segunda-feira, 1 de junho de 2015

Opinião do dia – Fernando Gabeira

Essa distância entre o universo político e a sociedade é algo que neutraliza nossas potencialidades. Infelizmente é também um fato nacional. Estranho viver num país em que os políticos falam uma linguagem e as ruas falam outra. Mundos paralelos.

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Fernando Gabeira, jornalista, em artigo ‘A lâmina cruel’. O Globo, 31 de maio de 2015

Governo atrasa repasses de verba para controle do Bolsa Família

• Últimos recursos enviados a municípios para gestão do programa eram referentes a 2014

• Situação compromete monitoramento da frequência escolar e atualização de cadastro de beneficiários

Fernando Canzian - Folha de S. Paulo

RECIFE - Prefeituras e Estados em todo o país não receberam até agora nenhum repasse do governo federal relativo a 2015 para a gestão do Bolsa Família. Os atrasos comprometem a checagem da frequência de crianças nas escolas e postos de saúde e a atualização cadastral dos beneficiários.

Os repasses feitos neste ano, entre fevereiro e abril, referem-se a meses dos últimos trimestres de 2014. Embora as 14 milhões de famílias beneficiárias estejam com o recebimento em dia, os programas de acompanhamento nunca tinham sofrido atrasos dessa magnitude.

Em algumas prefeituras, que também sofrem com queda na receita, houve corte de funcionários ligados ao programa.

O Ministério do Desenvolvimento Social reconhece os atrasos e diz que a situação deve se normalizar assim que receber repasses do Tesouro Nacional.

Neste ano, a ação "Serviço de apoio à gestão descentralizada do programa Bolsa Família" tem previsão orçamentária de R$ 535 milhões. Segundo a ONG Contas Abertas, R$ 490,2 milhões chegaram a ser comprometidos para pagamento posterior. Mas nada foi transferido.

As prefeituras dizem que os atrasos afetam outros programas, como os Cras e Creas (centros de assistência social).

Em Santa Cruz do Capibaribe, no interior de Pernambuco, 30% da população de 100 mil habitantes é atendida pelo Bolsa Família. Segundo Alessandra Vieira, secretária de Cidadania e Inclusão Social, o governo envia cerca de R$ 30 mil por mês para administrar o programa. O último repasse ocorreu em março, referente a outubro de 2014.

Nas vizinhas Bezerros e São Joaquim do Monte, Amarinho Ribeiro, consultor da tesouraria nos dois municípios, afirma que os últimos repasses eram relativos a 2014, para acompanhamento do Bolsa Família e financiamento de Cras e Creas.

Prefeituras reclamam que o governo federal aumentou a carga de trabalho dos municípios, exigindo mais fiscalização e atualização do cadastro de beneficiários.

Segundo Fernando Josélio, gestor do Bolsa Família em Riacho das Almas, o ministério aumentou consideravelmente o total de famílias que devem ser averiguadas em 2015 para checar se continuam aptas ao programa.

"É mais trabalho com nenhuma verba nova", diz. Riacho das Almas deveria receber cerca de R$ 13 mil mensais para programas sociais. O último repasse, em fevereiro, referia-se a outubro.

A cidade, com 20 mil habitantes, tem cerca de 3.500 beneficiários do Bolsa Família e outras 6.000 cadastradas que podem ser elegíveis.

A revisão dos cadastros ocorre todos os anos e é dirigida aos beneficiários com dados desatualizados há mais de dois anos. O ministério envia a lista das famílias que precisam atualizar dados às prefeituras, responsáveis por organizar o processo. Assim, pode avaliar se o beneficiário ainda atende às condições para continuar no programa.

Cresce calote no Minha Casa Minha Vida

• Inadimplência chegou a 21,8% dos contratos na faixa 1 do programa, para famílias com renda mensal até R$ 1.600

• Nas faixas 2 e 3, os atrasos também subiram, para 2,2%, mas dado está próximo da média do mercado

Eduardo Cucolo – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A queda na renda do trabalhador brasileiro e o aumento do desemprego já se refletem na elevação da inadimplência no Minha Casa Minha Vida, maior programa habitacional do país.

Números do Ministério das Cidades mostram que os atrasos acima de 90 dias, período a partir do qual o cliente é considerado inadimplente pelo sistema bancário, atingiram em março 21,8% dos financiamentos concedidos na faixa 1 do programa, destinada às famílias com renda mensal de até R$ 1.600. Em abril de 2014, eram 17,5%.

Esse grupo paga prestações mensais entre R$ 25 e R$ 80 por um período de dez anos, o que corresponde apenas a cerca de 5% do valor do imóvel que vão receber.

Nesse caso, o valor não pago pelo mutuário é bancado pelo Tesouro Nacional.

Nas faixas 2 e 3 do programa, que inclui famílias com renda de até R$ 5.000, a inadimplência também subiu, de 1,9% para 2,2% nesse intervalo. Apesar de bem inferior ao da faixa 1, o dado está acima da média do mercado, que no mesmo período caiu de 1,8% para 1,7%.

As perdas nessas faixas são assumidas pelo banco que concedeu o empréstimo ao mutuário, como em qualquer financiamento imobiliário.

O aumento dos atrasos entre esses mutuários também levou a Caixa a suspender, em fevereiro, o programa Minha Casa Melhor. Tratava-se de uma linha para compra de móveis e eletrodomésticos com prestações de pouco mais de R$ 100.

"As pessoas de menor renda são mais suscetíveis a mudanças na economia. Com o aumento do desemprego e a inflação elevada, a tendência é mais inadimplência até essas pessoas conseguirem ajustar o orçamento", afirma o presidente em exercício do Secovi-SP (sindicato da habitação), Flavio Amary.

O coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV, Lauro Gonzalez, afirma que o cenário econômico favorece a inadimplência, pois essas famílias gastam mais com água, luz e condomínio. Há ainda a perda de renda com a inflação e o desemprego.

Falhas no programa
Autor de estudos sobre o programa, o professor diz que o nível elevado de atrasos na faixa de menor renda é um problema persistente e que reflete falhas no programa.

Gonzalez afirma que o fato de as pessoas não pagarem uma prestação relativamente baixa, no caso da faixa 1, comprova algo que é verificado pela experiência internacional em microfinanças.

"Quando se cobra um valor muito inferior à capacidade de pagamento, a pessoa enxerga aquela obrigação como um compromisso menos importante", afirma.

Elas priorizam, portanto, o pagamento de outras despesas. Há ainda o fato de que, até hoje, não foram retomados imóveis na faixa 1 por falta de pagamento. "As pessoas têm pouco comprometimento com o pagamento e pouco incentivo para fazê-lo."

Em um momento de aperto de renda, portanto, o programa entra na lista de despesas a serem cortadas.

Gonzalez afirma que a nova fase do programa, prometida pelo governo para este ano, deveria considerar o aumento do comprometimento de renda com as prestações por parte dos que podem contribuir mais (quase 80% das pessoas estão adimplentes), em conjunto com medidas que estimulem o pagamento em dia, para que isso não se reverta em mais atrasos.

O presidente do Secovi-SP diz que a alta inadimplência na faixa de menor renda, mesmo em momentos melhores para a economia, já era esperada. Para ele, a nova fase do programa deve manter a política de altos subsídios pelo governo para cumprir o objetivo de reduzir o deficit habitacional nessas famílias.

Norte Fluminense: miséria de Nordeste

• São Francisco de Itabapoana tem 15,6% de miseráveis, enquanto Resende contabiliza apenas 1,6%

Maria Elisa Alves e Rafael Galdo – O Globo

Entre São Francisco de Itabapoana, num dos extremos do estado, e Resende, na outra ponta do território fluminense, a distância é muito maior do que sugerem os 480 quilômetros que separam os dois municípios. Enquanto a cidade do Norte Fluminense tem, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, 15,6% de seus moradores na extrema pobreza — o pior índice do estado, comparável aos do Nordeste —, a do Médio Paraíba registra 1,6% de miseráveis — percentual igual ao de Santa Catarina,que tem a menor taxa entre as 27 unidades da federação. A segunda reportagem da série "Os miseráveis" revela os contrastes de um Rio desigual. Como O GLOBO mostrou ontem, o estado tem 3,77% de sua população (565.135 pessoas) vivendo na pobreza extrema, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Já o Ministério do Desenvolvimento Social, que dispõe de dados sobre os 92 municípios fluminenses, utiliza critérios diferentes dos do Ipea e contabiliza 1,74% de miseráveis, ou 283 mil pessoas.

Perto do petróleo, que na última década alavancou a economia do estado , mas longe da prosperidade vivida por cidades como Macaé e Campos — hoje afetadas pela crise no setor —, São Francisco de Itabapoana tem 41.354 habitantes (Censo 2010), sendo 6.452 extremamente pobres, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. E não é difícil entender por que tantos vivem na penúria. De acordo com números do Ministério do Trabalho, no início deste ano, havia apenas 1.878 empregos formais na cidade. O que resta é a informalidade, na qual imperam salários de, no máximo, R$ 200, como o da empregada Jocilene Melo, que não tem carteira assinada nem sonha com os direitos assegurados pela PEC das Domésticas. Na localidade do Valão Seco, o machadeiro Almir Alves Pereira segue a mesma profissão que garantia o sustento do avô, no século passado. Cata madeira seca no mato e a entrega na casa de quem usa fogão a lenha para economizar gás.

O trabalho rende R$ 50 por mês: — Pego água para beber na torneira do banheiro de um a venda . Não tenho energia elétrica, nem vela em casa. Acordo com o sol e durmo quando anoitece. Descalço ou com o único par de chinelos surrados, ele segue para o trabalho diário numa bicicleta montada com o que achou na rua, puxando uma carrocinha também feita do que encontrou no lixo. A estrada corta a região mais pobre de São Francisco, que pode até enganar com terras cultivadas de abacaxi, cana e aipim. Mas, com muitas propriedades arrendadas por produtores capixabas, que trazem trabalhadores do Espírito Santo, a roça ali costuma produzir muito suor, mas pouca esperança. A história de Valdir Barreto de Lima, de 45anos, é um retrato do que ocorre no município, onde mais de 40% dos moradores recebem Bolsa Família. Para ele, não há emprego formal. Uma rotina tão pesada que, não à toa, usa a expressão "bater-se" como sinônimo de trabalho. — É trabalho duro, que nem burro aguenta. Até febre dá. O dedo fica duro de tanto bater facão. Mas temos que suportar . Aqui não existe serviço .

Quando aparece, é empreitada de cana. Tenho que me "bater" o dia inteiro para conseguir R$150 a R$ 200 por mês. O jeito é comprar fiado. Devo R$ 800 no sacolão, R$ 600 numa venda, R$ 500 em outra... E é só de comida — diz Valdir. Numa tentativa de ascensão social, ele chegou a deixar a roça para trabalhar como gari em Cabo Frio, na Região dos Lagos. Mas foi parar no hospital, com dores no coração. Recebeu a recomendação de repouso, que não cumpriu: — Sabe quantos filhos eu tenho? Sete, eu disse ao doutor. Vão sobreviver de quê? Já no Noroeste Fluminense, região com menor PIB do estado, a estrutura de trabalho ainda lembra a do século XIX, quando imigrantes ou ex-escravos ficavam presos a propriedades rurais devido às dívidas contraídas com os donos das terras.

Hoje, em São José do Ubá, alguns trabalhadores das lavouras de tomate nem vêem a cor do dinheiro porque são os patrões que pagam as dívidas que eles acumulam em mercados e vendas . Mais grave ainda é quando há miséria de um lado e corrupção do outro. Em São Sebastião do Alto, na Região Serrana, que aparece na lista dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado, em março o então prefeito Mauro Henrique Chagas (PT) foi preso em flagrante pela Polícia Federal, sob acusação de receber propina de empresa que faria obras nas áreas de saúde e saneamento. Enquanto isso, na zona rural do município, um dos mestres da folia de reis da região, Matozinho José da Silva, de 59 anos, sobrevive com R$ 79 do Bolsa Família, numa casa de estuque que, para pagá-la, deu em troca a sanfona, o pandeiro e o violão:— A vida aqui não vai para frente nem para trás. E tem hora que descontrola tudo. De descontrole, o casal Josimar Resende e Nazarini Moura, de Sumidouro, entende. Empregado até seis meses atrás, ele conseguiu construir uma casa com quarto, banheiro e cozinha.

Mas,desde que perdeu o emprego, vive com os R$ 128 que a mulher ganha revendendo biscoitos.Semana passada, o almoço do casal era arroz. E uma salsicha.— Só tem essa, vamos ter que dividir — resignou- se Nazarini. Privações como esta são raridade em Resende . Estrategicamente localizada entre Rio e São Paulo, viu sua economia deslanchar depois de receber montadoras de automóveis na década de 1990. Foram oferecidos cursos profissionalizantes para qualificar a mão de obra. O resultado é uma cidade com pouca miséria à vista .— As pessoas mais pobres, que iriam para a construção civil, foram para as montadoras, se qualificaram. A cidade mudou de perfil, mas ainda tem clima de interior — diz Kátia Periquito, moradora de um condomínio de luxo na região.

Mercado aumenta projeção para inflação, diminui para o PIB e vê nova alta de juros

• Segundo o Relatório Focus do Banco Central, analistas esperam queda de 1,27% do PIB em 2015, IPCA de 8,39% e Selic em 14%

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Relatório de Mercado Focus, divulgado pelo Banco Central, mostrou que a expectativa para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 passou de uma retração de 1,24% da semana anterior para 1,27% agora. Na sexta-feira, foi divulgado o PIB do primeiro trimestre, que apontou para uma contração de 0,2% da economia no período. Para 2016, a mediana das projeções se manteve em crescimento de 1% pela sétima semana seguida.

Principal motor da atividade brasileira, a produção industrial deve encolher 2,80% em 2015 - mesma projeção da semana anterior. Para 2016, as apostas de expansão para a indústria seguem em 1,50% há oito semanas consecutivas.

Ao mesmo tempo que espera uma retração maior da economia, a expectativa é de alta para a inflação. Pela sétima semana consecutiva, os analistas elevaram a previsão para o IPCA deste ano. A projeção é que o índice oficial de inflação encerre 2015 em 8,39%, contra 8,37% da semana anterior.
Com isso, a inflação encerraria o ano acima do teto da meta do governo, de 6,5%. Já para o fim de 2016, a mediana das projeções para o IPCA ficou inalterada em 5,50%.

Taxa de juros. Na semana em que o Comitê de Política Monetária (Copom) volta a se reunir para definir o rumo dos juros, o mercado financeiro manteve suas estimativas de que a Selic avançará 0,50 ponto porcentual esta semana.

Aumentou, porém, a previsão para a taxa básica no final deste ano. No lugar da estimativa de 13,75% ao ano, que já será vista esta semana, de acordo com a Focus, o novo patamar da Selic no encerramento de 2015 será de 14% ao ano. No caso do fim de 2016, a mediana das projeções permaneceu em 12% ao ano.

A ação mais recente do colegiado foi a de aumentar a taxa básica de juros de 12,75% ao ano para 13,25% e, depois da divulgação do documento sobre a reunião, o mercado entendeu que o BC continuará com sua política de elevação de juros. A próxima reunião começa amanhã e o veredicto será dado na quarta-feira à noite.

Dólar. Já a mediana das estimativas para o câmbio no encerramento de 2015 continuou em R$ 3,20 pela quinta vez na edição da Focus. A cotação final de 2016 também seguiu em R$ 3,30, pela oitava semana seguida.

Em eleição para presidente, Aécio e Marina esmagariam Lula no Distrito Federal

• Dá para entender melhor por que Lula vive dizendo que Dilma está acabando com o patrimônio político e eleitoral dele?

Ricardo Noblat – O Globo

Se a eleição para presidente da República tivesse ocorrido no Distrito Federal entre os últimos dias 25 e 28, Aécio Neves e Marina Silva teriam batido com folga uma eventual candidatura de Lula.

Foi o que apurou a mais recente pesquisa eleitoral do Instituto Paraná Pesquisas, que ouviu 1.280 eleitores. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos.

Apresentados os nomes dos candidatos, foram esses os resultados:

• Aécio Neves – 40,3%
• Marina Silva – 24,7%
• Lula – 17,6%
• Eduardo Cunha – 3,4%
• Não sabe – 6,5%
• Nenhum deles – 7,5%

Aécio e Marina ganham de Lula entre homens e mulheres. E nas faixas de idade de 16 anos a 24, 25 a 34, 35 a 44, e 45 a 59 anos. Apenas na faixa de 60 anos ou mais é que Lula derrota Marina, embora perca para Aécio.

Aécio e Marina vencem Lula entre os que têm ensino médio e ensino superior. Entre os que têm ensino fundamental, Lula derrota Marina, mas perde para Aécio.

Quando Geraldo Alckmin substitui Aécio, Lula empata com ele, mas perde de lavagem para Marina.

A pesquisa perguntou: “De uma maneira geral, diria que aprova ou desaprova a administração da presidente Dilma Rousseff até o momento?”

Aprovam, 12,2%. Desaprovam, 84%. Não sabem ou não responderam, 3,8%.

“A presidente está indo...”

Melhor do que esperava, 3%. Pior, 77,7%. Igual, 16,4%. Não souberam responder, 3%.

Em 2002, ao se eleger presidente pela primeira vez, Lula venceu no Distrito Federal em primeiro e segundo turno derrotando José Serra.

Em 2006, perdeu para Alckmin no Distrito Federal em primeiro turno. E venceu no segundo.

Em 2010, foi Marina quem venceu no Distrito Federal em primeiro turno. No segundo, Dilma derrotou José Serra.

Dá para entender melhor por que Lula vive dizendo que Dilma está acabando com o patrimônio político e eleitoral dele?

'Distritão' é uma negação dos partidos, diz Alckmin

• Governador de São Paulo criticou projeto no qual são eleitos os mais votados, sem levar em conta os votos para o partido ou coligação

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, criticou neste domingo, 31, em passagem pela convenção municipal do PSDB na capital paulista, o projeto de sistema político chamado 'distritão', no qual são eleitos os mais votados em cada estado ou município, sem levar em conta os votos para o partido ou coligação.

O modelo, que foi rejeitado pelos deputados semana passada na votação da reforma política, dividiu o PSDB. À revelia da posição defendida pelo presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), 21 deputados tucanos votaram favoravelmente à criação do sistema do 'distritão'.

"O 'distritão' é uma negação dos partidos e exacerba personalismos", disse o governador. Segundo Alckmin, o modelo ideal é o distrital. "Ele torna as campanhas mais baratas e autênticas", afirmou.

Na votação do tema, o PSDB contou com a presença de 49 de seus 53 parlamentares, sendo que dois se abstiveram. O 'distritão', que era defendido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi rejeitado por 267 votos.

Alckmin apoia Aécio à frente do PSDB

• Manifestação pública do governador vem no momento em que o senador enfrenta críticas de tucanos à sua condução do partido

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

No momento em que enfrenta sua primeira crise interna no PSDB depois de dois anos comandando o partido sem contestações, o senador Aécio Neves recebeu ontem o apoio público do governador Geraldo Alckmin para renovar seu mandato na presidência da sigla até 2017.

Eventual rival de Aécio na disputa pela indicação do PSDB para a disputa presidencial de 2018, Alckmin disse que apoia o mineiro e que sua recondução "é o caminho natural". A declaração foi feita durante a convenção municipal tucana e acontece depois de os tucanos paulistas fecharem com o senador um acordo pela ampliação da presença de nomes de confiança do governador na direção executiva do PSDB, que será renovada em julho.

Um dos escolhidos por Alckmin para representá-lo na cúpula partidária é o deputado Silvio Torres, que será secretário-geral do partido.

Presidente do PSDB paulista e secretário de Logística e Transporte do governo, Duarte Nogueira também deve ocupar uma vaga estratégica na direção. E o ex-deputado José Aníbal é o mais cotado para comandar o Instituto Teotônio Vilela, ligado à legenda.

Críticas. Nas últimas semanas, Aécio tem enfrentado sua pior crise interna desde que assumiu o comando do PSDB, em maio de 2013, aclamado até por antigos desafetos como José Serra e o próprio Alckmin.

O desgaste acontece em várias frentes. O sinal mais evidente foi a votação do projeto de reforma política no plenário da Câmara dos Deputados na semana passada. O senador determinou que o partido deveria votar contra o "distritão", sistema pelo qual são eleitos os candidatos mais votados em cada Estado ou município, sem levar em conta os votos para o partido ou coligação. Líder da bancada do partido na Casa, o deputado Carlos Sampaio (SP) decidiu liberar o voto. Resultado: dos 53 deputados tucanos, 49 compareceram. Destes, 21 votaram contra e 28, a favor.

O placar apertado foi visto como um sinal de insatisfação pelo fato de Aécio Neves ter contrariado a decisão da bancada de apresentar um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff.

Na mesma semana, o ex-governador e vice-presidente nacional do PSDB, Alberto Goldman, coordenador da campanha presidencial de Aécio em São Paulo em 2014, enviou uma carta à direção nacional criticando a direção do partido. Ele afirmou que a "falta de debate interno se agravou no período recente". Em seu blog, Goldman ainda ironizou a divisão do PSDB na votação do "distritão". "Foi uma bela demonstração de unidade partidária", escreveu.

Consulta. Reservadamente, deputados tucanos dizem que Aécio não cultiva o hábito de escutar as instâncias partidárias antes de tomar decisões importantes.

Outro sinal de que o clima é desfavorável foi uma postagem do deputado estadual paulista tucano Ramalho da Construção em sua página do Facebook na semana passada. Um dos coordenadores da campanha presidencial de Aécio na área sindical em 2014, ele publicou uma foto do senador ao lado do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol José Maria Marin, com a inscrição "Tucano é preso... na Suíça". Diante da repercussão negativa, Ramalho apagou a mensagem e disse que a publicou "por engano".

Outra fonte de desgaste para Aécio foi a campanha feita por grupos anti-Dilma que defendem o impeachment da presidente e marcharam de São Paulo até Brasília em nome da causa. Com a mudança de estratégia do senador - que optou por uma ação penal contra Dilma Rousseff, em vez do impedimento -, os ativistas passaram a hostilizá-lo nas redes sociais e em vídeos postados no YouTube, em que ele é chamado de "traidor". No dia de protocolar o documento na Câmara, Aécio preferiu não comparecer.

Palácio do Planalto coloca no ostracismo nomes expoentes do PT no Congresso

• No grupo, estão ex-presidente da Câmara e ex-líderes da legenda na Casa e no Senado

Paulo de Tarso Lyra - Correio Braziliense

Os tempos difíceis vividos pelo PT, pressionado por sucessivos escândalos de corrupção e tendo que lidar com uma agenda macroeconômica que é a antítese do pensamento petista, têm rebaixado figuras proeminentes da legenda a um plano secundário no debate parlamentar. Eles mantêm a capacidade de formulação, mas pouco têm sido ouvidos no momento de tomadas de decisões estratégicas.

O ostracismo alcançou nomes históricos, como os deputados Arlindo Chinaglia (PT-SP), Alessandro Molon (PT-RJ) e Paulo Teixeira (PT-SP). O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) deixou o cargo de vice-líder do governo após apoiar a aprovação de uma nova regra para o fator previdenciário.

No Senado, o fenômeno atinge os senadores Paulo Paim (PT-RS), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Walter Pinheiro (PT-BA). Sem chances políticas futuras, a senadora Marta Suplicy, de São Paulo, deixou o PT e vai se filiar ao PSB. Na semana que passou, ela obteve uma importante vitória após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que os mandatos majoritários — senador, prefeito, governador e presidente da República — pertencem ao candidato, não à legenda. Com isso, o PT não pode requisitar o mandato dela para dá-lo ao segundo suplente.

Segundo apurou o Correio, boa parte destes parlamentares — senão a totalidade — vive um processo de desencantamento com os rumos da legenda e do próprio governo. No Senado, especialmente, é total. “Nem mesmo os senadores que têm votado com o governo agem desta forma por convicção. É mais um sentimento de que precisamos ajudar o governo do que uma convicção de que as medidas estão as alinhadas ao ideário petista”, disse um importante articulador do PT na Casa.

Por feriado, Câmara transfere para semana que vem votações polêmicas

• Para esta semana estão previstas votações de acordos e tratados internacionais firmados pelo Brasil com outros países

Agência Brasil – Correio Braziliense

Com o feriado de Corpus Christi na quinta-feira (4/6), o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), adiou para a semana que vem as votações de matérias consideradas mais polêmicas como é o caso do projeto de lei que altera as regras da desoneração da folha de pagamentos e de alguns pontos da reforma politica. Para esta semana estão previstas votações de acordos e tratados internacionais firmados pelo Brasil com outros países.

Cunha informou que pretende votar inúmeros projetos de decreto legislativo que tratam de acordos e tratados, parados na Câmara há muito tempo. Ao todo devem ser votados 20 acordos internacionais e um projeto de lei que cria o Prêmio Lúcio Costa de Mobilidade, Saneamento e Habitação na área de desenvolvimento urbano.

O acerto entre o presidente da Câmara e os líderes partidários para essas votações consensuais ocorreu em função do feriado de quinta-feira e de uma comitiva de deputados que estão viajando à Rússia e Israel. As votações devem começar nesta ainda hoje (1º). Entre os acordos a serem votados estão alguns relativos ao Mercosul, a cooperação técnica firmada entre o Brasil e Zimbábue, em 2006, e o acordo de previdência social assinado entre o Brasil e a Coreia do Sul, em 2012.

Além das votações de plenário, as comissões técnicas e especiais da Câmara terão atividades normais com votações de requerimentos, audiências públicas, apreciação de projetos e depoimentos. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras tem audiência pública marcada para amanhã (2), às 9h30, para ouvir o vice-presidente da construtora Mendes Júnior Trading Engenharia, Sérgio Cunha Mendes, e o diretor-presidente do Grupo Galvão Engenharia, Dario Queiroz Galvão Filho.

Votações estão dominadas por incoerência ideológico-partidária

• Flexibilização do fator previdenciário, cobrança da CPMF e fim da reeleição são exemplos

Humberto Siqueira - O Tempo (MG)

A mudança de posição do PSDB em votações recentes, em temas pelos quais já dedicou enorme esforço para defender e aprovar, reacendeu o debate sobre a incoerência do partido e, por tabela, também do PT. O empenho dos tucanos em derrotar o governo tem se demonstrado automático, independentemente da matéria a ser votada – algo parecido com o que o PT fazia no tempo em que era criticado pela oposição raivosa ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

O exemplo mais recente foi a votação da Medida Provisória (MP) 664 que, entre outras alterações, acabou por flexibilizar o fator previdenciário. Criadas em 1999 durante o governo tucano, as regras enfrentaram grande resistência do PT à época, que tachou a mudança como a “maior maldade” realizada por FHC. Onze anos depois, o então presidente Lula se viu obrigado a vetar o fim do fator previdenciário, incluído em uma medida provisória de reajuste do salário mínimo. A cobrança da CPMF e o fim da reeleição são outras duas questões em que também se percebeu mudança de postura.

Os tucanos justificam que o mecanismo deveria ser temporário. “O fator nasceu para auxiliar o equilíbrio da previdência num momento de transição. Ocorre que o PT foi incapaz de promover reformas desde que chegou ao poder”, justifica o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). O deputado tucano João Gomes (GO) admite a intenção de desgastar o governo. “É óbvio que há o componente político de colocar o governo Dilma em saia-justa”.

Na avaliação do ex-ministro e senador Delcídio Amaral (PT-MS), as votações das MPs foram cheias de contradições. “Ser governo tem ônus e bônus. Esse é o momento de pagarmos os ônus”.

A vice-líder da bancada do PT na Câmara, Margarida Salomão (MG), admite que a conjuntura muda e que ser governo exige mais responsabilidade. “O PSDB criou a CPMF para socorrer a saúde e depois votou para acabar com ela apenas para criar uma saia-justa para o governo. Em relação ao fator previdenciário, o PT sempre deixou claro que pretendia rever a fórmula em parceria com sindicatos. Hoje, colocam-se em xeque a Previdência e a aposentadoria de milhares de cidadãos para afetar o PT ou a presidente”, critica.

O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), candidato a vice-presidente na chapa de Aécio, saiu em defesa de seu partido. “Primeiro o PT tem que fazer uma autocrítica. Depois, tem que enquadrar o Lula e os movimentos sociais, que são as correias de transmissão contra o pacote de Dilma”.

Contradição aumenta quando se é ‘situação’

• O doutor em ciência política pela USP Renato Francisquini concorda que a incoerência é generalizada

Para o cientista político Gaudêncio Torquato, o momento sugere que os partidos não têm coerência. “Cada um defende interesses próprios visando à disputa pelo poder”, lamenta. “PSDB, PT e PMDB deveriam olhar pelo interesse nacional e buscar acordos suprapartidários. Estamos enfrentando uma crise moral, política, gerencial, hídrica, energética. Não precisamos de partidos e políticos fazendo o jogo do quanto pior, melhor”, acrescenta ele.

O doutor em ciência política pela USP Renato Francisquini concorda que a incoerência é generalizada. “FHC incrementou a carga tributária com a CPMF, embora tenha apertado o cinto na Previdência ao criar o fator previdenciário”, diz ele. “E o mesmo vale para o PT, que, em tese, não se oporia a uma carga tributária mais alta para financiar a saúde pública, mas votou contra a CPMF quando era oposição, ao passo que, sendo favorável a benefícios mais robustos para os aposentados, seguiu essa orientação e votou contra o fator previdenciário naquele momento”, compara.

Paradoxo também dentro das legendas

• Marcus Pestana pediu nova atitude para os parlamentares que votaram a favor da medida provisória

A contradição também se revela dentro de temas semelhantes. O PSDB votou em bloco a favor da terceirização, muito combatida por diversos sindicatos trabalhistas. Dos 46 deputados presentes, 44 votaram a favor. A repercussão foi negativa, e o partido até ensaiou uma mudança de postura. Mas ficou no ensaio. A estratégia para se desviar do desgaste político junto aos trabalhadores foi articular para derrubar as revisões nas concessões de seguro-desemprego e abono salarial propostas pelo governo como parte de um ajuste fiscal.

Em nota em seu site, o PSDB destacou seu esforço em derrubar a MP 665 e publicou o depoimento dos parlamentares mineiros Rodrigo de Castro e Marcus Pestana. “No momento em que todas as taxas indicam o aumento do desemprego, não é possível que vamos piorar ainda mais a vida dessas pessoas”, disse Castro.

Marcus Pestana pediu nova atitude para os parlamentares que votaram a favor da medida provisória. “Esse não é o ajuste que faríamos se estivéssemos no poder. A presidente Dilma está enfrentando efeito bumerangue e recebendo sua própria herança maldita”, disse. Para Arthur Virgílio (PSDB-AM), o brasileiro não pode sofrer mais danos. “É temeroso aprovar um projeto que retira garantias históricas do trabalhador”.

O senador Humberto Costa (PT-PE) rebateu severamente os tucanos. “O PSDB está contra os trabalhadores. A orientação partiu exatamente do presidente Aécio Neves. O partido diz uma coisa em público e se articula com o que há de mais conservador para enterrar conquistas trabalhistas”, acusou.

'Reforma não pode institucionalizar o caixa 2', diz Gilmar

Entrevista. Gilmar Mendes

• Em alusão a empresas que financiam campanhas eleitorais, ministro do Supremo critica modelo que está em discussão na Câmara

Talita Fernandes e Beatriz Bulla – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Na iminência de uma definição sobre a legalidade do financiamento empresarial de campanhas eleitorais - tema que está em discussão tanto no Congresso quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) -, o ministro Gilmar Mendes, da Corte, avalia que os desvios de contratos da Petrobrás já são "um financiamento público heterodoxo". Em entrevista ao Estado, o ministro diz temer a institucionalização do caixa 2 caso o financiamento público de campanha venha a ser aprovado, conforme já votou a maioria dos ministros no STF.

Se o financiamento privado de campanha for aprovado no Congresso, o sr. acha que isso inviabilizará a ação que tramita no STF? No caso de o Congresso Nacional promulgar emenda constitucional com o teor aprovado em primeiro turno pela Câmara dos Deputados, a questão da proibição do financiamento privado posta em debate estará afetada.

O Congresso deve concluir a votação antes do julgamento no STF, já que o sr. prometeu devolver o tema à pauta em junho?

É difícil saber como o Congresso vai encaminhar a questão. Acho importante ter pedido vista dessa matéria pois hoje nós sabemos muito mais do que sabíamos à época, quando estávamos decidindo, em abril de 2014. Estávamos talvez tomando até uma decisão em caráter um tanto quanto simbólico, emotivo. Não sabíamos que determinadas forças políticas tinham 3% de cada contrato da Petrobrás, que já é um verdadeiro financiamento público, só que de uma forma heterodoxa. E vai trazer complexa questão de termos de discutir lavagem de dinheiro com doações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Não sabíamos tudo o que aprendemos dessa matéria de prestação de contas. Vamos ter um debate muito mais qualificado sobre o assunto.

O que deve ser levado em conta na discussão do modelo de financiamento?

Podemos estabelecer que só haverá doações de pessoas físicas? Se nós temos dificuldade de fazer controle de 20, 30, 50 empresas grandes... Estas multas do mensalão (pagas pelos réus condenados no julgamento do caso) hoje sabemos que, muito provavelmente, parte foi paga com dinheiro do (doleiro Alberto) Youssef. Isso significa que, se nós adotarmos um modelo de doações privadas de pessoas físicas com teto relativamente alto, muito provavelmente vamos ter um sistema de laranjal implantado. É razoável isso? Estamos querendo depurar o sistema e vamos institucionalizar o caixa 2? Porque, veja, os partidos que dispõem de acesso à máquina governamental vão ter acesso a lista de nomes, aos CPFs e vão poder produzir doações.

Como seria essa produção de doações?

(Os partidos) Já obtiveram o dinheiro de forma irregular e vão fazer a distribuição de forma supostamente regular. E quem vai fiscalizar isso? Nós devemos ter muito cuidado para não piorar o processo, o sistema. A nossa capacidade de piorar é muito grande também. Voltando ao tema da Lava Jato, tudo indica que esses partidos, que são beneficiários desse sistema, têm o dinheiro. Eles têm dificuldade de regularizá-lo. Agora, distribuí-lo para 100 mil nomes eles têm condição de fazer. O dinheiro já está disponível. 'Ah, mas eles não têm coragem de fazê-lo.' Alguém duvida? Se eles estavam fazendo isso na Petrobrás de forma sistêmica e desde 2003.

O sr. disse recentemente que o STF se tornaria mais estável com a aprovação da PEC da Bengala. De que forma?

Estamos vivendo um momento institucional muito delicado. Com o Poder Executivo muito debilitado, sujeito a enormes pressões, e eu não gostaria de imaginar o que aconteceria no Supremo com cinco vagas à disposição (da Presidência) nesse contexto.

As pressões influenciam o Executivo nesse processo decisório de indicação ao Supremo?

Com certeza. São normais. Governar é coordenar, dirigir pressões. Faz parte do processo democrático. Mas estamos vivendo um momento de disfuncionalidade. Se tivéssemos discussões de vagas, nós entraríamos exatamente nesse centro das controvérsias e perderíamos talvez nossa condição de árbitro.

As decisões do governo vão trazer mais demandas ao STF?

Tivemos este caso do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), de ações restritivas de crédito e redesenho de uma política pública. Certamente vamos ter debates aqui sobre medidas do chamado ajuste fiscal envolvendo as ações do governo e do Congresso. Se olharmos - e os números estão aí -, vamos verificar que havia uma política de aumento da concessão de crédito no Fies com o objetivo de aumentar os alunos nos cursos superiores.

Em julgamento, o sr. mencionou o aumento do volume de recursos do Fies em ano eleitoral. Isso o preocupa?

No Tribunal Superior Eleitoral, temos uma jurisprudência de que determinados benefícios não podem ser aumentados ou criados de forma desarrazoada no ano eleitoral. Tivemos no ano eleitoral já: aumento de Bolsa Família, esse caso do Fies. E quem vai controlar isso? Se o Ministério Público não atua, e não atuou, notoriamente, a oposição também fica algemada porque ela não vai criticar um benefício e ser acusada de estar contra os pobres. É um dilema.

O STF vai julgar a Lava Jato pouco depois de ter analisado o mensalão...

O que se vem revelando é algo muito mais sério do que o mensalão, que, aparentemente, funcionou concomitantemente com o mensalão e por um período alongado. Fico com a sugestão de que esse é um modo de lidar com o dinheiro público, de como se entende a forma de governança.

'Vivemos hoje a maior crise da esquerda desde o golpe de 64'

Entrevista
Randolfe Rodrigues - Senador pelo Amapá (Psol)

Iniciado na política pelo PTe formado pelas Comunidades Eclesiais de Base, o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) diz que a saída contra a crise e o crescimento do conservadorismo passa pela coalizão de forças progressistas democráticas e populares: "Engana-se quem pensa que o naufrágio do PT é solitário. É um naufrágio que levará toda a esquerda a uma fragorosa derrota". Randolfe prega uma posição clara frente a "esse movimento de viúvas de regime autoritário" e diz que o principal agente do conservadorismo é "o sr. presidente da Câmara dos Deputados", Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O senador elogia a competência técnica do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas acha que ele está no lugar errado: "Levy é um técnico muito competente no mercado financeiro, não para o setor público".

Edla Lula, José Negreiros - Brasil Econômico

Que saída o sr. vislumbra para a situação que temos hoje, de governo fraco e falta de alternativas?

Faço primeiro a constatação de que nós vivemos uma crise gravíssima de vários precedentes e de diferentes matrizes no Brasil: há uma crise política, uma crise econômica e uma crise moral. A constatação de que há esta crise moral e ética é o fato de as pessoas não acreditarem em instituição alguma, nem nos políticos. E temos que admitir que há uma responsabilidade direta do Partido dos Trabalhadores nos contornos desta crise. Temos que reconhecer que vamos ter 16 anos pelo menos de um governo que se inaugurou como de centro-esquerda. E que nesse período houve uma parcela da sociedade brasileira que ascendeu devido principalmente ao consumo. Mas esse foi o principal erro da esquerda conduzida pelo PT. A ascensão pelo consumo não educa. O PT nasceu como um partido educador e transformador. A ascensão econômica, principalmente pelo consumo, resultou no que nós estamos vivendo hoje, que é a maior ofensiva conservadora da história desde o golpe de 64. Ascendemos ao poder com um projeto de poder, e não com um projeto de sociedade. Aqueles que ascenderam pelo consumo são os mesmos que hoje batem panelas e fortalecem a onda conservadora contra o PT. Vivemos hoje a maior crise da esquerda brasileira desde o golpe de 64.

Ao cometer erros na economia, o PT fomentou o panelaço?

O PT tem que fazer a autocrítica dos erros cometidos nesses 12 anos. Ao passo que temos que reconhecer os seus méritos, como a ascensão de uma nova classe média e de uma parcela da camada mais pobre que nunca tinha tido direitos, principalmente nos anos do PSDB. Essa polarização PT-PSDB que está aí desde a redemocratização tem que se esgotar. O próprio PT está dando sinais de esgotamento. Os dois partidos se constituíram no nascimento da redemocratização como duas referências inovadoras na política brasileira — o PSDB com uma proposta social-democrata, assim como o PT, na sua evolução — e acabaram naufragando em seus próprios erros. Os erros do PT e do PSDB são verso e contraverso da mesma moeda: se no PT tem o escândalo do mensalão, no PSDB houve o escândalo da reeleição. Foi um outro mensalão que não teve na grande mídia a mesma repercussão do mensalão petista, mas que foi também um escândalo. O PSDB fez um giro lamentável para a direita nos anos 90.

Qual a saída que o seu partido, o Psol, apresenta para o futuro?

O Psol sozinho não será protagonista de uma alternativa para o futuro. Diante desta crise, a alternativa tem que ser de uma coalizão de forças progressistas democráticas e populares. O Psol pode e está cumprindo o seu papel, mas sozinho não cumprirá. O Psol não pode se achar o dono da verdade absoluta e a alternativa redentora da esquerda. O PT outrora assim se propunha, e deu no que deu. O Psol tem que ter a humildade de aceitar ser parte de um todo. Temos que unir os diversos setores da sociedade.

Quem comporia essa coalizão?

Tarso Genro, Lindbergh Farias, Walter Pinheiro e Paulo Paim são pessoas que têm posições criticas dentro do próprio PT. Considero fundamental dialogar com personalidades como Roberto Requião (PMDB-PR). Um amigo e irmão que é uma importante liderança política é o Pedro Simon (PMDB-RS). Temos que buscar esses atores. Temos que ter a clareza de que é necessário dialogar com amplos setores, com o PCdoB e setores do PSB. Eu vejo o PSB em um processo de fusão caminhando na direção da direita. Mas existem pessoas descontentes dentro do PSB, como o ex-presidente Roberto Amaral, a deputada Luiza Erundina (SP), a senadora Lídice da Mata (BA), o deputado Glauber Braga (RJ). A alternativa não estará em um só ator nem em um só partido político.

Já existe um movimento mais amplo formado por pessoas e instituições que assinaram um manifesto contra a política econômica...

Nós, do grupo dos 11 senadores, subscrevemos esse manifesto e constituímos o movimento aqui no Senado para receber o que estava vindo com a insatisfação da sociedade civil. Boa parte desse movimento apoiou a presidenta Dilma Rousseff no segundo mandato. A CUT, o MST e intelectuais como Ladislau Dowbor prepararam o manifesto criticando as opções políticas, e em especial as opções econômicas do segundo mandato da presidenta Dilma. Esse é o caminho, quero estar conectado com isso. A ideia é fazermos um segundo manifesto para ser divulgado dentro em pouco. Vamos combinar: o ministro Levy seria ótimo para um governo do PSDB ou do DEM, mas não para um governo que fez campanha à esquerda, prometendo avançar em mudanças já ocorridas. Esse avanço jamais poderia ser com um ministro da Fazenda vindo do Bradesco.

Que problemas que o sr. vê nisso?

Na campanha foram corretamente criticadas as escolhas políticas de Marina e de Aécio de terem assessores econômicos ligados aos grandes bancos. Estamos há 20 anos vivendo um momento em que só banco ganha. A indústria retrocedeu 3%no último trimestre, o desemprego está em 6,8%. Essas medidas de ajuste fiscal só vão ampliar o fosso da desgraça para os trabalhadores. Segundo o Dieese, somente a ampliação do prazo no acesso ao seguro-desemprego vai deixar quase 4,5 milhões de trabalhadores sem emprego no decorrer do ano. É paradoxal: no momento em que o desemprego aumenta, dificulta-se o acesso ao seguro. Essas medidas de ajuste fiscal não apontam horizontes. O pior — para as pessoas, para o país e para uma geração — é não ver horizonte adiante. O pior dessa situação é que o caminho natural é aprofundar a recessão. Quando se retiram investimentos, com o corte de R$ 69,9 bilhões do orçamento, se reduzem direitos trabalhistas, aumenta a taxa de juros, enfraquece-se a indústria. Cria-se um ciclo vicioso que vai levar o ano de 2015 à recessão e vai entrar em 2016 nesta circunstância. Engana-se quem pensa que o naufrágio do PT é solitário. É um naufrágio que levará toda a esquerda a uma fragorosa derrota e levará ao fortalecimento dos setores conservadores.

Quais as alternativas?

Primeiro tem que parar de falar do imposto sobre grandes fortunas, e fazer o imposto. O governo tem que mandar para o Congresso essa proposta. Os cálculos que projetam a arrecadação com o imposto sobre grandes fortunas apontam para R$ 90 bilhões. O arrocho fiscal contra os trabalhadores não chegou a R$ 20 bilhões. A operação Zelotes mostrou que o total das fraudes resultaria em R$ 20 bilhões tirados dos cofres públicos. O senador Otto Alencar (PSDBA) falou muito corretamente que pode começar a cobrar imposto do pessoal que está na Avenida Paulista, que não será necessário punir os trabalhadores. A CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) de empresas poderia ser ampliada. A taxação dos bancos também. O que não pode é a conta sempre cair no lado mais fraco.

Se o sr. estivesse na cadeira da presidenta, o que faria?

Reconheço que o Brasil virou o ano com um déficit acima da média, de 6,7% nas contas públicas. É bom que se diga que esse déficit se deve aos erros do próprio governo, como aquela medida de desonerar o grande capital. Se eu estivesse no lugar da presidenta, faria um diálogo nacional, colocaria a situação e faria a autocrítica dos erros cometidos. Tem que ampliar a CSLL, aumentar a taxação dos bancos, ampliar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e até criar uma taxação sobre a movimentação financeira para os ricos. Criamos a CPFM, que atingiu a classe média, mas tinha que haver uma taxação direta sobre esses setores. Não dá para entender porque aumentou a taxa de juros no Brasil. Ampliando a taxa de juros, amplia-se o estoque da própria divida. Contenção de inflação não se faz com ampliação de taxa de juros. Temos que acabar com essa receita de uma nota só, ortodoxa. Toda vez, para conter a inflação, aumenta-se a taxa de juros. Isso só beneficia os bancos. A inflação é de dois tipos. Há a inflação de preços administrados, que o governo tem como controlar, e a de safra. O que a taxa de juros altera no preço administrado e na safra? Vai fazer chover mais?

O sr. faz críticas a Levy e ao mesmo tempo fala dos erros do primeiro mandato, em que a Fazenda foi conduzida por Guido Mantega, heterodoxo...

Não questiono a competência do atual ministro da Fazenda. Levy é um técnico muito competente para o mercado financeiro, mas não para o setor público. Ele tem a perspectiva de uma escola que ficou conhecida como "Chicago boys" (alunos de Economia da Universidade de Chicago, influenciados por Milton Friedman, para quem a principal causa da inflação era de origem monetária), uma escola que adota modelo de redução do Estado e modelos econômicos cuja regra tem sido o fracasso. A faculdade de Economia da Universidade de Chicago forma para o mercado financeiro. Não critico as medidas de crescimento do ministro Mantega. Critico e acho que foi um erro a desoneração das grandes empresas. Houve também outras medidas que ocorreram artificialmente, uma delas foi a questão energética. Houve uma sustentação artificial dos preços da energia, quando não tinha como sustentar. Houve o problema da corrupção na Petrobras, onde o principal problema foram decisões temerárias. Adoraria uma refinaria no Amapá, mas as refinarias que o governo inaugurou não tiveram rentabilidade nenhuma. Os investimentos da empresa criaram o déficit de caixa da Petrobras, que também tem consequências no déficit do país.

O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, adotou medidas ortodoxas e foi reeleito...

A vitória do Cameron tem suas próprias contradições. O partido conservador alcançou a maioria sozinho. Mas tem o fenômeno em que o segundo partido é o Partido Nacional Escocês, e daqui a pouco vai voltar à pauta o tema da separação da Escócia. E o Cameron ainda não adotou as medidas recessivas de diminuição do Estado. Eu quero trazer à tona a questão da Europa, que tomou medidas recessivas e o efeito foi contrário. A Espanha está afundando e o Podemos (partido espanhol de esquerda) poderá ser a alternativa política. Na Grécia, as medidas ortodoxas levaram o país ao fundo do poço e, por isso, Syriza ascendeu por lá. A França tem crescido pouco e está caminhando para a recessão. Os EUA tomaram medidas keynesianas e optaram por um caminho diferente com o Obama, e estão retomando o crescimento. A China tem uma poupança enorme, que até quer trazer para cá. Na Europa e na América Latina, estamos tendo retrocesso, e não crescimento, porque boa parte dos países está agora adotando a ortodoxia.

Como o sr. vê esse movimento conservador, que cresce também no aspecto moral e político, com propostas como a redução da maioridade penal e a rejeição ao casamento de pessoas do mesmo sexo?

O movimento conservador tem um prócere no Congresso Nacional que se chama Eduardo Cunha (deputado federal, presidente da Câmara, PMDB-RJ). Se tem alguém que representa o atraso do atraso do atraso, é o senhor Eduardo Cunha. Esse senhor Eduardo Cunha tem que ser detido. Representa tudo o que não presta na política brasileira. Entrou na política pelas mãos de PC Farias, personagem de um dos piores escândalos da história do país. Onde tem coisa ruim, o Eduardo Cunha está. Onde tem retrocesso e ameaça a direitos, ali está ele. E onde tem corrupção, está lá ele. Ele pensa que faz tudo na República. Ameaça o procurador-geral, recusa-se a ser investigado, pensa que está acima de tudo e de todos. Extorque e chantageia governos. Temos que ter uma posição clara em relação a esse movimento ultraconservador de viúvas de regime autoritário. Eles têm representação dentro do Congresso e não é só o PSDB. O principal agente de oposição ao governo e de fortalecimento desses movimentos conservadores é o senhor presidente da Câmara.

E o confronto aberto entre o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a presidente Dilma?

O Legislativo tem que ser independente. Essa independência não pode ser circunstancial. Quero que o presidente do Senado continue numa linha de fazer frente aos projetos que são contra os trabalhadores. Ele se colocou contra o ajuste fiscal. É importante essa postura também em relação à terceirização. Existe uma diferença entre a posição de Renan e a do presidente da Câmara, que é claramente de chantagear o Executivo.

Renan não chantageia?

O presidente do Senado tem uma chance importante agora para sua biografia, de se redimir dos erros e pecados do passado. Torço para que essa postura que ele inaugurou seja mantida. Significa nem tanto ao céu, nem tanto à terra, sem ofensa ao Executivo, mas com independência. O desafio para o presidente do Congresso é manter essa postura. Não votei nele para presidente do Senado, votei no Luiz Henrique. Mas se ele mantiver uma postura que seja de independência, resguardando os direitos do plenário, como deve proceder um magistrado do Congresso, ele se redime de erros e pecados cometidos em sua trajetória. Renan tem uma chance importante agora de não se misturar com Cunha. Ele pode tomar atitudes inversas às que tem tomado Cunha, que declarou guerra ao procurador-geral da República por estar sendo investigado.

Como analisa a maneira como o presidente da Câmara conduziu a votação da reforma política?

Foi o exemplo concreto de como ele representa tudo o que há de atraso. Ele usou uma manobra regimental para passar duas questões de seu interesse no Congresso. Depois de ter sido derrotado, conseguiu passar o financiamento privado de campanha na reforma política e também incluiu como contrabando na MP 668 o "parlashopping", com o claro interesse de atender ao interesse privado. Essas são duas manobras que retratam o que ele representa. Por isso que eu reitero: Eduardo Cunha é o escárnio à Nação. A reforma política que ele propõe é uma contrarreforma, é recessiva, contra o que temos de democracia. Ele propunha distritão, uma coisa que só tem em três lugares do mundo. Ele quer, a todo custo, institucionalizar o financiamento privado de campanha. Se o Cunha diz que é inocente da Lava Jato, propor a institucionalização do financiamento privado é a confissão de culpa.

Qual seria a reforma ideal?

Estou apostando muito em propostas que a Coalizão por uma Reforma Política e Democrática (constituída por movimentos sociais liderados por CNBB e OAB) apresentou. São as melhores para aperfeiçoamos a democracia. O voto proporcional em dois turnos é mais adequado porque mantém o princípio da proporcionalidade e acaba com aquela história de uma personalidade eleger outros que não têm votos. Segundo, o Congresso tinha que ter a coragem de acabar como financiamento privado de campanha, mas acho que isso não vai acontecer nunca. Essa seria a mãe de todas as reformas: acabar com o financiamento privado, que hoje tem sido pai e mãe de todos os escândalos de corrupção. Outra coisa, os partidos pequenos têm que ter a vocação de crescer. É inadequado termos uma disputa presidencial em que tenha candidato levando para o debate órgão sexual, como houve na última disputa presidencial. É preciso colocar um freio de arrumação nos partidos de aluguel. O Psol e o PCdoB têm que compreender que eles têm que crescer. Não podem conviver no mesmo grupo e plêiade de partidos que colocam preço a cada eleição.

Na MP que restringiu o abono salarial, a vitória do governo foi apertada. Como o sr. analisa essa forte reação ao governo?

É um equilíbrio de forças. A boa nova de tudo isso é uma dissidência, formada por um grupo parlamentar progressista de esquerda, suprapartidário, que está fazendo diferença. Cumpriu o seu papel de pressionar o governo e se posicionar contra as propostas. Fico mais à vontade por estar na companhia desses 11 parlamentares, gente como Walter Pinheiro, Paulo Paim, o PSB de Lídice da Mata, do que ao lado do PSDB ou do DEM. As lideranças desses dois partidos não têm coerência para criticar medidas contra o trabalhador. Durante o governo do PSDB, houve medidas de igual gravidade contra os trabalhadores. Nenhuma liderança do DEM tem condição de falar contra a retirada de direitos dos trabalhadores. O DEM é herdeiro do PDS e do PFL. Era o partido base do Centrão (frente parlamentar conservadora), contra os trabalhadores na Constituinte.

Como católico, qual a sua posição diante de temas defendidos pelos conservadores?

Para a Igreja Católica, a melhor coisa que surgiu nos últimos tempos foi o Papa Francisco. Ele foi a salvação de uma Igreja enquanto comunidade. Nos últimos anos, houve um retrocesso enorme comas teorias mais conservadoras avançando na Igreja. O Papa Francisco faz a redenção da Teologia da Libertação. Fez a beatificação de Dom Oscar Romero, iniciou o processo para beatificar Dom Hélder Câmara, que são referências de uma igreja voltada aos pobres. As concepções que estão querendo colocar na pauta conservadora da Câmara sequer dialogam com a identidade cristã. Elas dialogam com o ódio. Se dizem concepções religiosas, mas são fundamentalistas. Não acredito em um Deus que só pensa no castigo.

Os movimentos das ruas em 2013 já sinalizavam esse conservadorismo?

Se em2013 o governo tivesse dado respostas e apontado caminhos, não haveria esse retorno às ruas agora com bandeiras conservadoras e alguns com proclamações fascistas e pedidos de intervenção militar. O movimento de 2013 pelo menos tinha um quê de progressista, porque exigia direitos legítimos, como mobilidade, educação e saúde. Mas não houve resposta concreta. Hoje quem continua mandando no sistema de transporte no Brasil são os mesmos empresários de ônibus de sempre.

Os cinco pactos propostos pela presidenta foram esquecidos?

Dos cinco pactos, o único que eu saúdo e acho que avançou foi o Mais Médicos. Mas deveria haver outros passos, como a ampliação dos investimentos em saúde, aprovar os 10%da Receita Bruta do Orçamento para saúde. Ainda padecemos de uma chaga que são os 9% de analfabetos na população brasileira. Um governo progressista e transformador, como se propunham a ser os dois governos do PT,deveria ter feito o crescimento pelo consumo, mas não poderia abrir mão de um pacto para até 2015 declarar o Brasil livre do analfabetismo. É uma medida simples, mas transformadora. Vamos sair desse governo de centro-esquerda com o seguinte ensinamento: não adianta promover as massas somente pelo consumo, se não tiver um projeto transformador de sociedade.

Que líderes políticos o sr. acha que representariam esse projeto transformador?

O Lula se constituiu como a principal liderança da esquerda não só pela sua história, mas também pelos seus governos. Mas existe hoje um desgaste enorme do PT, que pesará sobre ele também. Aécio enfrentará no PSDB o Alckmin, que está construindo sua candidatura presidencial. Há espaço para alternativas, mas se configura um quadro de escassez de lideranças. Por isso, a alternativa será a busca conjunta dos setores que se identificam com a esquerda.

E Marina e o PSB, que tiveram quantidade expressiva de votos em 2014?

O crescimento do PSB em 2014 foi em torno de Marina, que aparentemente não está umbilicalmente conectada com o partido. Ela vinha de outro projeto que era a Rede. Criei condições para apoiar a Marina, caso ela fosse para o segundo turno. Como não foi, opinei que o melhor apoio não seria o PSDB. O apoio à candidatura do PSDB jogaria fora a alternativa de terceira via. Foi um erro dela o apoio à candidatura do PSDB. A posição mais adequada seria a de independência, para manter viva uma alternativa da terceira via.

O sr. é relator da CPI do HSBC. Por que as discussões estão paradas?

Vão avançar agora. Conseguimos marcar para esta semana o depoimento de Henry Hoyer, que hoje está ligado à Operação Lava Jato (era um dos operadores do esquema de corrupção na Petrobras, junto com Alberto Youssef) e teve sua conta também relacionada no HSBC. Temos pouco material, mas temos os elementos necessários para que a CPI avance. O caso do HSBC não é um escândalo qualquer. É o maior escândalo de evasão fiscal do mundo. E o Brasil é o protagonista desse escândalo. É o quarto em número de correntistas e o nono em movimentação financeira. A movimentação financeira no Brasil é superior às dos xeques da Arábia e de uma centena de outros países. O que apuramos até agora com o depoimento de especialistas e do secretário da Receita Federal (Jorge Rachid) é que nós temos uma rede de depósitos de contas no exterior. O Brasil não tem controle quase nenhum sobre isso. Só nesta agencia do HSCB na Suíça, são US$ 7 bilhões.

Aécio Neves - Crise social

- Folha de S. Paulo

A crise que o Brasil enfrenta não é apenas moral e econômica. Ela vai se confirmando também como social. Enquanto o governo reluta em reconhecer a existência da primeira, deliberadamente fecha olhos e ouvidos para a segunda.

O último reajuste concedido ao Bolsa Família foi anunciado há mais de um ano, não por acaso, véspera do período eleitoral. A realidade de hoje joga por terra os números do discurso do governo, que foi alimentado por uma milionária campanha publicitária que apontava quantos brasileiros teriam deixado a miséria no país.

O desemprego chega a milhares de lares brasileiros e nunca os slogans do governo foram reduzidos tanto a meras peças de ficção, totalmente descolados da vida real da população como agora.

Aqui, a "Pátria Educadora" é a mesma que restringe o Fies e corta o Orçamento da educação, ignorando a tragédia da má qualidade do ensino.

O crescimento prometido simplesmente desapareceu. A economia parada aumenta a insegurança dos brasileiros envolvidos pelo sonho prometido do crédito farto, fácil e barato, que agora vem cobrar o seu preço, com os juros (de novo) na estratosfera e milhares de famílias endividadas.

As providências são mais do mesmo, sem que o governo saia da sua zona de conforto. Para tanto, melhor trabalhar com o chapéu alheio: aumento da carga tributária e corte de investimentos públicos essenciais à sociedade. Nenhum sinal de apreço à austeridade, como a redução das dezenas de ministérios ou extinção dos milhares de cargos de livre nomeação, ocupados pelos ativistas e militantes, em longo e dramático processo de aparelhamento do estado nacional.

A impressão é de que os problemas surgiram por geração espontânea. Ninguém decidiu sobre a política econômica adernada em equívocos primários, irresponsabilidades e descrédito! Ninguém nomeou os que tomaram de assalto o estado nacional e ninguém ordenou a subtração dos bilhões em propina nas obras e nos contratos das estatais.
A verdade é que o país se cansou da crônica terceirização de responsabilidades e espera apuração rigorosa e punição dos que erraram, para finalmente virar esta página triste da nossa história.

Não posso deixar de registrar reportagem publicada neste domingo (31) pelo jornal "O Globo", que trouxe um ranking da miséria no país.

Constatar que Minas Gerais é o Estado que, apesar das contradições regionais, possui a menor proporção de pessoas em situação de miséria no Sudeste e a sexta menor do país, reafirma a minha convicção sobre a importância do trabalho sério realizado no Estado nos últimos anos, incluindo as parcerias feitas com as diferentes esferas de governo e, sobretudo, com a sociedade.

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Aécio Neves é senador e presidente nacional do PSDB

Ricardo Noblat - Il Padrino!

• Lula quer ser lembrado como o “pai dos pobres”. E não como o chefe dos mensaleiros.

- O Globo

Em um sábado de junho, há exatos 10 anos, depois de tomar uns tragos a mais na Granja do Torto, uma das residências oficiais do presidente da República em Brasília, Lula falou em renunciar ao mandato.

Acabara de saber que o publicitário Marcos Valério, um dos operadores do mensalão, ameaçava envolve-lo no escândalo. A informação vazou no fim da tarde. Soube por um ministro. E a postei no meu blog.

Aquela foi a primeira vez que Marcos Valério pediu dinheiro ao governo para não contar o que sabia.

Avisado em São Paulo onde passava o fim de semana, José Dirceu, na época ministro-chefe da Casa Civil da presidência da República, voou às pressas a Brasília com a missão de apascentar Lula e de garantir o silêncio de Valério.

Conseguiu. Mais tarde, o dinheiro pedido acabou entregue.

No segundo semestre de 2006, Valério voltou a atacar. Procurou o senador Delcídio Amaral (PT-MS), então presidente da CPI dos Correios que investigava o caso do mensalão.

Queixou-se de estar quebrado. Acumulava dívidas sem poder honrá-las. Seus bens haviam sido bloqueados. Caso não fosse socorrido, daria um tiro na cabeça ou faria com a Justiça um acordo de delação premiada.

Delcídio pediu uma audiência a Lula. Recebido no gabinete presidencial do terceiro andar do Palácio do Planalto, reproduziu para o presidente o que ouvira de Valério.

Em silêncio, Lula virou-se para uma das janelas do gabinete que lhe permitia observar parte da vegetação do cerrado. O silêncio durou menos do que pareceu a Delcídio. Lula estava fisicamente abatido.

Então perguntou ao senador: "Você falou com Okamoto?" Delcídio respondeu que não. E Lula mais não disse e nem lhe foi perguntado. Seria desnecessário.

Paulo Okamoto era uma espécie de tesoureiro informal da família Lula. Hoje, é o presidente do Instituto Lula, local de despacho do ex-presidente em São Paulo. Delcídio, que nega o encontro com Lula, falou com Okamotto. E bastou.

Naquele mesmo ano, Valério gravou um vídeo com partes da história do mensalão que comprometem Lula. Fez quatro cópias. Deu três a Renilda, com quem era casado. E mandou uma para quem mais poderia se interessar por ela.

Ordenou a Renilda que entregasse as três copias aos jornais O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo caso ele desaparecesse ou fosse morto.

Faltou alguém em Nuremberg! Faltou alguém na denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a "organização criminosa" que tentou se apossar do aparelho do Estado.

Desviou-se dinheiro público. Comprou-se o apoio de partidos. Subornaram-se deputados para que votassem como o governo queria. E eles votaram.

Ao O Estado de S. Paulo, depois de ter deixado o governo, Dirceu disse que nunca fizera qualquer coisa sem que Lula soubesse.

À Playboy, afirmou que Lula jamais daria um cheque em branco a qualquer pessoa.

A mim, contou que Delúbio Soares era amigo de Lula, dele não. A um parlamentar, segundo a VEJA, desabafou: “Lula devia falar das visitas que o Valério fez à Granja do Torto”.

O STF condenou Dirceu por chefiar a quadrilha dos mensaleiros e por corrupção. Em seguida o absolveu do primeiro crime.

O processo do mensalão passará à História como o que condenou o maior número de pessoas por corrupção – 25, entre elas Marcos Valério, sujeito à pena de 37 anos, a maior.
E também como aquele onde uma organização criminosa agiu sem que ninguém a chefiasse. Está para se ver.

José Roberto de Toledo - Parlamentarismo de ocasião

- O Estado de S. Paulo

Eduardo Cunha comanda a Câmara como um trator, soterrando quem se opõe, porque é o presidente do sindicato dos deputados federais. Acima de qualquer outra coisa, representa os interesses da categoria. Não é a primeira vez que essa coincidência ocorre. Sua diferença em relação a um Severino Cavalcanti ou um Inocêncio Oliveira é que Cunha não vem do baixo clero. Cunha é cacique, mas faz política olhando para os índios.

A reforma política de Eduardo Cunha não é uma reforma, nem sequer chega a ser política. É apenas a adequação das regras eleitorais aos interesses da maior parte dos deputados. A maioria usa dinheiro de empresas nas campanhas? Garanta-se que o Supremo Tribunal Federal não consiga proibir esse financiamento. Deputados ficam vexados quando se divulga o quanto receberam e de quem? Oculta-se a relação, camuflando-a de doação ao partido.

Os deputados querem ter mais chances de virar prefeito ou governador? Proíbe-se a reeleição de prefeitos e governadores. E faz-se tudo isso sob o discurso de que se está contemplando apenas o desejo da sociedade, atendendo à população que foi às ruas para pedir mudança em 2013. Pouco importa que não havia nas marchas de então nem sequer um cartaz clamando por financiamento eleitoral de empresas. O discurso é só discurso.

Nem por isso deixa de ter lá sua legitimidade. Como diz Cunha, ele não votou 330 vezes por fixar na Constituição as doações eleitorais de empresas. Foram outros 330 deputados, mais do que três quintos da Câmara. Votaram assim porque era o que seus eleitores queriam? Se não atenderam à maioria de seu eleitorado, atenderam à parte que manda: eles próprios e seus financiadores.

Não se deve demonizar alguém apenas por votar da maneira que mais lhe favorece. Afinal, o eleitor é, antes de tudo, um pragmático. Ele vota em quem lhe oferece mais vantagens – ou em quem ele acredita que vá fazer isso, o que nem sempre é igual. Os deputados não são diferentes.

Se puderem, sempre votarão em benefício próprio. Salvo quando há uma força antagônica que atue como moderadora de apetite e barganhe algo amargo por algo doce.

Em geral, essa força é o Executivo. Como tem de atender a seus próprios interesses – que nem sempre coincidem com o interesse imediato dos deputados –, todo e qualquer governo tenta impor uma pauta de votações ao Congresso. Em troca, oferece cargos, o pagamento de emendas ao Orçamento-Geral da União ou argumentos mais palpáveis. Mas há ocasiões em que o governo está tão fraco e desarticulado que nada disso basta para emplacar sua pauta.

Nessas situações, o presidencialismo de coalizão vira um parlamentarismo de ocasião. E o presidente da Câmara, se for hábil o suficiente, consegue criar uma agenda própria e impor sua vontade ao Executivo, sob a ameaça de derrotá-lo em plenário. Durante grande parte do governo Sarney, Ulysses Guimarães tinha mais poder do que o presidente da República. Cunha não chegou lá, mas está tentando. Há um problema, porém.

Cunha deve ter ambições eleitorais no Rio de Janeiro, mas sua prioridade é sobreviver politicamente. E sua sobrevivência está ameaçada pela Operação Lava Jato e pela Procuradoria-Geral da República. Quem vai comandar a instituição que pode abreviar a carreira política do presidente da Câmara e como vai exercer esse comando são o que mais importa para Cunha.

“Distritão”, redução da maioridade penal para 16 anos e outros bodes entraram na sala porque são meios para um fim: dissimular as prioridades do presidente da Câmara e produzir munição para ele pressionar o Executivo. Um exemplo? Influir no nome que Dilma Rousseff indicará como procurador-geral da República quando o mandato de Rodrigo Janot chegar ao fim.

A falsa reforma política foi só uma moeda nessa conta. Ajudou os deputados e, por tabela, fortaleceu Cunha. O resto é discurso.

Valdo Cruz - O raivoso e a incompreendida

- Folha de S. Paulo

É, Dilma, por vias tortas, tinha razão. Vejamos. Não é de hoje que ouvimos que a mãe de todas as reformas é a da política. E não é de hoje que ficamos decepcionados sempre que o Congresso ensaia votar uma nova proposta.

Não foi diferente desta vez. Ainda em sua fase inicial, a reforma política em votação na Câmara não passa de um mero atendimento de interesses corporativos dos parlamentares de plantão. Jamais dos do país.

Quando propôs um plebiscito para aprovar uma Constituinte exclusiva a fim de reformular as regras da nossa política, Dilma apanhou feio tanto de aliados como da oposição.

Afinal, viram na ideia, com razão, uma tentativa da petista de transferir para o Congresso o desgaste em sua imagem provocado pelas manifestações de rua de junho de 2013.

Infelizmente, como o tema não desperta grande emoção nos protestos de rua, a proposta foi engavetada pelos senhores congressistas, que seriam as vítimas da ideia.

Diante da nova decepção em curso, fica provado que nunca teremos uma reforma política digna do nome enquanto seus autores forem apenas os atuais parlamentares. As ruas que despertem para tal fato.

Empresários e aliados avaliam que o ex-presidente Lula voltou no tempo, um tempo em que vestia o figurino de um sujeito raivoso, preconceituoso, radical. Um estilo que abandonou para ganhar a Presidência pela primeira vez em 2002.

Pelo menos um amigo o alertou para os riscos de sua recaída no velho estilo raivoso. Disse que suas críticas à terceirização, por exemplo, foram exageradas. Lula não gostou muito dos reparos, mas como respeita o amigo baixou a bola.

O petista, na verdade, acuado pela Operação Lava Jato e vendo seu PT naufragar, decidiu falar para dentro e tentar melhorar o moral de sua tropa. Mas corre o risco de afundar junto com seus companheiros.

Marcus Pestana - Réquiem para a reforma política

- Jornal O Tempo (MG)

A crônica da morte anunciada se materializou. Confirmando a profecia dos céticos, a “montanha pariu um rato”. Criou-se uma enorme expectativa na sociedade brasileira em relação a uma suposta reforma política, embora seja falso afirmar que essa demanda fosse um ardente clamor popular. A começar pela presidente Dilma, que respondeu às históricas jornadas de junho de 2013, que se deram em torno da indignação com a corrupção sistêmica e institucionalizada, da péssima qualidade da educação, da saúde, da mobilidade urbana e do transporte coletivo, propondo a tão decantada reforma política.

O resultado das votações da semana passada na Câmara dos Deputados produziu uma caricatura, um arremedo de reforma, com mudanças pífias – uma não reforma, uma reforminha que não merece o nome. Ou seja, todos acham que há uma necessidade urgente de mudar, e realmente há, mas tudo continuará como está. A inércia conservadora do status quo, o medo do novo venceram uma vez mais. Fracassamos e perdemos talvez a última chance de reformar nosso sistema político, eleitoral e partidário.

O país e a democracia brasileira precisam de uma verdadeira reforma que aproxime a sociedade de sua representação política, barateie as campanhas, diminuindo o peso do poder econômico, fortaleça os partidos e as instituições, melhore o já deteriorado clima para a governabilidade e a boa governança, que hoje é conduzido pela formação de maiorias eventuais, e não programáticas, num detestável festival de clientelismo, patrimonialismo, corrupção, chantagens, concessões e troca de favores.

O disfuncional sistema eleitoral continuará o mesmo. Todas as alternativas, inclusive a minha proposta de distrital misto, foram derrotadas. As regras de financiamento continuarão muito parecidas. O fim das coligações proporcionais, que daria consistência e autenticidade ao quadro partidário, foi derrotado. A cláusula de desempenho, que contribuiria para corrigir a artificial e problemática pulverização de partidos e a fragmentação excessiva do Parlamento, também jaz derrotada. Nas próximas semanas, deverão ser também derrotadas a coincidência de mandatos, os cincos anos de mandato e a cota para mulheres. 

Resumo da ópera: a tão almejada e propalada reforma se resumirá ao fim da reeleição e à mudança da data da posse para salvar o réveillon de todos, porque ninguém é de ferro. Fala sério! Não vamos enganar as pessoas, fracassamos, e a reforma política necessária ficará cada vez mais distante e inviável.

O fracasso tem três causas básicas. A ausência de autoridade e liderança de Dilma, que está se tornando cada vez mais uma presidente fantasma, ausente; a fragmentação já excessiva do Congresso, com 28 partidos presentes na Câmara; e a guerra medíocre entre PMDB e PT em torno do famigerado distritão, que produziu estranhos acordos paralisantes.

Quem sabe o Senado Federal ou a legislação infraconstitucional salve minimamente a lavoura?

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Marcus Pestana é deputado federal e presidente do PSDB de Minas Gerais