quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Merval Pereira – Nação e Exército

- O Globo

Militares não querem ser confundidos como parte do governo Bolsonaro, como não quiseram em outros governos

A relação entre os militares e o presidente Jair Bolsonaro foi mais uma vez colocada em xeque por interferência do guru Olavo de Carvalho, que foi ao YouTube para criticar a edição do livro do sociólogo Gilberto Freyre “Nação e Exército” pela Biblioteca do Exército.

O lançamento será amanhã na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), para comemorar os 70 anos da edição do livro. Olavo de Carvalho estranhou, questionando se a decisão seria uma indicação de que militares estariam se unindo a comunistas para afrontar o presidente da República.

A análise nesse sentido foi publicada no blog bolsonarista Sociedade Militar, interpretando que a publicação do livro marca “o fortalecimento de uma ala mais progressista da força terrestre” e um “gradual afastamento do presidente da República e do governo como um todo”.

O que provocou a ira de Olavo de Carvalho, que normalmente é elogiado pelo blog bolsonarista. No seu blog, Olavo disse não acreditar que essa análise representasse a visão do Exército. A informação de que Gilberto Freyre, em 1949, fazia parte da Aliança Nacional Libertadora, formada por comunistas, antifascistas e militares descontentes, e que, portanto, o livro representaria uma visão ideológica diferente da do Exército é rechaçada pelos militares responsáveis pela edição. Que, aliás, começou a ser pensada cerca de três anos atrás, sendo impossível atribuir a ideia a uma mensagem cifrada contra o governo Bolsonaro.

O neto de Gilberto Freyre, que é secretário de Cultura do governo de Pernambuco, aprovou a ideia e fará um lançamento também em Recife. No livro, Gilberto Freyre defende a tese de que o Exército não deve ser convocado pela sociedade para atuar em todos os momentos de crise.

Ascânio Seleme - Mau humor e pessimismo

- O Globo

É histórico, dias bicudos geram pessoas bicudas. Todas as crises, não importa onde ocorram e qual seja a sua natureza, causam rebuliço no coração humano capaz de mudar dramaticamente o humor de cada um. São poucos os episódios na história da humanidade que produziram povos mais infelizes do que os europeus que viveram durante a agoniante e sanguinária Segunda Guerra Mundial, ou os africanos das nações colonizadas e escravizadas no século XIX. Quanto maior o drama, maior a crise, mais sombrio o povo. E deriva daí um mau humor sistêmico e um pessimismo contagiante. Viu-se isso ao longo dos últimos anos no Brasil, uma gangorra no humor e nas expectativas dos brasileiros.

Vivemos momentos de júbilo e esperança, como nos primeiros mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Passamos períodos de incerteza, nos segundos mandatos de ambos, e de medo e ansiedade, nas administrações de Fernando Collor, Dilma Rousseff e Michel Temer. E em cada uma dessas temporadas, o humor nacional ia sendo moldado pelo ambiente político e econômico da ocasião. Não foi por outra razão que as pessoas saíram às ruas em 2013, no auge do desgaste de Dilma, no seu segundo e mais torturante mandato.

Bernardo Mello Franco - Milícias amazônicas

- O Globo

A Human Rights Watch acusa Bolsonaro de dar “sinal verde” à devastação da Amazônia. A ONG afirma que os madeireiros estão contratando milícias para se proteger

Defender a Amazônia é uma atividade de alto risco. Na última década, mais de 300 pessoas foram mortas em conflitos pela terra e pelas riquezas da floresta. A lista inclui agentes públicos, ativistas e indígenas que tentam resistir às motosserras.

O relatório “Máfias do Ipê”, da Human Rights Watch, aponta ligações entre o crime organizado e o desmatamento. Os devastadores contratam grupos armados para proteger seus negócios ilegais. “É bem similar às milícias”, define o defensor público Diego Rodrigues Costa, que acompanhou a investigação de chacinas encomendadas por madeireiros em Mato Grosso.

A HRW afirma que a violência é uma realidade antiga, mas tende a se agravar com a política antiambiental em vigor. “O governo Bolsonaro tem agido de forma agressiva para diminuir a capacidade do país de fazer cumprir suas leis ambientais”, acusa.

De acordo com a entidade, o presidente “tem reduzido a fiscalização ambiental, enfraquecido as agências ambientais federais e atacado organizações e indivíduos que trabalham para preservar a floresta”. “Suas palavras e ações na prática têm dado sinal verde às redes criminosas envolvidas na extração ilegal de madeira”, afirma o relatório.

Míriam Leitão – Guedes: a entrega e a autonomia

- O Globo

Na visão de Paulo Guedes, sua gestão tem vitórias em pouco tempo como a Previdência, os acordos da cessão onerosa e da UE com o Mercosul

O ministro Paulo Guedes acha que em pouco tempo a sua gestão conseguiu vários avanços que não têm sido bem avaliados. Vitórias como a reforma da Previdência, a finalização do acordo Mercosul-União Europeia, a conclusão da difícil negociação que torna possível o leilão da cessão onerosa, a lei da liberdade econômica são vitórias que, na visão do ministro, derrubam na prática a tese de que a “entrega” estaria abaixo do previsto e do desejável. Mas há agora uma dúvida sobre o poder de decisão de Guedes na condução da política econômica.

O ministro é sempre cobrado pelo seu desempenho — aqui mesmo nesta coluna — e uma das razões foi ter prometido vender estatais e imóveis públicos para zerar o déficit público. Hoje diz que isso são apenas “diretrizes” gerais que perseguirá no seu trabalho no Ministério. É público que durante a campanha ele disse que zeraria o déficit no primeiro ano, mas está previsto resultado negativo até para o último ano do governo, em 2022. Ele define assim as diretrizes: “zerar o déficit se possível e não aumentar impostos.”

Na lista das conquistas da sua administração, ele inclui pontos que não têm muita visibilidade, mas que podem fazer enorme diferença na vida do cidadão, como a “digitalização de 90 dos 97 serviços do INSS”. Diz que era “crueldade a prova de vida física”. Por enquanto, ainda está sendo exigida, mas quando isso realmente estiver em funcionamento será o fim de um tormento para os mais idosos e com dificuldades de locomoção.

Luiz Carlos Azedo - Coisas da Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Delatores e delatados convivem pacificamente, enquanto aguardam a redução de suas penas. Não existe “omertà”, nome napolitano do código de honra e silêncio da máfia italiana”

Uma das diferenças entre as operações Mãos Limpas, na Itália, e a Lava-Jato, aqui no Brasil, é o fato de que a investigação das relações entre os políticos daquele país com a máfia foi marcada por atentados à bomba, assassinatos de juízes e suicídios de envolvidos. O saldo é impressionante: 4.525 prisões, 1.069 políticos investigados, 1.300 condenações e acordos judiciais, 430 absolvições, 31 suicídios. Dois juízes, Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, que tinha ligações com políticos envolvidos no escândalo, foram assassinados pela máfia. Era de 5 bilhões de euros por ano o custo da corrupção na Itália, o que implodiu o sistema partidário italiano.

No Brasil, não houve atentados, assassinatos nem suicídios. A morte de Henrique Valladares, ex-vice-presidente da Odebrecht, e um dos principais delatores da Operação Lava-Jato, encontrado morto, ontem, no seu apartamento no bairro do Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro, segundo a Polícia Civil, teve causa indeterminada. Valladares foi um dos responsáveis pela delação de Aécio Neves (PSDB) e do ex-senador e ex-ministro Edison Lobão (MDB).

Os envolvidos na Operação Lava-Jato, em sua maioria, pertencem à elite política, burocrática e empresarial do país. A maioria dos que fizeram “delação premiada” já está em casa com tornozeleira eletrônica; os que não fizeram, “puxam” cadeia prestando serviços de acordo com suas competências: fazem resenhas de livros, prestam serviços profissionais e cuidam da limpeza das celas, para melhorar a qualidade de suas condições carcerárias e conseguir a progressão das penas.

Delatores e delatados convivem pacificamente, enquanto aguardam a redução de suas penas. Não existe “omertà”, termo napolitano do código de honra e silêncio da máfia italiana. Acompanham com a atenção a “guerra de posições” entre “lavajatistas” e “garantistas” no Supremo Tribunal Federal (STF) e a disputa que se instalou no Ministério Público Federal (MPF), a partir da sucessão da ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, cujo mandato acabou na terça-feira.

Ontem, no primeiro dia de seu mandato tampão, o vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), Alcides Martins, que assumiu, interinamente, a chefia da Procuradoria-Geral da República (PGR), “em nome da continuidade”, anunciou o retorno dos integrantes do grupo de trabalho da Lava-Jato na PGR, que haviam deixado seus postos na reta final do mandato de Raquel Dodge, por discordarem da forma como ela conduzia a operação. Dos seis integrantes, cinco voltaram ao cargo. A decisão é uma saia justa para o futuro procurador-geral, Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo nome está sendo submetido à aprovação do Senado.

William Waack - Apostas que deram errado

- O Estado de S.Paulo

Política externa baseada em laços pessoais causa mais problemas do que resolve

No momento em que esta coluna vai para publicação está ainda indefinido o resultado das eleições gerais em Israel. Não se sabe se Binyamin “Bibi” Netanyahu irá para o quinto mandato como chefe de governo em Jerusalém (um impressionante recorde) ou, ao contrário, se ele acabará até mesmo na cadeia, acusado de corrupção. Ou se dividirá de alguma forma o poder com amigos transformados em adversários, ou inimigos transformados em amigos.

Para o governo Jair Bolsonaro, a eleição israelense oferece uma eloquente lição, que até agora ele e seus assessores têm se recusado a admitir. Não é o fato de que apostas políticas podem dar assustadoramente (para quem aposta) errado – Netanyahu apostou que convocar uma nova eleição depois da apertada vitória nas últimas, em abril, o consolidaria no poder, o que não parece estar acontecendo.

Apostas que causam mais problemas do que resolvem são aquelas feitas em política externa nas pessoas, na relação pessoal entre governantes, uma evidente marca da maneira como o atual governo enxerga boa parte dos laços com o mundo lá fora. Os atuais entre Brasil e Israel foram descritos como resultado da “amizade pessoal” entre Bibi e Jair. Também o que seria a “reorientação” do Brasil em relação ao complexo quadro do Oriente Médio surge nessa descrição como consequência desse entendimento pessoal.

Zeina Latif* - A composição do crescimento importa

- O Estado de S.Paulo

Uma das consequências do baixo crescimento é que a recuperação da economia não é disseminada entre os setores. Uns poucos conseguem ter bom desempenho em meio ao marasmo e até contração de outros tantos.

Alguns setores são menos sensíveis ao ciclo econômico doméstico e contribuem para a resiliência da economia. É o caso das exportações. Se, por um lado, o comércio mundial estagnado afeta o volume exportado e os preços das exportações em dólar, por outro, o aumento da cotação do dólar preserva e até infla sua rentabilidade. Os preços de exportação em reais subiram 20,4% em 2018 e 6,3% no acumulado até julho. Vale citar que o dólar forte, em boa medida, resulta da própria fraqueza do comércio mundial, que penaliza comparativamente menos o EUA.

Nesse grupo, a agropecuária tem também se beneficiado da combinação da guerra comercial entre EUA e China e da peste suína na China. No ano passado, o volume exportado aumentou 16% e até julho deste ano, 3,5%. Os preços dos produtos exportados em reais tiveram modesto recuo até julho, de 2%, mas depois de subirem 17% no ano passado.

Além disso, a agropecuária, bem como os demais exportadores de commodities, sofre menos com o custo Brasil, em que pese a infraestrutura precária e a questão ambiental ainda mal resolvida. Destacam-se a carga tributária mais baixa e a menor utilização de mão de obra.

Esses setores, no entanto, têm baixo peso no PIB e reduzido impacto nas cadeias produtivas. Seu dinamismo é boa notícia para as regiões exportadoras (e para a balança comercial), mas pouco estimula o crescimento.

Maria Hermínia Tavares de Almeida* - Desigualdade à brasileira

- Folha de S. Paulo

Em nosso país, o 1% mais rico se apropria de mais de 1/4 da renda total

Recentemente, o apresentador Luciano Huck alertou uma plateia de empresários para os perigos da nossa desigualdade social. “Se não fizermos nada, o país vai implodir”, previu. Há quem ache que se trata de um falso alarme. Afinal, países dificilmente implodem, salvo em casos de invasão ou revoluções.

Outros argumentam que a própria meta de redução das diferenças carece de sentido. No entender destes, o que realmente conta é a diminuição da pobreza na qual estão imersos milhões de patrícios. Afinal, se eles conseguissem alcançar um nível de vida decente, as fruições da parcela dos muito ricos seriam irrelevantes.

O raciocínio parece sensato. Talvez não seja.

No Brasil, as desigualdades de renda e patrimônio são imensas e duradouras. Sua trajetória e os dados que a comprovam estão no excelente livro “Uma história de desigualdade – a concentração de renda entre os ricos no Brasil, 1926-2013”, de Pedro H.G. Ferreira de Souza, pesquisador do Ipea.

O trabalho deixa claro que o Brasil não é só uma nação desigual entre tantas outras, mas ocupa lugar especial entre aquelas para as quais há dados confiáveis. Só aqui e no Qatar, o país mais rico do mundo por habitante, graças a suas reservas de gás, 1% do topo da população se apropria de mais de 1/4 da renda total. Cerca de 1,4 milhão de brasileiros abocanha aproximadamente o mesmo naco da riqueza nacional que os 102 milhões do contingente dos 50% mais pobres.

Fernando Schüler* -O quinto poder e as regras eleitorais

- Folha de S. Paulo

Novo movimento é, por definição, reativo e efêmero

Sempre acho curioso quando escuto, no debate público, alguém encher a boca para falar nas “escolhas da sociedade”. Ainda nesta semana li um artigo dizendo, com alguma pompa, que caberá à sociedade distribuir os custos do Estado na reforma tributária. Indo mais longe, cansei de assistir a gente boa dizendo que, nos anos 1980, a sociedade fez uma “opção pela democracia” e, nos anos 1990, pelo fim da inflação.

Por esta lógica, nos anos 2000, a sociedade fez uma opção pela responsabilidade fiscal, e logo depois uma opção por não levar a sério a responsabilidade fiscal. Houve a opção por um breve ciclo de reformas, no início do governo Lula, e depois a opção por reforma nenhuma. A sociedade decidiu criar os “campeões nacionais” via BNDES e decidiu fazer as Olimpíadas e a Copa do Mundo aqui nos trópicos. No fim, decidiu pôr fim à festa, trocar o governo e criar a regra do teto de gastos.

É evidente que isso é uma fantasia. No mundo real da política, escolhas são feitas no mercado político, a partir do jogo de interesses e capacidade de pressão de diferentes grupos sociais. É mais ou menos isso que o James Buchanan, ganhador do prêmio Nobel de economia, chamava de “política sem romance”.

De um modo muito geral, a regra é a seguinte: grupos bem organizados, com interesses concentrados, tendem a ganhar o jogo; grupos maiores, inorgânicos e com interesses difusos, tendem a perder.

É o que vimos na reforma da Previdência. Corporações públicas garantiram regras especiais, enquanto a ampla classe média, do setor privado, e a turma do andar de baixo foram para a regra geral. É evidente que a retórica aceita tudo. No limite, qualquer coisa pode ser justificada, a partir do argumento vago e flexível do “interesse público”. Na prática, a competição no mundo retórico segue as mesmas regras da competição dos interesses no mundo político.

Bruno Boghossian – Concorrência interna

- Folha de S. Paulo

Rompimento do PSL com Witzel e ataques a Huck criam obstáculos na centro direita

Em pouco mais de um mês, Jair Bolsonaro moveu peças para dificultar os caminhos de três potenciais adversários dentro de seu campo político expandido. Depois de acusar João Doria e Luciano Huck de se beneficiarem de financiamentos generosos na era petista, o presidente viu o seu PSL migrar para a oposição ao governo Wilson Witzel no Rio.

Bolsonaro já mostrou que pensa muito no próprio futuro. Falou diversas vezes de sua Presidência como um projeto de oito anos e abandonou o discurso contra a reeleição. Os ataques a Doria, Huck e Witzel indicam que a maior ameaça a seus planos é o surgimento de alternativas pelo centro e pela direita.

Faltam três anos para uma nova disputa, mas o presidente trabalha para asfixiar qualquer uma dessas opções no nascedouro. A intenção é desgastar a imagem de nomes que soem mais moderados, vinculando-os à esquerda, e criar dificuldades políticas para aqueles que têm uma plataforma semelhante à sua.

Witzel se encaixa no segundo grupo. O governador do Rio era um azarão na última campanha, mas pegou carona na popularidade crescente de Bolsonaro no estado e disparou para a vitória. No poder, assumiu um programa radical para a segurança, rivalizando com o presidente.

Vinicius Torres Freire – Juros mais baixo, teto de gastos em alto

- Folha de S. Paulo

Banco Central indica que taxa de juros pode ficar abaixo de 5% no início de 2020

A taxa básica de juros pode ir abaixo de 5% ao ano em 2020, indicou o Banco Central. Na prática, a taxa real de juros cairia para menos de 1%. Que tal quase zero?

E daí? As implicações são várias mas, para começar, uma taxa assim baixa terá influência nos debates sobre o teto de gastos e o déficit do governo federal.

Em resumo, deve esquentar a discussão sobre a possibilidade de o governo gastar mais a fim de “estimular a economia”, tanto faz se amemos ou detestemos essa hipótese. Com taxas de juros menores (zero?), o custo de algum endividamento extra do governo cai, embora o aumento da dívida tenda, em tese, a pressionar a taxa de juros para cima.

O Banco Central jamais é tão explícito quanto as primeiras palavras deste texto, mas foi eloquente no comunicado em que divulgou a redução da Selic de 6% para 5,5%, nesta quarta-feira (18).
Está lá escrito: “O cenário híbrido com taxa de câmbio constante e trajetória de juros da pesquisa Focus implica inflação em torno de 3,4% para 2019 e 3,8% para 2020”. Quer dizer, com Selic a 5% e dólar a R$ 4,05 até o final do ano que vem, a inflação ficaria abaixo da meta.

Logo, sem outros abalos e frustrações das expectativas do BC para o Brasil e o mundo, a Selic pode ir a menos de 5%. Falando português claro, quais são essas expectativas (o contexto em que a inflação e juros poderiam continuar em baixa)?

Primeiro, o país deve continuar crescendo pouco, menos de 1% neste ano e no máximo 2% em 2020, com as consequências sabidas: desemprego alto e salário médio real contido ou estagnado, como agora.

Segundo, deve haver “continuidade das reformas” e “perseverança nos ajustes”. Nesse ponto, o BC é vago quanto a meios (quais reformas?), embora os fins sejam óbvios: controle duradouro de déficit e dívida, pelo menos.

Maria Cristina Fernandes - Quem disciplina os desempregados

- Valor Econômico

Sob um equilíbrio frágil e atemorizante, o cabo de guerra que segura a multidão de desempregados pode arrebentar o futuro político de Bolsonaro

Ivana Taís tem 21 anos, duas filhas e ensino médio incompleto. Deixou o Maranhão há três meses porque trabalhava numa padaria das 7h às 19h para ganhar R$ 300 por mês. Na segunda-feira, chegou às 23h no mutirão do emprego promovido pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo. Como a distribuição de senhas só começaria na manhã seguinte, Ivana passou a noite ao relento com o marido, também desempregado. Não tinha conseguido pregar os olhos, amanhecidos com sinais de irritação. Quando achou que fossem dormir, houve uma tentativa de assalto na fila: “Foi os disciplina que botaram o ladrão pra correr”.

Cercada por gradis baixos, a fila invade o Vale do Anhangabaú e pode ser vista pelos visitantes da vizinha Fundação Fernando Henrique Cardoso. De madrugada, só moradores de rua, trombadinhas e traficantes dividem aquele espaço. São a estes últimos que Ivana chama de ‘os disciplina’. Coube aos seguranças do sindicato negociar uma trégua. Ali estavam pais e mães de família e, se a polícia baixasse, o rolo poderia terminar em tragédia.

A madrugada do Anhangabaú demonstra que um dos motivos pelos quais a corda não arrebenta nesse extrato de 12,6 milhões de desempregados do país é o frágil - e atemorizante - equilíbrio entre gatunos, traficantes, seguranças privados e policiais. Neste cabo de guerra, o que pode arrebentar é o futuro do presidente da República.

Não é uma maioria de bolsonaristas que se acotovela na fila, mas entre seus eleitores, prevalece o arrependimento. É o caso do motorista aposentado José Augusto de Lima, 70 anos, o primeiro a chegar, às 14h da véspera do atendimento. Com a ajuda da mulher, aposentada e manicure, paga os R$ 1,2 mil do aluguel e das taxas do apartamento em que mora no Centro, e os R$ 500 do empréstimo consignado.

Depois de votar no PT três vezes consecutivas, foi de Jair Bolsonaro em 2018, a pedido de um de seus três filhos, mas não vê nenhuma de suas promessas se confirmar. Além da mulher continuar a andar na rua apavorada, acha que venezuelanos e haitianos tomam os poucos empregos que há. Só vê alguma melhoria na corrupção, que não enche barriga. “Acho que ele não termina o mandato”, conclui.

Ribamar Oliveira - Entre o gradual e o choque está o possível

- Valor Econômico

Desindexar o mínimo exige três quintos dos votos do Congresso

A proposta de reforma da Previdência Social, aprovada pela Câmara dos Deputados e prestes a ser votada pelo Senado, prevê a indexação dos benefícios previdenciários e assistenciais. Foi o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que propôs a correção para manter o valor real dos benefícios, no texto original que encaminhou ao Congresso, em fevereiro deste ano.

Agora, Guedes quer acabar com a indexação para reduzir o crescimento das despesas obrigatórias. Qual é a chance de a proposta ser aprovada? Ou seja, que deputados votem contrário ao que acabaram de aprovar e que senadores votem contra o que irão aprovar em breve?

Em artigo publicado recentemente no Valor, o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Von Doelling, disse que o Brasil vive hoje um dilema: seguir uma trajetória gradualista para combater o déficit fiscal ou tentar uma alternativa de choque. Para ele, a alternativa mais sensata é o choque. Ao permanecer na linha gradualista, segundo Doelling, “perpetua-se o círculo vicioso déficit-dívida”.

Uma alternativa para o choque, segundo Doelling, seria aprovar as medidas previstas na proposta dos “3ds” defendida pelo ministro Guedes. Ou seja, fazer a desindexação das despesas orçamentárias, a desvinculação e a desobrigação, embora ainda não se saiba exatamente o que Guedes pretende com o terceiro “d”.

Com a desindexação das despesas, de acordo com alguns de seus interlocutores, o ministro da Economia espera acabar com a correção automática e anual do salário mínimo e de todos os benefícios previdenciários e assistenciais.

Neste ponto, Guedes inova, pois até agora a maioria dos economistas, preocupados com o crescimento vertiginoso das despesas públicas, propunha apenas acabar com a vinculação dos benefícios previdenciários e assistenciais ao salário mínimo. Isto porque a legislação em vigor estava concedendo aumentos reais para o piso, que eram repassados aos benefícios previdenciários e assistenciais, provocando um forte crescimento dos gastos públicos.

Ricardo Noblat - Derrota à vista para o Zero Um

- Blog do Noblat | Veja

O pai tenta tirar o seu da reta
Pela segunda vez em 48 horas, o senador Flávio Bolsonaro, presidente do PSL do Rio de Janeiro, deu um ultimato aos seus colegas de partido: serão expulsos aqueles que continuarem a apoiar o governador Wilson Witzel (PSC).

Por ora, os 12 deputados estaduais do PSL resistem à ordem do Zero Um e debocham da ameaça. Não querem perder os cargos que Witzel lhes deu em troca do apoio. Duas secretarias de Estado são ocupadas por filiados ao PSL.

O presidente Jair Bolsonaro mandou um emissário ao governador para dizer que ele nada tem a ver com a decisão tomada por Flávio. Witzel fingiu acreditar, como se fosse possível ao filho, a qualquer um deles, contrariar a vontade do pai capitão.

Witzel é candidato declarado à sucessão de Bolsonaro em 2022. Bolsonaro acha que ele está por trás da investigação aberta pelo Ministério Público do Rio contra Flávio e que foi suspensa por uma especial gentileza do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo.

O que mais irritou Bolsonaro ultimamente foi ver Witzel em cima de um tanque do Exército na abertura do desfile militar de 7 de setembro último. Foi uma desfeita ao capitão. As Forças Armadas são reduto eleitoral dele, e assim devem se manter.

Lambança com as digitais da Câmara dos Deputados

Caixa 2, dinheiro para a compra de imóveis, drible na Lei da Ficha Limpa...

O presidente da Câmara pode muito, mas não pode tudo. E foi mais ou menos envergonhado que o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) comentou depois da sessão onde a maioria dos seus pares aprovou uma escandalosa reforma da legislação eleitoral:

– A Câmara tem convicção do que aprovou. Votamos aquilo que entendemos que é o melhor para o processo eleitoral e partidário.

Noves fora nada, Maia serviu uma platitude ao invés de um juiz de valor convincente. Sua força política repousa nos partidos que o sustentam no cargo. A maioria deles é de centro-direita, mas Maia tem bom trânsito nos partidos de esquerda.

O que pensa a mídia – Editoriais

- Editoriais de hoje:

Uma reforma sem projeto – Editorial | O Estado de S. Paulo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, continua em busca de uma reforma tributária, segundo ele mesmo anunciou. Sem poder ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), a equipe econômica procura uma fórmula para livrar as empresas da contribuição previdenciária sem abrir um buraco nas contas da Previdência. Só isso? Sim, só isso ou bem pouco mais, segundo as informações até agora fornecidas pelo Executivo. As mudanças defendidas pelo ministro da Economia e pelo recém-demitido secretário da Receita, Marcos Cintra, podiam divergir em alguns detalhes, mas coincidiam em dois pontos fundamentais. As alterações dependiam, nos dois casos, de uma versão mais potente do chamado imposto do cheque, a extinta CPMF. Além disso, a desoneração da folha salarial das empresas seria, em qualquer dos casos, um dos objetivos centrais. Também se prometeu simplificar o sistema de impostos e contribuições, mas a grande utilidade da nova CPMF seria, mesmo, livrar os empregadores do custo previdenciário.

Como o presidente da República proibiu a circulação do vampiro tributário, o imposto do cheque libertado da cova, foi preciso recomeçar todo o trabalho. As ideias de reforma tributária do ministro da Economia, como se comprovou mais uma vez, eram pouco mais que nada. Que o secretário da Receita por ele escolhido insistisse em algo como a CPMF era previsível. O economista Marcos Cintra era conhecido, havia muito tempo, pela pregação de um imposto único. Que esse tributo seria parecido com o velho imposto do cheque também era sabido. Uma das poucas novidades foi a adesão do ministro Paulo Guedes a essa ideia como se fosse uma fórmula milagrosa. Outra novidade – esta um tanto chocante – foi a insistência na desoneração da folha como grande foco da reforma.

Em quase nove meses de governo, assim como durante a campanha eleitoral, o atual ministro da Economia nunca iniciou uma discussão ampla sobre os defeitos da tributação em vigor nem sobre a construção de um sistema funcional, favorável ao crescimento, à modernização e à integração do País ao mercado global e às cadeias de valor.

Poesia | Paulo Mendes Campos - Neste soneto

Neste soneto, meu amor, eu digo,
Um pouco à moda de Tomás Gonzaga,
Que muita coisa bela o verso indaga
Mas poucos belos versos eu consigo.
Igual à fonte escassa do deserto,
Minha emoção é muita, a forma, pouca.
Se o verso errado sempre vem-me à boca,
Só no meu peito vive o verso certo.
Ouço uma voz soprar à frase dura
Umas palavras brandas, entretanto,
Não sei caber as falas de meu canto
Dentro de forma fácil e segura.
E louvo aqui aqueles grandes mestres
Das emoções do céu e das terrestres.

Música | Mariene de Castro & Almério - Lamento Sertanejo