segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

PGR mostra que plenário deve rever decisões de Toffoli

O Globo

Recurso de Gonet traz argumentos convincentes para que caso Odebrecht seja levado aos 11 ministros do STF

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou na semana passada recurso contra a decisão individual provisória do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender o pagamento de multas da Odebrecht (atual Novonor), previstas no acordo de leniência firmado em 2016 na Operação Lava-Jato. Gonet pede que a decisão seja reconsiderada por Toffoli ou avaliada com urgência pelos 11 ministros no plenário do STF, e não pela Segunda Turma, que reúne apenas cinco e julga os casos da Lava-Jato.

A Procuradoria-Geral da República(PGR) apresenta duas boas razões em seu recurso. Primeiro, aponta semelhança do caso com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1.051, que pede ampla suspensão de multas e já é analisada no plenário, sob a relatoria do ministro André Mendonça. Segundo, diz Gonet, não falta “relevância singular” ao tema, dada a importância dos acordos da Odebrecht no contexto de combate à corrupção.

Quando suspendeu os pagamentos da Odebrecht no fim de janeiro, Toffoli afirmou que a medida era necessária porque a defesa precisava ter acesso e tempo para analisar as mensagens entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores de Curitiba, obtidas ilegalmente e investigadas na Operação Spoofing. A suspeita, segundo Toffoli, era ter havido pressão ilegal para o fechamento dos acordos de leniência. Havia, nas palavras dele, “dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade”. Gonet demonstra que o pedido não fazia sentido, pois a Odebrecht está em posse das mensagens desde setembro.

Paulo Fábio Dantas Neto* - Prudência, voluntarismos e a “questão” militar

Nos contextos da política moderna e contemporânea a noção de prudência assumiu, assume, ou pode assumir significados os mais diversos, até mesmo para disfarçar flertes com a noção oposta de voluntarismo. Geralmente celebrada como habilidade para escolher meios adequados a determinados fins, a prudência, como um bom senso racional, pode ser alegada, inclusive, como atributo de condutas destituídas de boa vontade. É quando a vontade política tenta agir como soberana, politizando tudo. Se a ação quer prevenir o agente e/ou seus supostos beneficiários contra efeitos de ações “dos outros”, pode ganhar, levianamente, a qualificação de prudente, ainda que dos conflitos potencializados por essa racionalidade autocentrada advenha a dilaceração do mundo comum, sem o qual toda razão cambaleia.

Perde-se aí o sentido original da prudência política como qualidade do agir, derivada de um saber prático capaz de escolher meios adequados a fins que nunca são absolutos, primeiro porque sua validade é sempre discutível em sociedades onde a pluralidade é fato; segundo, porque os movimentos que a mesma pluralidade legitima e estimula pressupõem compromisso das partes com a conservação de um mundo comum, onde valem regras e procedimentos desapegados dos vários fins de cada agir.

A confusão não é pouca. Sente-se no ar tanto a escassez gritante desse saber prático, quanto a indiferença para com esse déficit, decorrente da percepção resignada de que um saber virtuoso seria impotente e inócuo no mundo político real. Gradativamente a ideia de prudência política sucumbe e confunde-se com um pragmatismo escravo de vontades de uma realeza que fabrica fatos. Elites políticas são canceladas em favor de mitos-guia e partidos viram times. Alega-se, num “positivismo” tosco, que se trata de nova configuração da política. O que é mesmo novo nessa evidente regressão?  

Fernando Gabeira - O apocalipse de carnaval

O Globo

Visão de Baby do Brasil, estritamente religiosa, é na verdade um instrumento para analisar o mundo

Baby do Brasil pautou o debate de carnaval. Atenção, todos: estamos em Apocalipse, o arrebatamento tem tudo para acontecer entre cinco e dez anos, procurem o Senhor! Houve contestação imediata de Ivete Sangalo, mas essas palavras — apocalipse e arrebatamento — têm força até para invadir um alegre carnaval.

Ambas são expressões religiosas. Arrebatamento é o resgate dos fiéis antes de tudo acabar. Gosto também de Armagedom, a batalha decisiva entre as forças do bem e do mal. Quem sabe não aparece num trio elétrico do próximo carnaval? Apocalipse, arrebatamento, Armagedom e talvez Megido, o lugar onde as tropas se concentram para a batalha?

Dá música, e o apocalipse pode ser cantado de ponta a ponta no Brasil. Estamos em apocalipse, Valdemar, a PF fechou o cerco contra Bolsonaro. Estamos em apocalipse, anunciam as lojas para divulgar suas liquidações de verão.

Sergio Lamucci - Melhora da balança comercial reforça solidez das contas externas

Valor Econômico

Exportações devem superar com folga importações neste ano e nos próximos, mantendo o déficit em conta corrente na casa de 1% do PIB

A balança comercial começou 2024 com um superávit expressivo em janeiro, tendência que deverá continuar ao longo do ano, ratificando a solidez das contas externas. O saldo deverá ser menor que os US$ 98,8 bilhões de 2023, mas ainda assim seguirá elevado - o Itaú Unibanco, por exemplo, estima US$ 85 bilhões. Nesse cenário, o déficit em conta corrente, que mostra o resultado das transações de bens, serviços e rendas do país com o exterior, poderá ficar na casa de 1% do PIB neste ano e nos próximos, nível um pouco abaixo do 1,3% do PIB de 2023, o menor desde 2017. É um fator que contribui para o câmbio se manter abaixo de R$ 5, podendo fechar o ano em R$ 4,70, na visão do Bradesco. Os investidores estrangeiros se sentem mais confortáveis em aplicar em ativos do Brasil, que conta ainda com US$ 355 bilhões em reservas internacionais.

Bruno Carazza * - Mayday, aéreas Gol, Latam e Azul em perigo

Valor Econômico

Pressionando por apoio do governo, companhias erraram no planejamento econômico

No código de comunicações aeronáuticas, mayday é a expressão utilizada pelos pilotos para designar uma situação de emergência que coloca a aeronave, tripulação e passageiros em risco. A origem vem do francês “m’aidez” (“me ajudem”), pedido bem mais direto do que o dramático “salvem nossas almas” (“save our souls”), como ficou conhecida a sequência SOS utilizada anteriormente pelo código Morse.

Passadas as festas de fim de ano, as férias escolares e o carnaval, encerra-se oficialmente o período de alta temporada do turismo nacional. Com a tendência de queda sazonal da demanda, as empresas aéreas elevam a pressão por apoio governamental para enfrentar uma crise.

Camila Rocha* - Bolsonaro tentou, sim, dar um golpe

Folha de S. Paulo

Tentativa promovida pelo então presidente foi um processo e não se resume a um ato singular

No dia 12 de fevereiro, Joel Pinheiro da Fonseca, colunista da Folha que também escreve nesta seção, publicou um texto intitulado "Bolsonaro tentou ou só planejou o golpe?". Em seu entendimento, Bolsonaro teria apenas planejado, mas não tentado dar um golpe. O que confirmaria a tentativa seria a emissão do decreto golpista, preparado por Bolsonaro e seus assessores, o que não ocorreu.

Para Fonseca, "considerar uma reunião para combinar um golpe como sendo parte da execução do golpe parece uma interpretação bem exagerada e feita sob medida para condenar o alvo". Então, conclui que não seria possível punir Bolsonaro, pois a lei pune apenas a tentativa de golpe, e não seu planejamento.

No entanto, a tentativa de golpe promovida pelo então presidente e seus assessores e apoiadores em altos escalões foi um processo. Não se resume a um ato singular. Assim, a emissão do decreto pode ser interpretada como um passo decisivo neste processo ou como o próprio golpe em si. O "roteiro golpista", ou o "planejamento", como aponta Fonseca, já havia deixado o plano das ideias havia muito tempo. A referida reunião é justamente parte do processo golpista, e não um planejamento anterior.

Marcus André Melo* - Ataque à democracia

Folha de S. Paulo

A investigação sobre a conspiração contra a democracia é crucial para responsabilizações penais, mas tem valor limitado para a análise de sua sobrevivência

Já discuti na coluna os riscos à democracia no Brasil. Argumentei que muitos analistas os exageraram aqui. Há uma onda revisionista que traz evidências de que estes riscos são menores do que se pensava. Steve Levitsky, autor de "Como as Democracias Morrem", reconheceu que "a erosão democrática no presente século tem sido modesta", e que o exagero se devia à eleição de líderes com tendências autocráticas, o que de fato "aumenta os riscos de erosão, mas não equivale a evidência de erosão". E conclui, como discuti aqui, que os casos de erosão têm vida breve em sua vasta maioria e eclipsam os numerosos casos de avanços.

Carlos Pereira - Restrições geraram resistência ao golpe

O Estado de S. Paulo

A divisão das Forças Armadas não foi o único determinante para o fracasso das ações golpistas

As últimas revelações das investigações da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe à democracia brasileira mostraram que o comando militar do governo Bolsonaro estava dividido.

Alguns analistas, inclusive, têm argumentado que o fracasso do golpe foi consequência direta desta divisão. Mais especificamente, da resistência de alguns oficiais, como o general e ex-comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e o tenente-brigadeiro e ex-comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, que se recusaram a endossar o projeto golpista.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Direito à defesa sim, ao esquecimento não

O Estado de S. Paulo

Está criada para Jair Bolsonaro a obrigação de fornecer explicações amplas e cabais à Nação. Não há como esquecer os eventos que o envolvem direta ou indiretamente

O ex-presidente Jair Bolsonaro teria dito: “Me esqueçam, já tem outro governando o País”. Imitou o também ex-mandatário João Figueiredo, quando, 40 anos atrás, pediu que o esquecessem. Ambos apelaram para o esquecimento, não desejavam ser lembrados. Talvez soubessem que boas lembranças deles não se teria. Não importam as razões desse desejo. Elas são pessoais, absolutamente subjetivas.

No entanto, há uma diferença marcante entre os dois que nos impede de esquecer o último deles a deixar o comando do Brasil: ele tentou, segundo fortíssimos indícios, destruir a democracia. O outro passou para a História como responsável pela chamada abertura democrática. Ambos com a mesma origem, mas Figueiredo, talvez premido por circunstâncias impositivas, tomou o caminho da legalidade institucional.

Os fatos já em parte revelados exigem uma apuração meticulosa e abrangente para determinar as responsabilidades criminais dos envolvidos.

São eventos que não podem ser olvidados, assim como os seus protagonistas não podem ficar à margem da lei, esquecidos.

André Gustavo Stumpf - Brasilquistão

Correio Braziliense

Se o golpe tivesse dado certo, provavelmente, o primeiro ato seria derrubar Bolsonaro. Ele não retornaria dos Estados Unidos

A montanha de evidências e provas de que o ex-presidente Jair Bolsonaro estava tramando, junto com alguns militares de alta patente, um golpe de Estado, tornou-se absolutamente cristalino para quem acompanha a política brasileira. A reunião ministerial em que o chefe assume que vai perder a eleição, mas algo precisaria ser feito para evitar este desfecho, é autoexplicativa. Alguns dos ministros presentes, que nada tinham a ver com o assunto, comentaram a sua perplexidade diante do esquema preparado com antecedência para chegar àquele teatro que foi gravado por alguém que decidiu se prevenir.

O ex-presidente, segundo interlocutores que com ele estiveram em reuniões restritas, são unânimes em afirmar que o então chefe do governo não tinha capacidade para discutir qualquer assunto por mais de três minutos. Ele rapidamente mudava de assunto e começava a contar piadas de gosto duvidoso. Até um dirigente estrangeiro se mostrou surpreso porque na reunião com o brasileiro ouviu piadas de cunho sexista inapropriadas para aquele momento. A primeira conclusão é simples: Bolsonaro estava absolutamente despreparado para assumir o cargo de presidente da República.

Poesia | Lisboa Revisitada, de Fernando Pessoa

 

Música | Chico Buarque e Áurea Martins - Maninha