão sem esforço sua cadeira cativa após a nova regra. A maioria corre risco de ser ejetada da política.

Tome-se o caso da maior cidade do País. São Paulo tem 55 vereadores e 58 zonas eleitorais. Nenhum vereador paulistano chegou nem a um terço dos votos em nenhuma das zonas eleitorais em 2012. Em algumas zonas, o candidato mais votado teve 3% dos votos nominais dela. Na média, essa taxa foi de 11%. A maioria dos vereadores tem sua votação dispersa pela cidade - o que é péssimo se o sistema eleitoral vier a favorecer a concentração.

O impacto maior, porém, transcende as pessoas. O voto distrital implicará redistribuição de poder entre partidos. Ao transformar eleição proporcional em eleição majoritária - na qual apenas o mais votado no distrito se elege -, a nova regra favorece a polarização partidária. Tende a provocar duelos locais entre as maiores legendas e, com o tempo, contribuirá para a sangria dos pequenos e até dos médios partidos. Uma revolução.

Pela nova lei, cada cadeira na Câmara Municipal seria ocupada pelo vereador mais votado em cada distrito. Portanto, a Justiça eleitoral precisaria dividir São Paulo em 55 distritos - todos com a mesma quantidade de eleitores (máximo de 5% de diferença entre eles) e em espaços contíguos (não pode haver interrupção da área do distrito). Aí começa o problema: no desenho.

Foi provado nos EUA que o mapa determina o vencedor da eleição - não apenas o eleito em cada distrito, mas também o partido com maior número de eleitos no total. Dependendo de como é feita a divisão geográfica dos distritos, um partido pode não ter nem a maioria dos votos e acabar com quase todas as cadeiras - enquanto outro partido pode receber quase metade dos votos e ficar quase sem nenhuma. É saber dividir para conquistar.

Para isso, basta desenhar o mapa de modo a concentrar o maior número possível de eleitores do partido rival em poucos distritos, e dispersar os eleitores do seu partido entre muitos distritos, tomando o cuidado de que os seus candidatos sempre alcancem a maioria em cada área. Se o partido ganhar por um voto de diferença em 80% dos distritos, elegerá 80% dos vereadores, mesmo que tenha recebido menos da metade dos votos totais.

A manipulação das fronteiras dos distritos para favorecer o partido X ou Y é tão comum e antiga nos EUA que tem até nome. É conhecida por "gerrymandering" - uma homenagem ao ex-governador do Estado de Massachusetts, Elbridge Gerry, que redesenhou os distritos eleitorais em 1812 para favorecer o seu partido. De tão distorcido, um distrito perto de Boston ficou parecendo uma salamandra. Daí a expressão: Gerry + mander (de salamander, ou salamandra em inglês). Em português, a manipulação distrital poderia ser traduzida por "samalandragem". Ops! "Salamandragem".

Há métodos que misturam geometria e estatística para minimizar o viés partidário no desenho dos distritos eleitorais. Eles fazem a divisão mais aleatória possível, mas quase nunca são empregados. Há casos históricos de "salamandragem" na França, Canadá, Alemanha, entre dezenas de outros países. São comuns porque os distritos têm que ser redesenhados permanentemente, à medida que a população cresce ou diminui.

A lei aprovada pelo Senado brasileiro não estipula regras claras de como a divisão dos distritos deve ser feita. Apenas atribui a tarefa aos tribunais eleitorais. Se o voto distrital for aprovado pela Câmara como passou no Senado, os TREs e o TSE terão um poder inédito para determinar não só a lisura das eleições, mas também o seu resultado.

Rosiska Darcy de Oliveira - A implacável lógica da mentira

• Maioria dos que contestam o PT não é ‘direitista’. São brasileiros que querem que instituições funcionem, em particular a Justiça

- O Globo

A mentira tem uma lógica implacável. Só é possível mantê-la graças a mais mentiras. Essas mentiras a mais vão exigir, para que não sejam descobertas, uma cadeia de novas mentiras. A mentira é um poço sem fundo. Com o tempo, ela invade tudo e passa a alimentar-se a si mesma.

Para o mentiroso, o hábito da mentira acaba por transformá-la na sua verdade. Ele se sente injustiçado quando o acusam de mentir. O impostor que se apresenta como herói sofre quando lhe dizem que ele não é senão um impostor.

Foi essa logica diabólica que enredou o Partido dos Trabalhadores desde que suas lideranças começaram a mentir.

Seus militantes negam as acusações de corrupção sabendo que elas são verdadeiras. Confrontados a provas irrefutáveis, alegam estar a serviço de uma causa nobre — são os únicos que estão verdadeiramente do lado dos pobres — o que, na linha dos fins que justificam os meios, os absolveria. Argumento tragicômico. A causa dos pobres é a primeira vítima dos desvios de dinheiro público.

Protegem-se das críticas repetindo a arenga da “esquerda” contra a “direita”. E a “direita” amalgamaria todos que não compram a versão dos heróis ofendidos.

Que esquerda é essa que o PT estaria encarnando? O que o partido fundado por grandes brasileiros, como Mario Pedrosa e Paulo Freire, fez de si mesmo, seu colapso ético que desrespeitou um passado honroso e o comprometeu com uma corrupção sistêmica, não lhe autoriza a invocar o monopólio da preocupação com os mais pobres e do projeto de assegurar a todos os meios de sua dignidade.

Somos muitos no Brasil os herdeiros de um princípio de solidariedade e de igualdade, que um dia definiu a esquerda. Somos muitos, ancorados em uma consciência democrática, a honrar essa herança sem renunciar à inegociável liberdade.

À esquerda de quem estão os tesoureiros presidiários? O dossiê judiciário que se acumula contra seus dirigentes coloca o partido não à esquerda, porem à margem. Na marginalidade.

Que direita é essa com que nos assombram? A estratégia petista para manter seu poder tem sido promover a radicalização ideológica. Ameaçando as ruas com supostos exércitos do MST, pela provocação acordam fantasmas adormecidos, dando-lhes um protagonismo que já não têm. Esses fantasmas de uma volta ao passado servem então de espantalho e fica mais fácil dizer “quem não está conosco está com eles”. O amálgama desqualifica, por contágio, todos que se opõem aos seus desígnios.

A esmagadora maioria dos que hoje contestam o PT não é “direitista”. São brasileiros que querem que as instituições funcionem bem, em particular a Justiça. São pessoas que ganham a vida com o seu trabalho e a quem, por isso mesmo, a corrupção repugna. Que se preocupam, sim, com políticas que combatem a pobreza e pedem serviços públicos decentes que seus impostos pagam, bem sabendo que a corrupção é o buraco negro que suga os recursos do país.

Não se referem a doutrinas, nem à esquerda nem à direita, referem-se à vida real, querem um governo competente, querem liberdade de expressão para formar livremente sua opinião, querem respeito.

Cansaram da coleção de bonés contraditórios do ex-presidente Lula, da metamorfose ambulante, da farsa dos punhos fechados desses “prisioneiros políticos” de si mesmos, de seu próprio governo. Cansaram das promessas de campanha viradas pelo avesso, dos atos esquizofrênicos em defesa da Petrobras convocados pelos que quase a destruíram. Cansaram da mentira.

Os que se comportaram como donos do Estado quiseram também arvorar-se em donos da sociedade, tentando encapsulá-la nas fronteiras estreitas de movimentos sociais e organizações populares hoje a seu serviço mais do que da expressão autônoma de direitos e identidades. Inútil; a sociedade em sua diversidade é muito mais complexa e insubmissa do que organizações que se tornaram paragovernamentais.

A população brasileira não está dividida pela oposição esquerda e direita. Na nossa democracia cabem todos os atores políticos que se exprimam no marco da legalidade constitucional. O que não cabe mais é a corrupção se intitulando política. E, pior, mais cinicamente, revolucionária. O que não cabe mais é a impostura.

O dicionário “Aurélio” oferece várias definições da impostura, todas em torno da mentira, do embuste, da falsa superioridade. A última a define como o “farrapo que se prende ao anzol para engodar os peixes”. Engodar é seduzir com falsas promessas. O ex-presidente Lula está programando uma viagem pelo Brasil para falar às “bases”. E se os peixes não vierem?

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Rosiska Darcy de Oliveira é escritora

Igor Gielow - Paradas táticas

- Folha de S. Paulo

A guerra aberta entre governo e oposição vive um momento de inflexão, no qual ambas as tropas buscam algum tipo de recomposição. As escaramuças assemelham-se mais a um jogo de xadrez.

No campo oposicionista, engana-se quem pensa que a derrota de Aécio Neves sobre o "timing" do pedido de impeachment de Dilma Rousseff implica retirada permanente.

Ocorreu o óbvio. O mineiro quer manter a pressão alta sobre o governo e busca associar-se ao movimento para firmar sua posição ainda beneficiária do "recall" da eleição.

Atraiu contra si os outros presidenciáveis tucanos, que ganham se a corda for afrouxada, tirando vapor da máquina de Aécio e empurrando o jogo para 2018. FHC acabou sendo juiz, involuntário ou não, da disputa.

Apesar do fracasso do evento sobre o tema e a promessa de deputados de pedir o impeachment semana que vem, a ação só deve sair lá pelo fim de maio, quando os aecistas calculam haver uma nova onda de más notícias para Dilma: o TCU estará a analisar os depoimentos sobre as pedaladas fiscais, a Lava Jato seguirá seu curso, o PMDB permanecerá indócil e os efeitos do ajuste e da recessão deverão se mostrar maiores.

Do lado do governo, uma reunião ministerial neste sábado está sendo vendida como o início de uma agenda positiva para o Planalto, após uma semana relativamente calma.

Haverá fanfarra, mas falar em retomada dos investimentos com a economia deprimida requer os talentos de prestidigitação de um Arno Augustin para convencer a plateia.

A dificuldade mais urgente para o Planalto é, na verdade, conter os efeitos da troca de cotoveladas entre Eduardo Cunha e Renan Calheiros no Congresso, que pode atrapalhar a aprovação de medidas do ajuste que dependam do Legislativo.

Assim, se a reunião servir para melhorar o ânimo dos soldados, já estará de bom tamanho para o governo.

A guerra, contudo, continua.