- O Estado de S. Paulo
O espantalho da imigração que hoje vive no imaginário de Trump e de seus seguidores simplesmente não existe
“Direita é do mito
Esquerda é propina.
Direita é águia
Esquerda é rapina.”
Mal parafraseando Arnaldo Jabor, estamos assim. Direita é isso, esquerda é aquilo. Mas ao contrário do amor e do sexo, protagonistas da crônica original, não há complementos entre os dois vértices da política, ao menos não no Brasil das distopias que emerge das cinzas das eleições de 2018.
Nas últimas semanas, soubemos que o nazismo é de esquerda, o globalismo é vertente nefasta do marxismo cultural, ideologia é o que há de pior ainda que se confunda com ideias, e que a bela música Imagine de John Lennon é hino em prol da hiperglobalização, e do sonho comunista. Para os que dizem coisas como essas, privatizar é de direita, intervir no funcionamento dos mercados é de esquerda, priorizar o comércio internacional é de direita, combater a desigualdade de renda é de esquerda. Há apenas dois mundinhos: o da direita divina ou o da esquerda pagã. E, a política econômica, necessariamente, deve se enquadrar em algum desses mundinhos porque caso não o faça, não merece qualquer atenção – nem do bem, nem do mal.
Ocorre que, no Brasil, um governo social-democrata privatizou. Vários governos militares, que de esquerda nada tinham, intervieram no funcionamento dos mercados até não mais poder, causando os desarranjos que hoje muitos preferem esquecer. O comércio internacional sempre foi pauta tóxica que nem a direita, nem a esquerda quiseram abraçar. Afinal, o protecionismo sempre reinou absoluto no País tropical, abençoado por Deus, esse País em que dizer que Ele está acima de todos virou mote de campanha e de governo. O globalismo – Deus nos livre – torna o homem escravo e Deus irrelevante, avisam. Só não nos dizem exatamente como.
Tampouco nos iluminam sobre como o Brasil sairá do seu eterno isolamento global sem passar por algum processo que possa não ser identificado como globalização. A imigração é o mal do século, querem que acreditemos. Contudo, há estudo após estudo mostrando que políticas que facilitam a imigração são capazes de aumentar a produtividade e de impulsionar o crescimento. O espantalho da imigração que hoje vive no imaginário de Donald Trump e de seus seguidores simplesmente não existe, menos ainda no Brasil, onde quase não recebemos – mais – imigrantes. Os recebemos aos montes no passado, somos um País de imigrantes. Mas, é fácil esquecer disso na balbúrdia da atualidade.