domingo, 13 de dezembro de 2009

Reflexão do dia – Raimundo Santos

“O aproveitamento da noção gramsciana de revolução passiva no campo pecebista veio dar inteligibilidade à estratégia de reformismo progressivo do PCB, cuja importância foi posta em evidência durante os duros anos da resistência ao regime de 1964”.


(Raimundo Santos, Prof.da UFRRJ, na Mesa-redonda "Gramsci e a esquerda contemporânea". Lançamento do livro A importância da tradição pecebista (edit. FAP), no campus da Universidade Rural do Rio de Janeiro, 24/11/09).

Merval Pereira:: Obama no divã

DEU EM O GLOBO

O discurso do presidente dos Estados Unidos Barack Obama ao receber o Prêmio Nobel da Paz em Oslo remete a uma famosa troca de correspondência em 1932, entre o criador da psicanálise, Sigmund Freud, que não recebeu o Nobel, e ninguém menos que Albert Einstein, o Prêmio Nobel de Física de 1921: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça da guerra?”, foi o tema proposto para os dois pela Liga das Nações, a precursora da ONU, sobre o qual já escrevi aqui na coluna

As angústias existenciais reveladas por Obama em seu discurso, quando se depara com o paradoxo de que “a crença de que a paz é desejável raramente é suficiente para atingi-la”; ou então quando afirma que “haverá momentos em que os países acharão o uso da força não apenas necessário, mas moralmente justificado”, são enfrentadas por Freud.

Diz ele a certa altura da correspondência: “Por paradoxal que possa parecer, devese admitir que a guerra poderia ser um meio nada inadequado de estabelecer o reino ansiosamente desejado de paz ‘perene’, pois está em condições de criar as grandes unidades dentro das quais um poderoso governo central torna impossíveis outras guerras”.

Embora admita que “os resultados da conquista são geralmente de curta duração”, Freud constata que algumas guerras “contribuíram para a transformação da violência em lei, ao estabelecerem unidades maiores, dentro das quais o uso da violência se tornou impossível e nas quais um novo sistema de leis solucionou os conflitos”.

Ele cita as conquistas dos romanos, que deram aos países próximos ao Mediterrâneo “a inestimável pax romana, e a ambição dos reis franceses de ampliar os seus domínios criou uma França pacificamente unida e florescente”.

Para Freud, o ponto de partida é a relação entre o direito e o poder, que ele prefere chamar de violência.

“Atualmente, direito e poder se nos afiguram como antíteses.

No entanto, é fácil mostrar que uma se desenvolveu da outra”, diz Freud, para fazer uma análise da evolução do uso da violência para resolver os conflitos no reino animal, “do qual o homem não tem motivos por que se excluir”.

Sua análise mostra que inicialmente houve “a dominação por parte de qualquer um que tivesse poder maior — a dominação pela violência bruta ou pela violência apoiada pelo intelecto”.

Essa violência, segundo Freud, acabou sendo contraposta pela descoberta de que a união faz a força.

No entanto, “a justiça da comunidade passa a exprimir graus desiguais de poder nela vigentes. As leis são feitas por e para os membros governantes”.

Ao mesmo tempo em que detentores do poder querem estar acima das leis, os membros oprimidos fazem pressão para passar da justiça desigual para a justiça igual para todos.

Quando Obama adverte em seu discurso que as pessoas não se enganem pois “a maldade existe”, retomando tese muito grata à política externa anterior de George W. Bush, que identificava a existência de paísesbandidos para justificar as guerras preventivas, tem na análise de Freud um suporte importante: “Nem todas as guerras são passíveis de condenação em igual medida, de vez que existem países e nações que estão preparados para a destruição impiedosa de outros, esses outros devem ser armados para a guerra”.

Na sua carta a Freud, Einstein arrisca uma análise psicológica sobre a razão de o homem aceitar ir para a guerra, a ponto de sacrificar a vida: “O homem encerra dentro de si um desejo de ódio e destruição.

Em tempos normais, essa paixão existe em estado latente, emerge apenas em circunstâncias anormais”.

Depois de dizer que “de nada vale tentar eliminar as inclinações agressivas dos homens”, Freud passa a analisar “nosso instinto destrutivo”, que “está em atividade em toda criatura viva e procura levá-la ao aniquilamento, reduzir a vida à condição original de matéria inanimada”.

Freud descreve para Einstein, então, sucintamente, a “teoria dos instintos”, que acabara de ser formulada. Os instintos humanos seriam de dois tipos: os eróticos, que tendem a preservar e unir, e os destrutivos, que tendem à destruição e a matar.

“Nenhum desses instintos é menos essencial que o outro”, ressalta Freud. “Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe seu antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra”.

O “instinto de morte” teria sua contrapartida nos instintos eróticos, que representariam “o esforço de viver”.

Dentre as características psicológicas da civilização, duas aparecem como as mais importantes para Freud: “o fortalecimento do intelecto, que está começando a governar a vida instintual, e a internalização dos impulsos agressivos com todas as suas consequentes vantagens e perigos”.

A guerra se constitui, nessa análise, “na mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida pelo processo de civilização, e por esse motivo não podemos evitar de nos rebelar contra ela; simplesmente não podemos mais nos conformar com ela”.

E quanto tempo teremos de esperar até que o restante da humanidade também se torne pacifista?, pergunta Freud, que acredita que “pode não ser utópico esperar que esses dois fatores, a atitude cultural e o justificado medo das consequências de uma guerra futura, venham a resultar, dentro de um tempo previsível, em que se ponha um término à ameaça de guerra”.

Tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra, escreveu Freud, dando respaldo à esperança deixada por Obama em seu discurso, a de “buscar um mundo como ele deve ser, com a fagulha do divino que ainda se move em cada uma de nossas almas”.

Dora Kramer:: Aviso aos navegantes

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma fala infeliz, mas absolutamente circunstancial, do presidente Luiz Inácio da Silva acabou propiciando ao PMDB a oportunidade que o partido esperava para marcar posição junto ao PT e lembrar que a hostilidade não é uma boa conselheira em casos de alianças partidárias para fins eleitorais.

Ao responder a um jornalista, no Maranhão, se preferia para vice de Dilma Rousseff o presidente da Câmara, Michel Temer, ou o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, Lula escapuliu da saia-justa vestindo outra justíssima: disse que o melhor mesmo seria o PMDB apresentar ao PT uma lista tríplice de pretendentes.

Isso exatamente num momento de estresse alto no PMDB. Por causa da citação de nomes da direção do partido, Temer inclusive, em vídeos apreendidos pela Polícia Federal na operação que flagrou corrupção no governo do Distrito Federal, e pelos problemas surgidos na composição da parceria entre PT e PMDB nos Estados.

Foi interpretado como uma afronta ao presidente licenciado do partido, em princípio definido como o mais provável indicado à vaga de vice, e uma intromissão indevida na dinâmica interna do PMDB.

Ademais, o clima entre os pemedebistas é de aguda desconfiança em relação aos petistas. Acham que o PT se sente confiante demais porque a indefinição da candidatura do PSDB, em tese, deixaria o PMDB por ora sem alternativa.

Temem também que o partido esteja sendo usado apenas para fortalecer a candidatura de Dilma para, mais à frente, se ela se firmar ou até mesmo assumir a dianteira, ser deixado de lado.

A fala de Lula provocou irritação, mas não é, na visão de um dirigente do PMDB, o que diz ou deixa de dizer o presidente em suas nem sempre coerentes e consistentes declarações, o que vai definir o destino da aliança.

"A aliança mela ou prospera dependendo do encaminhamento das negociações nos Estados", diz um integrante do alto comando do PMDB que recebeu vários telefonemas de explicações sobre o que dissera o presidente, entendeu a circunstância, mas continuou achando que havia muito de "conversa mole" nas justificativas do PT.

De concreto, aponta esse dirigente, o que existe são mais problemas que soluções nos Estados. Em Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e Rio de Janeiro, onde se discutia a possibilidade de coligação, tudo caminha para candidaturas próprias.

Para o PMDB, que não tem projeto nacional e vive da força regional, é crucial ter candidaturas estaduais fortes para "puxar" a eleição de senadores e deputados.

Ocorre que para o PT, sem Lula como candidato e correndo o risco de perder a Presidência da República, as eleições regionais também são essenciais.

Meio a contragosto, o PMDB até compreende. Mas reivindica, no mínimo, que existam regras claras para onde houver dois palanques: a isonomia de tratamento por parte da candidata a presidente é o ponto principal. Se fizer declaração em favor do candidato do PT também terá de fazer em relação ao nome do PMDB, o mesmo se aplicando às visitas aos Estados e participação no programa do horário gratuito de rádio e televisão.

Nada disso está sendo discutido e, por isso o PMDB aproveitou a oportunidade para "endurecer", dramatizando o efeito da declaração de Lula.

A mensagem subjacente à nota de repúdio "à intromissão" é resumida por um pemedebista na frase do velho ditado: "Em tempo de murici, cada um cuida de si."

"Não estamos falando de carinho nem de amizade, estamos tratando de política e, se for para exacerbar no pragmatismo, o governador José Serra está bem à frente nas pesquisas."

Uma ameaça?

Não, um lembrete de que quem não tem alternativa é o PT, pois a candidatura está definida. Ao PMDB resta a opção do PSDB.

Como uma ala do partido já está comprometida com a oposição, a cúpula quer deixar bem claro que, se não for bem atendida, não terá condições de convencer os delegados do PMDB a aprovar a oficialização da aliança com o PT.

Sinuca ao Sul

O PSDB nacional quer se aliar no Rio Grande do Sul ao PMDB, com José Fogaça candidato, que não quer nem ouvir falar em ser apoiado pela governadora tucana Yeda Crusius, que afirma à direção de seu partido que sua situação "está melhorando" e, por isso, tende a concorrer à reeleição.

O que deixará ao candidato a presidente no seguinte dilema: como subir no palanque da correligionária politicamente fragilizada por denúncias de corrupção no governo e deixar de lado a companhia do bem avaliado prefeito Fogaça?

Ofensiva no Rio

O tucanato não desistiu de Fernando Gabeira como candidato a governador no Rio. São Paulo está acertado, de Minas cuida Aécio Neves, mas no terceiro colégio eleitoral do País o PSDB está ainda sem palanque e não vê saída a não ser Gabeira. Convencê-lo será tarefa de José Serra.

Eliane Cantanhêde: Chuva, lama e rejeição

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - As chuvas castigam todo o país, mas seus efeitos têm sido particularmente cruéis em redutos tucanos, como São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul, enquanto a lama escorre do governo do parceiro DEM no Distrito Federal. Chuva e lama na oposição.

Mas, para o governo, a coisa também não foi boa na semana passada. O PIB de 1,3% no 3º trimestre atordoou a área econômica, deixou no ar o temor de resultado negativo no ano e mostrou que a recuperação não é essa maravilha toda alardeada. Marolinha daria num Pibão em 2009. Pibinho dá marola em 2010.

E, se os tucanos se debatem entre Serra e Aécio, o próprio Lula colocou uma interrogação no nome de Temer para a vice de Dilma. Com Temer citado nas fitas dos panetones, e PT e PMDB se digladiando nos Estados, tende a crescer a candidatura própria de Requião. Não é para valer, mas serve como trava para o PMDB lulista.

O Ibope também provocou uma leve reversão de expectativa. O natural seria que Serra continuasse perdendo um ponto daqui, outro dali -como acontece, a um ano da eleição, com quem tem índices altos, ainda não se declarou candidato e está fora dos principais holofotes.

Mas ocorreu o contrário, e ele oscilou para cima, com 38%.

No caso de Dilma, o mais natural é que, partindo de um patamar baixo, ela continuasse subindo quanto mais perto da eleição, mais conhecida, mais identificada com Lula. Mas ela oscilou favoravelmente apenas dois pontos, para 17%.

O que interessa nem é o número de hoje, é o potencial de amanhã. Serra, conhecido por 69%, tem a menor rejeição (29%). Dilma, agora já conhecida por 32%, tem a maior (41%).

Isso pode indicar que o eleitorado é receptivo a Serra e, quando vai sabendo quem é Dilma, menos tende a votar nela.

A oposição andava tensa, e o governo, tranquilo. Com 2010 bem aí à porta, os dois andam nervosos.

Alberto Dines :: Magma republicano

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Fenômeno vulcânico que ocorre a grande profundidade e produz uma massa mineral pastosa em estado de ebulição. Resfriada, se petrifica e assume as mais estranhas formas. Para sempre.

Quinta-feira foi dia de assistir a mais um espasmo das entranhas da terra e o resíduo que expeliu juntou-se irremediavelmente aos que, a partir de fevereiro deformam as instituições do Estado brasileiro. Um vulcão silencioso, pertinaz e pútrido desfigura com incrível persistência a frágil estrutura democrática que em 1985 substituiu o regime militar.

É uma aberração jurídica a decisão (na verdade, indecisão) do Supremo Tribunal Federal diante do recurso apresentado pelo jornal O Estado de S. Paulo contra a censura prévia imposta pelo Tribunal de Justiça de Brasília. Um maneirismo bacharelesco aprovado por 6 a 3 considerou descabido o recurso apresentado pelo jornal e desconsiderou o flagrante atentado à Constituição perpetrado há 133 dias consecutivos pelos censores togados da Capital em benefício do clã Sarney.

Com o pretexto de julgar apenas o cabimento do recurso, o ministro-relator Cezar Peluso (vice-presidente da Casa) acabou escancarando os seus preconceitos ao afirmar que a liberdade de expressão não é absoluta e que a mordaça imposta ao jornalão não configura uma censura judicial. Sem qualquer constrangimento e imaginando que o cidadão brasileiro não tem discernimento para perceber manhas e artimanhas forenses, o Meritíssimo mergulhou de cabeça no mérito da questão. E como já se esperava, foi coadjuvado pelo eminente presidente do STF, Gilmar Mendes, cujo desprezo pelo exercício do jornalismo tornou-se notório quando comparou jornalistas a chefes de cozinha.

Apenas três ministros (os bravos Celso de Melo, Carlos Ayres Brito e Carmen Lúcia) se revoltaram contra o arquivamento do recurso do Estadão enquanto permanece intacto e impune o atentado à Constituição e ao estado de direito democrático perpetrado pelo desembargador Dácio Vieira do Tribunal de Justiça brasiliense, amigo dileto dos Sarney. O ministro Marco Aurélio de Melo, geralmente independente, participou dos debates e não votou. Fica devendo à sociedade uma explicação convincente sobre a preocupante omissão.

Mais do que o Legislativo e o Executivo, o Judiciário é uma referência sobre o que é justo e injusto, certo e errado. Mesmo quando recorre ao rebuscado e bizarro linguajar processual, a suprema corte funciona como instituição balizadora, destinada a emitir sinais e paradigmas que, de alguma forma, alcançarão o cidadão.

A mensagem burocrática, imprecisa, eivada de suspeições e visivelmente irresponsável enunciada nesta quinta-feira pelo STF completa um quadro institucional desolador. O senador José Sarney, pivô da censura e beneficiário direto das mutretas jurídicas, está completamente desmoralizado e, não contente com o último lance da sua biografia política, arrasta para a lama as duas casas legislativas federais. O correligionário Michel Temer, presidente da Câmara, sempre beneficiado pelas sombras, finalmente apareceu sob a luz dos holofotes envolvido no turbilhão de favores do propinoduto de Brasília.

O colossal escândalo protagonizado pelo governador do DF, José Roberto Arruda, serviu para escancarar a precariedade do sistema partidário. O DEM, Democratas, a partir do nome e da sigla, é uma piada. Não é conservador, não é progressista, não é ambientalista, ruralista, católico ou evangélico: é apenas feudal. Ou medieval. Só difere dos demais porque é um microcosmo do pântano ideológico em cima do qual flutuam as três dezenas de partidos.

O quadro completa-se com um Executivo tão obcecado pelo marketing eleitoral que não consegue pensar no dia seguinte. Com o pé no acelerador, acerta e erra com um formidável entusiasmo esquecido das esquinas da vida. Esquecido, sobretudo, dos imprevistos estragos que a irrupção contínua de magma provoca na superfície.

» Alberto Dines é jornalista

Sérgio Augusto:: Às favas com a livre imprensa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Uma corrente contra a liberdade de informação percorre quase toda a América Latina, do México à Argentina

Por seis votos a três, o Supremo Tribunal Federal ratificou, na quinta-feira, a mordaça imposta ao Estado pelo desembargador Dácio Vieira no fim de julho, e este jornal continuou proibido de publicar reportagens sobre a Operação Barrica, que investigou o empresário Fernando Sarney, filho mais velho do senador José Sarney. Como hoje faz 41 anos que o Ato Institucional nº 5 foi assinado, já tem gente desconfiada de que dezembro, e não novembro (quando se decretou o Estado Novo, em 1937), talvez seja "o mais cruel dos meses" para a Justiça brasileira.

Ao pôr seu jamegão no AI-5, o então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, cunhou este imortal desabafo: "Às favas com os escrúpulos de consciência"- e a ditadura militar atarraxou as cravelhas. Nada do mesmo teor foi dito durante ou após o julgamento de quinta-feira, mas uma frase do decano do STF, Celso de Mello, um dos três magistrados que não engoliram os argumentos de "inviolabilidade da honra e da intimidade" invocados pelo desembargador, não me sai da cabeça: "O poder geral de cautela é o novo nome da censura em nosso país".

Se bem entendi, o ministro quis dizer que o direito pleno à liberdade de expressão, consagrado pelo Supremo com a derrubada da Lei de Imprensa em abril, foi mandado às favas por seis dos seus colegas porque estes entenderam que a defesa acauteladora da honra e da intimidade, ainda que de réus com o lastro de indiciamentos de Fernando Sarney, vale mais que o seu, o nosso direito de ser plenamente informado sobre um caso que envolve os crimes de formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.

Resumo da ópera: a liberdade de imprensa, ao contrário da honra e da intimidade, não é mais inviolável no Brasil. Haja vista as 16 decisões judiciais que, ao longo do último ano, amordaçaram periódicos de vários pontos do País.

A volta da censura, agora recauchutada com o adjunto "cautelar", não surgiu do nada, é fruto de "visões autoritárias" que ainda perduram no aparelho de Estado, na avaliação do ministro Ayres Britto, e segue a corrente anti-imprensa que percorre quase todo o continente, do México à Argentina, passando pela Venezuela (em apenas dez meses de governo, Hugo Chávez fechou 34 emissoras de rádio e estimulou 107 ataques a meios de comunicação e jornalistas, números dignos de uma ditadura militar) e pelas reiteradas críticas do presidente Lula ao ceticismo, ao "azedume" e à mania dos nossos jornalistas de fiscalizar, que audácia!, os três Poderes.

Perdi a conta de quantas vezes, em seus sete anos de governo, Lula gozou, desqualificou e deu maus conselhos aos profissionais da informação. A última foi na segunda-feira, durante a entrega de um prêmio conferido ao presidente por uma... revista. Um ato de indelicadeza, para dizer o mínimo.

Se o presidente se restringir, como deve se restringir, às agressões verbais, sairemos lucrando. Sorte nossa que, embora já tenha manifestado desejo de criar "algum mecanismo de controle externo da mídia", Lula ainda não foi contaminado pelo vírus do bolivarismo chavista, como Evo Morales e, de certo modo, Cristina Kirchner. Mas ele parece longe de compreender que a imprensa, como nos ensinou Millôr Fernandes, é oposição - "e o resto é armazém de secos & molhados".

Poucas vezes, em tempos de guerra ou paz, a liberdade de imprensa esteve tão ameaçada como agora. Em plena revolução digital, com os meios de comunicação cada vez mais sofisticados, abundantes, eficazes e pervasivos, uma conjura de forças políticas e econômicas, ideologias nacionalistas, fundamentalismos religiosos e criminalidade organizada se desdobra para evitar que a informação jornalística cumpra seu destino manifesto, que é buscar e transmitir sem restrições a verdade dos fatos. Com armas e métodos os mais variados, coagem, intimidam, censuram, prendem, agridem, torturam e até matam jornalistas.

É flagelo universal, mais frequente em regimes totalitários ou autoritários, como China, Irã, Eritreia, Cuba, Venezuela, e em democracias fragilmente consolidadas, como Rússia, México, Colômbia.

Em 3 de novembro o jornalista José Antuna foi estrangulado em Durango (México) por haver denunciado ligações da polícia com o tráfico de drogas. Sobre seu cadáver, os esbirros puseram um cartaz, com um recado intimidatório para os colegas de Antuna: "Foi nisso que deu eu escrever o que não devia. Cuidem bem de seus textos". Três semanas depois, nas Filipinas, 24 jornalistas foram trucidados, com mais 30 pessoas, num sequestro envolvendo um poderoso clã familiar de Mindanao.

Pela última contagem da ONG internacional Repórteres Sem Fronteira, chega a 178 o número de jornalistas presos injustamente no mundo inteiro; presos por terem escrito "o que não deviam". A China divide com o Irã a medalha de ouro da repressão à imprensa: 88 jornalistas encarcerados, 58 dos quais atuantes na blogosfera, entre eles o ativista de direitos humanos Hu Hia, cumprindo pena de três anos e meio por "incitar à subversão" em seus artigos online. Cuba vem logo atrás, com 24 jornalistas condenados a penas entre 14 e 22 anos. Seguem-se Mianmar, Turcomenistão, Coreia do Norte e Eritreia. Não é inexpressiva, nesse ranking, a posição do Marrocos (redações fechadas, jornalistas presos e obrigados a pagar multas extorsivas), da Argélia e da Tunísia.

No ranking exclusivo da repressão à internet, a campeã é a Arábia Saudita, seguida dos habituais suspeitos (Mianmar, China, Coreia do Norte, Cuba, Irã, Tunísia, Turcomenistão), reforçados pelo Egito, Usbequistão, Síria e Vietnã. Todos eles transformaram a rede numa vigiada intranet, inventando assim a blogosfera de segurança máxima.

Mercado investe em Meirelles como opção para ser vice de Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Prêmios e elogios internacionais tentam elevar cotação do presidente do BC, ainda um emergente na bolsa do PMDB

Ataque especulativo inclui ações da própria candidata, Dilma Rousseff, que, em conversas com banqueiros, admite chance de parceria

Marcio Aith
Da Reportagem Local

Se o investidor internacional votasse no Brasil ou tivesse influência nas complexas engrenagens do PMDB, partido ao qual se filiou, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, poderia ser suavemente indicado a vice na chapa presidencial encabeçada pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).

Num prazo de apenas duas semanas, Meirelles recebeu sinais eloquentes de prestígio do que se convencionou chamar de comunidade financeira global -um grupo formado por bancos, fundos de investimento e organismos multilaterais.

No último dia 2, técnicos do FMI (Fundo Monetário Internacional) definiram publicamente como "exemplar" o papel do brasileiro no combate à crise financeira mundial.

Informa o copioso estudo da organização que se notabilizou por admoestar gerações de tecnocratas brasileiras desde a década de 80: "A aparente eficácia das medidas adotadas pelo BC do Brasil para garantir a liquidez em dólares sugere que elas podem se tornar instrumento padrão de bancos centrais".

Sete dias depois, o BIS, banco central dos bancos centrais, aceitou o Brasil como membro de um seleto grupo de países responsável por identificar fontes potenciais de estresse nos mercados financeiros.

De menino levado, o Brasil foi promovido a monitor do BIS. Motivo: a firme supervisão bancária brasileira, nas mãos de Meirelles e sua equipe.

Às duas distinções somam-se outros prêmios, convites e jantares com os quais bancos e investidores tentam demonstrar apreço ao ex-presidente do BankBoston no momento em que o presidente do BC tenta migrar da economia para a política após ter-se transformado num dos integrantes mais longevos do governo Lula.

No evento mais exclusivo ao qual compareceu, em setembro passado, no Reform Club, clube inglês fundado no século 19, Meirelles foi até instado por um dos anfitriões a candidatar-se não a vice de Dilma, mas à Presidência da República.

Com a onda de elogios e a recente menção de caciques do PMDB em escândalos, o nome Meirelles, cristão-novo no partido, volta a ser mencionado como alternativa para compor, com Dilma, a chapa PT-PMDB à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Por isso, a declaração do presidente sugerindo que o partido entregasse a Dilma uma lista tríplice de possíveis vices foi lida por alguns como uma tentativa de inflar o nome do titular do Banco Central, o que causou uma imediata reação da cúpula do PMDB.

A própria ministra tem aventado cada vez mais essa possibilidade em encontros com o setor privado. Ao explicar como seria sua política econômica, caso seja eleita, Dilma travou, em uma dessas reuniões, o seguinte diálogo com Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco:

"Qual seria sua equipe econômica?", questionou o banqueiro. "Seria essa que está aí.

Dizem até que o Meirelles pode ser meu vice", respondeu ela.

Surpreso, Moreira Salles insistiu: "E pode, ministra?" E ela: "Pode, uai. E por que não?"

Sem lastro

O problema para viabilizar a opção Meirelles é o enorme abismo que separa seu prestígio internacional de sua inexperiência no partido que escolheu para reentrar na política, em setembro passado -ele teve curta experiência no PSDB, em 2002, quando foi eleito deputado federal, para logo renunciar.

Meirelles tem dito que aceitou de Lula só duas recomendações quando informou sua disposição de se filiar ao PMDB: não concorrer ao governo de Goiás e ficar no BC até março de 2010, prazo para a desincompatibilização das autoridades que vão disputar eleições.

Quanto à possibilidade de buscar a candidatura a vice de Dilma, Meirelles disse, numa entrevista em outubro, ser esta uma "oportunidade e destino, e não um ato de vontade".

Destino ou vontade, essa alternativa tem como principal obstáculo os "donos" do partido -além de Michel Temer, o líder da legenda na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), e os deputados Eduardo Cunha (RJ) e Tadeu Filippelli (DF).

Até a semana passada, todos diziam que o PMDB "nunca" vai indicar Meirelles a vice.

CHARGE - O ex...

Jornal do Commercio (PE)

Clóvis Rossi :: O verdadeiro "o cara"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Se não estiver em surto de megalomania, o presidente Lula deveria devolver a seu colega Barack Obama aquela brincadeira sobre ser "o cara". Para quem já esqueceu, Obama cumprimentou Lula, durante o G20 de abril, em Londres, apontando-o como o mais popular do mundo.

Não é que, agora, a pesquisa Latinobarómetro mostra que "o cara", o presidente mais popular, pelo menos na América Latina, é Obama, e não Lula? Obama levou nota 7, contra 6,4 do brasileiro.

Para um subcontinente que cansou-se de gritar "yankees, go home", não deixa de ser revelador que os que continuam com tais gritos sejam os últimos da fila, a saber: Daniel Ortega (Nicarágua), com 4,3; Fidel Castro (Cuba), 4; e Hugo Chávez (Venezuela), 3,9.

Parece decorrência natural do fato de que 59% dos consultados acham que a democracia é o melhor dos regimes. O teor de democracia em Cuba é zero, enquanto nos dois outros países do fim da fila ele é bastante turvo.

Parece também que o público não comprou todo o alarido contra a mídia feito por diferentes governos da região e pela própria mídia chapa-branca: rádio, TV e jornais são mais confiáveis do que todas as instituições da política. Perdemos apenas para a igreja, mas ganhamos dos governos, dos governos locais, da administração pública, dos Congressos, dos partidos políticos (aliás, os que menos confiança despertam no público).

*****
Por falar em megalomania, se Guido Mantega diz que o PIB brasileiro é um "pibão", como devemos tratar o PIB chinês?

Afinal, o PIB do Brasil encolhe ou anda de lado neste ano, ao passo que o da China crescerá 8,5%, pouco mais ou pouco menos.

Aliás, ao contrário da propaganda oficial brasileira, que diz que fomos os primeiros a sair da recessão, a China nem entrou nela.

Graziela Melo :: Dias pardos (poema)

Pardos
Os dias
Se vão

Ao longo
Do meu
Viver

O entra
E sai
Da agonia

Olhando
A casa
Vazia

Desde
A noite
Ao sol
Nascer

Os sons
Longínquos
Da alma

Exíguos
E já
Rarefeitos

Se assemelham
Aos tristes
Sinos

Que badalam
Na solidão

Quando o sol
Já vai
Fugindo

E o céu
Se avermelha
Antes da
Escuridão

Rio de Janeiro, 12/12/2009

O QUE PENSA A MÍDIA

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Conferência prega a volta dos cabides de emprego

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A 1ª Conferência Nacional de Comunicação, que começa amanhã em Brasília, juntará propostas polêmicas, como controle social sobre a mídia e recriação de estatais como a Embrafilme. O Ministério das Comunicações também quer a volta das delegacias regionais, que, segundo a pasta, facilitariam a fiscalização do setor de radiodifusão. Extintas em 2002, as delegacias distribuíam empregos em prol do apadrinhamento político.

Conferência de comunicação quer recriar cabides estatais de emprego

A volta das delegacias regionais do Ministério das Comunicações aumenta a distribuição de cargos entre políticos

João Domingos

A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que começa amanhã, em Brasília, vai juntar, numa mesma assembleia, propostas polêmicas - controle social sobre a mídia, recriação de estatais extintas há quase 20 anos, como a Embrafilme - e reivindicações puramente corporativistas, como a tentativa de recriar velhos cabides de emprego.

Uma das propostas do Ministério das Comunicações, que é um dos patrocinadores da Confecom, pede de volta as delegacias regionais da pasta, extintas em 2002. O ministério alegou, em uma de suas teses apresentadas à conferência, que o retorno das delegacias facilitará a fiscalização das empresas de radiodifusão - caracterizadas por dar emprego a apadrinhados políticos de quem ocupa o poder em Brasília ou nos Estados. Hoje a incumbência legal da fiscalização é da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e não do ministério.

Já o Ministério da Saúde propõe que, num eventual marco regulatório para o setor de comunicação, se estabeleça que as redes de TV e de rádio sejam obrigadas a baixar o preço de seus espaços publicitários durante as crises de saúde pública. "Durante emergências, o governo é muito onerado", queixou-se a pasta da Saúde ao expor uma de suas teses à Confecom. Hoje o ministro de Estado já pode convocar rede nacional, sem ônus, para falar das políticas de sua pasta, seja sobre epidemias e pandemias, seja sobre programas culturais ou até de pesca.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participará da cerimônia de abertura da 1ª Confecom, convocada por ele em abril. A conferência custará cerca de R$ 8 milhões à União. De amanhã a quinta-feira, 1.539 delegados vão debater propostas para uma política nacional de comunicação - todos ficarão hospedados na rede hoteleira da capital, sempre custeados pelo poder público. A representatividade da conferência, no entanto, ficou comprometida, porque seis das oito entidades empresariais abandonaram a Confecom em agosto.

Para o vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, um dos organizadores da Confecom, a saída das entidades empresariais foi uma tentativa de sabotagem ao evento. "Mas eles não tiveram êxito. A Confecom vai acontecer, apesar da saída deles." Schröder disse que de nenhuma forma a conferência vai propor uma espécie de controle que censure os meios de comunicação, temor dos setores empresariais.

"Isso não ocorrerá. Temos é de encontrar formas de fazer com que o brasileiro leia mais. Por um erro de política governamental, no passado o Brasil foi privilegiado no setor de audiovisual. É uma vergonha ser um dos países que menos leem no mundo; é vergonhoso um jornal nacional, como o Estado, rodar apenas 300 mil exemplares. É preciso ler mais.

Temos de sair da barbárie", pregou ele.

Há cerca de um mês o setor de ONGs aprovou suas propostas. A principal é a criação de um Conselho Nacional de Comunicação, a ser composto por usuários (50%), trabalhadores do setor (25%) e empresas (25%), destinado a regulamentar e aprovar concessões para os diversos serviços na área de comunicações. As ONGs propõem ainda a criação de um comitê, subordinado ao conselho, para analisar os processos de outorga - um dos objetivos da conferência é pressionar a favor das rádios e TVs comunitárias. Elas querem descriminalizar as emissoras piratas e propõem inundar o País com canais de TVs públicos. Pela tese, para cada concessão de TV privada, devem ser criadas quatro TVs públicas.

Seis entidades abandonam evento

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em agosto, seis entidades que congregam os grupos de comunicação dos setores de rádio e TV, jornais, revistas e internet se retiraram da 1.ª Confecom. As empresas disseram que a conferência era um jogo marcado, pois os sindicalistas e as ONGs, aliados aos representantes do governo, pretendiam expor o setor a um massacre público. Para o grupo, a insistência dos outros setores de fazer um controle social da mídia, "seja lá o que isso queira dizer", era uma censura.
Ao comunicar sua saída, as empresas emitiram nota conjunta. Anunciaram ser defensoras dos preceitos constitucionais da livre iniciativa, da liberdade de expressão, do direito à informação e da legalidade. Afirmaram que até o princípio da livre iniciativa foi usado como um obstáculo pelas outras entidades para a confecção do estatuto da Confecom. Desse modo, decidiram sair para não atrapalhar a realização da conferência.

Deixaram a conferência: Associação Brasileira de Emissoras de Radio e Televisão (Abert), Associação Brasileira de Internet (Abranet), Associação Brasileira de TV por Assinatura, Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil, Associação Nacional dos Editores de Revistas e Associação Nacional de Jornais (ANJ). Todas anunciaram que só vão se pronunciar sobre a conferência depois de seu término e de observarem os resultados.

Governo reforça investimento em veículos regionais

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Dos R$ 616 milhões de propaganda deste ano, R$ 100 milhões foram para essas mídias

O apelo por uma maior participação das mídias regionais e das TVs comunitárias no bolo da propaganda do governo, feito pela maioria das propostas apresentadas à 1ª Confecom, nem precisaria ser levado ao encontro. O governo já atende aos meios de comunicações regionais e passará a fazer publicidade nas TVs comunitárias.

Dos R$ 616.221.846 destinados às TVs, rádios, jornais, internet, revistas e outdoors, neste ano, cerca de R$ 100 milhões pagaram a publicidade em mídias regionais, informou Ottoni Fernandes Júnior, subchefe-executivo da Secretaria da Comunicação do Governo (Secom).

Desde o início do segundo mandato do presidente Lula, o governo mudou seu eixo de propaganda. Passou a valorizar os veículos regionais, sob o argumento de que pretende democratizar a distribuição das verbas de publicidade.

Segundo informações da Secom, com 1.015 novos veículos cadastrados de 2008 para cá - acréscimo de 20,78% em relação ao ano passado -, o governo consolidou seu cadastro de veículos de mídia, base de sua política de regionalização de investimentos em publicidade.

O cadastro envolve veículos sediados em municípios com até 20 mil habitantes. Em 2008, o governo anunciava em 2.597 rádios; agora, foram cadastradas 2.750. Também no ano passado 1.273 jornais tinham anúncios do governo. Outros 862 foram incorporados e já podem contar com os anúncios, desde que comprovem circulação periódica. Ao todo, o governo cadastrou 4.885 veículos.

Cadastrados, os veículos se tornam aptos a receber propaganda institucional e material distribuído pela Secretaria de Imprensa do governo, como fotos de Lula e dos ministros e o conteúdo do programa Bom Dia, Ministro, na Empresa Brasileira de Comunicação (EBC).

Há críticas quanto ao uso político das notícias enviadas. O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), afirma que é uma forma de o governo fazer propaganda de seus feitos, de sua candidata e de todas as realizações de Lula. "É a consolidação de um forte material de propaganda nos meios de comunicação das pequenas cidades."

Para Ottoni, não é nada disso. "Não dá para negar que o governo está fazendo justiça ao distribuir a verba da propaganda. Queriam que somente os veículos das grandes cidades continuassem recebendo as verbas, mas isso não é democrático", diz. "O governo não pergunta qual é a cor da emissora ou jornal, se são ligados ou não a algum partido. Quer saber é se tem audiência ou circulação."

Luiz Gonzaga Belluzzo:: Etnografia e Política de Wall Street

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O Legislativo americano colaborou para desmontar os controles e enfraquecer as agências reguladoras

Antropóloga formada em Princeton, Karen Ho publicou um livro digno de figurar nas estantes dos leitores mais exigentes: "Liquidated, An Ethnography of Wall Street" (Duke University Press, 2009). Ela apresenta, em linguagem clara e acessível, os resultados de uma pesquisa realizada na tribo dos senhores da finança global. Nos bastidores dos "abstratos" e fracassados modelos de risco e de precificação de ativos movimentava-se a soberba de indivíduos de carne e osso, convencidos de sua supremacia social, intelectual e moral. O protagonista central da epopeia malograda é o "investment banker".

Não se trata do banqueiro tradicional, mas do executivo ou alto funcionário do banco de investimento, recrutado nas universidades da Yvy League, sobretudo em Princeton e em Harvard. Essa é figura nuclear do surto de criatividade agressiva que levou o planeta à catástrofe financeira. Movidos a bônus de grosso calibre, submetidos a um ritmo de trabalho alucinante e a uma concorrência darwinista (ameaçados de perder o emprego), esses personagens construíram um consenso cego e desprovido de autocrítica a respeito de suas virtudes e qualidades.

Os sabichões formados em Princeton e em Harvard usaram e abusaram do que Karen Ho chama os modelos sofisticados de "inovações de curto prazo, sem nenhuma estratégia". Um modo gentil de designar a ganância engalanada de letras gregas. Essas "manobras de alto nível" não desprezavam escaramuças mais grosseiras, como recomendar aos clientes a aquisição de ações que formavam suas próprias carteiras ou "pegar a laço" devedores sem condições de servir as dívidas contraídas.

Mas nada teria funcionado sem a colaboração dos republicanos Reagan e Bushs 1 e 2, mais o democrata Clinton. Com o auxílio deles, o lobby de Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo. O Legislativo dos EUA colaborou decisivamente para desmontar os controles e enfraquecer a capacidade de supervisão e de controle das agências reguladoras.

A lei Sarbannes-Oxley foi aprovada a contragosto, depois da sucessão de escândalos corporativos, as peripécias da Enron, Worldcom e outras menos votadas. Considerada excessivamente rigorosa por Henry Paulson, o secretário do Tesouro dos EUA, a lei ficou na marca do pênalti até 2007. Dura ou não, ela foi impotente para conter a explosão do crédito que levou à exasperação as práticas "criativas" e frequentemente fraudulentas dos mercados. Os criativos inventaram "novidades", manipularam preços de ativos, engambelaram clientes e devedores "sem lenço nem documento".

Terminava o artigo quando soube que a Câmara aprovou o projeto de regulamentação financeira. Há sinais de que os legisladores levaram em conta as provas contundentes da promiscuidade entre desregulamentação e as tropelias audaciosas e arriscadas. Ainda assim, barbas de molho: mesmo depois da salvadora intervenção do governo, a cultura de Wall Street não perdeu a pose. Voltou à soberba de sempre, disposta a usar quaisquer argumentos para desqualificar as críticas aos métodos usados no ciclo financeiro recente.

Luiz Gonzaga Belluzzo , 67, é professor titular de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Elio Gaspari :: O trem-bala pode atropelar Dilma

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A marquetagem e os interesses quase provocaram um desastre e ameaçam a fama de competência da ministra

A Ministra Dilma Rousseff orgulha-se de ser a "Mãe do PAC" e do projeto de construção de um trem de alta velocidade ligando o Rio de Janeiro a São Paulo e Campinas. Se ela não tomar cuidado, o trem-bala será um exemplo de sua descoordenação administrativa.

Os transportecas insistem em dizer que o trem-bala rodará a tempo de servir às torcidas da Copa do Mundo de 2014. Mentira. Esse prazo explodiu, mas o comissariado do Planalto ainda não achou a porta de saída para a chefona.

Dilma e seus assessores sabem o tamanho do desastre que foi a primeira fase das negociações do trem. De 2004 a 2007, o projeto esteve nas mãos de burocratas incapazes e empresários simpáticos. Projetavam um trem que iria do Rio a São Paulo sem paradas (maluquice), não precisaria de investimentos públicos (mentira) e seria viabilizado por uma demanda de 32,6 milhões de passageiros/ano (fantasia). A obra custaria cerca de US$ 9 bilhões e estava mai$ ou meno$ combinado que ficaria com um con$órcio italiano.

Em 2007, descobriu-se que não havia projeto de trem-bala, mas de CPI. O assunto foi entregue à racionalidade do BNDES e a linha foi projetada até Campinas com seis paradas no trecho Rio-São Paulo. O preço foi para US$ 12 bilhões e hoje, numa conta pessimista, teme-se que chegue a US$ 20 bilhões. O governo deverá ficar com até 70% do investimento e suspeita-se que acabará garantindo a demanda. A tarifa, que começou com uma estimativa empulhadora de R$ 100, está em R$ 246. Um sábio chegou a dizer que uma tarifa barata quebraria as empresas aéreas, como se coubesse à choldra financiar o trem e pagar bilhetes caros para preservar o mercado dos aerocratas ineptos.

Há a suspeita de que, por conta da demanda e do baixo custo de construção, a linha rentável não é a Rio-São Paulo, mas a que irá de São José dos Campos a São Paulo e Campinas. É mais fácil começar uma guerra civil do que botar a Viúva federal para pagar uma obra dessas.

Se a doutora Dilma tirar do trem-bala as cascas da pressa marqueteira e das pressões dos fornecedores de créditos, equipamentos e obras físicas, poderá administrar uma bonita obra. Se usar o trem para fazer propaganda, candidata-se ao título de "Viúva do PAC".

Debate 'verde' ganha espaço na agenda de 2010

DEU EM O GLOBO

Três pré-candidatos ao Planalto participam da Conferência de Copenhague; "virou tema da moda", diz especialista

Sergio Roxo

SÃO PAULO. A campanha presidencial do próximo ano será a primeira em que a preservação ambiental estará no centro do debate. O destaque internacional dado ao assunto, e a provável candidatura da senadora Marina Silva (PV-AC), ex-ministra do Meio Ambiente, são fatores citados por especialistas como responsáveis pela mudança de postura dos pré-candidatos a presidente, em comparação com eleições anteriores.

— Virou o tema da moda. Vai se tornar importante na campanha eleitoral. A questão não foi satisfatoriamente atacada pelos governos e estará muito presente — diz o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

A presença de três dos principais pré-candidatos na Conferência do Clima da ONU, em Copenhague, reforça a avaliação de que o assunto estará em discussão nas eleições de 2010.

Além de Marina, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), prováveis candidatos de seus partidos, também estão na conferência.

A petista é chefe da delegação brasileira na Dinamarca, e será a responsável por apresentar as metas brasileiras de redução da emissão de gases que contribuem para o efeito estufa. O tucano terá encontro com governadores de outros países. Marina participará de debates sobre a preservação da Amazônia. Antes mesmo de a campanha começar oficialmente, aliados dos três já usam a questão ambiental para atacar adversários. O governo federal e o de São Paulo travam uma batalha sobre a meta de redução de gases.

— A meta do governo federal é reduzir o crescimento da velocidade de emissão de gases. A meta de São Paulo é reduzir a emissão. Uma coisa é desacelerar um carro de 80 km/h para 60 km/h. Outra é dar marcha a ré.

Nós estamos dando marcha a ré até 2020 na emissão de gases poluentes que provocam o aquecimento global — disse o governador José Serra (PSDB), durante evento sobre meio ambiente, em 1ode dezembro.

O ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) rebate o governador: — Na verdade, são contabilidades diferentes. Com todas as nossas medidas, vamos retirar 23% dos gases da atmosfera, em relação a 2005. A lei de São Paulo diz que vai tirar 20%. Nossa meta é relativamente mais ambiciosa que a de São Paulo.

O secretário do Meio Ambiente de Serra, Xico Graziano, prefere fazer uma provocação: — Dilma sempre resistiu às metas (de redução de emissão de gases). Dizia que isso prejudicava o crescimento. Ela defende as usinas termoelétricas.

Minc sai em defesa de Dilma: — Ela tem crescentemente se sensibilizado por essa questão.

Nessa guerra dentro do governo, a minha posição era minoritária.

Dilma foi uma das pessoas que mais me ajudou a derrubar as áreas conservadoras que mais resistiam às mudanças.

O ministro critica a nova postura de Serra: — Agora, a competição é de quem é mais verde.

Todo mundo, até o Serra, é verdinho desde a mais tenra infância.

O governador diz que desde do começo do mandato, em 2007, prioriza o meio ambiente:

— A questão ambiental vem avançando muito no Estado de São Paulo, graças ao programa que fizemos desde o início do governo

Do discurso à prática, um longo caminho

DEU EM O GLOBO

Para cientista político, Dilma "trocou de trincheira" sobre clima

SÃO PAULO. O Greenpeace, umas das principais entidades internacionais de defesa do meio ambiente, comemora que a preservação do planeta esteja entre os temas tratados pelos pré-candidatos à Presidência, mas avalia que entre o discurso e a prática há um longo caminho.

— Estamos vendo a questão ambiental ser objeto de promessas.

Se essas promessas vão se transformar em realidade, é a mesma cobrança que se faz em relação a segurança, saúde e educação. É um atestado da maioridade do tema. Os ambientalistas e o Greenpeace veem isso como positivo. É sinal de que o assunto finalmente está na agenda concreta do país — disse Sérgio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace.

Para ele, foi o lançamento da candidatura de Marina Silva que pôs o tema em debate: — Não é à toa que o Serra transformou a sanção da lei (paulista) de mudanças climáticas num espetáculo. Também não é à toa que Dilma está indo para Copenhague presidir a delegação brasileira, e passou a se interessar pelo tema.

O cientista político Rubens Figueiredo avalia que a ministra Dilma trocou de trincheira no debate sobre o clima: — Até Dilma começou a falar em meio ambiente. Entre o meio ambiente e uma obra, ela ficava com a obra. Chegou a reclamar que (preocupações ambientais) atrapalhavam o PAC.

Para Figueiredo, o fator Marina pode repetir um fenômeno semelhante ao que aconteceu com a educação na campanha presidencial de 2006.

— Você tem uma candidata (Marina) muito identificada com meio ambiente. Ela traz o tema para agenda, como o Cristovam Buarque fez todo mundo discutir educação (em 2006).

Marina, no entanto, descarta ocupar esse papel em 2010: “Uma candidatura identificada com o tema pode ajudar a elevar o padrão da discussão. Mas não considero a possibilidade de me candidatar apenas para pôr a questão ambiental em debate”, disse ela, por e-mail.

Mas os especialistas ainda têm dúvidas sobre o peso que o eleitor dará para o assunto: — Acredito que uma pequena parcela de eleitores esteja atenta ao tema— diz Fernando Abrucio, professor da FGV.

Cláudio Couto concorda: — A questão ambiental ainda é um tema da elite. Não creio que seja de domínio de grande parte do eleitorado.

Miriam Leitão:: Clube da esquina

DEU EM O GLOBO

Amagerbro. Esse é o nome da primeira estação de metrô no meu caminho para o Bella Center, local da COP-15. É inevitável lembrar de Armageddon. Em Copenhague, o que se discute tem como pano de fundo cenários de catástrofes. Manifestantes gritam urgências e encenam desastres. Ilhas desesperadas param o plenário, países africanos avisam que estão condenados.

onde você é? — perguntei ao manifestante verde.

A cada momento pode começar uma manifestação no Bella Center. Eles se vestem com roupas estranhas, se pintam de cores fortes, se fantasiam. São performáticos.

Esse grupo pintou o rosto, as mãos de verde e enfiou-se em enormes macacões brancos.

— Do espaço — me respondeu com uma expressão robótica.

Na verdade, descobri, eram japoneses. A gente pode encontrar japoneses verdes que alegam que vêm do espaço, ou tropeçar com poderosos como Todd Stern, o negociador americano, no mesmo pátio que fica entre o Media Center e as salas de reunião.

Jornalistas não dão muita atenção às reuniões plenárias da Conferência. Normalmente, é lugar de discursos em que se misturam o formalismo e o jargão diplomático.

Mesmo assim, quis ver uma.

E foi assim que vi o inusitado caso de Tuvalu. Houve um momento do impasse, em que a presidente da Conferência, Connie Hedegaard, pediu um tempo para discutir “na esquina”. Todos foram para um canto do enorme salão e fizeram uma roda em torno de Connie. Debate intenso sobre Tuvalu, o mundo inteiro rodeando o caso da ilha. Mas nada se resolveu. E Tuvalu deu esse nó no plenário porque fez uma boa estratégia regimental.

As pequenas ilhas compensam a fragilidade extrema com a formação de uma burocracia bem preparada para brigar nas COPs. Organizaramse numa associação que tem um nome quase perfeito para descrever o paraíso que algumas delas ainda são: Aosis (Alliance of Small Island States). Esses países-ilhas membros da Aosis apresentaram aqui a mais coerente, bem estruturada e racional proposta de texto final. Não será aceito, mas pode ser parâmetro. Quando se quer saber se um projeto é ruim, basta comparar com o banho de lucidez que está na proposta das pequenas ilhas.

Elas querem que o mundo lute por um objetivo mais ousado. Em vez de limitar em dois graus centígrados a temperatura da Terra, limitar em um e meio. Para isso, será preciso recuar dos atuais níveis de carbono já estocado na atmosfera. Querem que todos contribuam com cortes de emissões e com recursos, aperfeiçoem todos os mecanismos já propostos. Se o mundo tivesse um ataque de lucidez, ouviria a Aosis.

Na rotina do debate sobre mudança climática, todos se acostumaram com um mundo de siglas. Ninguém fala Protocolo de Kioto, é KP. Ninguém fala em ações nacionais de redução da emissão.

São Namas. O grupo de trabalho que está preparando o documento final é AWG-LCA. Um jornalista pergunta para o embaixador brasileiro: — O CCS pode ficar dentro do CDM? CCS é a tecnologia de retirada de carbono do carvão para estocar esse veneno no subsolo para sempre.

O lobby do carvão adora o CCS e defende como possível o que ainda está em escala pequena, não devidamente testada, mas já suficientemente temida.

Paul Ekins, professor inglês de energia, me disse quando estive em Londres: — Essa estocagem é para sempre.

Achei “para sempre” um tempo longo demais para estocar na terra exatamente o que está arriscando nosso futuro. Pôr o CCS no CDM é aceitar financiar isso através do sistema de crédito de carbono.

Atrás das siglas moram perigos, dramas, possibilidade, arquiteturas de negociação, motivo de brigas entre delegações. O que se discute é dramático, mas tudo fica descarnado quando se empilham as siglas, os números, os percentuais.

Nessa primeira semana da COP ficaram claros os pontos de discórdia. Os países do Anexo I — assim são definidos os que têm metas obrigatórias — não querem a continuação do Protocolo de Kioto. De fato, Kioto tem o enorme defeito de não incluir os Estados Unidos, que não ratificou o acordo. Não tem metas também para países que, desde que ele foi escrito, aumentaram muito suas emissões, como China, Índia e Brasil. Mas, principalmente, o tratado não conseguiu deter o aumento das emissões. É ruim. A delegação brasileira argumenta: sem Kioto, o mundo enfrentará insegurança jurídica. Essa é a única moldura legal que se construiu. Ele é imperfeito, mas é o que existe.

Inevitável mexer nele, mas não se pode desmontá-lo.

Exatamente agora, porém, é a hora de discutir a prorrogação das metas para além de 2012. Isso acontece no AWG-KP, um outro plenário em que todos os países se reúnem para discutir a nova lista de compromissos. Esta semana, enquanto a COP, em transe, discutia o documento final desta reunião e o plenário parava por causa de Tuvalu, no AWG-KP, a briga corria solta. É uma luta de vida ou morte. Os países em desenvolvimento querem mantê-lo vivo, os países desenvolvidos querem acabar com ele. Os países-ilhas também preferem um novo acordo, maior, mais ousado, mas aceitam qualquer coisa que evite o desastre previsto.

As ONGs jogam um papel central nas COPs. Com técnicos competentes, informações rápidas, influência, elas ajudam a mexer as pedras no tabuleiro da negociação.

No Media Center, eles não podem entrar, mas, de repente, vi um inglês de uma grande ONG parado na minha frente. Ele me entregou o documento que eu estava procurando. Perguntei como ele tinha entrado.

“Pelo banheiro dos homens”, que tem uma entrada pelo lobby. Tudo acontece numa COP. E foi só a primeira semana.

Elio Gaspari:: A visão Petista da Segunda Guerra

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Há uma semana, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ministro de Assuntos Estratégicos, defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU durante uma palestra no Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty.

Defendeu a admissão, como membros permanentes, de Brasil, Índia, Alemanha e Japão.

Ia tudo muito bem até que ele explicou a exclusão, em 1946, da Alemanha e do Japão do centro de decisões da ONU. Numa versão-companheira da Segunda Guerra Mundial, os dois países penaram "tantos anos de purgatório, de punição, por terem desafiado a liderança anglo-saxônica do mundo". (A repórter Claudia Antunes ouviu, anotou e noticiou.)

A menos que Nosso Guia indique outro caminho, a Alemanha e o Japão não desafiaram "a liderança anglo-saxônica". Eles invadiram seus vizinhos, montaram economias baseadas no trabalho escravo e máquinas de extermínio nunca antes vistas na história.

Na conta da Alemanha havia cerca de 10 milhões de mortos em campos de extermínio.

Na do Japão, 6 milhões de coreanos, chineses e filipinos.

E em 1945, depois da abertura dos campos de concentração da Europa e da Ásia, nem mesmo os precursores da defesa do nazismo e da Grande Esfera de Co-Prosperidade do Império Japonês falavam mais em desafio à "liderança anglo-saxônica".

Na dúvida, basta reler "Mein Kampf", de Adolf Hitler.

Direita pós-Pinochet testa nas urnas hegemonia da esquerda chilena

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Políticos conservadores se renovaram para atrair eleitores de centro; o direitista Piñera tem 44% das intenções de voto

Ruth Costas

A direita chilena desafia hoje, nas urnas, duas décadas de hegemonia da Concertação, a coalizão de centro-esquerda que governou o Chile desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-90). Não é a primeira vez que os grupos conservadores têm a chance de voltar à presidência após a redemocratização do Chile. "Nas eleições de 2000 e 2006 a direita já se mostrou bastante competitiva. A diferença é que agora todos os institutos de pesquisas indicam sua vitória no primeiro e no segundo turno", disse ao Estado o respeitado comentarista político Tomás Mosciatti, da CNN Chile.

Também serão renovadas as 120 cadeiras da Câmara e metade das do Senado, de 38 membros. Mas, segundo analistas, o resultado da votação legislativa não deve mudar o equilíbrio que os grupos governistas e conservadores mantêm desde 1990 nas duas Casas. A única novidade é a possibilidade de retorno do Partido Comunista, afastado desde o golpe de 1973.

Segundo o Centro de Estudos da Realidade Contemporânea, na corrida pela presidência o empresário Sebastián Piñera, da direitista Aliança para a Mudança, deve obter hoje 44% dos votos, e o ex-presidente Eduardo Frei, da Concertação, 31%. No segundo turno, que será em 17 de janeiro, Piñera teria 49% e Frei, 32%. Mas a Concertação ainda tem alguma chance de virar o jogo atraindo votos de candidatos que deixaram a coalizão oficial para lançar candidaturas próprias no primeiro turno - o socialista Jorge Arrate e o independente Marco Enríquez-Ominami. Arrate já se mostrou disposto a apoiar Frei. Mas Ominami resiste às propostas de reaproximação e dá sinais de que até pode flertar com a direita.

"A questão é que, mesmo que na última hora os três grupos se unam e consigam derrotar Piñera, a Concertação terá de se reformular se quiser sobreviver a essa nova fase da política chilena", diz o historiador chileno Joaquín Fernandois, professor da Pontifícia Universidade Católica do Chile. No caso de uma derrota, analistas não descartam a possibilidade de uma fragmentação da coalizão oficial após a eleição.

Um dos motores da redemocratização chilena, a Concertação vem passando por um processo de desgaste há alguns anos. Se até pouco tempo atrás a simples lembrança das atrocidades cometidas na ditadura Pinochet - foram 3 mil mortos em 17 anos - era suficiente para a esquerda garantir a vitória direita nas urnas, agora uma fatia cada vez maior do eleitorado exige propostas novas e soluções para problemas do dia a dia.

DIVISÃO

O Chile nunca deixou de ser um país dividido - e durante o período democrático a direita manteve uma votação tradicional de cerca de 40%. Agora, cada vez mais há uma migração constante entre a centro-direita e a centro-esquerda que pode fazer a diferença nas urnas.

Os políticos conservadores se renovaram para atrair esse eleitorado de centro, incorporando um elemento social e promessas de uma gestão dinâmica e eficiente em seu discurso - embora isso não queira dizer que boa parte deles tenha deixado de defender o legado de Pinochet. Sua primeira grande vitória foram as eleições legislativas de 2008.

Piñera tenta ser a cara dessa "nova direita". Com um patrimônio de mais de US$ 1,3 bilhão, é considerado um empresário agressivo e bem-sucedido, apesar de ter respondido a alguns processos judiciais por irregularidades em seus negócios. Além disso, se beneficiou da dificuldade da presidente Michelle Bachelet em transferir sua popularidade, de 80%, para Frei.

Ele não só é uma figura pouco carismática, como durante seu governo (1994-2000) a gestão da crise asiática foi considerada desastrosa. Até líderes da Concertação admitem, nos bastidores, que talvez não tenha sido o candidato mais adequado.

A repórter viajou a convite da Fundación Imagen de Chile

Todos querem ser o herdeiro de Bachelet

DEU EM O GLOBO

Programas sociais dão quase 80% de popularidade à presidente do Chile, país sem reeleição. Candidatos tentam ligar nome a ela

Cristina Azevedo Enviada especial • SANTIAGO

Michelle Bachelet está viva, bem viva.

Mas os candidatos que disputam hoje o primeiro turno das eleições presidenciais chilenas lutam por sua herança. Líder nas pesquisas de intenção de voto, Sebastián Piñera, da Coalizão para a Mudança, prometeu ampliar as políticas sociais da presidente e até incluiu em sua propaganda na TV uma foto com ela, embora seja da oposição.

O independente Marco Enríquez-Ominami criticou a Concertação, da qual fez parte, mas não atacou diretamente Bachelet. E Eduardo Frei, candidato da coalizão de governo, ao ver os adversários tentando se apoderar da figura da presidente, bradou, irritado: — Eu sou o herdeiro de Michelle Bachelet! Ao fim de quatro anos de governo, a primeira mulher a ocupar a Presidência no país tem quase 80% de aprovação, o maior índice de popularidade de um presidente chileno. Com sua imagem embalada pela ampliação das políticas sociais, há quem fale num retorno dela daqui a quatro anos, já que o Chile não permite a reeleição consecutiva.

— A presidente ampliou a proteção social.

Ela aumentou enormemente a cobertura de saúde para toda a população e foi muito próativa com as mulheres — explicou o jornalista e analista político Raúl Shor.

Ainda há grande desigualdade, mas os números animam. Nos últimos 20 anos de governo da Concertação, o Chile reduziu a pobreza de 38% para 13,7%, e a indigência despencou de 13% para 3,2% — embora alguns contestem a forma de medição. Por outro lado, o desemprego quase chega a dois dígitos, ficando em 9,7% no trimestre agosto-outubro. Seu sucessor terá que lidar também com um sistema educacional no qual a rede privada é eficiente e cara; mas a rede municipal é fraca. E também terá que realizar uma possível reforma tributária para financiar as crescentes demandas do sistema de saúde.

Isso não abate a feirante Paola Espinoza, que aos 38 anos vai poder sair da casa dos pais, onde morava com o marido e os três filhos. Ao todo, eram 22 pessoas numa casa de seis cômodos.

— Ainda não tenho tudo, mas vamos entrar na nossa casa segunda-feira — contou.

Paola mora em La Legua, uma comunidade pobre de San Joaquín, zona metropolitana de Santiago. Ela é o que o governo considera uma pessoa vulnerável — mulher chefe de família, com o marido doente, filhos, vivendo numa casa superlotada e trabalhando com os pais. No Chile, onde a renda mínima está em cerca de R$ 600, a classificação não é por salário, mas pelo “nível de vulnerabilidade”, implantado pelo governo Bachelet

Presença da mulher na sociedade aumentou

Paola investiu cerca de R$ 1.600. O Estado pagou o restante no programa Fundo Solidário de Habitação, que já atendeu 400 mil famílias em dois anos. A família escolhe entre os locais apresentados pelo governo e entre uma lista de construtoras para executar o projeto. Paola não é beneficiada apenas por esse programa.

O filho está estudando medicina de graça. De cada dez chilenos que ingressam na universidade, sete são os primeiros de suas famílias a chegar ao nível superior.

Há os mais diversos programas. O Bônus por Filho faz uma espécie de poupança, que é depositada na conta de Previdência da mulher quando ela chega aos 65 anos. O Chile Cresce Contigo acompanha crianças do momento da gestação até os 4 anos. Há ainda outros, como bolsas de estudo e o Chile Solidário, uma rede de proteção social para as famílias mais vulneráveis e que se tornou uma espécie de cartão de apresentação do governo — como o Bolsa Família no Brasil.

Hoje, 70% do orçamento público vão para as políticas sociais, avalia Clarisa Hardy, assessora de Bachelet e ex-ministra de Planejamento.

— Mudou a maneira de o Estado se comprometer com a sociedade. A legislação hoje assegura que esses direitos são garantidos.

E direitos não podem ser suspensos. Só se pode aprovar um programa se há meios de mantê-lo — explicou.

Boa parte das políticas afetou diretamente a vida das mulheres. Mas Clarisa acha que a principal mudança nos quatro anos de governo Bachelet foi cultural. Mulheres de até 35 anos estão ingressando maciçamente no mercado de trabalho. Segundo ela, já existe uma percepção de mudança nas relações cotidianas.

Nomeações de mulheres não chegam mais a ser surpresa no conservador Chile, a começar pelo próprio Gabinete de Bachelet: em 2005 havia cinco ministras. No ano passado já eram 22, quase 50% do Ministério.

— Hoje uma menina já pode aspirar ser presidente da República — disse Clarissa. — Ganhamos na batalha das ideias. Mas resta ver o que a direita entende por política social.

Nem sempre a popularidade de Bachelet esteve no alto. No início do governo, enfrentou fortes protestos de estudantes secundaristas.

As políticas sociais ainda não mostravam resultados, e seu índice de aprovação rondava os 30%.


O panorama começou a mudar nos dois últimos anos e, durante a crise econômica, ela criou mais um plano, desta vez de emergência, para gerar postos de trabalho sempre que o desemprego atinja dois dígitos. A rede de atendimento de saúde também foi estendida, assim como a cobertura de doenças. A classe média se queixa, mas os chilenos em geral acham que a situação está melhor.

— Vou votar em Piñera, mas se Bachelet se candidatar daqui a quatro anos, voto nela novamente — disse o motorista Juan Carlos Moreno.


INDEPENDENTE

Marco Enriquez-Ominami, 36 anos Cineasta e filósofo, aos 5 meses deixou o país e foi criado na França por uma década, pois a família era perseguida por Pinochet. Teve o pai médico, guerrilheiro esquerdista, morto pelo governo militar que derrubou Salvador Allende.

Foi adotado pelo economista e político Carlos Ominami, atual marido de sua mãe e hoje senador socialista, de quem adotou o sobrenome. Foi eleito deputado em 2005 pelo Partido Socialista. Deixou a legenda para se lançar candidato independente. Seus votos podem ser decisivos em um possível segundo turno entre Frei e Piñera. Define-se como progressista. É casado com uma âncora de TV, tem duas filhas

PROPOSTAS


• Abrir até 5% da propriedade da Codelco a trabalhadores ou a um fundo de pensão estatal

• Reforma tributária com aumento de impostos para mineradoras, hidrelétricas, empresas de bebidas alcoólicas para financiar a educação

• Aumentar o papel do Estado em transporte, saúde, habitação e previdência social

• Instaurar a figura do primeiro-ministro

• Estabelecer um pacto de união civil para acabar com problemas de herança e outros direitos para casais homossexuais

COALIZÃO PELO CÂMBIO

União Democrata Independente (UDI), Renovação Nacional (RN) e Chile Primeiro Sebastián Piñera, 60 anos Economista, investidor e político. Foi militante da Renovação Nacional, ex-senador por Santiago (1990-1998) e candidato à Presidência (2005), sendo derrotado no segundo turno por Michelle Bachelet. Dos 45 projetos que impulsionou no Senado, apenas um virou lei. É listado pela Forbes (2009) como o 701º mais rico do mundo, com uma fortuna de US$ 1 bilhão. Possui participação em empresas variadas, como o time de futebol Colo Colo, a companhia aérea LAN Chile e a TV Chilevisión. É o favorito, mas não deve conseguir evitar um segundo turno. Caso vença, seria o primeiro presidente eleito pela direita após o fim da ditadura Pinochet pondo fim a duas décadas de governos da Concertação, de centro-esquerda

PROPOSTAS

• Usar incentivos tributários e subsídios ao emprego para reativar a economia

• Pode vender até 20% da estatal Codelco, maior produtora de cobre do mundo, principalmente para fundos de pensões, assim como da petroleira ENAP

• Introduzir direitos legais para casais do mesmo sexo

• Extensão da licença-maternidde de 3 para 6 meses

• Colocar mais 10 mil policiais nas ruas

J. A. Guilhon Albuquerque:: Protagonismo inconsequente

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Pouquíssimos países, como o Brasil, terão passado por mudanças tão rápidas e radicais em seu perfil externo nos últimos 20 anos. Acossado pelo pesadelo da dívida externa e pela inflação descontrolada, nosso país era, até meados dos anos 80, um pária na comunidade internacional, em dívida com a democracia, os direitos humanos, a proteção ambiental, os direitos dos povos e das minorias. Não era considerado um país confiável.

Hoje tem assento obrigatório em qualquer fórum em que as questões mais relevantes para o destino do planeta sejam discutidas. E esse processo, construído ao longo de quatro governos, sofreu uma aceleração significativa no governo Lula, é justo que se anote. O número, a diversidade e a relevância das oportunidades que se abrem diante do Brasil - políticas, econômicas, morais - são difíceis de estimar, mas não são infinitas nem à prova de retrocesso.

Todo exercício de poder tem custo. O exercício de poder no contexto internacional tem sempre um custo elevado e a liderança internacional tem um custo diretamente proporcional ao preço de seus objetivos. Por isso é indispensável medir a necessidade e a viabilidade das ações de política externa, não pelo alto perfil que elas podem emprestar ao País, muito menos a um ator político, mas por sua posição na hierarquia dos interesses vitais da Nação.

Minha diferença com relação à política externa do governo Lula não é porque ela seja "de esquerda" - não é -, ou porque seja audaciosa - não é -, ou porque seja protagônica, o que pode ser ocasionalmente conveniente, desde que não vire obsessão. A política externa do atual governo é conceitualmente pobre - o que dificulta o diagnóstico correto dos desafios e oportunidades do contexto internacional. É operacionalmente chã - o que a leva a colocar todos os objetivos e atores no mesmo saco. É economicamente irracional porque não leva em conta nenhuma noção de custo e imagina que o capital de prestígio e influência de Lula, sua universal moeda de troca, seja inesgotável.

Tudo isso converge na noção, que os áulicos não cessam de confirmar no presidente, de que, quanto maior o número de ações protagônicas de política externa, mais aumenta o capital de "liderança global" de Lula, e quanto mais oportunidades de exibir o presidente em alto perfil, maior será o poder internacional do País, e maiores os benefícios para o Brasil. Haverá exemplo melhor em contrário do que o fiasco daquela reunião de países amazônicos, em que tivemos o dissabor de ver esse expoente do reacionarismo europeu, Sarkozy, pontificar sobre nosso maior patrimônio natural, como único interlocutor relevante de nosso presidente? Será que os estrategistas do Planalto e do Itamaraty aprenderão a lição? Não é o que indica seu retrospecto.

Primeiro, porque não sabem distinguir divergência de traição, e a tratam com arrogância. Em sua defesa da visita ao Brasil do presidente Ahmadinejad, do Irã (Folha de S.Paulo, 26/11), o assessor internacional do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, dedica seis de uma dezena de parágrafos não a apresentar seus argumentos ou refutar os contrários, mas a ofender aqueles que divergem, segundo ele, "subservientes", "vira-latas", "eleitoreiros", pescadores de "águas turvas". Isso tudo porque algumas vozes independentes se levantaram para manifestar sua divergência a que o governo brasileiro recebesse, com pompa e circunstância, o representante de um governo totalitário, suspeito de desenvolver um programa nuclear com objetivos bélicos, ele mesmo envolvido em maciça fraude eleitoral e responsável por cruel massacre de seus opositores.

Segundo, porque os parcos argumentos do assessor em prol dos lucros da visita do líder do regime xiita se resumem a apresentar uma lista de governantes que teriam demonstrado apreço ou manifestado altas expectativas com relação às iniciativas externas de Lula. Como se atender às expectativas dos poderosos bastasse para legitimar o papel de um chefe de Estado. Se não é subserviência, é um argumento obsequioso. Mas nem sequer verdadeiro: enquanto com uma mão Lula afiançou os planos nucleares do regime xiita desde que "dentro dos compromissos internacionais", com a outra determinou que o Brasil se abstivesse de aprovar o voto de censura da Agência Internacional de Energia Atômica contra violações de Teerã, decisão endossada até mesmo pela Rússia e pela China. Alentado por esse apoio sem contrapartida, no dia seguinte Teerã desafiou o Conselho de Segurança das Nações Unidas, anunciando uma expansão sem precedentes de seu programa nuclear, com a construção de dez novas refinarias de urânio.

Lula foi mais longe em visita a Berlim, insurgindo-se contra nossos principais parceiros estratégicos: desqualificou quatro anos de negociações entre o sexteto (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha) e o Irã, com vista a limitar as ambições nucleares daquele país, e negou legitimidade à Rússia e aos Estados Unidos, para exigir que qualquer país renuncie a seus objetivos bélicos, já que não promoveram o desarmamento.

Quem governa o Brasil há tantos anos deveria saber que o protagonismo externo pode ser inútil e nocivo, porque oneroso. O Mercosul, o Grupo do Rio, a Unasul e agora também a OEA e o Pacto Amazônico vêm sofrendo, um depois do outro, o desgaste e as divisões decorrentes da obsessão de Lula pela liderança e sua inclinação para o maniqueísmo. Desde a fundação da ONU o Brasil vem sendo reconduzido, regularmente, ao Conselho de Segurança, no qual goza de merecido prestígio pela qualidade de sua participação. Que isso não se ponha também a perder por um ativismo inconsequente, a serviço de um indisfarçado culto à personalidade.

J. A. Guilhon Albuquerque é professor titular de Relações Internacionais da FEA-USP

Ministros chegam a Copenhague; protestos reúnem milhares e 400 são presos

Associated Press e Efe

Cerca de 100 mil pessoas protestaram antes da reunião das autoridades; participação de ONGs sofre restrição

COPENHAGUE - Ministros de Meio Ambiente de todo o mundo estão chegando à conferência em Copenhague sobre mudança climática neste sábado, 12, e terão alguns dias para trabalhar num acordo, antes que mais de 100 chefes de Estado e governo cheguem à capital dinamarquesa, o que deve ocorrer no final da próxima semana.

Enquanto isso, cerca de 100 mil manifestantes se concentraram perto do Parlamento dinamarquês, neste sábado, 12, para pedir à comunidade internacional que chegue a um acordo justo que permita salvar o planeta. A manifestação, apoiada por mais de 500 organizações de 67 países, percorreu seis quilômetros, da praça do Parlamento até o centro de convenções onde acontece a conferência promovida pela ONU, que termina no próximo dia 18.

Para as ruas frias ao redor do prédio onde ocorre a conferência, a polícia deslocou tropas extras, que observaram milhares de manifestantes que se aglomeram desde o início da manhã. No final da manifestação, esse contingente entrou em ação contra protestantes que começaram a jogar pedras no Ministério de Assuntos Exteriores e na Bolsa. Cerca de 400 foram presos.

"Durante toda a semana nós ouvimos uma série de desculpas de países do norte para a crise ecológica que provocaram", afirmou Lidy Nacpil, do Jubileu da Coalizão do Sul. "Estamos tomando as ruas para exigir que a dívida ecológica seja paga para as pessoas do sul", disse ela em comunicado.

Por enquanto, as promessas de redução de gases de efeito estufa estão muito abaixo do que os cientistas dizem ser necessário para evitar que as temperaturas subam para níveis potencialmente catastróficos.

Um acordo preliminar foi apresentado na sexta, mas ele não traz números específicos sobre o financiamento. O esboço diz apenas que todos os países juntos devem reduzir as emissões entre 50% e 95% até 2050, e que países ricos devem diminuir as emissões entre 25% e 40% até 2020, tomando como base, em ambos os casos, os níveis de 1990.

O rascunho deixa em aberto a forma de acordo, que poderia vir sob a forma de um documento legal ou de uma declaração política.

Ian Fry, representante da pequena ilha de Tuvalu, localizada no Oceano Pacífico, fez um apelo emocionado em favor de um formato mais forte, que legalmente obrigue todos os países a se comprometerem com o controle das emissões. Ele pediu ao presidente dos EUA, Barack Obama, que aproveite o Prêmio Nobel da Paz recebido esta semana e assuma a luta contra a mudança climática, que chamou de "a maior ameaça para a humanidade".

Todd Stern, enviado especial dos EUA para a conferência, disse que o texto do acordo apresentado ontem é "construtivo", mas destacou que a seção sobre a ajuda aos países pobres é "desequilibrada". Ele disse que as exigências sobre os países industrializados são mais rígidas do que as dos países em desenvolvimento e que a seção "não é base para negociações".

Grupos ambientais saudaram o texto como um avanço, mas lamentaram a falta do que consideram elementos essenciais. O acordo preliminar, elaborado por Michael Zammit Cutajar, de Malta, afirma que as emissões globais de gases de efeito estufa devem atingir um pico "assim que possível", mas não chega a citar um ano como meta. O texto pede novo financiamento nos próximos três anos dos países ricos para que os mais pobres se adaptem à mudança climática, mas não menciona números. Além disso, o texto não traz propostas específicas sobre a ajuda no longo prazo.

Restrições a ONGs

A organização da cúpula anunciou que a partir de terça-feira, devido ao excesso de participantes, vai restringir o número de ativistas de ONGs que entram diariamente na conferência.

"Por motivos de segurança, a capacidade do Bella Center está limitada a 15 mil pessoas. A secretaria esteve acompanhando o nível de acessos ao evento, que está se aproximando progressivamente do limite", destaca uma nota dos organizadores, que afirmam que a ONU registrou aproximadamente 30.000 pessoas para a cúpula, 14.000 das quais seriam de diferentes ONGs.

Por conta disso, as restrições serão aplicadas a estas instituições e também a organizações intergovernamentais (OIG).

Para entrar na conferência, a partir de terça-feira representantes de ONGs e OIGs terão de apresentar uma credencial com foto, entregue a todos os participantes, e um segundo cartão de identificação.

A organização destinará a cada ONG uma determinada cota de novas autorizações de acesso.

Quando este teto for alcançado, nenhum outro representante daquela entidade poderá entrar na cúpula.

Lula critica recusa hondurenha à saída de Zelaya

REUTERS

Em comunicado conjunto com o presidente do Peru, posição hondurenha é considerada 'inaceitável'

SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva condenou a recusa do governo de facto de Honduras de permitir a saída do presidente deposto Manuel Zelaya por divergências sobre os status que seria concedido a ele.

Em comunicado conjunto com o presidente do Peru, Alan García, divulgado neste sábado pelo Itamaraty, os mandatários consideraram a medida "inaceitável". A declaração foi a primeira reação do presidente brasileiro ao mais recente impasse hondurenho.

"Os presidentes condenam de forma enfática a inaceitável negativa, pelas autoridades de facto de Honduras, em total desafio aos Direitos Internacionais, de conceder a permissão para a saída do presidente constitucional José Manuel Zelaya ao México", afirmou a nota divulgada após a visita de Lula ao Peru.

Zelaya, abrigado há quase três meses na embaixada brasileira em Tegucigalpa, tentou na quarta-feira deixar a representação diplomática do Brasil e partir para o México, mas a ação fracassou devido aos desacordos com o presidente de facto, Roberto Micheletti, sobre os termos de sua saída.

O líder deposto pretendia partir para o México como "hóspede", mas Micheletti afirmou que só permitiria sua saída de Honduras como asilado político e descartou conceder anistia pelas acusações que pesam contra ele.

Zelaya foi deposto e levado para a Costa Rica em 28 de junho, mas retornou secretamente a Honduras em 21 de setembro e desde então está abrigado na embaixada brasileira.

O Brasil condenou o golpe de Estado e defendia a restituição de Zelaya à Presidência antes das eleições presidenciais, vencidas pelo candidato oposicionista Porfirio Lobo, e que não foram reconhecidas pelo governo brasileiro.

Na sexta-feira, o presidente da República Dominicana, Leonel Fernández, afirmou que Zelaya e Lobo viajarão ao país caribenho para buscar uma nova solução para a crise.

Morales questiona 'moral' dos EUA para acusar de terrorismo

REUTERS

LA PAZ - O presidente boliviano, Evo Morales, questionou no sábado a "autoridade moral" dos Estados Unidos para acusar outras nações de "terrorismo", como fez a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, ao se referir ao Irã.

Hillary Clinton alertou na sexta-feira os países latino-americanos que uma aproximação da república islâmica teria consequências e classificou o país como "o maior partidário, promotor e exportador de terrorismo do mundo".

"Os Estados Unidos não têm autoridade moral para falar de terrorismo e acusar outras nações de promovê-lo", disse Morales na cidade de Cochabamba, horas antes de viajar a Cuba para participar da reunião de cúpula da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba)).

"Dizem que o Irã exporta terrorismo. (Os que fazem) são os que mandam tropas a outros países, os que instalam bases militares (...) é o governo dos Estados Unidos que pratica e faz terrorismo neste momento", acrescentou.

Desde que Morales assumiu a presidência em 2006, as relações diplomáticas entre Bolívia e EUA se deterioraram, diferentemente dos laços com o Irã.

Duas semanas atrás, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, realizou uma viagem pela América Latina que incluiu Bolívia, Brasil e Venezuela.

(Reportagem de Diego Oré)

Bom dia - Ingênuo, choro de Pixinguinha