• Após queda de 3,1% nas vendas, analistas esperam resultado negativo em 2015
Andrea Freitas – O Globo
Com a inflação alta e a renda em baixa, as vendas do comércio terminaram fevereiro em queda de 3,1% em relação ao mesmo mês do ano passado, o pior resultado para o mês desde 2001, quando houve perda de 5%. Os números da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC), divulgada ontem pelo IBGE, mostram ainda que, na comparação com janeiro, houve perda de 0,1%. Com esses resultados, analistas já esperam que o varejo encerre 2015 com queda nas vendas - o que não acontece há 12 anos - e fechamento de vagas.
- O comércio terá o pior ano desde 2003, quando houve recuo de 3,7%. Não há hipótese de se repetir em 2015 sequer o resultado de 2014 (alta de 2,2%) que já foi o pior em 11 anos. A dúvida é se este será o pior ano para o varejo com taxa negativa ou ainda no positivo - diz Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Juliana Paiva, gerente de análise de resultados do IBGE, explica que o desempenho do comércio responde a preço, renda e crédito. E destaca que a renda encolheu 1,5% este ano, enquanto no ano passado subia 4,1%.
- As vendas de hiper e supermercados recuaram 1,8% devido à diminuição da renda e ao preço dos alimentos. A alimentação em domicílio subiu 8,6%, acima do IPCA, levando as pessoas a cortarem supérfluos, por exemplo - diz.
Desemprego vai pressionar
As vendas voltaram ao terreno negativo sobre o mês anterior, após o leve respiro de janeiro. O desempenho do primeiro mês do ano, porém, foi revisto de 0,8% para 0,3%. Em relação a igual mês de 2014, a taxa ficou em 0,5%, em vez do 0,6% anunciado inicialmente pelo IBGE. Nos dois primeiros meses do ano, o comércio já registra perda de 1,2% e, em 12 meses, alta de 0,9%. Já a receita cresceu 0,7% em fevereiro na comparação com janeiro e 3,6% sobre igual mês do ano passado.
A consultoria Tendências prevê um recuo de 0,7% nas vendas do varejo em 2015, enquanto a Confederação Nacional do Comércio (CNC) já reviu para baixo sua projeção, de 1% para 0,3%. E não descarta novas revisões negativas.
Nem as datas comemorativas vão escapar. Segunda data mais importante do varejo, o Dia das Mães deve ser o pior desde 2004 ou 2005, aposta Bentes. Ele destaca, porém, que o primeiro semestre será mais difícil do que o segundo, graças a uma acomodação gradual dos preços.
- A energia não subirá como em março. Os preços no comércio já vêm perdendo força. A inflação do varejo foi de 0,9% em janeiro e de 0,8% em fevereiro, abaixo do IPCA. A inflação de serviços também, ficou em 0,58% em março e registrou a menor taxa em 5 meses. Isso é sinal de que o motor da inflação está parando - diz Bentes.
João Morais, analista da Tendências Consultoria, calcula que, no primeiro semestre deste ano, o comércio registrará recuo de 0,8% nas vendas sobre igual período de 2014, e, no segundo, baixa de 0,7%. Ele explica que se no primeiro semestre a inflação e o baixo nível de confiança do consumidor são os principais responsáveis pela fraqueza no varejo, nos últimos seis meses do ano, o aumento na taxa de desemprego, que segundo a Tendências sairá da casa dos 5% para cerca de 6%, vai começar a se refletir mais fortemente nas estatísticas.
- O pior em termos de alta de preços já passou. No emprego, não dá para dizer que o pior já passou, e isso vai aparecer no varejo. O mercado de trabalho ainda está sentindo e deve piorar até o fim do ano. E as estatísticas vão começar a mostrar as demissões que já estão ocorrendo - explica Morais.
Bentes também afirma que a taxa de desemprego vai crescer, piorando um cenário em que as condições de consumo já estão fragilizadas. O medo de perder o emprego associado a taxas de juros altas afasta ainda mais o consumidor das compras, especialmente de bens mais caros, como automóveis, que puxaram a queda no chamado varejo ampliado, indicador que inclui veículos, motos, partes e peças e material de construção. Na categoria ampliada, as vendas caíram 1,1% sobre janeiro. Frente a igual mês de 2014, a queda foi bem mais expressiva, de 10,3%.
Perda de 23% nos carros
O fim da redução do IPI, o menor ritmo na oferta de crédito e a restrição no orçamento das famílias fizeram o setor de veículos sentir mais a queda no varejo, segundo o IBGE. Automóveis, motos, partes e peças registraram uma queda de 23,7% frente a fevereiro de 2014, acumulando perda de 19,8% nos dois primeiros meses do ano.
- Quem vai assumir uma dívida de quatro ou cinco anos para comprar um carro com o emprego ameaçado? - indaga Bentes, lembrando que os juros ao consumidor no crédito livre estão em 54,3% ao ano, frente a 47,9% de fevereiro de 2014.
Com as vendas fracas, o emprego no comércio também deve ser afetado. Segundo Bentes, este ano, o varejo não deve gerar postos de trabalho pela primeira vez em oito anos:
No ano passado, foram gerados 146 mil postos de trabalho. Para este ano, esperamos corte de 11 mil vagas, o primeiro saldo negativo desde 2007 - afirma Bentes.