Um centro fora do eixo?
Os partidos tradicionais seguem na contramão dos anseios da população, ao apresentar alternativas eleitorais que representam velhos e surrados métodos de fazer política. O resultado é o desalento do eleitor, hoje em busca de um candidato que personifique o novo
Rudolfo Lago, Ary Filgueira, Tábata Viapiana | Revista IstoÈ
Os brasileiros já deram caudalosas demonstrações de que estão em busca de um candidato capaz de encarnar a renovação política. Alguém dotado de credibilidade, sobre o qual não pese qualquer suspeita, e que personifique o tripé “eficiência, modernidade de gestão e sensibilidade social”. São exatamente os predicados que os ungidos pelos partidos tradicionais não conseguiram apresentar até agora. Pelo contrário, insistem no jogo surrado de velhas práticas e fórmulas. Ensaiam uma espécie de teatro do “mais do mesmo”, que, em vez de empolgar, provoca fastio no eleitor. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Idea Big Data entre os dias 8 e 13 de maio explicita esse sentimento de desalento.
De acordo com o levantamento, 56% dos entrevistados não têm vontade de reeleger político algum nas próximas eleições. E 64% não pretendem votar em ninguém indicado até agora pelas agremiações clássicas e que esteja de alguma forma envolvido com a Operação Lava Jato ou qualquer outra das investigações sobre corrupção em curso, ainda que inocentes. Se as pesquisas eleitorais indicam tal situação, as urnas mostraram o efeito concreto dessa sensação na eleição extraordinária ocorrida no Tocantins no domingo 3. Nada menos que 43,5% dos eleitores anularam o voto, votaram em branco ou não compareceram aos postos de votação. O cenário de abatimento, que impõe ao eleitor uma prostração preocupante, se reproduz pelo País. Já quando são apresentadas caras novas, prevalece o reverso da moeda. Foi assim entre novembro do ano passado e abril deste ano, quando surgiram rumores de que o apresentador de TV Luciano Huck e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa poderiam se lançar na disputa.
Mesmo sem confirmarem oficialmente suas candidaturas, ambos largaram na corrida eleitoral com dois dígitos, índices que a maioria dos candidatos ainda sua a camisa e gasta sola de sapato para alcançar. “Há um claro sentimento de renovação por parte do eleitorado que as opções atuais não explicitam”, atesta Murilo Hidalgo, do Instituto Paraná Pesquisas. Em outubro do ano passado, uma pesquisa realizada por ele já exibia esse quadro. De acordo com o levantamento, àquela altura 59,4% dos entrevistados diziam querer votar “em um candidato novo”, mesmo que não fosse muito conhecido – um perfil que se convencionou chamar de “outsider”. “Um candidato outsider, de fora, teria naturalmente muita chance de sucesso nestas eleições”, avalia Hidalgo.
Doria ressurge como opção
Resta cada vez mais claro que parcela expressiva da população persegue um nome de centro, na acepção da palavra. Um postulante centrado que inspira confiança e traduza o equilíbrio, em contraposição ao extremismo que floresce à esquerda e à direita. De um lado, o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro (PSL), um político capaz de comparar a autorização dos ditadores do regime militar para executar opositores com mera “palmada no bumbum”. Do outro, o aspirante do PDT, o temperamental Ciro Gomes, que destila números equivocados sobre a economia e morde e assopra no reduto de Lula, como quem troca de abadá no carnaval. E em outra trincheira, mais próxima de Ciro, um PT que insiste em manter a candidatura de alguém que está preso, barrado pela Lei da Ficha Limpa e condenado a mais de 12 anos de detenção.
A opção mais lembrada para reaglutinar o centro é a de João Doria, prefeito de São Paulo, hoje pré-candidato ao governo do Estado. Foi o que revelou uma consulta às bases de MDB, DEM e PSDB. Além de personificar o “novo” que o eleitorado tanto procura e exibir currículo ainda imaculado, ao contrário do atual candidato tucano ao Planalto, Geraldo Alckmin, Doria é identificado como um político com “punch” e retórica contundente, alguém talhado para enfrentar na campanha os aspirantes situados nos extremos, hoje donos de discursos cáusticos. Na última semana, pesquisa do site Poder 360 colocou a alternativa na mesa. Em um dos cenários, Doria aparece empatado com Alckmin, mesmo estando fora da campanha presidencial. Um levantamento realizado pelo PSDB vai além: indica que Doria teria muito mais potencial de crescimento, caso entrasse na corrida eleitoral para valer. Não por acaso o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso permanece como um dos entusiastas da opção Doria. Nos últimos dias, confidenciou o desejo a pelo menos dois interlocutores. Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília, o PSDB deveria arriscar a troca. “Minha opinião é que o PSDB está perdendo o bonde da história. Alckmin foi governador quatro vezes. E as pesquisas mostram que Bolsonaro ganha dele em São Paulo. Como pode isso? Doria poderia unificar esse centro. Só não sei se o PSDB teria cabeça fria suficiente para trocá-lo”.
Pólo democrático
Em princípio, parece que não. O tucanato, aparentemente à exceção de FHC, articula-se como se tivesse compromisso com o erro. Na última semana, os chamados partidos do espectro político de centro, PSDB incluído, voltaram a bater cabeça. Há entre eles quem acerte em cheio no diagnóstico, mas falhe gravemente na busca pela solução. “Nos últimos anos, tivemos a polarização de uma disputa entre o PSDB e o PT. Só que isso provavelmente não vai se repetir este ano. Diante desse sentimento novo, é nossa obrigação evitar que o País caia nas mãos de um aventureiro”, disse a ISTOÉ o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Pestana é um dos articuladores do Manifesto por um Pólo Democrático, que nos últimos dias começou a ganhar força ao tentar unir as candidaturas de centro. “O quadro parece repetir o que aconteceu em 1989, quando ninguém do campo democrático teve força para ir ao segundo turno. O resultado nós sabemos qual foi”, prossegue ele. Em 1989, Fernando Collor elegeu-se presidente. Como uma de suas primeiras medidas, confiscou o dinheiro nas contas bancárias e de poupança do brasileiro. Não conseguiu conter a hiperinflação e acabou caindo em um processo de impeachment, quando desvendou-se o esquema de corrupção em seu governo.