- O Estado de S. Paulo
É triste ver o PT se resignando à condição de seita e desistindo da crítica política
“Na JEC, os assistentes apresentavam o Cristo como o macho, o forte, o homem, o cara que veio para fazer uma revolução, não uma revolução em termos políticos, mas de qualquer maneira uma revolução, pessoal, humana, de salvação. Isso continha uma mística tremendamente forte para nós. Essa era a religião que nós estávamos querendo. Isso teve um aspecto muito, muito positivo. (...) Foi com esse embalo místico que chegamos à AP: temos uma missão, somos uma geração com uma missão salvadora.”
Herbert José de Souza, o Betinho, no primeiro volume da obra coletiva Memórias do Exílio, publicada em 1976
Por que tantos militantes de esquerda têm tanta dificuldade em criticar a figura de Lula? De onde vem a barreira intelectual? Por que a idolatria, embora cansada, não arreda pé? Ou, quem sabe, o que existe aí é dependência psíquica?
Para encarar essas perguntas, uma esfinge do nosso tempo, começo invocando o passado. Começo pelo testemunho de Betinho, registrado no texto De Muitos Caminhos, que está no primeiro volume de uma coletânea organizada por Pedro Celso Uchôa Cavalcanti e Jovelino Ramos, sob a orientação de Paulo Freire, Abdias do Nascimento e Nelson Werneck Sodré. Publicada originalmente em Portugal, em 1976, a obra foi também impressa em São Paulo, pela Editora e Livraria Livramento Ltda., em 1978. É um documento precioso e, em muitos aspectos, incrivelmente revelador.
No caso de Betinho, é revelador o nexo que ele aponta entre a ação política e o cristianismo. A Ação Popular (AP), nascida da Juventude Estudantil Católica (JEC), trazia em seu código genético inspirações católicas e marxistas. Foi criada em 1962, teve peso no combate contra a ditadura militar e, nos anos 70, seria absorvida pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), que não era chegado a sacristias. Por aí – embora não tenha sido só por aí –, ramificações do cristianismo acabaram por dar às mãos ao materialismo raso dos que adoravam Joseph Stalin, também chamado de “guia genial dos povos” ou algo por aí.