- O Estado de S. Paulo
Milhões sorvem a torpeza bolsonarista como
quem degusta um cálice de absinto
Em abril do ano passado, em artigo
publicado na revista piauí (edição 163), Uma esfinge na presidência,
o cientista político Miguel Lago propôs uma chave intrigante para interpretar o
bolsonarismo. Segundo o autor, quanto maior e mais conflagrado for o confronto
nas redes sociais, mais sustentação terá o presidente da República – e quanto
mais baixo descer a reputação do governante, mais alto soará o alarido daqueles
que o sustentam. Miguel Lago previu que a bandeira do impeachment não iria
minar as bases de apoio de Bolsonaro; ao contrário, ajudaria a solidificá-las.
Previu e acertou. A força política de Jair Bolsonaro tornou-se tanto mais
determinada, embora minoritária, quanto pior ficou sua imagem perante a opinião
pública minimamente esclarecida.
A explicação para essa modalidade pútrida de “quanto pior, melhor” vem da dinâmica peculiar das mídias sociais. As compactações das multidões virtuais seguem leis que pouco ou nada têm que ver com a política dita convencional. Enquanto na cartilha dos politólogos as alianças políticas resultam da negociação de interesses e se formalizam em programas propositivos, nos algoritmos das plataformas sociais tudo acontece de ponta-cabeça: o que rende audiência, empolgação e adesão não é o que pacifica, mas o que choca, ofende, escarnece – daí o sucesso das agressões, das manifestações de ódio e da infâmia. Se nos sindicatos ou nos partidos políticos o que reúne as pessoas são os acordos mais ou menos racionais, na internet o que as congrega é o êxtase de insultar e ultrajar um inimigo real ou imaginário, num fragor que não tem parte com a razão.