quinta-feira, 11 de maio de 2023

Merval Pereira - Tiro no pé

O Globo

Medidas extremas transformam regulamentação necessária dos meios digitais numa pressão indevida

É absurda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, de obrigar o Telegram a retirar sua mensagem contra o Projeto de Lei (PL) 2.630, chamado PL das Fake News, e no lugar obrigar o aplicativo a assumir que sua mensagem anterior é “flagrante e ilícita desinformação, atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à democracia brasileira”.

A começar pelo apelido que viralizou — PL das Fake News —, até a decisão um tanto alargada de Moraes ao assumir também a relatoria do caso, unificando-o ao já aberto inquérito das fake news em 2019, o debate sobre o Projeto de Lei 2.630 ganhou dimensão política distorcida. Tecnicamente, trata-se do projeto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, de autoria do senador Alessandro Vieira.

Tratando-o como “das fake news”, seus próprios defensores contribuíram para a própria derrota na guerra da informação, dando margem a que temas como censura, democracia ou ditadura sejam apensados indevidamente à discussão. No afã de “defender a democracia”, medidas extremas têm sido tomadas pelo Judiciário, transformando a regulamentação necessária dos meios digitais, já definida em diversos países democráticos no Ocidente, numa pressão governamental indevida.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, ao dizer que há outros caminhos para regulamentar os novos meios, ou pelo Supremo ou pelo próprio governo, ajuda a dar a impressão de que há uma ação conjunta para controlar os meios digitais. O caso recente é exemplar. Não acho nada de mais que Telegram ou Google defendam seus pontos de vista, que critiquem o projeto que está no Congresso. O debate é para abrir a discussão, dentro do Congresso, não numa repartição do governo.

Malu Gaspar - Democracia no Brasil ainda corre riscos - com o Supremo, com tudo

O Globo

Está completando sete anos a revelação de um dos diálogos mais famosos da nossa crônica político-criminal. Na gravação feita pelo delator e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, o então ministro do Planejamento, Romero Jucá, dizia que a elite dirigente do Brasil precisava de um pacto para deter a Lava-Jato.

Segundo ele, era necessário fazer o impeachment de Dilma Rousseff e “botar o Michel (Temer) num grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”. Desde então, porém, muita coisa já aconteceu: depois do próprio impeachment, vieram a Vaza-Jato, a desmoralização da Lava-Jato e, por fim, a ascensão de um presidente da República negacionista, tresloucado e autoritário, que quase acabou com nossa democracia.

A reação da sociedade foi a possível. Como parte do Congresso e a Procuradoria-Geral da República fingiram que não havia nada demais acontecendo, coube ao Supremo tomar decisões que provavelmente não teriam sido aceitas noutros tempos. O inquérito das fake news é um bom exemplo.

Nascido em 2019 com um insanável vício de origem — foi instalado pelo ministro Dias Toffoli com o objetivo genérico de investigar “notícias fraudulentas, ameaças e infrações” contra ele mesmo e seus colegas do STF, além de ter sido entregue a um relator sem sorteio —, o inquérito permanece sigiloso até hoje e nunca foi concluído.

Ainda assim, como serviu para investigar as redes bolsonaristas que disseminavam fake news sobre a Covid-19 e a vacinação e ainda forneceu elementos aos inquéritos sobre os ataques à credibilidade das urnas eletrônicas e o 8 de Janeiro, acabou legitimado (ou engolido) por boa parte da opinião pública. Gilmar Mendes, decano do tribunal, costuma afirmar que, se não fosse o inquérito das fake news, estaríamos hoje sob uma ditadura.

Luiz Carlos Azedo - Lula precisa de um governo para chamar de nosso

Correio Braziliense

O presidente da República depende não somente do próprio carisma, mas das regras do jogo democrático e do exercício competente da política institucional. Graças a isso, pôde tomar posse

De modo geral, governos populistas são “fulanizados”, ou seja, organizam sua sustentação política em torno de um líder carismático. Quem primeiro caracterizou esse tipo de liderança foi o sociólogo alemão Max Weber, autor de uma palestra célebre, intitulada “A política como vocação”, ao separar poder e dominação. Para ele, o poder é o exercício da vontade sobre os indivíduos; a dominação, a aceitação e a subordinação dos indivíduos ao poder exercido por alguém. Há três formas legítimas de dominação, uma delas é a carismática. As outras duas são a legal (um pacto entre os cidadãos para que eles tenham garantidos os seus direitos) e a tradicional (com base na moral e na religião, característica das sociedades patriarcais).

O que nos interessa mais é a dominação carismática, que depende de a capacidade individual mobilizar a sociedade e comandá-la. Segundo Weber, o líder carismático é uma espécie de força da natureza, exerce uma mística sobre seus seguidores, essencial para que seus liderados nele depositem a esperança de mudança e acreditem nas suas ações. Nesse tipo de dominação, a competência não está em primeiro plano. Por isso, a instabilidade desse tipo de dominação decorre diretamente da capacidade de persuasão do líder. Quando ela falha, o poder entra em crise.

No Brasil, o líder político mais carismático de nossa história republicana foi Getúlio Vargas, que liderou a Revolução de 1930 e se manteve no poder como ditador até 1945. Voltou ao poder pela vontade popular, nas eleições de 1950, com 46,36% dos votos, como candidato à Presidência do PTB, partido que fundou. Naquela época, não havia segundo turno. Essa votação traduziu seu prestígio junto aos trabalhadores assalariados do país, mas também revelou forte a rejeição da classe média e das elites do país. Vargas se matou para não ser deposto, em 24 de agosto de 1954, em meio a uma crise política provocada por um atentado ao jornalista Carlos Lacerda, seu mais figadal adversário político, perpetrado pelo chefe de sua guarda pessoal, Gregório Fortunato.

Maria Hermínia Tavares* - Deu a lógica no Chile

Folha de S. Paulo

Oposição tem incontrastável hegemonia para decidir como será a lei básica do país

No domingo passado (7), os chilenos consagraram nas urnas a extrema direita na disputa pelos 51 assentos no Conselho Constituinte, ao qual incumbirá redigir a nova Carta do país. Os republicanos de José Antonio Kast foram premiados com cerca de 36% dos votos; somados aos recebidos pela coalizão da direita tradicional, Chile Seguro, os opositores do governo de esquerda de Gabriel Boric desfrutarão de incontrastável hegemonia para decidir como será a lei básica da nação andina.

resultado das eleições é o ponto culminante de um processo que começou com a revolta popular de 2019, que os nacionais chamam de "el estallido" (o estrondo), abrindo caminho à vitória da esquerda renovada contra as forças políticas tradicionais de centro-esquerda e direita —tanto no pleito presidencial de 2021 como na disputa pela representação na Assembleia Constituinte do ano seguinte.

Os vitoriosos provinham de uma coalizão entre variados agrupamentos esquerdistas que compartilhavam compromissos com o ambientalismo, a igualdade de gênero e o reconhecimento de direitos dos povos originários. Coerentemente, o seu projeto de Constituição respaldava franquias sociais extensas, diversos mecanismos de participação e aborto legal —além de converter o Chile em estado plurinacional.

Faltou combinar com o povo.

Bruno Boghossian - Os coronéis do golpismo

Folha de S. Paulo

Investigação mira peixes grandes que discutiam golpe de Estado ao lado de Bolsonaro

Instalado dentro do Palácio do Planalto, um coronel da reserva se queixava das pedras no caminho para um golpe de Estado. Faltavam duas semanas para o fim do governo Jair Bolsonaro quando Elcio Franco, assessor da Casa Civil, enviou o lamento a um amigo do presidente, pelo WhatsApp. "Essa enrolação vai continuar acontecendo", disse.

Do outro lado da conversa estava o ex-major Ailton Barros. Ele falava em pressionar a cúpula do Exército, mobilizar 1.500 militares e convencer o Comando de Operações Especiais a prender o ministro Alexandre de Moraes. "Se preciso for, vai ser fora das quatro linhas", ameaçou.

A máquina bolsonarista quis pintar o golpismo pós-eleitoral como um sonho de militantes birutas ou um plano de soldados rasos do entorno do ex-presidente. Mas não é preciso ir longe para identificar os nomes e os gabinetes de majores, coronéis, generais e delegados que discutiam a ideia perto do centro do poder.

Vinicius Torres Freire - Câmara aperta o teto de Lula

Folha de S. Paulo

Governo ainda resiste, mas deputados tentam definir novas restrições a gastos

O teto móvel de gastos do governo não deve ser aquele proposto ao Congresso pelo governo Lula. Como se escreveu nestas colunas, haverá uma limitação um tanto maior a certas despesas e mais do que se chama de "punição" em caso de descumprimento de metas de saldo primário (a diferença entre receita e despesa, desconsiderada a despesa com juros).

Uma restrição que pode entrar no pacote é a obrigação de o governo tomar providências caso as contas indiquem que será difícil cumprir a meta de superávit primário. Trocando em miúdos grossos, trata-se de alguma versão do velho contingenciamento. No caso de haver frustração de receita ou excesso de despesa, o governo será obrigado a suspender despesas previstas no Orçamento do ano corrente.

Ainda se discute qual o método de contingenciamento. O assunto divide o governo, como se pode esperar, e causa ira no PT. A divisão interna e as renegociações do arcabouço com a Câmara atrasaram a conclusão do projeto, relatado pelo deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que é a voz de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, sobre o assunto.

Assis Moreira - Os subsídios emergentes

Valor Econômico

As subvenções representaram 14,8% em média da receita bruta dos agricultores chineses em 2019-2021

No começo de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao participar de forma virtual da Cúpula Latino-Americana pela Segurança Alimentar, organizada pelo México, foi incisivo: “O sistema multilateral de comércio precisa se livrar dos vergonhosos subsídios agrícolas dos países ricos” que, segundo ele, “sabotam a incipiente agricultura dos países em desenvolvimento”.

A declaração de Lula tem todo sentido. Mas o que chamou atenção foi ele limitar o confronto a ricos e pobres, repetindo uma visão de 2003. E ignorar que os novos grandes fornecedores de subsídios agrícolas, e que podem ameaçar fatias brasileiras no comércio no futuro, são emergentes como Índia e China.

Basta ver que o G20 agrícola, o grande movimento tático que o Brasil preparou e liderou, se esvaziou completamente há alguns anos quando ficou evidente o conflito de interesse entre países exportadores e emergentes subsidiadores. Foi isso que fez o Brasil voltar a se aproximar do Grupo de Cairns, que reúne basicamente exportadores.

Os Estados Unidos e a União Europeia continuam dando tradicionais subvenções a seus agricultores e criam novos programas e barreiras, sob o argumento de sustentabilidade ambiental. Um exemplo é a Lei de Redução da Inflação dos EUA, um pacote de subsídios de US$ 391 bilhões para impulsionar a transição do país para a energia limpa, que destina quase US$ 40 bilhões à agricultura e ao desenvolvimento rural.

Maria Cristina Fernandes - Governo sem maioria e capitalismo sem risco

Valor Econômico

Com derrota no saneamento, governo mostra que não tem maioria e com petição no STF, que pretende enfrentar o capitalismo sem risco

O governo não tem maioria no Congresso para reverter duas reformas, o marco legal do saneamento e a limitação do capital votante da União na Eletrobras. Ainda assim, a centrar esforços no arcabouço fiscal, resolveu ir pra cima, com chances desiguais.

Conselheiros presidenciais chegaram a argumentar que, por mais fundamentais que fossem, as batalhas da água, esgoto e luz deveriam ser adiadas para quando o governo ganhasse fôlego parlamentar. O fiasco no saneamento levou o tema para o Supremo. A contestação ao modelo societário da Eletrobras foi direto para a Corte. A primeira é choro de perdedor. A segunda, não. Aos fatos.

Na negociação do saneamento, sob Jair Bolsonaro, os governadores acamparam no Congresso. Sem fôlego financeiro, de um lado, e transformadas em cabides de emprego, do outro, as estatais ficaram longe de universalizar o serviço, mas argumentavam que o capital privado só o faria porque desobrigado de se valer dos consumidores ricos para subsidiar os pobres.

Um dos porta-vozes mais ativos das estatais era o então governador da Bahia. Tendo o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, por testemunha, Rui Costa fechou acordo que preservava o direito de as estatais prorrogarem os contratos vigentes sem licitação desde que se comprometessem a cumprir metas de universalização em curto espaço de tempo.

William Waack - A resistência

O Estado de S. Paulo

Lula subestimou o tamanho e a natureza das resistências que enfrenta

Lula não se deu conta ou não quer admitir a falta que faz um EstadoMaior com gente capaz de peitá-lo. É notável a diferença de inteligência política entre quem ele consultava há 20 anos e o pequeno grupo atual ao qual empresta seus ouvidos – se é que empresta.

No primeiro mandato seus principais auxiliares tinham noção muito melhor do grau de resistência social e do grau de resistência no Legislativo ao presidente e ao PT. Os dois tipos de resistências aumentaram exponencialmente no período, na evolução de processos e fenômenos político/sociais já fartamente discutidos.

Mas Lula só parece enxergar – se é que enxerga – a resistência parlamentar. Lula nunca parece ter abandonado a noção de que 300 ou mais picaretas pululam na Câmara, e com os quais sempre soube lidar. Julga que é só operar melhor a concessão de emendas, cargos e ministérios.

Felipe Salto* - Raskólnikov e o novo arcabouço fiscal

O Estado de S. Paulo

Em ‘Crime e Castigo’, o personagem converge à redenção. O PT, hoje uma pedra no sapato do Ministério da Fazenda do seu próprio governo, precisa inspirar-se nesse mote e começar a ajudar

Confesso que gosto deste termo: arcabouço fiscal. É que ele remete a estrutura, conjunto de normas a balizar comportamentos. Na Warren Rena, projetamos a dívida e o déficit após a apresentação do tal arcabouço. As contas melhoraram, mas a proposta poderia ganhar mais corpulência. Os erros passados seriam suplantados por este novo compromisso, desde que genuíno, como o de Raskólnikov.

No cenário-base, projetamos déficit primário (receita menos despesa sem contar juros da dívida) de 1,1% do PIB, em 2023, e de 1%, no ano que vem. Portanto, a meta de zerar o déficit em 2024 seria rompida, levando ao acionamento do gatilho previsto no art. 9.º-A introduzido pela proposta do arcabouço na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Esse gatilho reduz a taxa de crescimento do limite de despesas. No lugar de crescer a 70% da variação porcentual real da receita líquida até junho, o gasto só poderá aumentar 50% dessa taxa. Ao simular o efeito da medida, os déficits estimados remanescem, mas em clara trajetória de melhora, até passar ao azul em 2031. Partindo de 1,0%, em 2024, o déficit cai a 0,9%, em 2027; a 0,7%, em 2028; a 0,4%, em 2029; e a 0,3% do PIB, em 2030, sendo zerado em 2031.

As projeções consideram que o PIB crescerá a 1,4%, em 2024, acelerando a 1,8% até 2026. Situar-se-ia em 2% ao ano na média de 2027 a 2032. Os juros reais sairiam de mais de 7,5% para algo como 4,5% e, no período final, para menos de 4% ao ano. A pressuposição é de que os juros nominais seriam menores na presença de uma regra fiscal crível, com inflação sob controle (convergindo a 4%, entre 2024 a 2025, e, depois, a 3,5% ao ano).

José Serra* - O saneamento entre interesses antigos e atuais

O Estado de S. Paulo

O que se deve, agora, é perseguir uma institucionalidade que garanta a melhor oferta de serviços à população, deixando de lado interesses menores

A discussão recente sobre o marco legal do saneamento básico no País é de grande utilidade para identificarmos um novo papel estatal na realidade brasileira – já não apenas o de construtor, mas também de organizador de ações econômicas e de garantia de serviços básicos e de qualidade à população.

A Lei n.º 14.026 (15/7/2020) instituiu no Brasil novas regras para o setor de saneamento, considerado um fator-chave para a saúde dos cidadãos e para a própria consciência de cidadania.

No início de abril deste ano, no entanto, o governo Lula publicou dois novos decretos (n.º 1.466 e n.º 1.467) que alteram aspectos expressivos do marco legal aprovado no governo anterior. No caso das parcerias público-privadas (PPPs), uma legislação recente reduziu as incertezas sobre o tamanho dessas parcerias ao eliminar um limite artificial de 25% da receita do projeto. No âmbito do julgamento das licitações, o reforço à modicidade tarifária e ao atingimento das metas de universalização, em detrimento do valor da outorga, foram favoráveis ao setor. Mas os ecos do velho Estado promoveram desvios nos ouvidos do novo governo e os decretos foram além.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Relator faz bem em endurecer arcabouço fiscal

O Globo

Novo texto terá chance de êxito com imposição de cortes de despesas e manutenção de travas da LRF

É esperado que o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), relator do novo arcabouço fiscal, apresente hoje ou nos próximos dias seu substitutivo ao texto encaminhado ao Congresso pelo governo. Ele tem prometido avanços. A dúvida é se as melhorias serão suficientes para garantir que o arcabouço funcione. As regras para gestão e redução da dívida pública ao longo do tempo precisam, antes de tudo, ser confiáveis. Sem punições e travas por descumprimento de metas, serão inócuas.

Cajado vem defendendo cortes de despesas se a meta fiscal não for atingida por ao menos um ano. A proposta é que haja gradação. Quanto mais longe do objetivo, maior será o aperto exigido do governo. Idem em caso de reincidência. A lista de medidas em cogitação inclui proibição de reajuste aos servidores, contratação de pessoal, criação de cargos, concursos públicos, novas despesas obrigatórias, reajuste de gastos acima da inflação e renúncia fiscal. A ideia é excelente, mas será preciso analisar a versão final de Cajado para saber se os cortes sugeridos bastarão para incentivar o governo a seguir o caminho da responsabilidade fiscal.

Poesia | Mundo Grande - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Roberta Sá - Samba de um minuto