sexta-feira, 29 de março de 2019

Os comunistas e o golpe de 1964 / Declaração de maio 1965 do PCB

A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura

Declaração de maio 1965 do PCB (Voz Operária, Suplemento Especial, Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1965)

Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro

O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua ultima reunião.

Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a conseqüente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista. Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento. As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés. Modificou-se profundamente a situação política nacional.

As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:

1. As lutas do povo brasileiro desenvolvem-se num quadro de uma situação internacional caracterizada pelo fortalecimento das posições do socialismo, pelo Ascenso do movimento nacional-libertador e do movimento operário internacional, pelo crescimento das forças empenhadas na preservação e consolidação da paz mundial.

A política de paz realizada pela União Soviética e demais países socialistas, apoiada em seu avanço econômico, técnico e científico e inspirada no princípio da coexistência pacífica, penetra cada vez mais fundo na consciência de todos os povos. Desenvolve-se com vigor o movimento de emancipação nacional da Ásia, África e América Latina.

A conjuntura econômica dos países capitalistas mais desenvolvidos mantém-se, em geral, em ascenso. Aumenta o interesse, no campo capitalista, pela intensificação das relações econômicas com os países do campo socialista, o que amplia as condições objetivas da política de coexistência pacífica. Mas, simultaneamente, e em conseqüência também do continuado agravamento da crise geral do capitalismo, aguçam-se as contradições interimperialistas, que se manifestam especialmente na disputa de mercado e se refletem, com maior destaque, em posições assumidas pelo governo francês em sua política externa.

É nessa situação que o imperialismo, particularmente o norte-americano, intensifica suas atividades em diferentes regiões do mundo, empreendendo atos de agressão contra os povos que lutam pela libertação nacional. A situação internacional se agrava sensivelmente.

A intervenção no Congo por parte das forças ianques e belgas; a repressão da ditadura portuguesa às lutas do povo de Angola; a intervenção da Grã-Bretanha na Guiana Inglesa; as provocações da República Federal Alemã em torno de Berlim e a tentativa de organizar a Força Atômica Multilateral e criar um cinturão atômico nas fronteiras dos países socialistas – todas essas medidas constituem não apenas violações dos direitos dos povos, mas também novas ameaças à paz mundial.

Ante a firme resistência do povo do Vietnã do Sul, dirigido pela Frente Nacional de Libertação (Vietmin), o governo de Washington estende a sua agressão ao Laos e ao Camboja, bombardeia o território da República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte), ataca sua marinha mercante e de guerra. Para sufocar a luta do povo dominicano contra a reação e para defender os interesses dos monopólios ianques, desembarca tropas na República de São Domingos, utilizando a OEA para dar cobertura a essa monstruosa agressão.

A intensificação da agressividade do imperialismo norte americano expressa a orientação da chamada “doutrina Johnson” de esmagamento pela força dos movimentos democráticos e de libertação nacional. E tem também o objetivo de provocar guerras locais e limitadas, para impedir a distensão internacional, atendendo aos interesses dos círculos mais agressivos de Wall Stret e do Pentágono. Tais ações despertam, entretanto, os protestos e a revolta dos povos do mundo inteiro, inclusive do povo dos Estados Unidos. Contribuindo, assim, de um lado, para sério agravamento da situação internacional, concorrem de outro lado, para desmascarar cada vez mais o imperialismo norte-americano como opressor e explorador dos povos, como inimigo da paz, despertando novas forças para a luta em defesa dos povos oprimidos e contra as ameaças de nova guerra mundial.

Na América Latina, torna-se cada vez mais evidente o contraste entre a situação do povo cubano que, sob a direção de Fidel Castro, prossegue na construção vitoriosa da sociedade socialista, e a dos demais povos latino-americanos, que padecem sob a crescente exploração dos monopólios ianques. 

Aumenta a miséria das massas trabalhadoras, aguça-se a crise de estrutura e crescem as contradições entre as forças progressistas de cada país e os monopólios norte-americanos. Em alguns países como Venezuela, Colômbia, Guatemala e São Domingos, as lutas antiimperialistas tomam a forma de luta armada. Os Estados Unidos, prosseguindo, embora, na política da “Aliança para o Progresso”, que visa em parte à realização de reformas limitadas em benefício das burguesias locais, não vacilam em intervir diretamente pela força, ou provocar golpes reacionários e apoiar governos ditatoriais, para assegurar e consolidar seu domínio espoliador. De março de 1962 para cá em sete países – Argentina, Peru, Guatemala, Equador, São Domingos, Honduras e Bolívia - além do Brasil, foram dados golpes de Estado, sob a orientação e com apoio do governo de Washington.

Nada disso impede, entretanto, que os povos da América Latina continuem avançando no caminho da democracia e da emancipação nacional. Na Argentina, os comunistas reconquistaram o direito de organizar-se e propagar suas idéias. O governo do Chile estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas. O México mantém relações com Cuba, apesar da resolução em contrário da OEA. Entre as amplas massas, cresce o ódio ao imperialismo ianque e a determinação de lutar contra a reação interna. Na medida em que se unam e lutem, na medida em que fortaleçam sua solidariedade e sua ação conjunta contra o inimigo comum, os povos latino americanos serão tão invencíveis como o heróico povo irmão de Cuba, glória e exemplo para toda a América Latina.

Eliane Cantanhêde: Chuvas ácidas de verão

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro desiste de Vélez no MEC e Maia desiste de Bolsonaro na reforma

Com tantas prioridades, Brasília anda em círculos, num chove e não molha que não leva a nada e atrapalha tudo: a troca de desaforos entre os presidentes da República e da Câmara e a queda do ministro da Educação, que já foi decidida pelo chefe Jair Bolsonaro e é questão de tempo – horas, ou dias.

É inacreditável que Bolsonaro tenha riscado um novo fósforo no incêndio com o deputado Rodrigo Maia, quando a sensação no governo e no Congresso era de que o pior da crise havia passado. Alguém consegue entender por que o presidente foi falar novamente que Maia está nervoso “por problemas familiares”?

Já imaginaram se o deputado devolvesse na mesma moeda e desafiasse Bolsonaro a duelar com insinuações contra a família? Ele não faz isso porque seria um golpe abaixo da linha da cintura e também porque tem boas relações com o senador Flávio Bolsonaro, que também é do Rio.

O que parece claro é que Bolsonaro vai sempre governar atacando num dia, recuando no outro, mais preocupado com três ou quatro milhões de bolsonaristas da internet do que com os 200 milhões de brasileiros. Como isso só atrapalha a reforma da Previdência, Rodrigo Maia decidiu deixar o presidente pra lá e articular com quem realmente interessa. Ontem, fez as pazes com Sérgio Moro, da Justiça, e acertou os próximos passos com Paulo Guedes, da Economia, seu principal parceiro no governo. De quebra, recebeu Onyx Lorenzoni (Casa Civil).

The Economist: Jair Bolsonaro, o presidente aprendiz do Brasil

A menos que ele pare de provocar e aprenda a governar, o seu mandato no Palácio do Planalto pode ser curto

The Economist / O Estado de S.Paulo

Uma das principais razões pelas quais Jair Bolsonaro venceu a eleição presidencial no ano passado foi o fato de prometer movimentar de novo a economia depois de quatro anos de recessão. Ao nomear Paulo Guedes, um defensor do livre mercado, como seu superministro da Economia, ele conquistou o apoio do mundo empresarial e financeiro. Muitos imaginavam que a chegada de Bolsonaro à Presidência por si só traria nova vida para a economia. Mas, depois de três meses, ela continua moribunda como sempre. Os investidores começam a perceber que Guedes tem uma árdua tarefa de conseguir aprovar no Congresso a reforma da Previdência, crucial para a saúde fiscal do Brasil. E o próprio Bolsonaro não vem colaborando.

O déficit fiscal de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) tem um enorme peso sobre a economia, significando que os juros para os tomadores de empréstimo privados serão mais altos do que seriam do contrário. As pensões respondem por um terço do total das despesas públicas e são uma das razões pelas quais o Estado gasta pouco na infraestrutura fragilizada. O projeto de reforma do governo enviado ao Congresso no mês passado estabelece uma idade mínima para a aposentadoria, eleva as contribuições e preenche lacunas, com uma previsão de economias de R$ 1,2 trilhão durante dez anos. O déficit da Previdência foi de R$ 241 bilhões no ano passado. A reforma da Previdência, por si só, não fará com que o Brasil retome um crescimento econômico robusto. Serão necessárias reformas fiscais e outras medidas para aumentar a competitividade. Mas ela se tornou um objeto sagrado.

Bolsonaro está numa situação privilegiada porque, depois de dois anos de debate público e político, a reforma da Previdência hoje é menos impopular do que antes. Mas não é necessariamente uma proposta que conquista votos. E Bolsonaro não faz campanha para isso. “Toda a discussão sobre a reforma da Previdência é algo que os brasileiros gostariam de não ter”, afirma Monica de Bolle, economista brasileira do Peterson Institute for Internacional Economics.

A aprovação, assim, exige liderança do topo. Que está ausente. Em sua campanha, Bolsonaro denunciou a “velha política” corrupta do “toma lá, dá cá” no Congresso. Mas ele não possui uma estratégia alternativa para controlar o Legislativo. Entrou desnecessariamente em confronto com alguns aliados, incluindo Rodrigo Maia, o poderoso presidente da Câmara. O padrasto da mulher de Maia, Wellington Moreira Franco, um ex-ministro, foi preso em 21 de março junto com o ex-presidente Michel Temer, por suspeitas de suborno, o que ambos negam. O que levou a comentários feitos pelos filhos de Bolsonaro, que são assessores próximos do presidente, e que Maia considerou como um ataque pessoal. Sua resposta foi que ele não marcaria votações sobre a reforma da Previdência para um governo que chamou de “deserto de ideias”. As autoridades esta semana tentaram apaziguar Maia. Mas a reforma da Previdência deve sofrer atrasos e diluição.

César Felício: Tempestade de verão

- Valor Econômico

Oposição desconfia de intenções de Bolsonaro

Na pior semana do governo Jair Bolsonaro, a oposição jogou parada. O bombardeio entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia travou de tal modo a reforma da Previdência que permitiu aos próceres oposicionistas divagarem sobre como agir para garantir a governabilidade no país, dada a fase de surto pela qual passa o bolsonarismo.

O clima pesado desanuviou ontem, após a sequência de reuniões entre Sergio Moro, Rodrigo Maia e Paulo Guedes, que culminou na escolha do relator da reforma na CCJ, o mineiro Marcelo Freitas (PSL).

Pode ser que a sucessão de disparates da véspera tenha sido a tal "chuva de verão", a que Bolsonaro se referiu na cerimônia no Clube do Exército. Na realidade, o que ocorreu está mais para um temporal. Como chuvas de verão não são fenômenos climáticos isolados, é preciso esperar um tempo para que fique nítido se haverá mais turbulência ou não.

Com um Paulo Guedes que estava mais para Brumadinho do que para Itaipu, o que sobressaiu nos últimos dias foi uma agenda de ataque do presidente e seu entorno às instituições. Não foi algo pontual da quarta-feira, uma vez que desde o início do mês já havia uma ofensiva contra a cúpula do Judiciário, que se tornou mais intensa depois da decisão do STF a respeito da criminalização do caixa dois.

Os oposicionistas acreditam, a sério, que o jogo duro de Bolsonaro levará a uma ruptura entre a elite tradicional da política e os novos comandantes. Embora registrem que o vice-presidente Hamilton Mourão busca suavizar a imagem, não é com ele que a esquerda pretende dialogar. Mourão está em outra conexão, procurando e sendo procurado por empresários que anteveem um futuro sombrio para o atual presidente.

Os oposicionistas desconfiam do compromisso de Bolsonaro com a democracia e sonham em estabelecer pontes com Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que seriam os esteios contra o golpe, com Dias Toffoli e Gilmar Mendes na retaguarda.

A barafunda governista ajuda os oposicionistas a desviarem os olhos da sua maior chaga, que é a paralisia política do PT desde a prisão do caudilho da sigla. O maior partido da oposição não tem proposta, não tem estratégia, não tem ação coerente no Congresso, discurso, nada, absolutamente nada que não seja o "Lula Livre".

José de Souza Martins*: A escola e o senso comum

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Fazemos economia com educação, mas não com ignorância e privilégios

Muito se fala sobre as deficiências da educação brasileira e, injustamente, imputa-se à escola pública o nosso atraso. Esse atraso, todos sabem, expressa as condições impróprias e insuficientes da escolaridade e do exercício do magistério. Fazemos economia com educação, mas não a fazemos com ignorância nem com privilégios descabidos dos poderosos. No entanto, foi a escola pública que educou o Brasil e permitiu o grande salto educativo que nos separa das estreitezas culturais do tempo da escravidão.

Temos limitações e desafios. O problema maior de nossa educação está numa questão social simples: o divórcio entre o senso comum pobre e o conhecimento que a escola e os professores devem transmitir aos alunos.

A educação brasileira não sabe lidar com o senso comum que, em nosso caso, é um fator limitante do diálogo educativo. Nos países cultos, o senso comum, já entre os estudantes, é altamente informado pela cultura erudita, pelas visitas aos museus de história, de arte e de ciências, pelo teatro, pela música erudita, pelo cinema culto. Até mesmo pelo respeito à historicidade de paisagens rurais e de cenários urbanos cuja relevância educativa é reconhecida por todos. Aquilo que, classificado como adjetivo em relação às ruas e estradas, é entre nós tratado como feudo do carro pelos habitantes e pelo poder público.

De modo que, naqueles países, a sala de aula é dinâmico lugar da ampliação e do aperfeiçoamento das informações e da lógica do senso comum enriquecido pelas agências de difusão da cultura. Seria, aqui, um laboratório de preservação e de refinamento de nossas tradições humanistas e de aprimoramento crítico de nossa consciência social. Um meio de superar nossa danosa alienação.

Maria Cristina Fernandes: A espiral autocrática da geração Bretas

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Quando o juiz Marcelo Bretas apareceu no noticiário como titular da ação penal do caso Eletronuclear, em 2015, parecia dar vazão à ideia de que Sérgio Moro não era um ponto fora da curva. A prisão - e soltura - do ex-presidente Michel Temer mostraram que a segunda geração de juízes pós-Constituinte ameaça colocar o Judiciário numa espiral autocrática.

O atual ministro da Justiça tornou-se juiz em 1996, aos 26 anos, debruçando-se, desde o início de sua carreira, em casos de corrupção e lavagem de dinheiro a partir do caso Banestado. Apesar de dois anos mais velho, Bretas estreou na magistratura um ano depois de Moro. Passou 15 anos em varas no interior do Estado até ser lotado na 7ª Vara da Justiça Federal no Rio, onde, oito meses depois, recebeu a fatia da Lava-Jato desmembrada pelo então relator do caso no Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki.

Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, nenhum dos dois havia entrado na faculdade. Iniciaram seus estudos jurídicos quando a primeira geração de magistrados protagonizou os novos poderes outorgados pela Carta na proteção e na garantia dos novos direitos conferidos pelo texto que redemocratizou o país. Ambos passaram no concurso para a Justiça Federal no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, às vésperas da aprovação da emenda da reeleição pelo Congresso.

Ainda não eram juízes quando, em 1995, a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) promoveu o primeiro grande levantamento sobre o perfil da corporação, tarefa confiada a um grupo de pesquisadores liderado pelo professor Luiz Werneck Vianna, um dos principais estudiosos do Judiciário no país. Mas ambos ainda estavam na magistratura quando Werneck, Maria Alice Carvalho e Marcelo Burgos voltaram à rua no ano passado para uma nova rodada de perguntas patrocinada pela mesma entidade.

Hélio Schwartsman: O presidente maluquinho

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não dá sinais de que tenha compreendido a gravidade da situação

Com atraso de cinco meses, o chamado mercado e parcela da população que elegeu Jair Bolsonaro vão percebendo que o despreparo atávico do capitão reformado pode ter consequências desastrosas para o país. A piora de indicadores econômicos nos últimos dias e a queda da popularidade do governo aferida pelo Ibope mostram que, para alguns atores, a ficha está caindo.

Bolsonaro, porém, não dá sinais de que tenha compreendido a gravidade da situação. A reforma da Previdência está longe de ser a resposta para todos os nossos problemas, mas, sem ela, o país se tornará em um ou dois anos inadministrável, seja por Bolsonaro, seja por um governante competente.

Nessas condições, um agente racional envidaria todos os seus esforços, e é bom frisar o “todos”, em arregimentar o máximo possível de forças políticas para aprovar a reforma. Bolsonaro, entretanto, não só se recusa a negociar com o Congresso como ainda faz questão de adotar posicionamentos disruptivos, chegando ao ponto de atacar um aliado indispensável.

É tudo tão fora da realidade que já li especulações sugerindo que o presidente faz isso de propósito. Como um Jânio Quadros, ele apostaria no agravamento da crise para dela reemergir com poderes reforçados. Se o plano é esse, penso que, como Jânio, ele vai se dar mal.

A tática de “quebrar o sistema”, além de antidemocrática, quase nunca dá certo. As chances ficam ainda menores quando a popularidade do líder é declinante e ele se indispõe até com aliados naturais. Há notícias de que os militares estão irritadíssimos com a barafunda que se tornou o governo.

A seguir nessa toada, em breve restará a Bolsonaro apenas a linha dura da extrema direita, reunida em torno de figuras como Olavo de Carvalho. É gente que tem parafusos soltos e, no mundo real, não conta com nenhuma divisão. É preciso mais que palavrões e mapas astrais para se manter no poder.

Bruno Boghossian: Bolsonaro não vai mudar

- Folha de S. Paulo

Aparente armistício tem ressalva: presidente continua com o dedo no gatilho

O aparente armistício entre o Planalto e o Congresso foi assinado com uma ressalva: Jair Bolsonaro não vai mudar. Aliados que negociaram a redução da temperatura no embate avisaram que o presidente continuará com o dedo no gatilho e que o tiroteio pode recomeçar a qualquer momento.

Integrantes da cozinha do palácio (incluindo a ala militar) e parlamentares que fazem a ponte com o Legislativo foram transparentes. Avisaram aos líderes partidários que há disposição em acalmar os ânimos, mas admitiram que será impossível conter a natureza do presidente.

Bolsonaro está convencido de que o discurso de oposição às práticas políticas foi o grande motor de sua campanha presidencial. Incensado pelo núcleo ideológico do governo, ele deu demonstrações de que não está disposto a abrir mão dessa carta.

Reinaldo Azevedo: O impeachment de Bolsonaro

-Folha de S. Paulo

Reforma da Previdência era seu grande ativo, e ele está se encarregando de implodi-la

Sim, o presidente Jair Bolsonaro já cometeu crimes, no plural, de responsabilidade. Vai cair? Depende dele.

Bolsonaro encerra o seu terceiro mês de mandato, e a pergunta mais frequente que me fazem —e isto nunca aconteceu em tempo tão curto— é a seguinte: "Você acha que ele vai até o fim?" Dado que o presidente e seus valentes escolheram a imprensa como inimiga, as pessoas imaginam que temos a resposta porque esconderíamos uma arma letal contra o "Mito". As coisas mais perigosas que guardo contra Bolsonaro são a Constituição e a lei 1.079.

Há um desânimo evidente em setores da elite que apostaram literalmente num milagre, que é o acontecimento sem causa. Por que diabos, afinal de contas, ele faria um bom governo ou encaminharia soluções institucionais? Em que momento de sua trajetória política ele se mostrou reverente à lei e à ordem? Nem quando era militar, ora bolas! Vejam lá: o fiscal que o multou porque pescava em área ilegal foi exonerado do cargo de confiança que ocupava no Ibama. Ainda volto a ele.

Para responder se Bolsonaro conclui ou não o seu mandato, terei de voltar a Dilma Rousseff. Sim, ela pedalou, cometeu crime de responsabilidade, segundo os termos da lei 1.079. Sempre cabe a pergunta: "Mas ela pedalou muito?" Não, gente! Seu governo destruiu as contas públicas em razão de obtusidades várias, que não vêm ao caso agora, mas a pedalada propriamente foi coisa pouca, nada que a sociedade brasileira não pudesse ignorar se a economia estivesse em crescimento, os juros e a inflação em níveis civilizados, as contas públicas em ordem —hipótese, então, em que a presidente não teria passeado imprudentemente de bicicleta...

O impeachment por crime de responsabilidade tem como condição necessária uma agressão à ordem legal —uma motivação, pois, de feição jurídica—, mas só se realiza se estiver dada a condição suficiente, que é a política. Não por acaso, seu primeiro passo é a admissão da denúncia, em decisão monocrática, pelo presidente da Câmara. E toda a tramitação segue sendo de natureza... política! Os senadores, que atuam excepcionalmente como juízes, também são políticos.

Merval Pereira: Maldades à vista

- O Globo

Há quem considere que aprovação do Orçamento impositivo pode trazer benefício: acabar o ‘é dando que se recebe’

A munição da Câmara de maldades constitucionais para assumir o protagonismo na aprovação do Orçamento está longe de esgotada. Deputados federais de diversos partidos já estudam, entre outras medidas, retomar os termos de uma emenda constitucional proposta em 2000 pelo falecido senador Antonio Carlos Magalhães, muito mais rigorosa com relação ao Orçamento impositivo, que hoje abrange apenas as emendas individuais dos parlamentares e passará a abranger também as emendas de bancadas com a PEC aprovada na Câmara.

A proposta de 2000, que pode ser ressuscitada, impõe ao governo limites rigorosos para contingenciamento de verbas, exigindo explicações formais ao Congresso. Ou a necessidade de autorização do Congresso para aumentar os gastos além do Orçamento. Há até mesmo um mecanismo semelhante em vigor nos Estados Unidos, de paralisação das atividades dos serviços públicos caso o Congresso não aceite as explicações do governo.

Nos Estados Unidos, cerca de 400 mil funcionários públicos ficaram em casa, sem receber, durante a mais recente paralisação pela disputa com o presidente Donald Trump pela verba adicional para a construção do muro na fronteira com o México. Repartições públicas não funcionaram, museus fecharam as portas. Outros tantos foram considerados “essenciais” e trabalharam sem receber.

A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem no que aconteceu com as colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de uma representação virtual como queriam os ingleses.

A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776, na fundação dos Estados Unidos.

Bernardo Mello Franco: Vélez virou um ex-ministro no cargo

- O Globo

Em poucas horas, o titular do MEC foi fritado pelo chefe e espinafrado por deputados. Apesar do vexame, ele disse que não pedirá demissão. ‘Estou gostando muito do cargo’, explicou

Ricardo Vélez é um ex-ministro em atividade. Se ele ainda não tinha se dado conta, recebeu o aviso na quarta-feira. Num intervalo de poucas horas, o colombiano foi fritado pelo chefe e espinafrado por deputados. Terminou o dia tendo que informar, pelo Twitter, que ainda não havia sido demitido.

Em entrevista a um programa policial na TV, o presidente Jair Bolsonaro admitiu que o Ministério da Educação parou. “Não tá dando certo as questões lá”, disse. Ele acrescentou que é preciso “ter poder de comando, exercer autoridade e indicar pessoas corretas”. Tudo o que falta na gestão de Vélez.

Na Câmara, os deputados lembraram de tudo o que sobra. Polêmicas vazias, bagunça administrativa, clima de caça às bruxas. “Parece que o MEC estabeleceu como prioridade lutar contra moinhos de vento”, resumiu Israel Batista (PV-DF).

Os parlamentares questionaram o ministro sobre as demissões em série e a falta de rumo da pasta. “Quem manda no MEC é o senhor ou o Olavo de Carvalho?”, perguntou Bira do Pindaré (PSB-MA). “Vossa Excelência não tem controle algum do ministério”, respondeu Aliel Machado (PSB-PR).

Míriam Leitão: Guedes não pode ser o articulador

- O Globo

Pelo estilo, temperamento, e pela natureza do seu cargo, Guedes não pode ser o articulador político da reforma da Previdência

O ministro Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de fato se entendem. Eles tiveram bom diálogo desde o primeiro momento. O almoço de ontem foi a chance de deter a escalada da insensatez estimulada pelo presidente Jair Bolsonaro. A pavimentação da ponte Guedes-Maia é ótima notícia. Mas a ideia de que o Guedes possa ser o articulador da reforma da Previdência no Congresso é outro equívoco. Ele terá que estar sempre presente, mas não pode desempenhar esse papel. Quem comanda a Economia tem a chave do cofre. Na sua área está o Tesouro Nacional. Se é ele que vai articular as forças políticas do parlamento, evidentemente os pedidos ficarão mais caros. Não falo de pedido indevido, mas das normais reivindicações financeiras e fiscais para estados e regiões. Na linha de frente tem que estar um ministro político.

O recado de Paulo Guedes não podia ser mais claro do que foi na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado sobre as razões e condições para permanecer no cargo. Acha que pode servir ao país, não se assustará com a primeira derrota, mas não ficará agarrado ao cargo se a reforma não for aprovada. O ministro tem sempre frases fortes e eloquentes. Algumas esclarecem, outras espetam. Sua fala é direta, saltando todos os formalismos, o que pode facilitar o entendimento, mas às vezes o faz tropeçar em asperezas desnecessárias.

Por temperamento, estilo, e pela natureza do cargo ele não pode ser o encarregado de coordenar as articulações políticas para a aprovação da reforma. Para isso existem os ministros políticos. E, como já disse aqui, o presidente tem um papel incontornável no trabalho de união da base. Bolsonaro, além de fugir desse papel, faz o avesso do que deveria como demonstrou insistentemente nos últimos dias.

Vinicius Torres Freire: Chuva de verão, seca de inteligência

- Folha de S. Paulo

Passou o sururu, diz presidente, mas problema da coalizão política continua na mesma

A turumbamba do governo com o Congresso passou, como chuva de verão, afirmou Jair Bolsonaro.

Depois do verão vem a estiagem. Na seca, um tempo crônico de vacas magras e de ministérios mais gordos na mão de militares, o que o presidente pode ou quer oferecer aos parlamentares?

Depois do sururu, o problema continua quase do mesmo tamanho. Trata-se de dividir poder, cargos e verbas; de impedir que as falanges bolsonaristas avacalhem parlamentares nas redes insociáveis.

Bolsonaro poderia aparecer com uma reforma ministerial e partilhar pedaços do governo, mas:

1) não quer, por enquanto, ao menos;

2) não pode fazê-lo, sem mais, sem desmoralização, pois a rejeição do que chama de "toma lá dá cá" é uma questão de honra para o núcleo puro do bolsonarismo;

3) ainda que conhecesse as artes de como fazer tal reforma, agora faltam-lhe meios. Entregou parte do ministério a militares. O que sobra é pouco, dada a fragmentação ainda maior do Congresso, partidos demais para uma dança de poucas cadeiras;

4) caso aproveitasse essa reforma para dar jeito em ministérios como Educação, Casa Civil, ou Turismo, teria de dividi-los entre condomínios de partidos e, de resto, colocar lá alguém de confiança. Entregar ministério de porteira fechada é de fato um risco letal. Difícil.

Em que termos vai se dar então a "nova articulação política" do governo? Dinheiro não haverá. A receita federal está perto da estagnação, despesas crescem de modo vegetativo. O investimento em obras será ainda mais talhado. Em breve, vamos ouvir queixas da construção civil, a infraestrutura vai ruir aos poucos, universidades e hospitais irão à míngua.

Claudia Safatle: Guedes articula para destravar reforma

- Valor Econômico

Capitalização desperta dúvidas e pode ser revista

Caberá ao ministro da Economia, Paulo Guedes, dar "carinho" para os parlamentares irritados com a falta de interlocução com o governo de Jair Bolsonaro. Isso significa receber deputados e senadores, ouvir as suas demandas, falar das possibilidades do país após a aprovação da reforma da Previdência e tirar "selfies". O ministro poderá até avaliar a possibilidade de o governo liberar recursos das emendas parlamentares, que é um legítimo desejo dos congressistas. Mas não deverá atender às eventuais reivindicações por indicações políticas para a ocupação de cargos relevantes na administração federal.

Se isso será suficiente para fazer a proposta de reforma da Previdência tramitar no Congresso, é uma questão a se ver.

Ontem, porém, a conversa de Guedes com lideranças políticas em almoço na residência do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), acalmou os ânimos.

O ministro está ocupando um espaço vazio nas articulações políticas. O trabalho do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, "não tem sido suficiente", disse um experiente funcionário do governo. "O Onyx, como um gaúcho da fronteira, não tem perfil conciliador", completou. Carlos Alberto Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, também deverá reforçar o trabalho da articulação.

Elena Landau*: O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade

- O Estado de S.Paulo

Este governo escolheu o confronto: nós os virtuosos, contra eles, os corruptos

Uma briga que começou sem ninguém entender bem o porquê escalou para uma grave crise entre Executivo e Congresso. Antes disso a expectativa era de aprovação da reforma da Previdência ainda este semestre e a Bolsa chegou aos 100 mil pontos refletindo o otimismo.

Nem mesmo a pesquisa Ibope quebrou o clima do mercado. Mas deve ter mexido com o núcleo próximo ao presidente. Só a tentativa de reverter os baixos índices de aprovação, radicalizando na pauta que o elegeu, poderia explicar a operação política que se seguiu.

Bolsonaro elegeu Maia como inimigo público número 1, o representante da velha política, e se negou a fazer uma articulação política para a aprovação da reforma. Sua missão teria se encerrado com a ida ao Parlamento para a entrega da PEC 06/2019. De fato, esse gesto do presidente foi simbólico e importante. O erro é imaginar que seu papel acaba ali. Formar uma base parlamentar é parte do jogo democrático, não há governo possível sem o Congresso, na velha ou na nova política. A forma de se obter essa base, e apoio para suas reformas, pode, e deve, ser diferente do presidencialismo de cooptação. O resultado das urnas já havia revelado o esgotamento das práticas do passado com forte votação contra os partidos que governaram o País desde a redemocratização.

Este governo escolheu o confronto: nós os virtuosos, contra eles, os corruptos. Já vimos isso antes, nada de novo na Nova Política. Bolsonaro não tem o monopólio da virtude como ele quer fazer crer. Tem também seus telhados de vidro; em casa e no ministério.

Dora Kramer: Apesar de vocês

- Revista Veja

Se um presidente atrapalha, quatro presidentes atrapalham muito mais

Não obstante o alarido do bolsonarês castiço que assola a República, a reforma da Previdência vai passar. Não porque o presidente Jair Bolsonaro esteja particularmente empenhado nisso. Não será uma obra dele nem de seus três auxiliares falastrões que por uma dessas conjunturas inusitadas são filhos com questões familiares um tanto mal resolvidas e detentores de mandato parlamentar. Se dependesse desses quatro, caminharíamos de modo irremediável para o “buraco” em que o general Rêgo Barros disse recentemente que cairemos caso a reforma não seja feita.

Ela será feita, cedo ou tarde, de um jeito ou de outro, porque o mundo do dinheiro, dos negócios e da alta esfera política concorda com a fala do porta-voz. Funciona mais ou menos como a derrubada da inflação no governo FH e a manutenção da política econômica do antecessor na gestão Lula: ou é isso ou não tem governo. Quiçá país, na interpretação dos entendidos no assunto.

Prefeito do Rio por três vezes, Cesar Maia, pai do presidente da Câmara, aponta três eixos de sustentação efetiva do governo: Economia (Paulo Guedes), Justiça e Segurança (Sergio Moro) e administração substantiva (os militares do Planalto). Note agora o leitor que todos eles atuaram na última semana para desconstruir a barafunda que parecia levar a reforma a pique.

Moro e Guedes entenderam-se com Rodrigo Maia sobre a necessidade de a proposta da Previdência tramitar soberana, o vice-presidente Hamilton Mourão tranquilizou o PIB com encontro em São Paulo e o general Augusto Heleno certamente foi o autor oculto do apelo à “pacificação” feito por Bolsonaro em seguida a intenso tiroteio com o presidente da Câmara.

Ricardo Noblat: Trapalhadas do capitão

- Blog do Noblat / Veja

O dito pelo não dito

Onde se leu: o presidente Jair Bolsonaro ordenou ao Ministério da Defesa que comemore em todos os quartéis do país a passagem de mais um aniversário do golpe militar de 64;

Leia-se agora: não foi comemorar. Foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro, disse Bolsonaro, corrigindo seu porta-voz.

Onde se leu: Bolsonaro atribui a “problemas pessoais” a irritação com ele do presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia, que respondeu mandando que ele parasse de brincar de presidir o país;

Leia-se agora: o desentendimento entre os dois foi uma passageira chuva de verão” e é “página virada”, como afirmou Bolsonaro.

Onde se leu: Bolsonaro irá transferir de Tel Aviv para Jerusalém a embaixada do Brasil em Israel;

Leia-se agora: Bolsonaro admite que o Brasil poderá abrir em Jerusalém um escritório de negócios, mantendo sua embaixada em Tel Aviv.

Por ora, em matéria de retificações, é só. Mas amanhã será outro dia, e sob a pressão de novos acontecimentos, ou dos filhos, ou do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, ou de qualquer comentário que leia no Twitter, Bolsonaro sempre poderá retificar as retificações.

Luiz Carlos Azedo: Chumbo trocado não dói

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Bolsonaro disse que a intenção da ordem que deu aos comandantes militares sobre o golpe de 1964 não foi comemorar, mas “rememorar, rever, ver o que está errado, o que está certo. E usar isso para o bem do Brasil no futuro”

O presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), suspenderam o fogo ontem, depois de quase uma semana de tiroteio. A bandeira branca foi hasteada depois de intensas articulações no Congresso dos ministros da Economia, Paulo Guedes, da Casa Civil, Onix Lorenzoni, e da secretaria de Governo, general Santos Cruz, além de conversas no Palácio do Planalto com o próprio presidente da República. As reações do mercado financeiro na Bolsa de Valores e a alta do dólar ajudaram a cair a ficha de que o embate que estava em curso era um jogo de perde-perde para o país.

“Página virada, um abraço, Rodrigo Maia. O Brasil está acima de todos. Acontece, é uma chuva de verão”, disse Bolsonaro, ao suspender o fogo, pela manhã. Entretanto, não foi uma rendição: “Outros problemas acontecerão, com toda certeza. Mas, pode ter certeza, na minha cabeça e na dele, o Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, acrescentou. Um almoço do ministro da Economia, Paulo Guedes, com Rodrigo Maia, serviu para desanuviar o ambiente e repor a discussão da reforma da Previdência no centro das atenções.

No meio da tarde, o ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, em visita ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Felipe Francischini, negociou a indicação do relator da reforma CCJ: o delegado da Polícia Federal Marcelo Freitas, deputado de primeiro mandato do PSL de Minas Gerais. Um relator indicado pelo partido do presidente da República foi uma boa solução para o impasse que havia sido criado, porque sinalizou mais empenho de Bolsonaro e do PSL para aprovação da reforma.

“O que nós temos hoje é o resultado de muito diálogo que o governo Bolsonaro construiu. Nós estamos vendo aqui um jovem deputado federal, de primeiro mandato, com maturidade. Teve paciência, enfrentou com tranquilidade e esperou o momento aonde a presidência da Câmara, os líderes de todos os partidos chegaram a esse consenso de que seria importante que fosse um nome do PSL. Dentro do PSL, houve uma busca criteriosa e nós temos, como disse o presidente Francischini, um relator que dá tranquilidade ao país. Tem preparo jurídico, tem preparo do exercício da sua atividade profissional”, disse Lorenzoni.

Do outro lado do Congresso, um almoço do ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, com o líder do Governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), e seus vice-líderes serviu também para blindar o ministro da Economia, Paulo Guedes, em relação à aprovação da emenda constitucional que torna impositivas as emendas de bancada. Aprovada pela Câmara em processo relâmpago (dois turnos de votação em apenas um dia), por muito pouco não foi referendada pelos senadores, na quarta-feira. A proposta chegou a ser pautada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que acolheu pedido de urgência assinado, entre outros, pelo senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. Um apelo dramático de Bezerra derrubou a votação.

Bolsonaro muda tom e diz que ideia é rememorar, e não comemorar, golpe de 1964

Porta-voz afirmou na segunda (25) que presidente ordenou 'comemorações devidas' na data

Talita Fernandes / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em evento de comemoração dos 211 anos da Justiça Militar, o presidente Jair Bolsonaro negou que tenha determinado ao Ministério da Defesa que fosse comemorado no domingo (31) os 55 anos do golpe de 1964.

"Não foi comemorar, foi rememorar, rever o que está errado, o que está certo e usar isso para o bem do Brasil no futuro", afirmou nesta quinta-feira (28).

A fala diverge de declaração feita pelo porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, na segunda-feira (25).

O general afirmou aos jornalistas que o presidente havia determinado à Defesa que fossem feitas "comemorações devidas" no domingo, quando se completam 55 anos do golpe militar.
O porta-voz disse ainda que Bolsonaro não considera a tomada de poder pelos militares, em 1964, um golpe.

O episódio deu início no Brasil a um período de exceção, marcado por censura, torturas a adversários políticos, cassação de direitos e fechamento do Congresso Nacional.

A ditadura, que se estendeu até 1985, for marcada por um período sem eleições diretas para presidentes da República, o que só foi retomado em 1989, após a Constituição Federal de 1988.

Na quarta (27), em entrevista à TV Bandeirantes, Bolsonaro voltou a negar que tenha havido ditadura e golpe e afirmou que, assim como em todo casamento, todo regime tem alguns "probleminhas".

Na terça (26), o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, rechaçou o uso da palavra "comemoração". Segundo o ministro, a data é histórica e deve ser explicada para os mais jovens.

Após ter sido intimado pela Justiça a prestar esclarecimentos sobre a ordem de comemoração, Bolsonaro minimizou o caso.

Bolsonaro adota meias verdades e omissões ao falar sobre ditadura militar

Entenda dez trechos sobre golpe de 1964 e regime militar em entrevista do presidente

Naief Haddad / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O presidente Jair Bolsonaro concedeu nesta quarta-feira (27) entrevista ao jornalista José Luiz Datena, da TV Bandeirantes. Falou 7 dos 35 minutos sobre o regime militar, reiterando que não houve golpe em 1964, tampouco ditadura nos anos seguintes.

A partir de dez trechos dessa parte da entrevista, é possível concluir que o presidente não se excedeu em dados inteiramente falsos, mas adotou meias verdades e omissões para comprovar as suas teses.

1) “Que golpe foi esse onde o Congresso cassou no dia 2 de abril João Goulart?”

Bolsonaro se refere à sessão secreta do Congresso na madrugada de 2 de abril de 1964. Naquela ocasião, o presidente do Congresso, Auro de Moura Andrade, considerou vaga a Presidência da República.

Houve protestos veementes de alguns deputados, como Tancredo Neves, que lembravam que Jango estava no Brasil, situação que o impediria de ser deposto. A declaração de Moura Andrade não tinha sustentação legal. Não adiantou. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu o cargo.

Bolsonaro omite um ponto fundamental: o golpe, de fato, começou dias antes dessa sessão no Congresso. Na madrugada de 31 de março, o general Olympio Mourão Filho iniciou a movimentação das suas tropas de Juiz de Fora (MG) em direção ao Rio com o intuito de derrubar Jango.

Nas horas seguintes, outras ações dos militares reforçaram o cerco ao presidente, que praticamente não ofereceu resistência aos conspiradores.

2) “Que ditadura é essa que o Congresso, com o voto de Ulysses Guimarães, no dia 11 de abril, elege o marechal Castello Branco, de acordo com a Constituição de 1946?”

Nesta data mencionada por Bolsonaro, Castello Branco foi eleito com 361 votos. Sim, Ulysses votou em Castello —tornou-se oposição ao regime militar meses depois.

Bolsonaro, no entanto, deixa de lado o que é essencial para a compreensão desse episódio. Qual era a legitimidade deste Congresso para escolher o presidente?

Antes do pleito indireto, 41 deputados federais (entre eles, os líderes da esquerda que apoiavam Jango) tinham sido cassados pelo Ato Institucional nº 1 (AI-1) e, portanto, não votaram. Outras listas viriam em sequência, perfazendo 400 cassações até março de 1967.

Monica De Bolle*: O golpe

- Época

Quem constituía as principais ameaças aos valores tradicionais e conservadores do país nos anos 60? Ora, os sindicatos, os intelectuais, os estudantes universitários e seus professores, alguns jornalistas.

O Golpe “Durante o fim de semana os urubus enfiaram-se pelas varandas da casa presidencial, desfizeram à bicada as redes de arame das janelas e remexeram com as asas o tempo estancado no interior e na madrugada de segunda-feira a cidade acordou do seu letargo de séculos com uma morna e mole brisa de morto grande e de apodrecida grandeza.”

Tinha o ditador sem nome de Gabriel García Márquez algo entre 107 e 232 anos, era doente e analfabeto e vivia em meio à decrepitude. Seus ministros, não os consultava para nada — à exceção do ministro da Saúde, por ser seu médico pessoal. A narrativa desvela um dos temas mais caros ao escritor colombiano: a solidão — em especial, a solidão do poder. Desvela também traições e vinganças, fraudes e mentiras, numa alegoria do autoritarismo na América Latina.

O outono do patriarca é obra lírica e densa, além de rico retrato das ditaduras latino-americanas. Eu pretendia utilizar o livro como gancho para um artigo sobre a Colômbia e a Venezuela, mais eis que vejo o presidente do Brasil exortar o ocorrido em 1964 e o ministro das Relações Exteriores declarar que não houve golpe naquele ano fatídico, mas sim um “movimento necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura”. Ou seja, o ministro Ernesto não tem a menor dúvida de que uma ditadura se instalou no Brasil justamente para evitar uma ditadura. Fui atrás do ano em que nasceu o ministro — 1967, um ano antes do AI-5 e das atrocidades que seriam cometidas pela ditadura em nome de evitar a ditadura. Entendo que era Ernesto um bebê, uma criança, durante os Anos de Chumbo que marcaram o fim dos anos 60 e o início dos anos 70. Contudo, isso não o redime. Eu não era nascida em 1968 e considero o que ocorreu no Brasil em 1964 um golpe, gravíssimo atentado contra a democracia, derrocada dos direitos humanos. Estou bem longe de ser a única.

Taxa de desemprego sobe para 12,4% e desalento bate recorde

Resultado divulgado nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ficou acima dos 12% registrados no período anterior; número de pessoas que desistiram de procurar trabalho aumentou em 275 mil em um ano

Vinicius Neder, Maria Regina Silva e Francisco Carlos de Assis, O Estado de S.Paulo

A taxa de desemprego no trimestre que terminou em fevereiro foi de 12,4%, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada na manhã desta sexta-feira, 29, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A população desocupada chega hoje a 13,098 milhões.

Como previsto por analistas, o resultado foi menor em comparação ao mesmo período concluído em fevereiro de 2018, de 12,60%. O resultado ficou acima, no entanto, dos 12% registrados no período imediatamente anterior, também dentro do esperado pelo do mercado.

A sazonalidade desfavorável foi citada pelos economistas como um dos fatores a acentuar a desocupação no trimestre, já que o início do ano é marcado pela dispensa de trabalhadores contratados temporariamente no quarto trimestre. Além da influência típica do período, o desempenho esperado confirma o quadro fraco do mercado de trabalho.

De acordo com as expectativas de 25 instituições consultadas na pesquisa do Projeções Broadcast, o intervalo de previsões para o dado sem ajuste era de 12,30% a 12,60%, com mediana de 12,50%.
Desalento

O Brasil tinha 4,855 milhões de pessoas em situação de desalento no trimestre encerrado em fevereiro, segundo os dados da Pnad Contínua. O contingente manteve o nível recorde da série histórica do IBGE, iniciada em 2012.

Em um ano, 275 mil pessoas a mais caíram no desalento. Em relação ao trimestre encerrado em novembro de 2018, o resultado significa 150 mil desalentados a mais.

A população desalentada é definida como aquela que estava fora da força de trabalho por uma das seguintes razões: não conseguia trabalho, ou não tinha experiência, ou era muito jovem ou idosa, ou não encontrou trabalho na localidade. Se tivesse conseguido trabalho, estaria disponível para assumir a vaga. Os desalentados fazem parte da força de trabalho potencial.

“Dado que o desemprego chegou neste nível tão alto, isso alimenta o desalento também. Essas pessoas não se veem em condições de procurar trabalho”, explicou o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.

Segundo o IBGE, a renda média real no País no trimestre foi de R$ 2.285 por mês, alta de 0,7% em relação ao mesmo período do ano passado.

Alta confusão, baixas expectativas: Editorial / O Estado de S. Paulo

Turbulência na Bolsa, dólar em disparada, insegurança nos mercados e piora das expectativas compõem o balanço econômico dos primeiros três meses de governo do presidente Jair Bolsonaro. Todas as projeções de crescimento foram revistas para baixo desde o início do ano.

O Banco Central (BC) cortou de 2,4% para 2% a previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entidade também oficial, reduziu sua expectativa de 2,7% para 2%. No mercado, a mediana das estimativas bateu em 2,01% no último fim de semana, segundo a pesquisa Focus, atualizada semanalmente pelo BC.

Até o Ministério da Economia, responsável principal pelas finanças públicas e pela política de expansão dos negócios, baixou sua aposta. Segundo a conta revista, o PIB deverá avançar 2,2% neste ano, em vez dos 2,5% indicados no Orçamento-Geral da União.

O cenário de susto estava armado no mercado financeiro e de capitais, na quinta-feira de manhã, quando o BC e o Ipea divulgaram suas novas projeções para a economia brasileira. O dólar havia superado a cotação de R$ 4 no dia anterior, voltando aos níveis alcançados antes da eleição presidencial.

O confronto como método é receita para o fracasso: Editorial / O Globo

Manter-se em campanha é grave erro de Bolsonaro, que ontem, porém, fez gestos de apaziguamento

Nestes quase 90 dias de poder, se há um método de governar do presidente Jair Bolsonaro, é o do confronto, o que tem produzido na política algo próximo ao caos. Depois de breve armistício, Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, passaram a quarta-feira em refregas. Em entrevista à TV Band, o presidente, indagado sobre os choques com Maia, em torno da articulação política para a aprovação do projeto da reforma da Previdência na Câmara, fez ironia com o fato de o marido da sogra do deputado, Moreira Franco, ter sido preso pela Lava-Jato fluminense: “ele está um pouco abalado com questões pessoais que vem enfrentando”.

No troco dado por Maia, o deputado afirmou que Bolsonaro está “brincando de presidir o Brasil”. Na tarde de quarta, enquanto a troca de salvas de artilharia entre Maia e Bolsonaro era retomada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizia no Senado que, se seus projetos forem rejeitados, não ficará. Mesmo que tenha atenuado a afirmação ao dizer que isso não acontecerá na “primeira derrota”, os mercados reagiram como previsto. O clima criado a partir do Planalto, degradando ainda mais o relacionamento entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, leva a que os agentes econômicos, dentro e fora do país, trabalhem com a possibilidade concreta de serem baixas as chances de o governo aprovar seus projetos no Congresso.

Dominó e xadrez: Editorial / Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Guedes precisam dar mostras de maior disposição para o jogo político

Houve algo de revelador quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) afirmou, na terça (26), que não iria jogar dominó com os antecessores Michel Temer (MDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no xadrez.

O atual mandatário não corre hoje o risco de ir preso. Por outro lado, o desempenho presidencial indica que suas limitações e a lógica maniqueísta que lhe é peculiar o credenciam mais a abraçar o dominó que o xadrez —o jogo.

Diante de Rodrigo Maia (DEM), chefe da Câmara que o desafiou para o tabuleiro complexo do Parlamento, viu apenas as cores preta e branca. Não se deu conta de que o deputado está cercado por 512 peões, cavalos, bispos, reis e rainhas.

Maia lhe diz que é preciso ir a campo e negociar para aprovar a reforma da Previdência, e Bolsonaro lhe pespega de pronto a pecha de fisiológico, como se qualquer barganha política fosse corrupta.

Quando todos se voltavam para panos quentes, o presidente não resistiu a ironizar o parlamentar em tacanha entrevista na TV. Na mesma conversa de tergiversador, acusou esta Folha de inventar que elogiou o sanguinário ditador chileno Augusto Pinochet, coisa que fez em 2015 e nunca renegou.

Escolheu, por razões ideológicas, um ministro calamitoso para a pasta nevrálgica da Educação, Ricardo Vélez, que o próprio Bolsonaro agora reputa neófito e desprovido de tato político.

Todos sabem que cogita demiti-lo, mas o presidente espalha nas redes sociais desmentidos falaciosos só para achincalhar a imprensa como inventora de falsidades.

Congresso começa a preparar armadilhas para o governo: Editorial / Valor Econômico

A história se repete. As relações entre o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso começam a se parecer com a do desastre que foi a articulação da equipe de Dilma Rousseff com os parlamentares, no início de seu segundo mandato. A recente pauta-bomba (não se sabe quantas mais virão), do orçamento impositivo em uma versão mais robusta, se originou na trama do hoje presidiário Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que teve amplo apoio dos deputados e provocou o impeachment de Dilma. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que teve boas relações com Cunha, está na mesma posição, com o mesmo poder e continua sendo hostilizado por Bolsonaro. A diferença é que Bolsonaro sequer completou três meses de governo, ao passo que o inferno de Dilma se iniciou após mais de quatro anos no cargo.

Em mais uma fantasmagoria do passado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está sendo alçado à coordenação política da reforma da previdência, diante da absoluta falta de relações construídas com o Legislativo. Já lutando pela sobrevivência, a presidente Dilma deixou que seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se encarregasse ele mesmo de tratativas sobre a batalha decisiva do momento - meta fiscal - com o Congresso. Desejou-lhe boa sorte, o que Levy, contra-indicado para a função, não teve.

A mesma atitude do governo premia agora Guedes, que terá, provavelmente os mesmos resultados. Sua audiência de anteontem no Senado mostrou que Guedes é sincero e defende com garra suas posições, mas sua habilidade com congressistas - e em geral com seus interlocutores - só é superior à do presidente Bolsonaro - que improvisa e manda alguém fazer o trabalho que cabe à Casa Civil.

Vinicius de Moraes: Estudo

Meu sonho (o mais caro)
Seria, sem tema
Fazer um poema
Como um dia claro.

E vê-lo, fantástico
No papel pautado
Ser parte e teclado
Poético e plástico.

Com rima ou sem rima
Livre ou metrificado
-Contanto que exprima
O impropositado.

E que ( o impossível
Talvez desejado)
Não fosse passível
Do ser declamado.

Mas que o sonho fique
Na paz sine-die
Ça c`est la musique
Avant la poésie.

Mônica Salmaso: Partido alto