terça-feira, 7 de julho de 2020

Merval Pereira - Equilíbrio artificial

- O Globo

Presidente tenta se equilibrar em uma slackline muito estreita, entre a harmonia com os demais Poderes e sua base mais dura

Se não fizer coalizão, não governa, comentou o vice-presidente Hamilton Mourão. Mas se não satisfizer seu núcleo duro de seguidores, os 15% de radicais que reclamam dos acordos políticos, Bolsonaro também não governará. Foi para agradar seus radicais que chegou ao governo anunciando que não queria saber da “velha política”, como se fosse um novato naquele terreno.

Tentou negociar por temas com as bancadas evangélica, a da bala, a do agronegócio, e assim por diante. Não deu certo, pois o apoio suprapartidário não tinha condições de se impor em cada partido, cujas direções definem as posições a serem seguidas. Tentou governar pelas redes sociais, encurralando seus adversários, mas só conseguiu acirrar os ânimos com o Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal (STF), e o Legislativo.

Promoveu manifestações antidemocráticas, tentou criar um clima golpista que amedrontasse os demais Poderes, mas se isolou politicamente, revelando que seus radicais não estavam com essa força toda, nem as Forças Armadas estavam dispostas a bancar sua aventura totalitária.

À medida que seguidores começaram a ser presos por ações criminosas e ameaças a autoridades, e seu grande amigo Fabricio Queiroz reapareceu graças à Polícia Federal, que o encontrou na casa do advogado Frederick Wassef, a arrogância de Bolsonaro começou a dar lugar a um silêncio obsequioso.

O inquérito contra seu filho Flavio Bolsonaro no Ministério Público do Rio de Janeiro segue, e voltará para a primeira instância em agosto, quando o STF reafirmar a restrição ao foro privilegiado. Os do STF que o envolvem diretamente ou seus seguidores, também prosseguem, com provas sendo acumuladas. E o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem o poder de impugnar a chapa presidencial.

O presidente está tentando se equilibrar em uma slack line muito estreita, entre a harmonia com os demais Poderes, e manter sua base mais dura, que reservou Saúde e Educação como áreas prioritárias para uma atuação ideológica. O caso do ministro da Educação é exemplar.

Bernardo Mello Franco - Moro em campanha

- O Globo

Depois de romper com Bolsonaro, Sergio Moro tenta se manter vivo na arena política. Ele fala como candidato e investe na comparação entre o ex-chefe e o PT

Sergio Moro está em campanha. Fora do governo, o ex-ministro busca um novo figurino para se manter na arena política. Fala como candidato, ainda que não admita com todas as letras que concorrerá ao Planalto.

No domingo, o ex-juiz ofereceu uma prévia de seu discurso eleitoral. Em entrevista à GloboNews, ele investiu na estratégia de comparar Jair Bolsonaro ao PT. Acusou o presidente de negar a pandemia e o petismo de negar os escândalos de corrupção.

No vale dos insensatos, Moro despontaria como o cavaleiro da racionalidade e da moderação. O tempo vai dizer se cola. Em 2018, Geraldo Alckmin apostou na retórica dos dois extremos e terminou em quarto, com 4,7% dos votos.

Sem partido, o ex-ministro guarda alguns trunfos. Tem um fã clube particular, não carrega o desgaste do PSDB e ainda pode contar com os louros da Lava-Jato. No entanto, é difícil saber como estará a imagem da operação em 2022.

Hélio Schwartsman – Bolsonaro, mantenha sob pressão

- Folha de S. Paulo

Nova configuração política reduziu significativamente barbaridades e provocações do governo

Em sua primeira encarnação, a mais autêntica, o governo Bolsonaro se deixou pautar pela chamada ala ideológica, que fazia e desfazia ministros (agora só desfaz) e mantinha o superego do presidente, que jamais fora muito atuante, prisioneiro. O homem chegou a divulgar um vídeo com cenas explícitas de urofilia.

É claro que não deu certo. Uma das fantasias do bolsonarismo ideológico rezava que negociar com parlamentares tradicionais era pecado, de modo que nenhum projeto relevante avançou no Congresso. A exceção é a reforma da Previdência, mas muito mais porque o Legislativo estava empenhado em fazê-la do que por iniciativa do governo.

A única coisa que o presidente conseguiu fazer foi, através de decretos, portarias e nomeações, enfraquecer instituições e políticas públicas, como a preservação ambiental, o desarmamento etc.

Pablo Ortellado* - Mostrando os dentes

- Folha de S. Paulo

Acuado por ações do STF, Ministério Público e Congresso, Bolsonaro baixa o tom, mas mantem estrago nas políticas públicas

O governo Bolsonaro finalmente recuou, ainda que sem convicção e motivado pelo medo. Mas será que reações mais incisivas por parte do Supremo Tribunal Fderal, do Ministério Público e do Congresso vão conseguir preservar, num sentido mais substantivo, nossa democracia até 2022?

O sentimento de Bolsonaro é o de estar cercado. Há pelo menos cinco movimentações simultâneas que ameaçam o governo: os dois inquéritos que correm no Supremo, o das fake news e o que apura as manifestações antidemocráticas, o inquérito da Procuradoria-Geral da República que investiga a interferência na Polícia Federal e a investigação do Ministério Público do Rio sobre as rachadinhas de Flávio Bolsonaro. Mais ou menos em suspenso, aguardando o desenvolvimento dos fatos, estão os numerosos pedidos de impeachment no Congresso e os processos que podem cassar a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE.

Joel Pinheiro da Fonseca* -Além da indignação

- Folha de S. Paulo

Perdemos, por pura inépcia e voluntarismo, todas as guerras possíveis

"Cidadão, não; engenheiro civil, formado, melhor do que você." Um total de zero pessoas se surpreendeu ao descobrir que a mulher que disse essa frase (e também o clássico "a gente paga você, filho") —uma carteirada em favor de seu marido— a um fiscal da Prefeitura do Rio é uma bolsonarista fanática e notória pela falta de educação nas redes sociais.

Seu marido —o engenheiro civil, que se descreve como conservador e anti-PT— recebeu auxílio emergencial. Novamente, zero surpresa.

Sem máscara, em meio a aglomeração desnecessária e prontos a esfregar seus pequenos poderes na cara de qualquer um que represente um obstáculo à fruição completa de seus apetites mais egoístas.

É esse espírito que mantém o apoio a Bolsonaro, mais do que o lavajatismo (que já pulou fora), o sentimento "antiestablishment" (Arthur Lira e Kassab que o digam) e o liberalismo econômico (que decerto chegará "na semana que vem").

Luiz Carlos Azedo - Resumo da ópera

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Enquanto uma parte da população corre do coronavírus e outra vai atrás do pão de cada dia, “como uma nau dos insensatos, o governo Bolsonaro continua sem ministros da Saúde e da Educação”

O governo comemorou, ontem, os resultados da arrecadação de maio e junho, que indicam uma reação da economia. Os analistas do mercado avaliam que o país já teria sido ejetado do fundo do poço. Em economia, otimismo faz muita diferença; por isso mesmo, esse é o tipo de avaliação que todo mundo torce para que seja verdadeira, exceto os adeptos do “quanto pior, melhor”, que torcem para tudo dar errado. Segundo dados da Receita Federal, a emissão de notas fiscais no mês de junho chegou a R$ 23,9 bilhões em vendas/dia, o que representa um crescimento de 10% em relação a junho de 2019. Nas redes sociais, o Palácio do Planalto comemorou, lançando uma campanha no estilo “pra frente, Brasil”.

O aumento de arrecadação em maio (9,1%) e junho (15,6%) coincide com um aumento da produção industrial de 7% em maio, depois de um tombo acumulado de 26,3% em março e abril, o que já foi suficiente para os analistas reverem as projeções para a recessão deste ano, reduzindo-as para 6,4%, quando se dizia que seria de 9% a 12%. O boletim Focus do Banco Central, que avalia os humores do mercado financeiro, estimou a recessão em 6,5%. De qualquer maneira, uma recessão dessa ordem não é para fritar bolinho. A rápida adaptação dos setores de comércio e serviços ao home office e às vendas pela internet, a dinâmica do agronegócio e a manutenção de certo nível das atividades industriais, aliada à injeção de recursos no mercado por meio do auxílio emergencial de R$ 600, nos últimos três meses, contribuíram para que a economia não parasse.

Eliane Cantanhêde - Paus-mandados

- O Estado de S.Paulo

Erros na Educação, Saúde, Itamaraty e Ambiente não são dos ministros, mas do presidente

Quem tem muitos candidatos a um ministério é porque não tem nenhum e é exatamente nesse impasse que o governo está, não em relação a um cargo qualquer, mas ao rico, estratégico, fundamental Ministério da Educação. Todas as frente de pressão – “ala ideológica”, “ala militar”, Centrão, evangélicos e empresários do setor – têm seus próprios nomes. O presidente Jair Bolsonaro não consegue se fixar em nenhum.

Motivos não faltam para a insegurança, depois de Vélez Rodríguez, Abraham Weintraub e Carlos Alberto Decotelli. Nenhum nome parece confiável e nenhum nome confiável aceita o abacaxi. MEC e Saúde têm os dois maiores orçamentos da Esplanada dos Ministérios – R$ 95 bilhões e R$ 125,6 bilhões, respectivamente, em 2020. Logo, são alvo de aliados em geral e bolsonaristas em particular. Para estes, 99% dos milhares dos quadros das duas pastas são esquerdistas articulando a revolução comunista.

Assim, a prioridade não é uma política para Educação ou uma ação estratégica de combate à pandemia da covid-19, mas, sim, “limpar a área” e “acabar com o aparelhamento”, sufocando políticas tradicionais e, com elas, os técnicos mais antigos, experientes e reconhecidos. Se há aparelhamento, seria trocar um por outro.

Paulo Hartung* - Uma agenda de travessia para superação de longo curso

- O Estado de S.Paulo

Urge reformar o Estado, hoje disfuncional, caro, analógico, aparelhado e concentrador de renda

A pandemia do novo coronavírus alcançou o Brasil num estado de fragilidade socioeconômica e fiscal. E esse quadro geral de desafios só tem piorado nos últimos meses. O enfrentamento desconcertado aumentou a pobreza, pela primeira vez deixou desempregada mais da metade da população em idade de trabalhar, agravou seriamente a situação das contas públicas e afetou negativamente a perspectiva de crescimento futuro.

O aprofundamento de nossos problemas se deu inicialmente porque desperdiçamos o precioso tempo entre a eclosão da pandemia e a sua chegada até nós. Além disso, políticas públicas cruciais foram desenhadas com graves distorções, comprometendo a sua eficácia.

O auxílio emergencial não chegou a muitos dos que são vulneráveis, ainda que tenha sido embolsado por quem não precisava. O crédito não alcança pequenos e microempreendedores, os mais prejudicados. O repasse de recursos a governos subnacionais foi feito sem as devidas contenções e contrapartidas compatíveis com o tamanho do sacrifício que representam para o Brasil de hoje e de amanhã.

A falta de liderança vem impondo desafios extras à Nação, justamente no momento da maior crise jamais vivida pelas atuais gerações. Desse modo, dos países de destaque na cena global, caminhamos para figurar entre os de pior gestão da pandemia.

Desde o início de nossas análises sobre esta situação mostramos que toda crise tem começo, meio e fim, porta aprendizados e apresenta desafios que criam espaços para reinvenções e avanços, como parte do seu enfrentamento.

Também deixamos evidente que este tempo exige um duplo esforço: atenção máxima ao presente, com sua demanda prioritária por salvar vidas, empregos e atividades econômicas; e foco no futuro, com a necessidade de agirmos desde já para tornarmos viável o Brasil que queremos no pós-pandemia.

Ana Carla Abrão* - Negacionismo

= O Estado de S.Paulo

A forma escapista do presidente de ignorar a realidade tem nos feito perder tempo – e vidas

Números são um problema. Eles insistem em expor a realidade, em particular, quando queremos negá-la. Na atual crise de saúde tem sido assim. O Brasil se aproxima da triste marca de 65 mil mortos pela covid-19. A epidemia, ao mesmo tempo que amaina em alguns Estados, avança de forma impiedosa em outros, revelando a verdade: não se trata apenas de uma “gripezinha”. Haveremos de conviver com ela por muito tempo ainda e a administração dessa convivência será determinante no nosso futuro.

Na economia, os números também assustam. A atividade interrompida, por receio da contaminação ou por medidas de restrição, mostra seus reflexos nos números do trimestre que se encerrou. A algum vigor dos primeiros meses do ano, contrapõem-se a realidade do desemprego e da quebra de empresas pequenas, médias e grandes. Trabalhadores formais sofrem com o fechamento de vagas. Os informais sofrem duas vezes mais, conforme cálculos do professor Hélio Zylberstajn, publicado em matéria do Estadão de ontem. Como consequência do enfraquecimento do mercado de trabalho e do aumento dos pedidos de recuperação e falência, o mercado de crédito reage com volumes menores e custos maiores. Afinal, o risco aumentou.

Bernard Appy* - Tributando dividendos

- O Estado de S.Paulo

Reduzir tributo da empresa e tributar a distribuição é pouco para definir um bom modelo de tributar a renda

Um dos temas recorrentes na discussão sobre a reforma tributária é a necessidade de o Brasil passar a tributar a distribuição de lucros e dividendos, a exemplo do que é feito pela maioria dos países desenvolvidos. O modelo brasileiro de isenção na distribuição dos dividendos é percebido – em parte de forma equivocada e em parte de forma correta – como um benefício para as pessoas mais ricas, que detêm a maior parte do capital empresarial do País.

Essa percepção é equivocada, pois a tributação do lucro na empresa é, efetivamente, uma antecipação do imposto sobre a renda devido pelos seus proprietários. Como a alíquota incidente sobre o lucro na empresa é de 34% no Brasil (superior à alíquota máxima do Imposto de Renda das pessoas físicas – IRPF), não haveria, em princípio, um tratamento favorecido dos donos do capital.

No entanto, em muitos casos há, de fato, uma baixa tributação da renda percebida pelos proprietários das empresas. Isso ocorre quando a alíquota efetiva incidente sobre o lucro é muito inferior a 34%, o que acontece quando há redução da base tributável ou do imposto devido na empresa. Essa é uma situação muito comum nos regimes simplificados de tributação, mas é uma situação que também ocorre no caso de grandes empresas.

Ricardo Noblat - Saúde do presidente atleta está posta à prova

- Blog do Noblat | Veja

A República pode entrar em quarentena
Faz sentido falar na suposta versão de Bolsonaro paz e amor se ele insiste no propósito de expor a maior quantidade possível de brasileiros à morte e à contaminação pelo coronavírus? Quem sabe como ele reagiria se descobrisse ser mais uma vítima da doença? Mudaria de posição? Ou continuaria da mesma forma?

Bolsonaro foi dormir febril e um pouco ofegante, segundo um ministro que esteve com ele no Palácio do Planalto. À sua chegada ao Palácio da Alvorada, desceu do carro para cumprimentar um bando pequeno de devotos. Usava máscara. E parecia um tanto cansado de encenar o mesmo número duas vezes por dia.

É fato que o cercadinho onde os devotos costumam se reunir deixou de ser o mesmo de há duas semanas. Pouca gente tem aparecido. O entusiasmo arrefeceu. Isso se reflete também na Vila Planalto, encravada entre os dois palácios. Hotéis e pousadas que abrigavam bolsonaristas em trânsito estão às moscas.

Um dos devotos queixou-se a Bolsonaro de um problema da administração pública de Brasília. Bolsonaro respondeu: “Isso não é comigo, é com o governador”. Outro sugeriu uma reza coletiva capaz de curar todos os males – Bolsonaro esquivou-se. Disse que era refém da vontade dos seus agentes de segurança. Nunca foi.

Bolsonaro já estava sob o efeito de cloroquina que tomou depois de ter feito mais um exame para saber do que padece. De março para cá, é o quarto exame. A República, ansiosa, aguarda o resultado que deverá ser divulgado nesta manhã. Se o vírus pegou Bolsonaro, o Planalto e o Alvorada entrarão em quarentena.

Carlos Andreazza - Guedes reformado

- O Globo

Pressão por governo que produza algum tipo de milagre econômico não é pequena

É imensa a minha curiosidade sobre como terão sido as reuniões ministeriais anteriores — àquela de 22 de abril — no governo Bolsonaro. Quereria saber se em alguma outra o superministro da Economia terá sido desafiado — ainda que em menor grau — como então.

Note-se que o encontro fora convocado pelo general Braga Netto, da Casa Civil, para tratar do Pró-Brasil — um PAC com chancela militar. Ali, chamado de dogmático, com a agenda posta em xeque sem qualquer defesa do chefe, viu-se um Paulo Guedes exposto, sob pressão, diria mesmo acuado, daí por que reativo; emparedado pelo discurso de alguns colegas, o principal desafiante sendo logo aquele, Rogério Marinho, oriundo da equipe econômica guedista, mas que não se constrangeu para falar em reconstrução da economia com o Estado como indutor e defender o endividamento público como efeito circunstancial de uma quadra em que governos precisariam rever suas austeridades.

Marinho, sujeito correto, hábil articulador político e com boa capacidade de realização, não falava só por si ou por Braga Netto e Tarcísio de Freitas. Sua ascensão à condição de ministro — e dos mais influentes — coincide com a associação do centrão ao Planalto, movimento do qual foi o maior operador, e representa agenda dita positiva, de obras públicas populares, que incluirá um Minha Casa Minha Vida para chamar de seu.

Míriam Leitão - Guedes indica tendência no 5G

- O Globo

O ministro Paulo Guedes deu uma indicação de que o Brasil pode vir a desfavorecer a empresa chinesa na guerra do 5G. Na visão de autoridades políticas, o país cometerá um grande erro se entrar por razões ideológicas no conflito entre Estados Unidos e China por essa nova tecnologia. Em entrevista no fim de semana, Guedes disse que desde a pandemia surgiu uma “suspeição geopolítica” em relação à China por causa do Covid-19. E fez um paralelo. “Se os serviços de segurança, se o serviço de comunicação todo fosse interrompido, porque teve uma crise na China e eles desligarem lá uns botões?”

Segundo o ministro da Economia, “se não houvesse esse problema geopolítico, essa suspeição com regimes… criou-se uma suspeição na Europa inteira, nos Estados Unidos, que é a seguinte: será que eles demoraram a comunicar que essa crise era pandêmica, que era um problema sério? Fecharam uma província aqui, mas continuaram viajando para o exterior?” Caso não houvesse isso, segundo Guedes, o Brasil poderia “deixar o americano brigar com o chinês, com os nórdicos, e ver quem nos serve melhor”.

José Casado - Empresas vulneráveis

- O Globo

Associação de interesses com os do regime floresceu no golpe de 1964

Volkswagen e procuradorias federal e paulista confirmam a retomada das negociações para acordo de reconhecimento e reparação às vítimas da sua parceria com órgãos de repressão no regime militar. Até agora, a Volks tem sido a única grande indústria a demonstrar preocupação com a imagem na histórica colaboração com a ditadura.

A associação de interesses empresariais com os do regime floresceu no golpe de 1964, na poeira de uma industrialização tardia. Consolidou-se sobre a lápide política do AI-5.

A compressão dos salários, com inflação manipulada e proibição de greves, derivou em década e meia de extraordinária lucratividade.

Na Volks Brasil possibilitou “o financiamento próprio de investimentos, bem como altas remessas de lucros à matriz”, constatou o historiador Christopher Kopper, contratado pela VW AG, que confirmou a “cooperação voluntária”.

Existe fartura de registros sobre o colaboracionismo empresarial em prisões, torturas, demissões e espionagem no movimento sindical. São empresas como Volks, Ford, GM, Mercedes, Scania, Toyota, Rolls-Royce, Caterpillar, Rhodia, Dunlop, Esso, Light, SKF, Philips, Johnson & Johnson, GE, Brown-Boveri, Ultra, Fundição Tupy, Krupp, Arno, Brastemp, Villares, Inox, Votorantim, Alpargatas, Klabin, Taurus, Cobrasma, Usiminas, Itaipu, Petrobras e Embraer, entre outras. Sempre com o respaldo de entidades como a Fiesp e a CNI.

Andrea Jubé - A briga de poder que travou a educação

- Valor Econômico

Divisão na base tumultua sucessão no MEC

A base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro transformou-se em uma miscelânea formada por militares, ideológicos (seguidores do escritor Olavo de Carvalho), evangélicos e políticos tradicionais ligados ao Centrão, representantes da “velha política”.

Essa base difusa e cujos interesses colidem internamente não pode ser receita de sucesso de nenhum governo. O exemplo mais evidente de que esse cabo de guerra interno conturba mais a gestão já atolada em problemas é a rocambolesca sucessão no Ministério da Educação (MEC).

A pasta que por definição deveria ser o coração de qualquer governo sério é, desde o início da gestão, palco de embates turbulentos entre militares e olavistas. Agora os políticos do Centrão entraram na briga.
A rejeição por duas vezes consecutivas do nome do secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, para o comando da pasta expôs o aliado e gerou ruído desnecessário com o Centrão, num momento em que Bolsonaro ainda não cimentou a base no Congresso.

Feder era referendado pelo PSD, por meio do governador do Paraná, Ratinho Jr., e do ministro das Comunicações, Fábio Faria, e ainda pelos empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Mas a intervenção da ala ideológica, com o reforço da bancada evangélica, tumultuou a escolha e abriu novas fissuras na base.

Em paralelo, verificou-se que a passagem abreviada de Carlos Alberto Decotelli pelo cargo resultou de uma escolha pautada pelo improviso e açodamento. A equipe competente falhou na checagem do currículo do quase doutor.

Marli Olmos - À espera de mais uma licença para poluir

- Valor Econômico

Com a pandemia, indústria automobilística pede ao governo adiamento de novas regras de controle de emissões

O Brasil está prestes a entrar em uma nova fase de controle de emissões de poluentes veiculares. Mas, com a pandemia, os dirigentes da indústria automobilística decidiram pedir ao governo adiamento das regras. As conversas estão em curso.

Ontem, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes, apontou “a queda abrupta da receita” como principal motivo da reivindicação. Tornar os veículos menos poluentes custa dinheiro.

Além disso, Moraes disse que a paralisação das fábricas durante a pandemia afetou a atividade das equipes de engenharia, bem como os testes em laboratórios.

Segundo o presidente da Anfavea, o setor está discutindo o assunto com o governo. Mas fez uma ressalva: “É importante deixar claro que somos a favor dos limites de poluentes; esses programas foram elaborados em conjunto com a indústria”.

Segundo Moraes, não há, ainda, uma definição de como esses cronogramas vão ficar. Numa recente entrevista à “Automotive Business”, publicação do setor, um executivo revelou que no caso de veículos comerciais a diesel, a proposta é adiar por três anos o Proconve P8, nome da próxima fase da legislação, fixada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

O P8, que equivale ao programa chamado Euro 6 da Europa, determina que novos modelos de caminhões e ônibus têm que sair das fábricas adaptados à nova regra a partir de janeiro de 2022. A partir de janeiro de 2023, todos os comerciais pesados serão obrigados a atender à legislação.

Luiz Gonzaga Belluzzo* O botão, a flor e o fruto

- Valor Econômico

O velho capitalismo reconcilou-se com sua natureza

Em 2015 economistas Joseph W. Gruber e Steve Kamin, assessores do Board do Federal Reserve, publicaram “The Corporate Saving Glut in the Aftermath of the Global Financial Crisis”.

Em março do corrente, a pandemia já em curso, os economistas Atif Mian, Ludwig Straub e Amir Sufi juntaram as forças de Princeton, Harvard e Chicago para publicar o artigo “The Saving Glut of the Rich and the Rise in Household Debt”.

Os dois textos perseguem o entendimento das transformações que afetaram a dinâmica das economias capitalistas nas últimas décadas. A preocupação central dos autores de ambos os artigos está concentrada no aumento da “poupança” dos ricos descolada do crescimento do investimento.

“What is Wrong with Capitalism?”, indagaram os editores do Project Syndicate. No site desfilam figuras do andar de cima da opinião econômica. Entre os escalados para desvendar os erros do capitalismo estavam, entre outros, Joseph Stiglitz, Mariana Mazzucato, Yanis Varoufakis e Raghuran Rajan.

Ao responder que não há nada errado, assumo um risco nada desprezível. Em minha modesta opinião, depois de libertado das disciplinas e amarras sociais que o domesticaram nos Trinta Anos Gloriosos do imediato pós-guerra, o velho capitalismo reconciliou-se com sua natureza. Rapidamente transmutou a concorrência perfeita em concorrência monopolista e na mesma toada, impulsionou o enriquecimento financeiro em detrimento daquele decorrente do esforço produtivo.

Em artigo recente, publicado na Review of Political Economy, o economista Cedric Durant identifica quatro narrativas que procuram explicar o “paradoxo”: enquanto os lucros das grandes empresas disparam, o investimento “produtivo” desaba.

As duas primeiras narrativas estão ligadas mais diretamente ao processo de financeirização: 1) a vingança dos rentistas obriga as empresas a realizarem pagamentos para os detentores de títulos de dívida e direitos de propriedade, o que reduz os recursos disponíveis para o investimento industrial; 2) a segunda narrativa sugere a substituição dos investimentos em ativos reais pela acumulação financeira de curto prazo. O declínio das taxas de juros propiciou o avanço dos pagamentos de dividendos exigidos pelos acionistas. A isso se juntam as recompensas aos mesmos acionistas por ocasião das fusões e aquisições, além da recorrente e cada vez mais intensa recompra das próprias ações.

Tráfico e milícia dominam 1.413 favelas do Rio e número de bandidos é maior que o de PMs nas ruas

Mapa da violência feito pela Polícia Civil e obtido pelo RJ2, da TV Globo, foi enviado ao Ministério da Justiça e ao STF

Arthur Leal | O Globo

RIO — Um relatório da Polícia Civil encaminhado ao Ministério da Justiça e ao Supremo Tribunal Federal (STF), obtido e divulgado pelo RJ2, da TV Globo, mostra que o crime organizado atua em 1.413 comunidades do Rio. O tráfico comanda 81% desses territórios, e a milícia 19%. O mapeamento mostra ainda que o número de traficantes hoje já é maior que todo o efetivo da Polícia Militar nas ruas.

A facção de traficantes mais numerosa, revela o documento, controla 828 favelas. A segunda maior, comanda 238 favelas, enquanto uma terceira chefia o tráfico em 69 localidades. A milícia está presente em 278 comunidades, um número que já é maior que duas das principais quadrilhas que atuam em território fluminense.

Divisão territorial do crime organizado no Rio

• Quadrilha de traficantes 1 — 828 comunidades
• Milícia — 278 comunidades
• Quadrilha de traficantes 2 — 238 comunidades
• Quadrilha de traficantes 3 — 69 comunidades

O mapa da violência obtido pelo telejornal mostra ainda uma mudança de comportamento no crime organizado. Investigações recentes da Polícia Civil apontam que agora milicianos passaram a também vender drogas em suas áreas de domínio, enquanto traficantes começaram a utilizar práticas características dos paramilitares em seus redutos.

Arminio Fraga sugere maquininhas e crédito para ajudar pequenas empresas

Por Bruno Rosa – O Globo

Combinar linhas de crédito com recursos públicos e máquinas de pagamento — modelo já avaliado pelo governo — pode ser a saída para socorrer pequenas e médias empresas na crise atual, diz o economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio-fundador da Gávea Investimentos. Ele frisa, porém, que iniciativas para ajudar esses empreendedores têm de sair do papel de imediato.

• Por que as pequenas e médias empresas são mais vulneráveis?
Porque têm pouco capital e margens pequenas. A maioria não tem acesso a crédito e agora muitas dependem de contato pessoal. Então, a perda de receita em um número grande de empresas é enorme, chega a 80% ou 100%. Não é o que se costuma ver em uma recessão. Alguns são obrigados a fechar.

• Quais iniciativas podem dar maior fôlego aos empreendedores?
Minha sugestão é combinar dinheiro público e maquininhas. Dinheiro público porque não é razoável que um banco aja para fazer um empréstimo que tenha valor esperado negativo. A última coisa que se quer nesse momento é uma crise bancária. O governo poderia correr esse risco. E tem anunciado que pretende usar as maquininhas. O desenho que está sendo considerado, e foi o que o setor apresentou, é parecido com o do crédito consignado, pois os fluxos de pagamento das empresas passam pelas credenciadoras. A proposta é que o dinheiro público corra o risco e as maquininhas executem a operação. Isso permitirá ganhar velocidade.

Igrejas na política exigem atenção da Justiça Eleitoral – Editorial | O Globo

Em julgamento, ministro Edson Fachin propõe o exame do abuso de poder de autoridade religiosa

A separação entre Igreja e Estado, conquista da Revolução Francesa em 1789, está na Primeira Emenda da Constituição americana, de 1791, e entrou na Constituição brasileira de 1891, que construiu as bases republicanas no país após a derrubada da Monarquia. Porém, é tema atual, com o avanço de igrejas evangélicas na política.

Na chegada do presidente Bolsonaro ao Planalto, ramificações evangélicas passaram a ter mais acesso ao poder. O próprio presidente promete usar o critério religioso na escolha de dois nomes que, devido à aposentadoria compulsória de ministros do Supremo, indicará ao Senado, para que tenham assento no plenário da Corte.

Nesse momento, veremos como os senadores se comportarão na sabatina que precisam fazer dos indicados ao STF, considerando-se os preceitos constitucionais republicanos da laicidade do Estado e de sua separação das religiões.

Em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de recurso em processo de cassação de uma vereadora de Luziânia, Goiás, pastora, o ministro Edson Fachin, também do Supremo, não considerou haver provas suficientes para a retirada do mandato dela, mas tratou de maneira pertinente a questão da influência religiosa na política, referindo-se a experiências em outros países e também com base no que estabelece a legislação brasileira.

Suspeitas familiares – Editorial | Folha de S. Paulo

Trocas salariais no gabinete de Bolsonaro quando deputado evocam caso de Flávio

Durante 28 anos, de 1991 a 2018, o presidente Jair Bolsonaro exerceu mandatos de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Foi uma trajetória que se caracterizou por escassa atividade legislativa, falta de articulação política e alguns arroubos em defesa de teses autoritárias.

Até que uma conjunção excepcional de fatores o levasse a despontar como candidato competitivo ao Palácio do Planalto, Bolsonaro foi um típico representante do chamado baixo clero parlamentar, aquela fatia de representantes voltada para interesses miúdos e não raro envolvida em fisiologia escancarada —ou coisa pior.

Reportagem da Folha apontou sinais chamativos de que o atual chefe de Estado geria seu gabinete de modo um tanto heterodoxo. Análise de documentos relativos ao período que passou em Brasília mostrou intensa e surpreendente rotatividade salarial de cerca de um terço dos mais de 100 assessores que por ali passaram.

Observaram-se também intrigantes exonerações de auxiliares seguidas de recontratações. De um dia para outro, assessores viam seus salários serem dobrados, triplicados e até quadruplicados —e em pouco tempo eram reduzidos a menos da metade.

Apesar de sinais otimistas, recuperação será lenta – Editorial | Valor Econômico

O consumo privado, enfraquecido, não sustentará uma retomada forte

Indicadores divulgados nos últimos dias sinalizam que a economia começa a se recuperar e pode não ter afundado tanto quanto chegou a ser estimado. Um deles foi o crescimento de 7% da indústria em maio em comparação com abril. Foi a maior alta desde junho de 2018, quando terminou a greve dos caminhoneiros. Os números reforçam a avaliação de que abril foi o fundo do poço. Puxaram o resultado o salto de 244% da produção de veículos, de 16,2% dos derivados de petróleo e de 65,5% de bebidas. O Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) também foi positivo em maio. O índice cresceu 4,2% em comparação com abril, a maior alta desde janeiro de 1991.

No entanto, nem de longe a expansão industrial de maio compensou a perda de 26,3% acumulada em março e abril. Segundo o IBGE, a indústria está produzindo 21,1% a menos do que em fevereiro, antes das medidas de isolamento social. Somente entre março e abril a produção de bens duráveis teve queda de 84,2%. Da mesma forma, a reação do PIB registrada pela FGV só compensa parcialmente as pesadas perdas nos dois meses anteriores, de 5,1% em março e de 9,1% em abril.

O que está deixando um grupo de economistas especialmente otimista são alguns indicadores não tradicionais, considerados antecipadores de tendência. Entre eles estão as vendas de varejo detectadas por credenciadora de cartões, a percepção dos gerentes de compra, o consumo de energia e o aumento da mobilidade das pessoas. Outro exemplo é o crescimento de 15,6% das vendas em junho em comparação com maio, constatada pela Receita a partir do registro de notas fiscais, divulgada ontem. O economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, escreveu no Valor (2/7) que fontes alternativas de informações adquiriram importância dada as limitações impostas pela pandemia para a elaboração de pesquisas tradicionais, e não apenas no Brasil.

Verdades incompletas – Editorial | O Estado de S. Paulo

“O agronegócio não precisa da Amazônia”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em mais uma resposta a quem culpa o setor pela devastação da maior floresta tropical do mundo. A defesa é correta, assim como a observação sobre os interesses comerciais – e sobretudo protecionistas – de muitos desses acusadores. A ministra, além disso, cumpre seu papel ao defender juros mais baixos, numa resposta indireta a comentários de banqueiros sobre a política ambiental. Sua fala seria mais completa, no entanto, se três fatos fossem reconhecidos: as queimadas têm aumentado, a orientação oficial favorece a destruição e o grande promotor dessa política é o presidente da República.

Seria enorme surpresa, é claro, o reconhecimento desses fatos numa entrevista ou numa declaração pública, exceto se a ministra estivesse disposta a sair do governo. Mas ela mostra interesse em permanecer e continuar seu trabalho. Melhor para o País. O Ministério da Agricultura tem sido, como já se observou, uma ilha de seriedade num arquipélago de incompetência, despreparo, ignorância dos interesses de Estado e politicagem rasteira.

A ministra sabe disso, naturalmente. Não precisaria estar na vergonhosa reunião de 22 de abril para conhecer as aberrações em vigor no Ministério do Meio Ambiente. Antes de conhecer a declaração do ministro Ricardo Salles sobre aproveitar a pandemia para “passar a boiada”, o mundo todo sabia, ou podia saber, do afrouxamento da proteção ambiental, da interferência na fiscalização e do abandono de grupos indígenas à violência de invasores.

Essa política é desastrosa para o ambiente e também para os direitos humanos em seu nível mais elementar. A proteção desses direitos também foi cobrada na carta enviada por 29 grupos investidores a embaixadas brasileiras. Vidas de índios importam, poderiam ter escrito os autores da carta, confrontando o ex-ministro da Educação, contrário a expressões como “povos indígenas”.

Música | Marisa Monte / Velha Guarda da Portela - Volta (Manacea)

Poesia | Graziela Melo - Saudade

Saudade
dos pássaros
é que vou
sentir,
quando
deste mundo
solitária,
me for!!!

Das flores,
dos amigos,
até mesmo
das dores,

das emoções
mais sutis!!!

Parada,
pálida
e fria

inerte,
sem
qualquer
ação,

debaixo
daqueles
palmos
de terra,

estarei
distante
das maldades,
da guerra,
dos homens
sem compaixão!

Enquanto
se desmancha
meu corpo,

no frio,
na escuridão