quarta-feira, 31 de julho de 2019

Vera Magalhães: Freios e contrapesos

- O Estado de S. Paulo

Com militares acuados, cabe ao Congresso e ao STF mostrar ao presidente limites institucionais

Peço desculpas ao leitor acostumado às colunas das quartas-feiras, em que costumo “quebrar” os textos em várias notas, de cunho mais informativo. A escalada da retórica autoritária e sem compromisso com fatos e com a verdade do presidente da República, desde há algumas semanas, me obriga a fazer deste texto uma continuação da minha coluna de domingo, em que alertei para o crescimento do cordão dos puxa-saco que cerca Jair Bolsonaro e dos riscos que isso traz para o debate público e para o próprio ambiente democrático.

Duas perguntas têm sido repetidas nas conversas que tenho com políticos, outros formadores de opinião, leitores, ouvintes, familiares, ministros do Supremo e toda uma gama de pessoas preocupadas com as diatribes bolsonaristas: 1) qual o limite para o que ele pode dizer?, e 2) como fazê-lo parar? Nos dois casos tenho respondido, entre constrangida e preocupada: não dá para saber.

Dizer que tudo bem usar helicóptero para levar a parentada cafona ao casamento do filho futuro embaixador nos Estados Unidos parecia um recorde. Quebrado no mesmo dia com a ameaça a um jornalista, dizendo que ele poderia pegar “cana”. Superado dois dias depois pela indignidade dirigida ao presidente da OAB. Reiterada duas vezes e superada por relativização (comemoração?) pelo assassinato de um cacique indígena e o massacre de 57 presos – que, não custa ser pleonástica, estavam sob custódia do Estado.

Carlos Melo*: ‘Lógica’ de Bolsonaro aguça conflitos e aprofunda mal-estar

- O Estado de S. Paulo

A pergunta repetida é: o que pretende Bolsonaro? Difícil responder.

Após se certificar da aprovação da reforma da Previdência, o presidente Jair Bolsonaro se desvencilhou do bom senso e do comedimento exigidos ao chefe de Nação. Das declarações estapafúrdias a correspondentes estrangeiros até a agressão à memória das vítimas do regime militar, o Brasil se vê num processo vertiginoso em que o disparate do dia supera o anterior. Uma torrente de despautérios que deixa o País em transe.

A pergunta repetida é: o que pretende Bolsonaro? Difícil responder. No destempero habitual, fruto de personalidade autoritária, o presidente dá tiros a esmo. É o estilo do homem. Aparenta ser mais instintivo que estratégico. Mesmo assim, é claro que sua ação não deixa de ter aqui e ali objetivos e inevitáveis consequências.

O certo é que não fala para a Nação. Nem a totalidade dos 57 milhões de eleitores que o sufragaram sancionaria, na íntegra, o que tem dito. É interessante notar o número de visitas que, presidente, já fez ao Congresso Nacional. Seria a nostalgia dos tempos de deputado, quando qualquer declaração era impune? Estaria governando como se ainda deputado fosse?

Tematicamente, é possível. Mesmo assim, há inegável salto político: dirigindo-se apenas aos que aprovam seu governo – em torno de 30%, de acordo com as pesquisas –, Bolsonaro forja e consolida um relevante campo eleitoral. Na desorientação da oposição e na fragmentação do centro, confiando no alheamento político-eleitoral e na perplexidade das instituições, os destemperos do presidente mantêm sua tropa unida, agregam e dão sentido a setores tão reacionários quanto ele.

Está longe de ser a maioria, mas acaba por somar um contingente que, hoje, o coloca como a principal força política do País. Nada mau para quem há um ano não tinha maiores perspectivas e ainda hoje carece de propostas. O problema é que essa lógica aguça conflitos, aprofunda o mal-estar, no Brasil e no exterior, assusta e afugenta investidores. Pior, pode ao final desagregar o que ainda entendemos como Nação.

* Carlos Melo é cientista político e professor do Insper

Antônio Cláudio Mariz de Oliveira*: Não se governa com o verbo

- O Estado de S.Paulo

Há um ditado da sabedoria mineira que diz: quem fala muito dá bom dia a cavalo

Governa-se, ou deveria ser assim, com ações. As palavras servem para explicar e justificar as condutas. Ambas, ações e palavras, devem ser precedidas de reflexões, análises e ponderações. A palavra pode preceder a ação, mas se esta não for efetivada ou se não estiver consentânea com o que foi dito e anunciado, a palavra será desvalorizada, e o seu autor ficará desacreditado.

Ademais, pensamentos e ideias devem estar previamente alinhados com projetos de interesse coletivo, e não representar desejos pessoais, desalinhados dos anseios da sociedade. Não havendo esse alinhamento, melhor seria o silêncio.

No entanto, como não se tem silenciado, ao menos em respeito ao dia que começa, as entrevistas nos cafés da manhã deveriam ser transferidas para os chás da tarde. Em vez de permanecerem vivas na lembrança dos interlocutores durante todo o dia, essas entrevistas dadas no final da tarde só maltratariam a memória por poucas horas.

Por vezes o conteúdo dos pronunciamentos não é confirmado no dia seguinte, a pretexto de terem sido mal interpretados, ou de terem sido deturpados pela imprensa. Quando a matéria escapa de seu entendimento, ele cria polêmicas por meio de questionamentos incabíveis e inadequados, ou a substitui por questões menores e sem interesse. Em ambas as hipóteses todos os que tomaram conhecimento de sua fala ficam perplexos e confusos.

A política da raiva: Editorial / O Estado de S. Paulo

O destampatório de Jair Bolsonaro nos últimos dias – especialmente virulento mesmo para os padrões do presidente – contribui para ampliar o seu isolamento político. Afinal, grande parte do eleitorado que sufragou o nome de Bolsonaro nas urnas no ano passado não o fez para que ele, uma vez na Presidência, passasse seus dias a alimentar violentos antagonismos com diversos setores da sociedade, dificultando consideravelmente a governabilidade. Mesmo entre os políticos que se elegeram na onda do bolsonarismo já há os que procuram manter uma distância prudente do presidente, pois temem ser identificados com a irresponsabilidade que tem caracterizado o comportamento de Bolsonaro.

Se entusiasmam os devotos mais fiéis da seita bolsonarista, as diatribes do presidente colaboram para anuviar ainda mais o sombrio horizonte político e econômico do País. O homem encarregado pelas urnas de dirigir os destinos nacionais choca diariamente a maioria dos brasileiros com declarações absurdas, baseadas em nada além de devaneios e despejadas sem qualquer respeito pelas normas da democracia e mesmo da civilidade. Tal comportamento irrefletido torna imprevisível tudo o que emana do gabinete presidencial. Hoje, sob esse comando irracional, é impossível dizer para onde vai o País.

Merval Pereira: Presidente em transe

- O Globo

Bolsonaro está levando o governo brasileiro como se estivesse em uma mesa de botequim, ou no Twitter, ou em outro meio digital

Ter um presidente sem superego, sem limites e controles, não é fácil. É um teste para nossa democracia, que tem que impor os limites. Nem se fale na insensibilidade, na falta de respeito com os mortos de um período negro de nossa história.

Ou na atitude pouco civilizada de justificar o massacre de 57 presos da penitenciária de Altamira (PA), numa briga de gangues, com os crimes que cometeram. Perguntado sobre sua reação ao massacre, o presidente respondeu: “Pergunte às vítimas deles o que acham”.

Ao dar uma explicação, que não lhe foi pedida, com aparente sentimento de raiva, sobre a morte do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, o presidente Bolsonaro mostrou que pode ser irresponsável mesmo fora do palanque.

Primeiro sugeriu, e depois afirmou, que ele foi “justiçado” por seu próprio grupo guerrilheiro. Documentos oficiais do governo brasileiro, entre eles o relatório da Comissão da Verdade e um atestado de óbito dado pelo Ministério dos Direitos Humanos de seu governo, indicam que Fernando Santa Cruz, então com 26 anos, militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML), foi preso no Rio e levado para uma instituição militar.

É dado como desaparecido até hoje, e há versões de que seu corpo possa ter sido incinerado. Bolsonaro, no dia seguinte, voltou ao tema, e confidenciou que sua fala “foi coisa minha, coisa pessoal”, provavelmente para se livrar de ter que explicar ao Supremo Tribunal Federal (STF) onde obteve tal informação.

Elio Gaspari: A ‘realidade paralela’ de Bolsonaro

- O Globo / Folha de S. Paulo

Se Jair Bolsonaro conversasse com os septuagenários veteranos da “tigrada” da ditadura, não teria chamado o general da reserva Luiz Rocha Paiva de “melancia” (verde por fora, vermelho por dentro). Ele foi um dos principais colaboradores na manutenção do site Terrorismo Nunca Mais. Talvez também não tivesse sugerido que Fernando Santa Cruz, desaparecido desde 1974, quando tinha 26 anos, foi executado por militantes de esquerda. Fernando era o pai do atual presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, que tinha menos de 2 anos quando ele desapareceu.

O caso de Fernando Santa Cruz exemplifica, como poucos outros, o assassinato de uma pessoa que tinha vida legal, família constituída e domicílio conhecido. Ele morreu no último mês do governo Médici. A política de extermínio das organizações armadas brasileiras que agiam nas cidades já tinha esfriado, pois elas haviam sido esmigalhadas. Em novembro, um comando do DOI de São Paulo matou Sônia Maria Lopes de Moraes, da Ação Libertadora Nacional, e Antônio Carlos Bicalho Lana, que se escondiam no litoral paulista. Em dezembro, o Centro de Informações do Exército sequestrou em Buenos Aires e matou no Rio o ex-major Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, que haviam militado na Vanguarda Popular Revolucionária. Depois disso, nada. (Do Natal de 1973 ao final de 1974, mataram cerca de 40 militantes do PCdoB nas matas do Araguaia, inclusive os que se renderam. Ou, numa realidade paralela, foram todos resgatados por um disco voador albanês) Nesse período, deu-se a decapitação da liderança do Partido Comunista, que não pegou em armas.

Bernardo Mello Franco: O governador e o Pateta

- O Globo

Witzel prometeu trazer a Disney para a Sapucaí, mas não combinou com os americanos. Agora ele ameaça “prender maconheiro na praia”, apesar de a medida não ser prevista em lei

Wilson Witzel gosta de se fantasiar de xerife, mas às vezes aparece com outros figurinos. No carnaval, ele imitou o ex-prefeito Eduardo Paes e vestiu um
chapéu Panamá para ir ao Sambódromo. Em vez de aplausos, ouviu uma sonora vaia das arquibancadas.

Apesar da estreia infeliz, o governador não desistiu da Sapucaí. Há três semanas, ele anunciou que pretende assumir o espaço, deixado ao deus-dará pelo bispo Marcelo Crivella. A turma do samba não teve tempo de festejar. O governador prometeu ocupar a passarela com o Mickey, o Pato Donald e a Cinderela.

“Queremos trazer o Disney Parade todo final de semana ali para o Sambódromo”, afirmou.

No início do ano, o governador Ibaneis Reis já havia prometido inaugurar um parque da Disney em Brasília. Foi desmentido pelos americanos e deixou o assunto para lá.

Ontem consultei a empresa sobre o factoide de Witzel. A Disney informou que não tem planos para o Rio nem manteve contato com o ex-juiz. O Pateta pode ser bobo, mas não gosta de concorrência.

Bolsonaro ainda não assumiu a presidência: Editorial / O Globo

Afirmações em desacordo com o cargo que ocupa formalmente prejudicam o governo e o país

Integrante da bancada do baixo clero durante 28 anos, o deputado e ex-capitão Jair Bolsonaro notabilizou-se pelo histrionismo. Sempre defendeu a ditadura militar e sua violência contra opositores, e trabalhou em favor de demandas corporativistas dos militares. Mas soube aproveitar ventos favoráveis para se tornar um candidato viável em 2018.

Teve a seu favor o cansaço com o lulopetismo e a esquerda em geral, assim como a impossibilidade de outras forças políticas lançarem um candidato competitivo de centro.

Outra sorte foi disputar o segundo turno com o representante do PT, Fernando Haddad. Assim, Bolsonaro ganhou uma eleição plebiscitária, atraindo muito eleitor mais pela rejeição à esquerda do que por apoio à sua agenda na totalidade.

Eleito, pensava-se que Bolsonaro abandonaria o figurino do baixo clero, o histrionismo dos tempos de Câmara, entendendo o seu papel. Não é o que se vê.

O presidente mantém o comportamento de baixo clero, e configurava-se o que se temia: ele é uma das maiores ameaças ao próprio governo.

Hélio Schwartsman: Um presidente detestável

- Folha de S. Paulo

Falta a Bolsonaro a decência mínima, que nos faz reconhecer o próximo como semelhante

Já tivemos ditadores como Getúlio Vargas, Médici e Geisel, que ordenaram ou pelo menos toleraram crimes muito mais graves do que Jair Bolsonaro jamais cometerá, mas nenhum deles se revelou um ser humano tão destestável quanto o atual presidente. Falta ao chefe do Executivo aquela decência mínima, que nos faz reconhecer o próximo como um semelhante.

Não ignoro que, na política, é preciso às vezes levantar bandeiras polêmicas e antagonizar adversários. Só que existem modos e modos de fazê-lo. Se o presidente insiste em defender o golpe de 64, não precisaria enaltecer a tortura institucionalizada, que representa a forma mais covarde de violência que o Estado pode infligir contra o indivíduo. Se acha que as políticas identitárias foram longe demais, poderia apenas dizê-lo, sem necessidade de disparar ofensas contra minorias.

De modo análogo, se Bolsonaro deseja criticar um jornalista, o que é pleno direito seu, poderia questionar aspectos técnicos de seu trabalho ou mesmo seus pressupostos filosóficos. Quando opta por atacar sua vida pessoal, dá mostras de que ou não entendeu a dinâmica da liberdade de imprensa ou tem problemas de caráter mesmo.

Bruno Boghossian: Nos porões da degradação

- Folha de S. Paulo

Declarações repulsivas, baseadas na divisão e no ódio, são seu modo de governar

Aquele deputado falastrão que atacava minorias, exaltava torturadorese defendia a matança generalizada já fazia mal ao Brasil. Na cadeira de presidente, ele ameaça conduzir o país inteiro aos porões da degradação e da selvageria.

Jair Bolsonaro faz política há décadas usando a divisão e o ódio como combustíveis. Esse método produziu as declarações repulsivas que lhe renderam fama e, agora, integram sua maneira de governar.

O ataque grotesco ao presidente da OAB mostra que Bolsonaro está disposto a descer muitos degraus. Numa tentativa indecorosa de desqualificar Felipe Santa Cruz, ele passou a desfiar versões sobre o desaparecimento de seu pai na ditadura, sem respaldo em informações objetivas.

Bolsonaro trabalha o tempo todo para demonizar críticos, adversários, instituições que possam restringir seus movimentos ou qualquer um que sirva de contraponto ao governo. Tenta tratá-los como inimigos para despertar aversão a esses personagens entre seus apoiadores.

Ruy Castro*: O falso mito

- Folha de S. Paulo

Curupira, Boitatá, Saci-Pererê e outros querem processar Bolsonaro

Tinha de acontecer. Ao ver o presidente Jair Bolsonaro ser chamado de "Mito! Mito!" por claques profissionais e inocentes úteis, onde quer que apareça, os verdadeiros mitos brasileiros resolveram se unir e protestar contra o que consideram uma usurpação de seus direitos na lenda nacional. Os mitos são figuras simbólicas, que pertencem ao folclore —lendas construídas pelo povo, com o objetivo de nos ensinar ou explicar alguma coisa, mas sempre benignas.

A Mula-Sem-Cabeça, por exemplo, é uma mulher que foi seduzida por um padre e, por isso, nas noites de quarta-feira, transforma-se num animal que, apesar de sem cabeça, relincha e lança chispas pelas narinas. O Boto é o contrário. Nos fins de tarde na Amazônia, aparece para as moças como um rapaz de branco, engravida-as e, depois, novamente boto, volta para o rio. Os dois têm uma conotação moral, mas Bolsonaro só deve ver neles imoralidade.

O Saci-Pererê é o menino negro, de uma perna só, cachimbo na boca e carapuça vermelha, que dá o exemplo pelo contraste, tipo "não façam o que eu faço". Por isso cria confusão na floresta, assusta o gado, lança pistas falsas, joga uns contra os outros. É o que Bolsonaro está fazendo com o país, só que para valer.

Espiral de infâmias: Editorial / Folha de S. Paulo

Em declarações, Bolsonaro escancara leviandade e inclinação autoritária

Numa escalada sem precedentes de insultos às normas de convívio democrático, aos fatos históricos, às evidências científicas e aos direitos humanos, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) aguçou nos últimos dias as tensões e incertezas em torno de sua administração.

Se no início de mandato declarações e medidas estapafúrdias ainda podiam, com boa vontade, ser vistas como tentativa de satisfazer o eleitorado mais fiel e ideológico, o que se verifica agora é um padrão de atitudes que ofendem o Estado de Direito, reforçam preconceitos e aprofundam as divisões políticas.

Além de expor o despreparo do chefe do Executivo para desempenhar suas funções num quadro de coexistência com as diferenças, a insistência na agressão e na boçalidade revela uma personalidade sombria que parece se reconhecer, com júbilo, nas trevas dos porões da ditadura militar.

As insinuações sórdidas acerca do pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz —morto, segundo as investigações, sob a guarda do poder autoritário—, são um exemplo da pequenez e da leviandade a que pode chegar o presidente.

Rosângela Bittar: Até o amargo fim

- Valor Econômico

Sem chance para impeachment ou intervenção militar

Jair Bolsonaro caminhou rapidamente, em apenas seis meses, para a beira do precipício e, lá chegando, fez o previsível para pessoas do seu tipo: se atirou. Não satisfeito, começou a cavar sofregamente mais fundo, para continuar a deliciosa vertigem rumo ao nada.

Seu desempenho está mil vezes pior do que quando era um deputado apenas fanfarrão. Ali ninguém era obrigado a ficar ouvindo. Agora é o presidente da República em um país onde o governo invadiu de forma direta e inexorável a vida cotidiana do cidadão. Não dá para ignorar. São declarações absurdas, uma após a outra, e se escora na ala terrível de seu eleitorado, a escória que defende a tortura, dispensando conselhos de outros grupos de apoiadores, gente séria que também integra seu eleitorado. A preferência é do caráter.

As suas intervenções sobre qualquer assunto de qualquer área vão esvaziando sua autoridade. São propostas equivocadas, conceitos estapafúrdios, opiniões draconianas ditas de forma agressiva. É possível ter um presidente impopular em alguns momentos, mas cheio de razão e legitimidade, exercendo com dignidade sua função. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viveu períodos assim. É difícil, porém, exercer o cargo quando se tem popularidade mas é olhado com desprezo. Quando o presidente passa a ficar no cargo porque não tem outro jeito, já perdeu a autoridade. Assim está o Brasil, com um presidente sem condições políticas, psicológicas, sociais e morais de governar e liderar sequer seu público votante, quanto mais exercer o governo de todos, como a praxe exige. Qual a solução para o vácuo de poder, de credibilidade e equilibrio necessários a manter os cidadãos livres e bem de saúde mental?

Cristiano Romero: Divergências sobre a previdência do servidor

- Valor Econômico

Projeção do IFI prevê R$ 93 bi a menos que a oficial

Existe uma divergência significativa entre estimativas de economia de despesa que a reforma da Previdência proporcionará à União no que diz respeito aos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos funcionários públicos dos Três Poderes. De acordo com cálculos do Ministério da Economia, o texto da reforma aprovado pela Câmara dos Deputados em votação de primeiro turno assegura economia, em dez anos, de R$ 159,8 bilhões, o equivalente a 17,11% do ganho total (R$ 933,5 bilhões) projetado para todas as mudanças, inclusive o aumento de 15% para 20% na alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga pelos bancos.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, fez projeção bem menos otimista. O estudo especial nº 10 do centro de estudos prevê que o impacto da reforma será, entre 2020 e 2029, de "apenas" R$ 66,8 bilhões. Para o IFI, mesmo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) original do governo produziria um ganho fiscal menor que o imaginado pela equipe econômica - de R$ 120, 6 bilhões, quase R$ 35 bilhões abaixo da estimativa oficial (que, após a aprovação da reforma em primeiro turno, aumentou de R$ 155,4 bilhões para R$ 159,8 bilhões).

O IFI não é uma entidade mantida pela oposição ao governo. Seus quadros possuem formação técnica tão boa quanto a dos integrantes da equipe do Ministério da Economia. O instituto foi criado sob a seguinte inspiração: diante da tirania que tomou conta do antigo Ministério da Fazenda, sob o auspício da desditosa Nova Matriz Econômica, tornou-se necessário ter, no âmbito do setor público, de preferência fora do Poder Executivo, uma instituição para acompanhar as finanças públicas com independência.

José Eli da Veiga*: Vesti la giubba

- Valor Econômico

Ataque rasteiro a diretor do Inpe ilustra que Brasil invadiu a pista contrária ao processo civilizador

Só lunáticos ainda não concluíram que o Brasil invadiu a pista contrária ao processo civilizador. Se faltasse algum fato para confirmar tão trágica constatação, ele veio com tudo há dez dias: o titular do Ministério da Ciência e Tecnologia teve o topete de fazer rasteiro ataque ao professor titular do Instituto de Física da USP e membro da Academia Brasileira de Ciências - Ricardo Magnus Osório Galvão - desde setembro de 2016 na missão de dirigir o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

O ministro capaz de tamanha afronta é um arrivista que nem currículo Lattes tem e se apresenta como palestrante motivacional, coach em desempenho pessoal e profissional, consultor técnico em segurança e diretor de obscura agência de turismo de aventuras.

Não seria preciso mais do que o parágrafo acima para concluir que inegavelmente se chegou ao fim da picada. No entanto, o endosso do engenheiro Marcos Pontes à insânia de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, também cria uma ótima ocasião para que se chame a atenção dos leitores do Valor para um exemplo do que acontece em nações que, aos trancos e barrancos, conseguem permanecer na pista certa do processo civilizador.

Novos recursos a Estados não podem vir sem contrapartidas: Editorial / Valor Econômico

A melhor maneira de conter os déficits estaduais - a inclusão dos Estados na reforma previdenciária discutida no Congresso Nacional - está sendo deixada de lado, ainda que exista alguma esperança de que eles possam ser inseridos por iniciativa do Senado. A enorme desarrumação das contas fiscais, que tornou-se aberta na fase final do governo de Dilma Rousseff, tem um capítulo essencial no desequilíbrio das contas estaduais e, nelas, o crescente descontrole previdenciário é um dos principais fatores, capaz de levar o déficit conjunto a R$ 90 bilhões no ano passado. Como a solução da reforma para aliviar o peso de pensões e aposentadorias não prosperou, a penúria financeira dos entes federativos continuará aguda.

Os Estados sempre acabam socorridos pela União, recebendo mais recursos em troca de poucas obrigações, as quais costumam em geral descumprir. Ganharam nos estertores do governo Dilma a postergação do prazo de quitação do pagamento de seus débitos por duas décadas, mas as contas continuaram piorando. Um programa de emergência lançado no governo Temer, que pressupunha ajuste nas contas estaduais, foi deixado de lado pela maioria dos Estados e os que a ele aderiram não cumpriram as condições. Um regime de recuperação foi instituído então, com a adesão do Rio de Janeiro, em crise terminal. Ainda assim, o Legislativo estadual fez o que pode para driblar os condicionantes, que trariam um aperto significativo nas despesas com a folha de pagamentos e nos reajustes dos servidores.

Luiz Carlos Azedo: Sarcófago do passado

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Quando um governo começa a promover rupturas com a sociedade civil e impor diretrizes verticais às políticas públicas, como vem ocorrendo, gera tensões sociais e políticas desnecessárias”

Das muitas faces do fascismo como regime político, a que determina a essência de sua natureza é o terrorismo de Estado. A existência de um partido de massas organizado e militarizado, com um braço armado, que foi a característica principal dos partidos de Benito Mussolini, na Itália, e de Adolf Hitler, na Alemanha, não seria suficiente para a caracterização do regime se não houvesse implementado, de forma sistemática, o terrorismo de Estado.

A supressão de liberdades e garantias individuais e a perseguição sistemática de oposicionistas são suficientes para caracterizar um regime autoritário, seja de direita, seja de esquerda, como na Hungria e na Venezuela, respectivamente. O fascismo aberto se instala, porém, quando a repressão policial é acionada de forma sistemática contra a população em geral, a pretexto de manter a ordem pública, e a perseguição seletiva aos oposicionistas se estabelece com objetivo de eliminar fisicamente os adversários, por meio de prisões, sequestros, torturas e assassinatos.

Foi o que aconteceu, por exemplo, nos regimes militares que se instalaram na América Latina nas décadas de 1950 (Guatemala e Paraguai), 1960 (Argentina, Brasil, Bolívia, República Dominicana, Nicarágua e Peru) e 1970 (Uruguai e Chile), com forte apoio dos Estados Unidos, em razão da guerra fria com a União Soviética e demais países da então chamada Cortina de Ferro. A maioria desses países transitou para a democracia e se manteve na órbita do Ocidente, a partir do governo de Jimmy Carter, o presidente norte-americano que adotou a defesa dos direitos humanos como vértice de sua política externa, no fim dos anos 1970.

No Brasil, o processo de democratização foi uma longa transição, iniciada nessa época, com a “anistia geral, ampla e recíproca” aprovada pelo Congresso em 1979, depois de muita negociação entre os militares e a oposição. A redemocratização do país foi concluída em 1985, quando os militares deixaram o poder, com a eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral e a convocação de uma Constituinte pelo presidente José Sarney, o vice que assumiu devido à morte do presidente eleito.

A chave desse processo foi, de um lado, a volta dos exilados e a libertação dos presos políticos; de outro, a impunidade dos torturadores e assassinos que, nos porões do regime militar, fizeram o serviço sujo para os generais que ocuparam o poder. Esse é nó górdio da democracia brasileira, assunto pacificado entre as Forças Armadas, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) pela Constituição de 1988. Todas as tentativas de rever a Lei da Anistia fracassaram, inclusive nos governos Lula e Dilma; agora, com sinal trocado, para o bem da democracia, não deve ser diferente.

Ricardo Noblat: Família como negócio

- Blog do Noblat / Veja

A ajuda de Trump a seu sub
Deve ser confortável além de divertido dizer o que passa pela cabeça sem assumir nenhum compromisso com o que disser. Sem precisar explicar por que antes havia dito o contrário. E, se ainda não tiver dito, sem preocupação alguma com o que dirá no futuro que possa soar como incoerência.

Penso que só as crianças em sua inocência podem desfrutar de semelhante condição. Ou os adultos que não amadureceram. Ou os que vieram ao mundo só para confundir (alô, alô, seu Chacrinha!). Ou ainda gente do tipo Jair Bolsonaro que se vê de repente incumbida de uma missão para a qual jamais se preparou.

Incumbido de uma missão que nunca teve no seu radar. No radar do capitão, depois de 30 anos como deputado do baixo clero, estava o plano de disputar a presidência da República para apenas garantir a eleição ou reeleição dos seus três garotos, sem se esquecer do quarto, por ora em fase de treinamento intensivo.

“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi um bom slogan de campanha, longe, porém, de refletir o que de fato importa a Bolsonaro, o que sempre importou. Acima de tudo para ele está o empreendimento comercial da sua família, uma mistura de política com negócios. Vá lá que Deus possa ficar acima de todos.

Quando chegará o dia de se conhecer a lista por enquanto incompleta de parentes do capitão, e dos parentes dos parentes dele que Bolsonaro e seus filhos empregaram sem nenhum pudor em gabinetes da Câmara dos Deputados, da Assembleia Legislativa do Rio e da Câmara Municipal do Rio? O povo tem direito a saber.

João Cabral de Melo Neto: Poema da desintoxicação.

Em densas noites
com medo de tudo:
de um anjo que é cego
de um anjo que é mudo.
Raízes de árvores
enlaçam-me os sonhos
no ar sem aves
vagando tristonhos.
Eu penso o poema
da face sonhada,
metade de flor
metade apagada.
O poema inquieta
o papel e a sala.
Ante a face sonhada
o vazio se cala.
Ó face sonhada
de um silêncio de lua
na noite da lâmpada
pressinto a tua.
Ó nascidas manhãs
que uma fada vai rindo.
sou o vulto longínquo
de um homem dormindo.

Alcione: Corrente de Aço